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Análise de uma situação interacional a luz dos referenciais teóricos de Rickelman e de Laing

Analysis of an interaction situation through Rickelman's and Laing's theoretical frameworks

Análisis de una situación interaccional mediante los referenciales teóricos de Rickelman y de Laing

Resumos

Utilizou-se categorias do Modelo de Interação Lingüística Bio-Psico-Social de Rickelman e da Teoria da Percepção lnterpessoal de Laing para categorização e descrição de uma situação interacional, partindo-se do pressuposto de que havia compatibilidade entre estes dois referenciais teóricos. Concluiu-se que, apesar de haverem sido identificados, do ponto de vista teórico, aspectos concordantes entre eles, na aplicação prática esses dois referenciais evidenciam algumas diferenças substanciais, decorrentes de seu embasamento filosófico, que dificultam ou não aconselham seu uso concomitante.

comunicação interpessoal; psicolingüística


The authors utilized Rickelmall's Bio-Psycho-Social Linguistics Interaction Model and Laing's lnterpersonal Perception Theory categories to classify and describe an interaction situation, supposing that these theoretical frameworks were compatible. They concluded that, in despite of some identified convergent theoretic aspects, their practical application evidenced substantive differences, derived from philosophical basis, that raised difficulties or objections to their concomitant use.

interpersonal communication; psycholinguistics


Se utilizó categorías del Modelo de Interacción Lingüística Bio-Psico-Social de Rickelman y de la Teoría de la Percepción Interpersonal de Laing para categorización y descripción de una situación interaccional, teniendo Como presupuesto que había compatibilidad entre estos dos referenciales teóricos. Se concluyó que, a pesar de haber sido identificados, desde el punto de vista teórico, aspectos concordantes entre sí, en la aplicación práctica, estos dos referenciales muestran algunas diferencias sustanciales, dependientes de su basamento filosófico, los cuales dificultan o no aconsejan su uso concomitante.

comunicación interpersonal; psicolingüística


ARTIGO ORIGINAL

Análise de uma situação interacional a luz dos referenciais teóricos de Rickelman e de Laing

Analysis of an interaction situation through Rickelman's and Laing's theoretical frameworks

Análisis de una situación interaccional mediante los referenciales teóricos de Rickelman y de Laing

Telma Ribeiro GarciaI; Tânia Couto Machado ChiancaII; Nilza Teresa Rotter PeláIII

IDoutoranda em Enfermagem, Programa lnterunidades da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiátrica - CCS/Universidade Federal da Paraíba

IIDoutoranda em Enfermagem, Programa lnterunidades da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Básica - Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais

IIIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

RESUMO

Utilizou-se categorias do Modelo de Interação Lingüística Bio-Psico-Social de Rickelman e da Teoria da Percepção lnterpessoal de Laing para categorização e descrição de uma situação interacional, partindo-se do pressuposto de que havia compatibilidade entre estes dois referenciais teóricos. Concluiu-se que, apesar de haverem sido identificados, do ponto de vista teórico, aspectos concordantes entre eles, na aplicação prática esses dois referenciais evidenciam algumas diferenças substanciais, decorrentes de seu embasamento filosófico, que dificultam ou não aconselham seu uso concomitante.

Descritores: comunicação interpessoal, psicolingüística

ABSTRACT

The authors utilized Rickelmall's Bio-Psycho-Social Linguistics Interaction Model and Laing's lnterpersonal Perception Theory categories to classify and describe an interaction situation, supposing that these theoretical frameworks were compatible. They concluded that, in despite of some identified convergent theoretic aspects, their practical application evidenced substantive differences, derived from philosophical basis, that raised difficulties or objections to their concomitant use.

Descriptors: interpersonal communication, psycholinguistics

RESUMEN

Se utilizó categorías del Modelo de Interacción Lingüística Bio-Psico-Social de Rickelman y de la Teoría de la Percepción Interpersonal de Laing para categorización y descripción de una situación interaccional, teniendo Como presupuesto que había compatibilidad entre estos dos referenciales teóricos. Se concluyó que, a pesar de haber sido identificados, desde el punto de vista teórico, aspectos concordantes entre sí, en la aplicación práctica, estos dos referenciales muestran algunas diferencias sustanciales, dependientes de su basamento filosófico, los cuales dificultan o no aconsejan su uso concomitante.

Descriptores: comunicación interpersonal, psicolingüística

INTRODUÇÃO

De acordo com o Modelo de Interação Lingüística Bio-Psico-Social de RICKELMAN (1971), a interação ocorre por um processo de recepção e interpretação de mensagens bio-psico-social, ou seja, por uma correlação criteriosa e proposital dessas mensagens, que são filtradas através dos domínios cognitivo (pensamento lógico), afetivo (sentimentos e emoções) e conativo (volição para ação; ação aberta) das personalidades dos indivíduos (seres totais) envolvidos na interação. Segundo a autora, as mensagens lingüísticas bio-psico-social, sejam elas verbais ou não-verbais, referem-se a comportamentos humanos comunicativos observáveis, sendo a partir dessas mensagens que os indivíduos que estão interagindo "definem" suas ações na interação.

No entender de GARCIA & CARVALHO (1994), além de ser compatível com as premissas básicas do Interacionismo Simbólico, que fornece orientações gerais para a Comunicação, o Modelo de Interação Lingüística Bio-Psico-Social de RICKELMAN (1971) também é compatível com o grupo de teorias onde a Comunicação é tratada no contexto da interação face-a-face, ou seja, no contexto da Comunicação Interpessoal, que trata do aspecto do estabelecimento de relações que se definem por percepções mútuas.

Neste sentido, a Teoria da Percepção Interpessoal de Ronald D. Laing nos pareceu de acordo com os pressupostos de RICKELMAN (1971), visto que sua tese é que "o comportamento comunicativo de um indivíduo é largamente modelado por sua percepção (experiência) da relação com o outro comunicador".

Segundo LITTLEJOHN (1988), Laing adota um enfoque fenomenológico do estudo dos seres humanos, onde o dado básico para análise é a experiência da pessoa, ou a realidade tal como é vivenciada por um dado indivíduo. Estabelece uma distinção fundamental entre comportamento e experiência: enquanto o comportamento é público e observável, a experiência (vivência) é intensamente particular. Inferir a experiência do comportamento, isto é, o sentimento que acompanha o comportamento ou a percepção do comportamento de outrem, é a essência da comunicação, embora não seja uma tarefa fácil (Laing 1967 apud LITTLEJOHN, 1988).

Para LAING (1976), uma pessoa que interatua com outra tem dois níveis de experiência ou perspectiva: a) vi vencia a outra numa perspectiva direta; b) vi vencia a vivência da outra - metaperspectiva, onde imagina, pressente, intui ou infere o que a outra pessoa está sentindo, percebendo ou pensando. Segundo o autor, embora seja difícil compreender o self de outrem, "pode-se confiar na sua ação e testemunho para deduzir de que modo ele se sente".

LAING (1976) afirma que uma relação é definida pelas perspectivas diretas e metaperspectivas dos comunicadores. A saúde de uma relação, diz o autor, é determinada, em grande parte, pela exatidão perceptual dos indivíduos em interação, e "somente quando duas pessoas realizam atos de atribuição recíproca bem sucedidos pode haver entre eles genuíno relacionamento".

Segundo nosso entendimento, essa exatidão perceptual está na dependência do processo interpretativo das mensagens verbais e não-verbais enviadas e recebidas durante o relacionamento interpessoal. Na situação face-a-face, aquilo que o outro "é" (o que pensa, 0 que sente e como age) está continuamente à disposição da pessoa com quem interatua, através das mensagens que envia. E os domínios cognitivo, afetivo e conativo da personalidade de cada um dos indivíduos em interação (da pessoa e do outro) são essenciais para o processo interpretativo das mensagens. São esses domínios que "filtram" as mensagens lingüísticas. A efetividade da interação depende, portanto, da capacidade de organização cognitiva, da tonalidade emocional e da tendência cônscia dos indivíduos para responder afetiva e cognitivamente em seus relacionamentos interpessoais.

Tendo em vista o referencial acima explicitado, estabelecemos para este trabalho os objetivos específicos de aplicar as categorias do modelo proposto por Rickelman aos dados resultantes de uma situação interacional, descrevendo a situação segundo a perspectiva direta e metaperspectiva da entrevistadora; e de verificar a compatibilidade do emprego concomitante das categorias do modelo de Rickelman e dos conceitos básicos da teoria de Laing para análise da situação interacional.

PROCEDIMENTO

Os dados do estudo foram coletados através de uma entrevista não-estruturada, realizada entre uma das autoras do trabalho e uma aluna de Pós-Graduação em Enfermagem que estava prestes a defender sua dissertação de Mestrado. Para sua ocorrência, marcou-se data e horário, e providenciou-se um local que garantisse a não interrupção e que propiciasse um clima de confiança entre entrevistadora/entrevistada. A entrevista foi registrada através de filmadora. Teve como questão orientadora a vivência da mestranda no período final do Curso de Mestrado, os acontecimentos marcantes e os sentimentos que permeavam essa sua vivência.

A entrevista foi transcrita integralmente e, durante sua transcrição, a entrevistadora acrescentava, após os segmentos de discurso da entrevistada, a perspectiva direta em que vivenciou a experiência da entrevistada; após os próprios segmentos de discurso, sua metaperspectiva acerca da experiência da entrevistada.

Após a transcrição, os segmentos de discurso da mestranda foram agrupados, para que se obtivesse uma narrativa corrente da situação por ela vivenciada. Em seguida, procedeu-se a uma leitura atenciosa do texto obtido, buscando-se selecionar as unidades de análise (amostras de enunciados tiradas do comportamento lingüístico da mestranda) que comporiam o "corpus" do trabalho. Obteve-se, inicialmente, 78 unidades de análise que foram, então, categorizadas pelas três participantes do estudo de forma individual, utilizando-se como referência a definição operacional das categorias do modelo de Rickelman apresentada por GARCIA (1994):

Domínio cognitivo - refere-se às mensagens lingüísticas em que predominam os enunciados centrados no contexto, envolvendo o conhecimento, percepção, imaginação, pensamento, ou os processos analíticos do indivíduo que fala, sobre o tema acerca do qual está falando. Ex.: "O dia está chuvoso".

Domínio afetivo - refere-se às mensagens lingüísticas em que predominam os enunciados que expressam, principalmente, a atitude (sentimentos, valores, crenças, reações pessoais) de quem fala, com relação àquilo de que fala. Ex.: "Não gosto de dias chuvosos".

Domínio conativo - refere-se às mensagens lingüísticas em que predominam os enunciados que denotam as inclinações para agir e as habilidades físicas do indivíduo que fala, ou suas ações e reações observáveis. Ex.: "Se amanhã o dia estiver ensolarado, irei à praia".

A categorização individual foi submetida ao processo de validação, que ocorreu em duas fases distintas. Na primeira fase, comparou-se as categorizações individuais das 78 unidades de análise realizadas pelas três autoras do trabalho, as quais passaremos a denominar A, B e C. Obteve-se um índice de concordância de 62,8% entre as participantes A e B; de 76,9% entre as participantes A e C; e de 60,2% entre as participantes B e C. Considerando-se o grupo das três autoras, o índice de concordância representou apenas 52,6%.

O índice de concordância abaixo de 80%, considerado pouco satisfatório em estudos dessa natureza, determinou a necessidade de realização da segunda fase, a de validação consensual. Considerando cada unidade de análise face à definição operacional das categorias de domínio das mensagens lingüísticas, as participantes entravam em acordo acerca de qual categoria estava contida na unidade de análise. Nessa face, as unidades de análise foram ampliadas de 78 para 81 unidades.

Para a apresentação dos dados obtidos na entrevista, optou-se por descrever a vivência da mestranda a partir da perspectiva direta e metaperspectiva da entrevistadora, exemplificando a descrição com as unidades de análise (enunciados lingüísticos da entrevistada) já categorizadas segundo os domínios das mensagens lingüísticas. Essa decisão foi tomada haja vista que, segundo a percepção das participantes do trabalho, facilitaria a verificação da compatibilidade do emprego concomitante das categorias do Modelo de Interação Lingüística Bio-Psico-Social de Rickelman e dos conceitos básicos da Teoria da Percepção Interpessoal de Laing.

DESCRIÇÃO DA VIVÊNCIA DA MESTRANDA E CATEGORIZAÇÃO DAS UNIDADES DE ANÁLISE DA ENTREVISTA

A mestranda vivencia um momento onde as emoções e sentimentos estão muito mobilizados. Está confusa entre os sentimentos de alegria, alívio e insegurança, causados pelo término do Mestrado, verbalizando incerteza a respeito de haver alcançado ou não seus objetivos com a pós-graduação, e a respeito da validade do curso para sua vida profissional e pessoal.

"... eu sinto esse momento como carregado de emoções as mais diversas..." AFETIVO "... ao mesmo tempo me dá alegria e um certo alívio - Nossa, já estou na reta final!..." AFETIVO "...também se misturam outras emoções - Meu Deus, será... Nossa! Será que era isso mesmo? Será que eu consegui alcançar? Será que eu aprendi? Será que essa vivência, ela foi boa... ela vai ser boa prá vida profissional, pessoal?..." AFETIVO

Essa mobilização de sentimentos contraditórios diz respeito, principalmente, à ansiedade relacionada ao dia da defesa da dissertação. Sente medo por ter que enfrentar a Banca Examinadora de sua Dissertação de Mestrado. O fato de ser acostumada a falar em público, a dar aulas, não diminui sua ansiedade por ter que enfrentar a situação da defesa da Dissertação. Gostaria que essa situação tivesse um significado diferente, e que pudesse vivenciá-la com menos ansiedade.

"... um certo medo também de ter que... que enfrentar uma Banca..." AFETIVO "...Acho que isso não dá prá negar!..." COGNITIVO "...por mais que a gente seja acostumada a falar em público, a dar aulas, isso (o medo) é uma verdade!..." COGNITIVO "...então a gente chega, assim, a sonhar: Meu Deus, podia ser diferente!..." AFETIVO

Para ela, saber a nota antes tomaria a apresentação pública mais fácil, dado que não teria que se preocupar, também, com o conceito da Banca. Embora reconheça que a nota é uma exigência legal e que não mede conhecimento nem capacidade, a nota que a Banca Examinadora vai lhe atribuir é uma fonte de incômodo e de tensão.

"... é uma coisa desagradável ter que se preocupar com a nota..." AFETIVO "... mas, ainda é uma exigência, né?, uma exigência legal... Então, a gente ainda tem que se submeter a ela..." COGNITIVO"...se a gente não tivesse que se submeter a isso, talvez fosse mais fácil. Poderíamos, assim, ser mais livres, mais espontâneos..." COGNITIVO

Através de conversas com outros pós-graduandos, chega à conclusão que a ansiedade nesse momento é comum a todas as pessoas que vão enfrentar situação semelhante à sua. A forma de buscar apoio emocional é compartilhar a ansiedade com as pessoas que estão vivenciando a mesma situação que ela. As verbalizações durante essas conversas dizem respeito, principalmente, à apresentação do trabalho, evitando-se falar sobre a nota.

"... nesta época, a gente conversa muito sobre isso com as pessoas que estão na mesma situação..." CONATIVO "... quer saber se os outros também sentem isso,... ou se somos só nós. que estamos, assim, ...nessa situação..." CONATIVO "...então, eu tenho isso que... todo mundo fica um pouco preocupado. Principalmente com a apresentação..." COGNITIVO "...a questão da nota até fica... Ninguém fala muito sobre ela!..." CONATIVO

Outra fonte de preocupação para ela é a apresentação gráfica da dissertação. Preocupa-se com a avaliação que os membros da Banca Examinadora, ou as pessoas que a lerem posteriormente, possam fazer a esse respeito. Considera difícil evitar que a apresentação gráfica da dissertação contenha alguns defeitos. A correria do período final, em que revisou a versão final da dissertação, fez as correções necessárias, imprimiu e fez as cópias para entrega à Secretaria do Curso, também foi um momento estressante para ela.

"... é até a preocupação com a questão de digitação,... de, de... correção do material..." AFETIVO "... é uma coisa que a gente lê e relê, e você... Cada vez que você lê, você encontra erros de... erros de digitação, erros de português... é uma palavra errada!..." CONATIVO "... essa correria, também eu acho que estressa muito..." COGNITIVO

Saber que vai dar conta da tarefa, e que não vai haver problemas com a aprovação de sua dissertação, não elimina sua ansiedade relativa ao dia da defesa. Tem consciência da ansiedade que a domina, mas acha que é possível elaborá-la e controlá-la, trabalhando as emoções.

"... mesmo não investindo, eu acho que é impossível não ter uma certa ansiedade..." COGNITIVO "... eu acho que todos têm... Uns menos, outros mais..." COGNITIVO

"... é aquele negócio... assim, cada um trabalha, elabora suas emoções..." CONATIVO

O que parece incomodá-la mais é a formalidade da cerimônia de defesa pública da dissertação. Rever a forma como essa apresentação pública é realizada, seria um meio de tornar o processo mais ameno.

"... é claro que algumas coisas podem ser feitas prá amenizar isso..." CONATIVO

"... eu acho que até uma certa revisão dessa questão..." COGNITIVO "... precisa ser tão estressante?..." COGNITIVO "... não tem outra maneira pra fazer isso?..."

COGNITIVO "... eu sei de outra Escola que não... que não tem essa apresentação pública..." COGNITIVO "... o mestrando entrega a dissertação, a banca lê..." CONATIVO

Considera que há características pessoais que facilitam ou dificultam o processo. Além das características pessoais da mestranda, as características das outras pessoas que participam do processo (membros da Banca Examinadora) também podem facilitar ou dificultar o desempenho da mestranda.

"... eu acho que tem características individuais também nisso aí. E das pessoas que estão lá na frente, também!..." COGNITIVO

Pensa que deveria ser permitido ao público fazer comentários ou perguntas à mestranda. Não permitir manifestações do público parece ser uma norma autoritária que não a agrada. Concorda que seria difícil estabelecer limites para a participação do público, o que poderia prolongar o tempo dedicado à defesa da dissertação. Entretanto, para ela a questão do tempo é menos importante que o intercâmbio de experiência que pode surgir desse diálogo com o público.

"... por exemplo, esse momento de colocação... eu acredito que ele deveria permitir que as pessoas que estão assistindo também se manifestassem..." COGNITIVO

"... e eu tenho assistido algumas defesas, e eu tenho vontade de perguntar algumas coisas..." CONATIVO "... mas você não pode. Você tem que ficar só assistindo..." CONATIVO "... eu acho que o interessante é o intercâmbio!..." COGNITIVO

Para ela esse é um momento de ambivalência, onde o pós-graduando está "flutuando" entre o sentimento de alívio e o de perda. A ambivalência de sentimentos (alegria e alívio por haver terminado o Curso, a sensação de perda por aquilo que deixou de fazer) tem como origem a validade da experiência que vivenciou, A proximidade do final do Curso de Mestrado parece despertar-Ihe a sensação de que poderia ter aproveitado melhoro período, cursando mais disciplinas trocando mais experiências com os colegas. Essa é uma sensação que parece ser comum a todos os pós-graduandos.

"... ao mesmo tempo em que você está aliviado por estar acabando..." AFETIVO "...ao mesmo tempo você pensa: Puxa, que pena que está acabando! Puxa, se eu pudesse começava tudo outra vez! Essa ou aquela outra disciplina... Ou: Eu conversaria mais com os colegas..." CONATIVO"...eu... não sei! Nossa!... AFETIVO "...mas eu acho que esse momento... se dá, assim, essa sensação de perda é porque também todo esse tempo é... foi bom! Apesar de todo esse sofrimento!..." COGNITIVO

Apesar do desgaste físico, mental e emocional que representou a realização do Mestrado para ela, acha que o Curso foi válido. Pensa, entretanto, que algumas disciplinas poderiam ter uma orientação didática diferente. Não concorda com posturas autoritárias em sala de aula, o que dificulta o crescimento dos alunos - para uma disciplina ser válida, ela não necessita ser vivenciada pelo aluno com "sofrimento", mas com "prazer de estar aprendendo e compartilhando a aprendizagem". Quando é permitido ao aluno expressar seu pensamento sem medo de ser criticado, há maior possibilidade de aprendizagem.

"... mas, eu ainda acho que muitas coisas poderiam ser menos sofridas..." COGNITIVO "... mesmo ao nível das disciplinas... Acho que, às vezes, uma postura rígida... mais rígida do docente, inibe muitas pessoas que estão fazendo aquela disciplina..." COGNITIVO "... eu acho que quando é mais livre, a gente tem mais coragem de se expor, mais prazer!..." COGNITIVO

Para ela, é importante eliminar um pouco da rigidez que caracteriza o comportamento da enfermeira. Considera que o excesso de rigidez de atitudes, que caracteriza a forma como a enfermeira é vista por outros profissionais, inclusive na Escola onde é docente, não é um aspecto positivo para a profissão.

"... a gente não pode ser assim muito rígida..." COGNITIVO "... as pessoas até falam, conversam na Faculdade: Nossa! Tudo que é de enfermeira é rígido,... certinho!..." CONATIVO "... estou falando do excesso... que acaba por inibir, por tirar a espontaneidade!..." CONATIVO

CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS RESULTADOS

Os resultados obtidos neste estudo podem ser analisados a partir de dois aspectos distintos - o da categorização das mensagens lingüísticas segundo os domínios propostos por Rickelman, e o da possível compatibilidade no uso concomitante dessas categorias e dos conceitos básicos da teoria de Laing.

Quanto ao primeiro aspecto, conforme explicitamos na metodologia, observou-se um índice de concordância considerado baixo entre as participantes do estudo na primeira fase de categorização das unidades de análise e sua validação. O quadro na página a seguir demonstra a freqüência das categorias de domínios das mensagens lingüísticas por participantes do estudo e fases de categorização e validação.

A discordância aparenta ser mais acentuada nas categorias de domínio afetivo e conativo. Nesse sentido, questionamos se foi o modelo empregado para categorização; alguma limitação das participantes no uso das categorias deste modelo; ou se foi alguma variável interveniente o que determinou esse baixo índice de concordância na primeira fase de categorização e validação.

Há, ainda, a possibilidade de se levantar outra hipótese. A de que as categorias de domínio das mensagens lingüísticas podem gerar problemas em sua interpretação, a despeito da abordagem conceitual proposta por Rickelman favorecer a objetividade na análise das mensagens enviadas/recebidas durante situações interacionais.

Quando se diz, por exemplo, "Meu mestrado foi vivenciado com sofrimento", pode-se estar expressando um pensamento decorrente de um processo analítico. Há, porém, nessa frase uma alta dose de emoção, sentimento, ou reação pessoal, a depender, evidentemente, da entonação que o leitor lhe der. Como categorizá-la? Quem estará mais correto - aquele que a categoriza como pertencente ao domínio cognitivo, ou aquele que a categoriza no domínio afetivo?

Acreditamos que estas são questões que só serão respondidas ao se buscar um maior aprofundamento teórico-prático no emprego do modelo proposto com Rickelman, o que, evidentemente, não era nossa pretensão.

No caso deste estudo, havia algumas diferenças entre as participantes que consideramos necessário serem apontadas. Uma dessas diferenças é que apenas a participante que entrevistou a mestranda vivenciou a situação em termos de expressões não-verbais e da tonalidade emocional da entrevistada. Essa sua vivência pode ter representado uma variável interveniente durante a categorização das unidades de análise. Outra diferença, e outra possível variável interveniente, é que duas das participantes são alunas de pós-graduação e, portanto, participantes mais diretas da experiência que a mestranda estava vivenciando.

O segundo aspecto envolvido na análise dos resultados que se obteve no estudo diz respeito à possível compatibilidade no uso concomitante, para análise de uma situação interacional, das categorias de domínio das mensagens lingüísticas propostas no Modelo de Interação Lingüística Bio-Psico-Social de Rickelman, e dos conceitos básicos da Teoria da Percepção Interpessoal de Laing.

O modelo proposto por Rickelman, elaborado com base em princípios behavioristas, estabelece um paradigma baseado em três conceitos básicos - domínios cognitivo, afetivo e conativo das mensagens lingüísticas - que favorecem (ou devem favorecer) maior objetividade no momento de sua aplicação prática. No caso deste estudo, a despeito das dificuldades apontadas anteriormente, houve uma predominância marcante do domínio cognitivo na categorização das mensagens emitidas pela mestranda.

Por outro lado, a teoria proposta por Laing, baseada em um enfoque fenomenológico, propicia maior acesso à subjetividade do outro, especialmente naquilo que diz respeito à afetividade, à emoção. Ao descrever sua percepção e metapercepção acerca da vivência da mestranda às vésperas de sua defesa de dissertação, a participante do estudo que a entrevistou o fez de forma afetiva. Foi assim que ela vivenciou a vivência da mestranda -como um momento tenso de sentimento, onde as emoções estavam muito mobilizadas.

Temos, então, dois resultados distintos, dependendo do olhar que se lança aos dados: uma categorização de domínios das mensagens lingüísticas predominantemente cognitiva, determinada pela objetividade que o modelo de Rickelman favorece; e uma descrição da experiência interacional predominantemente afetiva, determinada pela subjetividade que a teoria de Laing propicia.

A nossa hipótese é que apesar de ser possível identificar, do ponto de vista teórico, aspectos compatíveis entre duas (ou mais) teorias ou modelos com embasamentos filosóficos diferentes, ficam evidenciadas na prática, diferenças substanciais que dificultam, ou não aconselham seu uso concomitante. É o que concluímos em relação ao Modelo de Interação Lingüística Bio-Psico-Social de Rickelman e à Teoria da Percepção Interpessoal de Laing.

  • 01. GARCIA, T. R. Modelo de interação lingüística bio-psico-social: testagem operacional. Ribeirão Preto, 1994. p. 9 (mimeografado)
  • 02. GARCIA, T. R.; CARVALHO, E. C. de. Interação lingüística bio-psico-social: abordagem teórica. Ribeirão Preto, 1994. p. 9 (mimeografado)
  • 03. LAING, R. D. O eu e os outros 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1976. p. 174.
  • 04. LAING, R. D.; LITTLEJOHN, S. W. Teorias da comunicação interpessoal. In: LAING, R. D.; LITTLEJOHN, S. W. Fundamentos teóricos da comunicação humana Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. cap. 8, p. 205-252.
  • 05. RICKELMAN, B. L. Bio-psycho-social linguistics: a conceptual approach to nurse-patient interaction. Nurs. Res., New York, v. 20, n. 5, p. 398-403, Sept.-Oct. 1971.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 1996
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