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A concepção de loucura e do seu tratamento entre os trabalhadores de saúde mental de uma instituição prestadora de serviço em nível secundário de atenção<a name=title></a>

La concepción de locura y de su tratamiento, en los trabajadores de salud mental de una institución

The conception of madness and its treatment to mental health workers from a second level service institution

Resumos

O presente trabalho tem como objetivo analisar as concepções de loucura e do seu tratamento entre os trabalhadores de saúde mental de uma instituição prestadora de serviço em nível secundário de atenção e a visão destes sobre o tratamento oferecido pela instituição. A pesquisa empírica foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas com trabalhadores da equipe de saúde mental. Através da análise dos discursos foram observadas diversas formas de conceber a loucura sendo divididas em dois grupos: um que reproduz o saber científico (ligadas as diversas correntes de pensamento da área) e outro que reproduz o saber advindo da prática. Este último apresenta uma visão social da loucura uma vez que ela é vista como produto das desigualdades sociais. Encontramos também a visão de periculosidade do doente mental em três categorias entrevistadas.

concepção de loucura; saúde mental


El presente trabajo tuvo por objetivo analizar las concepciones de la locura y su tratamiento, considerando los trabajadores de la salud mental que se desempeñan en una institución prestadora de servicios a nivel secundario, y la visión de éstos sobre el tratamiento que les es dado por la propia institución. La investigación empírica fue realizada a través de entrevistas semi-estructuradas, con los discursos fueron observadas diversas formas de concebir la locura, fueron divididas en dos grupos: uno que reproduce el saber científico (vinculado a las diversas corrientes de pensamiento en el área) y otro que reproduce el saber oriundo de la práctica. Este último presenta una visión social de la locura, dado que ésta es un producto de las desigualdades sociales. Encontramos también la visión de la peligrosidad del enfermo mental, en tres categorías entrevistadas.

concepción de la locura; salud mental


This paper aims at analyzing madness, as considered by mental health care workers from a second level service institution, and how they see the therapy offered by the organization. A research was conducted through semi-structured interviews with mental health care workers. Speech analysis allowed to observe various forms of acquiring madness, divided in two groups: one which reproduces scientific knoledge (linked to the different lines of thought in the area) and the other, that reproduces knowledge acquired through practice. This last group enables a social view of madness, which is a result of social differences. Authors also found the dangerousness of the mentally sick, split in three categories.

madness conception; mental health


ARTIGOS ORIGINAIS

A concepção de loucura e do seu tratamento entre os trabalhadores de saúde mental de uma instituição prestadora de serviço em nível secundário de atenção1 1 Resumo da Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Saúde Pública do Departamento de Enfermagem da UFSCar em 1993. Trabalho apresentado no IV Encontro de Pesquisadores em Saúde Mental. III Encontro de Especialistas em Enfermagem Psiquiátrica, Ribeirão Preto, SP, 1995

The conception of madness and its treatment to mental health workers from a second level service institution

La concepción de locura y de su tratamiento, en los trabajadores de salud mental de una institución

Valéria Mastrange P uginI; Yolanda C. BarbérioI; Carmem Lúcia Alves FilizolaII

ITerapeutas Ocupacionais do Ambulatório Regional de Especialidades de São Carlos-SP

IIProfessora Assistente do Departamento de Enfermagem da UFSCar-SP

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as concepções de loucura e do seu tratamento entre os trabalhadores de saúde mental de uma instituição prestadora de serviço em nível secundário de atenção e a visão destes sobre o tratamento oferecido pela instituição. A pesquisa empírica foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas com trabalhadores da equipe de saúde mental. Através da análise dos discursos foram observadas diversas formas de conceber a loucura sendo divididas em dois grupos: um que reproduz o saber científico (ligadas as diversas correntes de pensamento da área) e outro que reproduz o saber advindo da prática. Este último apresenta uma visão social da loucura uma vez que ela é vista como produto das desigualdades sociais. Encontramos também a visão de periculosidade do doente mental em três categorias entrevistadas.

Unitermos: concepção de loucura,saúde mental

ABSTRACT

This paper aims at analyzing madness, as considered by mental health care workers from a second level service institution, and how they see the therapy offered by the organization. A research was conducted through semi-structured interviews with mental health care workers. Speech analysis allowed to observe various forms of acquiring madness, divided in two groups: one which reproduces scientific knoledge (linked to the different lines of thought in the area) and the other, that reproduces knowledge acquired through practice. This last group enables a social view of madness, which is a result of social differences. Authors also found the dangerousness of the mentally sick, split in three categories.

Key words: madness conception, mental health

RESUMEN

El presente trabajo tuvo por objetivo analizar las concepciones de la locura y su tratamiento, considerando los trabajadores de la salud mental que se desempeñan en una institución prestadora de servicios a nivel secundario, y la visión de éstos sobre el tratamiento que les es dado por la propia institución. La investigación empírica fue realizada a través de entrevistas semi-estructuradas, con los discursos fueron observadas diversas formas de concebir la locura, fueron divididas en dos grupos: uno que reproduce el saber científico (vinculado a las diversas corrientes de pensamiento en el área) y otro que reproduce el saber oriundo de la práctica. Este último presenta una visión social de la locura, dado que ésta es un producto de las desigualdades sociales. Encontramos también la visión de la peligrosidad del enfermo mental, en tres categorías entrevistadas.

Términos claves: concepción de la locura, salud mental

1. INTRODUÇÃO

Vivemos, hoje, a reestruturação da atenção em saúde mental no país, que, tendo tomado impulso na década de 70, se fortaleceu amplamente nos anos 80, início de 90. Tais transformações no modelo de atenção em saúde mental vêm ocorrendo no bojo do processo de democratização da sociedade e, em particular, das transformações ocorridas no setor saúde. Podemos afirmar, também, que vêm ocorrendo de diferentes formas nos estados e municípios tendo em vista o crescente processo de descentralização da saúde.

Assim, verificamos que no estado de São Paulo, a rede de serviços fora do marco hospitalar expandiu-se no governo Montoro, em 1983, no momento de implantação das Ações Intregradas de Saúde (AIS). Como resultado, segundo SCATENA et al. (1987), o número de ambulatórios na grande São Paulo foi duplicado, passando de 11 unidades para 22. No interior foram instaladas três novas unidades além das já existentes .

A proposta de reformulação da atenção em saúde mental nessa época, segundo PITTA-HOISEL (1984), incluía além dos ambulatórios, equipes de saúde mental nas unidades básicas de saúde, emergências psiquiátricas, hospitais dia/noite, enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais, todas funcionando num sistema de referência e contra-referência.

CESARINO (s.d.), quando relata a experiência desta implantação em uma região da grande São Paulo afirma que a mesma foi toda desmantelada com a mudança política de governo.

No entanto, muitas dessas equipes ainda continuam. É o caso da instituição aqui em estudo, que ampliou, naquela época, os profissionais da equipe de saúde mental. A vivência como profissionais que atuam em um ambulatório regional de especialidades na área de saúde mental, leva-nos a afirmar que a mesma não vem atendendo ao seu objetivo primordial, ou seja, o tratamento do paciente de forma a não segregá-lo de seu convívio familiar e social uma vez que vem utilizando de forma bastante acentuada a internação integral em hospital psiquiátrico. Pesquisa realizada por LANCMANN (1992) demonstra que, no referido ambulatório, as taxas de internação de pacientes com diagnóstico de neuróticos e outros (oligofrenias, drogados e diagnósticos mal definidos) são muito maiores do que as encontradas em outros municípios pesquisados.

O trabalho conclui, também, que 88% dos pacientes encaminhados para internação já haviam sido hospitalizados anteriormente. Frente a esses dados a autora afirma que "estas taxas vêm de encontro à expectativa do Ministério da Saúde que aponta taxas de reinternação na ordem de 60%". Embora esta seja a expectativa do Ministério da Saúde, a nós causa estranheza, pois a consideramos bastante alta.

Diante do exposto e refletindo sobre a situação levantamos alguns fatores que poderiam estar facilitando o acesso do usuário de saúde mental para a rede hospitalar. Dentre eles poderíamos mencionar alguns, tais como: a concepção de loucura e do seu tratamento entre os trabalhadores de saúde mental, usuários e família; a estruturação do serviço quanto ao trabalho em equipe, diretrizes, programas, tratamento, entre outros. Tais fatores, porém, são apenas suposições passíveis de serem analisadas. Consideramos primordial, dentre eles, a concepção de loucura e do seu tratamento, pois, como sabemos, a concepção que se tem da loucura, determina a forma de se lidar com ela.

Sendo assim, realizamos este estudo com o objetivo de analisar a concepção de loucura e do seu tratamento entre os trabalhadores da saúde mental, de uma instituição prestadora de serviços em nível secundário de atenção. Também foi nosso objetivo analisar a visão que os trabalhadores de saúde mental têm sobre o tratamento oferecido pela instituição.

Para tanto, realizamos uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso no Ambulatório Regional de Especialidades, localizado na cidade de São Carlos, interior do estado de São Paulo. Este ambulatório é o único serviço público que presta assistência à saúde mental em nível secundário de atenção no município, sendo ainda referência para outras sete cidades que compõe o ERSA-53.

O ambulátorio, como o próprio nome indica, presta assistência especializada em várias áreas da saúde. A saúde mental é parte deste contexto. Os profissionais que compõem a equipe técnica de saúde mental (dois psiquiatras, duas psicólogas, duas terapêutas ocupacionais, uma enfermeira, uma assistente social), com exceção dos psiquiatras, atuam nas outras áreas de especialidades oferecidas. O setor de saúde mental não possui uma área física delimitada, uma vez que os profissionais encontram-se distribuídos nas várias dependências do serviço. O usuário de saúde mental utiliza a mesma infra-estrutura de atendimento dos demais que buscam outras especialidades.

A população pesquisada constituiu-se por trabalhadores da saúde mental. Consideramos trabalhadores da saúde mental todos os envolvidos diretamente na prestação de serviços ao doente mental, desde a entrega do prontuário até o atendimento clínico e os envolvidos na organização e implantação de programas. Para a composição da amostra buscamos aleatoriamente um representante de cada categoria desses trabalhadores. As terapeutas ocupacionais embora membros integrantes da equipe multiprofissional, não entraram nesta amostragem, uma vez que são autoras desta pesquisa.

Assim, a amostra foi constituída de:

-trabalhadores de nível superior: um psiquiatra, um psicólogo, um assistente social e um enfermeiro;

-trabalhadores de nível médio: um auxiliar de enfermagem e um atendente de farmácia;

- trabalhadores da área administrativa: um atendente de balcão, um atendente de fichário e um servente;

- dirigentes da instituição: um diretor técnico e um chefe administrativo.

A coleta de dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada(Anexo 1) quando procuramos apreender as concepções de loucura e do tratamento oferecido ao doente mental. As entrevistas foram gravadas em fita cassete sendo realizadas em local e horários determinados pelos próprios entrevistados. Foram primeiramente transcritas em sua íntegra para, em um segundo momento, serem recortadas e analisadas em torno do tema central. A análise foi feita, inicialmente, segundo critérios de formação acadêmica e de função na instituição para, posteriormente, analisarmos o seu conjunto.

A seguir, apresentaremos as concepções de loucura e do seu tratamento entre os trabalhadores de saúde mental, bem como a sua visão do tratamento na instituição.

2. A CONCEPÇÃO DE LOUCURA E DO SEU TRATAMENTO ATRAVÉS DOS DISCURSOS DOS TRABALHADORES DE SAÚDE MENTAL

2.1. Categoria Nível Superior

Podemos observar nos diversos discursos desta categoria várias concepções de loucura:

Em um primeiro momento, os entrevistados relatam:

... Eu acho que existe sofrimento psicológico e loucura, eu acho que essas duas coisas na minha cabeça são diferentes, eu não vejo a loucura necessariamente como uma coisa patológica, as formas com que as pessoas administram as loucuras internas delas é que são patológicas...

... loucura para mim é uma doença tá, da área mental que deve ser tratada como uma dentro do preconizado para aquele tipo de doença...

... é uma forma de estar que a pessoa acha pros problemas dela. Ela descompensa de alguma maneira, e aí fica o dito cujo louco, tá...

... é todo tipo de sofrimento mental que a pessoa possa ter né que necessita de acompanhamento num conceito mais amplo...

Podemos perceber nessas falas que existem diversas formas de conceber a loucura: uma que a considera como doença, portanto passível de um tratamento médico, outra que relaciona a loucura às dificuldades emocionais e uma terceira que diferencia sofrimento psicológico de loucura, não considerando esta última como patológica, mas como própria do homem, sendo patológica a forma de administrá-la. Sendo assim, verificamos que as concepções de loucura desta categoria vão de um extremo ao outro, ou seja, desde considerá-la como doença até a negação da mesma.

Em outros momentos percebemos também que os técnicos dessa categoria concebem a loucura numa visão mais abrangente, causualizando-a por fatores emocionais, orgânicos e sociais, como podemos verificar nas falas que se seguem:

"Tem o fator social também né, que hoje em dia pesa mais...a doença mental causada por distúrbios emocionais, problemas orgânicos e problemas sociais, né. Hoje, o que você vê mais aqui é a posição social, o desemprego, a miséria."

"Tem a questão social, porque tem muitos problemas que eu percebo, que por mais que eu trabalhe num nível individual transcende as forças da pessoa. Tem gente que vem me procurar que você percebe que está passando por uma crise devido à condições sócio-econômicas. Tá desempregado"...

"É uma clientela de uma classe desprevilegiada, né, ela tem assim vários problemas que dificulta ela, tá"...

Observamos, portanto, que os profissionais de nível superior concebem a loucura numa visão mais abrangente, causalizando a mesma por fatores emocionais, orgânicos e sociais reproduzindo assim as várias linhas de pensamento da área.

Quanto à visão desses trabalhadores sobre o tratamento, consideram que o mesmo não seria somente medicamentoso, mas deveria englobar outras abordagens como psicoterapia e trabalho com a família do paciente no contexto social. Assinalam também que o mesmo não deveria estar centrado na figura do médico e sim em um trabalho de equipe. Embora acreditem nessa forma de tratamento, afirmam que ele não acontece na prática. Frente as limitações do tratamento oferecido pela instituição os profissionais dessa categoria refletem os vários motivos pelos quais ele não ocorre, o que podemos constatar através dos discursos que se seguem:

...Tem a questão da instituição não dar apoio, né, para este tipo de trabalho, você vê que a área de saúde mental é sempre deixada em último plano... Pode até perceber em termos de espaço físico, eu acho que não é a toa que os consultórios de saúde mental são nos extremos do prédio... É uma coisa que as pessoas preferem não ver muito de perto, assim ameaça, incomoda...

Podemos observar que este discurso retrata a questão da segregação da área de saúde mental, frente às demais áreas de especialidades do serviço e conseqüentemente a falta de apoio para este tipo de trabalho.

Outras falas dão continuidade às reflexões dos trabalhadores à respeito do tratamento oferecido pela instituição:

... eu vejo uma psiquiatria tradicional, não vejo progresso nenhum né, eu acho assim um serviço médico... infelizmente a figura do médico é super importante ainda para os nossos moldes aqui e fica muito difícil os outros profissionais atuarem para tentar modificar alguma coisa porque a figura do médico é super importante...

Apontam também a falta de um trabalho com o entrosamento da equipe multiprofissional nas falas que seguem:

...Eu não considero a equipe, cada profissional faz o seu trabalho, não tem assim uma interligação.

...Não tem uma equipe inteira trabalhando com o paciente...

Esta realidade reflete a mesma encontrada por GOULART(1993) quando analisa a questão das equipes de saúde mental implantadas em Centros de Saúde, em meados dos anos 80, na região metropolitana de Belo Horizonte. Segundo esta autora, a desejada multidisciplinaridade não se efetivou, pois impôs-se a realidade da não-convergência frente ao próprio entedimento do que venha a ser a doença mental e o seu tratamento. Diante das pressões e indefinições que se interpunham, as equipes se revelaram verdadeiras "torres de Babel", convulsionadas pela multiplicidade de interesses e discursos.

Outra questão abordada é a forma tradicional de tratamento que é realizado pela instituição:

...unicamente medicamentoso tá, alta taxa de internação que eu discordo...

Segundo COSTA (1987) o discurso organicista é determinante na assistência psiquiátrica ambulatorial, especialmente no que concerne a prática de prescrição medicamentosa. Este autor ainda ressalta que, nas práticas comunitárias, o discurso de assistência social se enfraquece enquanto o psicoterápico não se sustenta satisfatoriamente por vários motivos. Entre estes motivos, o autor, assinala que a própria população já está habituada a uma assistência medicamentosa.

Embora todos os trabalhadores façam uma crítica ao tratamento da instituição, podemos verificar que em nenhum momento eles se percebem como agentes de transformação dessa realidade, colocando sempre em terceiros a responsabilidade para que isso ocorra.

Um trabalhador justifica a má qualidade do tratamento pelo vínculo que possui com a Saúde Pública e com naturalidade refere:

...como todo serviço público é deficiente...

A nosso ver esta fala nos revela um certo grau de conformismo dos trabalhadores, porém reconhecemos como real o sucateamento progressivo dos serviços públicos de saúde em nosso país.

2.2. Categoria Nível Médio

Nos discursos apresentados por esta categoria, encontramos as concepções sobre a loucura diretamente ligadas com as manifestações clínicas do usuário. O saber reproduzido em suas falas é um saber oriundo da prática, da vivência, da relação que estabelecem com o usuário no dia-a-dia de trabalho na instituição. Assim eles se referem ao louco:

...Tem vários tipos... tem gente que tem problema mental que é bem assim você nem nota, tem gente que tem problema mental, vem aqui, derruba tudo...

...Como eu vou te responder... louco, louco, eles não são... louco mesmo não pode ficar solto... porque o louco mesmo ele é agressivo... mas estes daqui não são...

...Hoje tinha um aí desde cedo, aí cantando, cantando, a gente acha normal eles ficarem cantando, acho que louco louco não é não...

Podemos verificar segundo estes discursos que existem vários tipos de doentes mentais. Na maioria dos casos, os entrevistados não definem a pessoa como louca ou doente mental, porém apontam os verdadeiramente loucos como sendo aqueles que apresentam manifestações de agressividade. Outra constatação a que podemos chegar é que os usuários do serviço que vêm recebendo diagnóstico de doentes mentais não são percebidos pelos entrevistados como tal, uma vez que os verdadeiros loucos não devem estar soltos. Estes entrevistados nos revelam que o tratamento do verdadeiro louco deve ser feito em um espaço de reclusão, porém nos perguntamos: quem são, ou onde se encontram tais "loucos verdadeiros e perigosos"?

Podemos assim verificar que se por um lado esses trabalhadores apresentam um limite maior de aceitação das diferenças uma vez que vêem vários comportamentos como normais, por outro vão ao extremo de considerar que os loucos agressivos devem ser excluídos do convívio social.

Quanto ao tratamento, encontramos nos discursos dessa categoria, uma preocupação de se realizar uma intervenção em conjunto entre instituição, família e sociedade. Assim relata um entrevistado:

...uma pessoa louca,... que precisa geralmente de cuidados tanto da família, como do médico e da sociedade...

2.3. Trabalhadores da Área Administrativa

O discurso dos profissionais incluídos nesta categoria apresentou características semelhantes às dos trabalhadores de nível médio. Sendo assim, propomos-nos neste momento analisar apenas as falas novas, as que acreditamos serem de grande relevância neste estudo.

O discurso que traz a categoria nível administrativo ressalta que o que leva as pessoas a terem dificuldades emocionais são os fatores sociais, econômicos e políticos que estão vivenciando nas atuais conjunturas do país:

...Eu acho que tudo anda acontecendo com a pessoa que vai pra psiquiatra, essas coisas não está sendo certamente uma loucura...

...Na minha opinião é a economia brasileira que está levando as pessoas a ficarem assim com as idéias fracas.

...Tenho notado que aparecem muitos problemas de agora... O choque devido aos problemas do mundo, problemas financeiros... devido a situação mesmo.

Você vê, ganha mal salário, se come mal, tem que se vestir mal, porque o salário não dá para fazer nada, eu acho que não é loucura total.

Esta categoria apresenta, a nosso ver, uma visão de loucura relacionada a fatores sociais e econômicos, considerando-os determinantes do sofrimento psíquico.

E assim, revelam que não consideram as pessoas que procuram o serviço como loucas. Acreditam que elas necessitam de maior atenção, compreensão e carinho por parte dos profissionais de saúde, da família e da sociedade como um todo.

Outro ponto que consideramos relevante é que, em nenhum momento dos discursos, os entrevistados ressaltaram a internação em Hospital Psiquiátrico como forma adequada de tratamento. Ao contrário, afirmam:

...Eu acho que a internação não é uma forma eficiente de tratamento...

...Eu acho que as vezes depende da atenção da família... Falta você saber conversar, explicar... Porque as vezes não tem paciência e tempo de ouvir a pessoa.

Observamos também que esses trabalhadores acreditam num outro tipo de tratamento diferente do realizado no ambulatório, uma vez que apontam a agressão dos pacientes ligada à forma como os usuários são tratados pelos profissionais da área. Isso nos revela uma crítica ao tipo de tratamento que o usuário recebe no ambulatório.

Um trabalhador administrativo relata uma experiência vivenciada no serviço:

...As vezes chega um paciente aí, vai conversar com a enfermeira, grita, chuta as coisas, agride um policial, agride um enfermeiro, as pessoas não sabem conversar com eles, tudo depende do tratamento das pessoas...

2.4. Categoria dirigentes da instituição:

Ao iniciarmos as entrevistas, os trabalhadores que compõem esta categoria verbalizaram um distanciamento da área de saúde mental e, mais ainda, mostraram-se indignados frente às entrevistadoras uma vez que não se julgam pessoas que compõem a equipe de trabalho em saúde mental. Assim um entrevistado verbaliza:

...Por que eu? Eu não atuo dentro desta área?

Com esta afirmação, o profissional que administra um serviço composto por várias especialidades clínicas demonstra a sua exclusão da programação, organização e execução do trabalho da referida área. Este fato nos leva a perguntar como um dirigente de uma instituição que atende a várias especialidades se exime de qualquer ligação ou compromisso com a área. A nosso ver, esta situação revela o lugar onde se encontra a saúde mental não só neste serviço, mas no país, ou seja, em último plano. Esta realidade vem de encontro ao pensamento de MAZARINA (s.d.) quando afirma que o discurso não oficial, apresentado apenas pela realidade, exprime o campo em que a saúde mental, no sistema capitalista como o nosso, está situado: "o campo do que não vale". Segundo esta autora, "a modernização da assistência é interessante para países que precisam da recuperação de sua força de trabalho. Em países como o nosso, com grande oferta de mão-de-obra barata, a lógica é outra..."

Quando analisamos as concepções de loucura dos trabalhadores que compõem este nível, nós as encontramos ligadas à visão de loucura como desvio da norma, irracionalidade e periculosidade.

Assim os entrevistados revelam:

Acho que é difícil definir isso aí.

Quando o comportamento das pessoas sai do padrão esperado, inclusive a pessoa não consegue viver num ambiente considerado normal...

...É um estado de insanidade total, uma coisa assim fora do comum, uma pessoa que esta alienada, fora deste mundo, fora de tudo, não sabe aonde está atualmente... Fora do tempo e espaço. Eu acho que isso é loucura.

Em outro momento refere:

...na minha opinião depressão não é loucura, porque não traz perigo. Loucura são pessoas que transmitem perigo... Também existe o louco lunático. É muito complicado. Taxam de loucos os agressivos. Eu acho. Eu acho que deveria separar por causa dos loucos agressivos...

Nestes discursos surge novamente a questão da loucura ser representada enquanto manifestação clínica da doença. Mostram, como foi encontrado em outra categoria, que os loucos agressivos (agitação psicomotora) é que são os verdadeiros loucos e, portanto, devem receber tratamento diferenciado em outra instituição onde existam recursos necessários para receber este tipo de clientela, ou seja, um espaço de reclusão, uma vez que representam perigo para a sociedade.

Quanto à visão do tratamento encontramos tanto o tratamento centrado na terapêutica farmacológica quanto na psicoterápica, dependendo do diagnóstico:

Tem vários tipos de tratamento. Depende. Os psicóticos é medicamentoso, é mais difícil e os neuróticos, seções de terapia mais calmantes.

Os dirigentes, ao refletirem sobre o tratamento oferecido pela instituição em estudo, acreditam que este está aquém do esperado e relatam os vários fatores que estariam contribuindo para tal. Estes podem ser assim resumidos:

distanciamento dos assistentes técnicos responsáveis pela formulação de programas em relação às áreas do serviço;

falta de interesse individual dos profissionais quanto a melhoria do serviço;

desorganização do espaço físico que contribui para dificultar a visualização e recepção do usuário na área de saúde mental;

falta de treinamento para profissionais sem formação universitária;

baixa remuneração dos profissionais.

Podemos perceber que os dirigentes do serviço atribuem a vários fatores a responsabilidade pela má qualidade do mesmo. No entanto, se eximem de qualquer responsabilidade. A nosso ver, o envolvimento desses profissionais na área de saúde mental é necessário uma vez que deveria haver objetivos institucionais a serem cumpridos dentro de todas as áreas de atendimento.

3. CONCLUSÕES

Iniciamos o trabalho perguntando qual a concepção de loucura e do seu tratamento entre os trabalhadores de saúde mental de uma instituição prestadora de serviço a nível secundário de atenção e como estes vêem o tratamento na instituição, pois entendemos que tais concepções determinam a forma como estes profissionais lidam com a mesma. Com estas perguntas buscamos o conhecimento dessas concepções através dos discursos dos trabalhadores da saúde mental da instituição em estudo.

Ao analisarmos tais discursos, encontramos diversas formas de conceber a loucura, que podem ser divididas em dois grandes grupos: as concepções dos profissionais que reproduzem o saber científico, (profissionais de nível superior e um dirigente da instituição) uma vez que a linguagem é acadêmica e as concepções dos profissionais cujo discurso é oriundo do saber advindo da prática do que se aprende ou apreende no dia-a-dia de trabalho na instituição (profissionais de nível médio, nível administrativo e um dirigente da instituição).

Através da sua análise verificamos que as concepções dos trabalhadores que reproduzem o saber científico (nível superior e dirigentes da instituição) estão ligadas a diversas correntes de pensamento da área, ou seja, visão organicista, psicodinâmica e social. Em contrapartida, encontramos as concepções dos profissionais de nível médio e administrativo centradas na visão social da loucura uma vez que a vêem como produto das desigualdades sociais.

Encontramos também a visão de periculosidade em três categorias entrevistadas: nível médio, administrativo e dirigentes da instituição. Esta visão porém, se restringe aos loucos agressivos, que na forma de ver de alguns entrevistados (nível médio) são na realidade os verdadeiros loucos. Podemos perceber que isto os levam a ver as demais manifestações como normalidade, demonstrando maior aceitação em relação às mesmas. Aos loucos perigosos os entrevistados reservam a reclusão como forma de tratamento, uma vez que os consideram uma ameaça ao convívio social.

Quanto à forma de conceber o tratamento, podemos concluir que as categorias de nível médio e administrativo apresentam uma visão pouco elaborada de concebê-lo e revelam que a assistência deveria estar voltada a fatores sociais e humanitários.Porém, todos os entrevistados não acreditam na hospitalização como forma de tratamento, reservando-a apenas aos loucos agressivos.

Em relação à forma de conceber o tratamento das categorias nível superior e dirigentes da instituição, verificamos que para a maioria deles suas visões são, a nosso ver, mais elaboradas em relação às outras categorias, uma vez que vêem o tratamento como não sendo somente medicamentoso, mas abrangendo intervenções psicoterápicas em uma abordagem interdisciplinar, que inclua um trabalho com a família do paciente no contexto social. Embora tenham tal visão do tratamento, reconhecem que esta não é a realidade no ambulatório e levantam vários fatores que impedem a concretização de uma outra proposta de trabalho:

ausência de um trabalho em equipe;

centralização do tratamento na figura do médico;

deficiência do serviço público;

não prioridade à área de saúde mental;

distanciamento dos assistentes técnicos responsáveis pelos programas das diversas áreas;

falta de treinamento para profissionais sem formação universitária;

desorganização do espaço físico;

falta de interesse individual dos profissionais e baixa remuneração dos profissionais.

Podemos concluir que os fatores relacionados acima acabam por justificar o serviço que é oferecido ao usuário e, dessa forma, a ineficácia do mesmo, reforçando o tratamento tradicional com base medicamentosa e com altos índices de internação psiquiátrica.

Acreditamos, porém, que a eficiência dos serviços públicos independe apenas de ações isoladas dos profissionais de saúde, pois esta questão é bem mais abrangente, englobando interesses políticos, econômicos, sociais e culturais. BEZERRA JÚNIOR(1987) quando faz algumas considerações sobre as terapêuticas ambulatoriais em saúde mental, assinala que existe uma desigualdade no que tange ao tipo de tratamento oferecido aos membros das diversas camadas sociais. Enquanto que para a elite existem os divãs e os consultórios onde acontece uma relação terapêuta-cliente personalizada, para a população em geral, existem as internações ou as consultas de cinco minutos em ambulatórios de saúde mental. Para este autor, os ambulatórios de saúde mental mal merecem este nome uma vez que as filas, o descaso e a falta de condições materiais, transformam o que deveria ser um ato terapêutico num mecânico e interminável ritual de prescrição de remédios e cronificação de sofrimento.

Sendo assim, podemos concluir que, embora os discursos oficiais atuais das políticas de saúde mental no país enfoquem intervenções extra-hospitalares com a não segregação do "doente mental", esta não é ainda a realidade aqui apresentada. Verificamos que não adianta somente criar instituições extra-hospitalares, pois as mesmas podem funcionar como segregadoras (o que ocorre na instituição em estudo) e que vários são os determinantes desta situação.

ANEXO 1

ROTEIRO DA ENTREVISTA

1. IDENTIFICAÇÃO

CATEGORIA

2. QUESTÕES:

1. O que é loucura para você?

2. Como deve ser o tratamento ao usuário de saúde mental?

3. Como você vê o tratamento oferecido ao usuário de saúde mental no ambulatório?

  • 01. BEZERRA JÚNIOR, B. Considerações sobre terapêuticas ambulatoriais em saúde mental. In: BEZERRA JUNIOR, B. et al. Cidadania e loucura. Políticas de Saúde Mental no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1987. p.133-169.
  • 02. CESARINO, A.C. Uma experiência de saúde mental na prefeitura de São Paulo(projeto de Ações Integradas de Saúde Mental na Zona Norte do Município de São Paulo; uma gestão democrática de um projeto público de saúde mental). In: LANCETTI, A. Saúde e loucura São Paulo: Hucitec, s.d. p.3-32.
  • 03. COSTA, J.F. Os interstícios da lei. In: Saúde mental e cidadania. São Paulo: Mandacaru, 1987. (Tempos Modernos, 2)
  • 04. GOULART, M. S. B. Equipe de Saúde Mental: a Torre de Babel da saúde pública. Cad. Psicol., v. 1, n. 2, p.49-56, dez.1993.
  • 05. LANCMANN, S. As influências das instituições psiquiátricas sobre as comunidades: um estudo quantitativo no Estado de São Paulo. São Paulo: USP, 1992. 118p. (Relatório de Pesquisa-Escola de Terapia Ocupacional, Universidade de São Paulo).
  • 06. MAZARINA, I. Trabalhadores de saúde mental: Encruzilhada da loucura. In: LANCETTI, A.et al. Saúde e Loucura São Paulo: Hucitec, s/d. p. 69-74.
  • 07. PITTA-HOISEL, A.M. Sobre uma política de saúde mental São Paulo, 1984. 160 p. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo.
  • 08. SCATENA, M.C.M. et al. A prática da enfermagem psiquiátrica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM, Recife, 17-22 nov. 1985. Anais Recife: Associação Brasileira de Enfermagem, 1985. p.35-39.
  • 1
    Resumo da Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Saúde Pública do Departamento de Enfermagem da UFSCar em 1993. Trabalho apresentado no IV Encontro de Pesquisadores em Saúde Mental. III Encontro de Especialistas em Enfermagem Psiquiátrica, Ribeirão Preto, SP, 1995
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Maio 1997
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