Reflexões sobre a sexualidade durante a vivência do climatério

Resumos

Qualitative and phenomenological study based on reports of women between 48 and 55 years old with spontaneous menopause for 12 months or more. Results evidenced five theme categories that were analyzed and interpreted based on Maurice Merleau-Ponty's theoretical-philosophical reference framework. Among the categories that emerged from reports, the theme "reflecting on sexuality" was emphasized, and is presented with a view to understanding the existential aspects of the climacteric experience, focusing on the exercise of sexuality.

climacteric; menopause; woman´s health; sexuality

Se trata de un estudio cualitativo de abordaje fenomenológico, realizado a partir del relato de mujeres con edad entre 48 y 55 años que habían presentado menopausia espontánea hace 12 meses o más. Los resultados mostraron cinco categorías temáticas que fueron analizadas e interpretadas con base en el marco teórico filosófico de Maurice Merleau-Ponty. Entre las categorías que surgieron de los relatos sobresalió el tema" Reflexionando sobre la sexualidad" que será presentado con el objetivo de comprender los aspectos existenciales de la vivencia del climaterio con énfasis en la sexualidad.

climaterio; menopausia; salud de la mujer; sexualidad

ARTIGO ORIGINAL

Reflexões sobre a sexualidade durante a vivência do climatério¹

Roselane Gonçalves^I; Miriam Aparecida Barbosa Merighi^II

^IProfessor Doutor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: [e-mail]

IIProfessor Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: [e-mail]

RESUMO

Estudo qualitativo de abordagem fenomenológica, realizado a partir do depoimento de mulheres entre 48 e 55 anos que haviam apresentado menopausa espontânea há 12 meses ou mais. Os resultados evidenciaram cinco categorias temáticas que foram analisadas e interpretadas à luz do referencial teórico filosófico de Maurice Merleau-Ponty. Dentre as categorias que emergiram dos depoimentos destacou-se o tema: "refletindo sobre a sexualidade", que será apresentado com o objetivo de compreender os aspectos existenciais da vivência do climatério com ênfase no exercício da sexualidade.

Descritores: climatério; menopausa; saúde da mulher; sexualidade

INTRODUÇÃO

Dentre as fases do ciclo vital feminino, encontra-se o climatério, caracterizado como a passagem da fase reprodutiva para a não reprodutiva, durante a qual o organismo da mulher deve se ajustar a um meio hormonal e emocional diferente. Nessa fase do ciclo da vida ocorre a menopausa que consiste na cessação permanente das menstruações, por período de doze meses de amenorréia, como resultado da perda da função folicular dos ovários, sendo um momento pontual do climatério. A menopausa é episódio biológico natural que pode ocorrer espontaneamente, ou ser induzida por meio de intervenção médica como ooforectomia bilateral, quimioterapia e radioterapia pélvica^(1-3).

Dentre os diversos sinais e sintomas decorrentes do climatério estão as manifestações atróficas do sistema geniturinário como prurido, secura vaginal e dispareunia. Estudo feito com 456 mulheres, na faixa etária entre 45 e 60 anos, demonstrou que a frequência de incontinência urinária, relacionada ao período do climatério, foi de aproximadamente 27,4%, sendo mais prevalente em mulheres na pré e perimenopausa. A dispareunia e a secura vaginal foram pouco frequentes, porém, mais prevalentes no período pós-menopausa. Esses sintomas ocorrem, frequentemente, de quatro a seis anos após a menopausa e estão relacionados ao hipoestrogenismo. Neste estudo, aproximadamente, 30% das mulheres estudadas referiram alteração na sua vida sexual nos últimos 12 meses. Dessas, 22% relataram diminuição do interesse sexual, independentemente do estado menopausal, essa situação foi a mais frequente, e predominou na peri e pós-menopausa, sendo que 66,4% das mulheres estavam com vida sexual ativa. Das mulheres com vida sexual ativa, 86,2% referiam ter relações sexuais orgásmicas. Ressalta-se que mulheres que convivem com parceiro apresentam maior prevalência de queixas genitais do que aquelas que não convivem. Esse fato poderia ser explicado pela melhor percepção do trato genital baixo pelas mulheres que, tendo parceiro, consequentemente, teriam maior atividade sexual⁽⁴⁾.

Os autores, acima citados, afirmam que os fatores que afetam a expressão sexual são múltiplos e a contribuição relativa da interação entre os determinantes hormonais, psicossociais e do próprio envelhecimento não estão claramente delineados. Salientam que as ondas de calor, sudorese e vaginite atrófica são os únicos sintomas caracterizados como decorrentes do hipoestrogenismo. Explicação diferente deveria ser dada aos outros sintomas que são usualmente atribuídos à deficiência estrogênica ou listados como parte da síndrome do climatério⁽⁴⁾.

O envolvimento profissional com a temática da saúde da mulher foi o que motivou a realização desta pesquisa para que pudesse ajudar a compreender a vivência do climatério⁽⁵⁾. Os resultados evidenciaram cinco categorias temáticas que foram analisadas e interpretadas à luz do referencial teórico-filosófico de Maurice Merleau-Ponty. Dentre as categorias que emergiram dos depoimentos destaca-se o tema refletindo sobre a sexualidade que, neste artigo, será apresentado com o objetivo de compreender os aspectos existenciais da vivência do climatério com ênfase no exercício da sexualidade.

MÉTODO

A pesquisa qualitativa de abordagem fenomenológica foi a escolhida por se considerar que essa modalidade pode oferecer o respaldo necessário para a compreensão do fenômeno ser mulher vivenciando o climatério, além da convicção de que o enfoque fenomenológico, por abarcar o existir humano em sua totalidade, oferece a oportunidade de interpretação da experiência vivida.

Nesta pesquisa, foram obtidos sete depoimentos de mulheres entre 48 e 55 anos, que haviam apresentado a menopausa espontânea há 12 meses ou mais e que estavam vivenciando o climatério, independente da profissão, do nível de escolaridade, raça, hábitos de vida, do uso de terapia de reposição hormonal, entre outros. Essas características não foram utilizadas como critério de seleção por se entender que as mesmas não interfeririam no resultado do estudo. O critério faixa etária foi definido a partir dos achados bibliográficos que afirmam que a fase do ciclo reprodutivo, na qual a mulher, usualmente, constata a ocorrência da menopausa, é aquela situada entre a faixa etária de 48 a 52 anos. Entretanto, na procura das possíveis colaboradoras para este estudo, constatou-se alta incidência de mulheres histerectomizadas na faixa etária pré-estabelecida para participar da pesquisa. Por se acreditar que esse fato poderia influenciar nos resultados, foi ampliada a faixa etária para 55 anos de idade e se procurou evitar sujeitos que tivessem sido submetidos a procedimentos cirúrgicos que pudessem interferir na ocorrência espontânea da menopausa.

A abordagem das mulheres dependeu do conhecimento das pesquisadoras e de informações de terceiros sobre a existência desses sujeitos. Evitou-se, ainda, coletar os dados em serviços de atenção ao climatério, por entender que as mulheres já estivessem envolvidas com tratamentos médicos e, portanto, com possibilidade de terem sua atenção voltada, principalmente, aos aspectos fisiopatológicos relacionados a essa fase da vida.

As entrevistas foram agendadas e realizadas entre novembro de 2004 e janeiro de 2005. Os encontros foram planejados, sendo os locais escolhidos pelas próprias mulheres. Alguns depoimentos foram obtidos em residências e outros nas dependências do local de trabalho.

Considerando o que preconiza a Resolução 196/96, sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras, que trata de pesquisa com seres humanos, as mulheres foram esclarecidas sobre o objetivo da pesquisa, bem como sobre a manutenção do sigilo, do anonimato da sua pessoa e do seu direito de participar ou não da mesma. Após esses esclarecimentos foi solicitado às participantes a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido para participar de pesquisa científica. As verbalizações das mulheres, apresentadas no texto, foram identificadas com nomes fictícios. Vale ressaltar que o projeto da pesquisa foi submetido à avaliação e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), conforme Processo 412/2004/CEP/EEUSP.

Para a obtenção dos depoimentos, utilizou-se a seguinte questão norteadora: fale-me como é para você estar vivenciando o climatério.

O número de mulheres participantes deste estudo foi definido pelas próprias descrições. O encerramento da inclusão de novos sujeitos foi decidido com base no conjunto dos dados coletados que evidenciou tanto a riqueza como a abrangência dos significados contidos nos depoimentos. Nesse sentido, sete discursos foram trabalhados e considerados suficientes para responder às inquietações das autoras e, consequentemente, desocultar o fenômeno.

Salienta-se que, para a análise dos discursos, almejando o desvelamento do fenômeno da vivência do climatério, utilizou-se os procedimentos preconizados por Josgrilberg como pressupostos de análise. Segundo esse fenomenólogo, o procedimento de análise visa aproximar a descrição/interpretação fenomenológica dos dados obtidos. Trata-se de detectar as Unidades de Sentido (US) resgatadas dos discursos, agrupá-las, categorizá-las e proceder à releitura a partir de categorias existenciais contidas no referencial filosófico adotado, enquanto fio condutor da análise dos dados⁽⁶⁾.

Como já mencionado anteriormente, cabe lembrar que, dentre os temas que emergiram dos depoimentos, se destaca, neste momento, o tema refletindo sobre a sexualidade, que será apresentado a seguir.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O termo sexualidade representa um conjunto de valores e práticas corporais culturalmente legitimadas na história da humanidade. Abrange não só a atividade sexual e sua dimensão biológica, mas diz respeito à dimensão íntima e relacional que compõe a subjetividade das pessoas e suas relações com seus pares e com o mundo. Envolve a percepção e controle do corpo, o exercício do prazer/desprazer, bem como os valores e comportamentos em processos afetivos e sexuais⁽⁷⁾.

Por se tratar de assunto tão complexo, percebe-se que a sexualidade é usualmente tema pouco valorizado pela equipe de saúde, seja por desconhecimento ou dificuldades na abordagem da questão, já que tratar sobre esse assunto implica em conhecer as suas próprias limitações e problemas. Alguns autores afirmam que os profissionais de saúde também fazem parte de um contexto socioeconômico e cultural, nos quais os conhecimentos e as práticas, relacionadas ao processo saúde-doença ligado à sexualidade, esbarram em questões morais e sociais, o que pode, inclusive, justificar o fato de se conversar, pesquisar e escrever pouco sobre o assunto^(8-9).

Outros estudos apontam ainda que, ao abordar o tema sexualidade, se reporta a vários aspectos que estão presentes na complexidade da vida das pessoas, não se restringindo apenas à visão biológica, mas refletindo toda a expressão emocional da sua vivência, ao mesmo tempo em que incorpora a influência do momento histórico vivenciado^(10-11).

Os aspectos biológicos da sexualidade, no entanto, tomados como naturais, são supervalorizados enquanto os demais são considerados como fatores culturais, sujeitos a diferenças geográficas, históricas, temporais e espaciais⁽¹²⁾. Considerando o tempo e o espaço, ressalta-se que ambos são vividos e habitados concomitantemente por todos os seres que, invariavelmente, vivem em relação uns com os outros. Nessa inter-relação vivenciam prazeres e sentimentos que nutrem e retroalimentam a existência, sendo a experiência do prazer tão necessária quanto as outras funções orgânicas vitais⁽¹³⁾.

Merleau-Ponty concebe a afetividade como um mosaico de estados afetivos, prazeres e dores fechados sobre si mesmos que, por vezes, não se compreendem e só podem ser entendidos por meio da organização corporal. Para esse filósofo, existe uma percepção erótica que se dá por meio de um corpo que visa outro corpo. Essa percepção se forma num mundo e não numa consciência. Dessa maneira, a sexualidade trata de uma intencionalidade que segue o movimento geral da existência com poder da significação⁽¹⁴⁾.

No ciclo biológico das mulheres, tudo o que elas reconhecem sobre si é desvelado por meio da experiência no mundo, mediante a historicidade. Neste estudo, as mulheres atribuíram vários sentidos à sexualidade, ultrapassando barreiras e re-significando algumas "verdades" relacionadas à sexualidade e à qualidade de vida no climatério.

Para exercer a sexualidade, a mulher deve reconhecer o espaço corporal e o seu corpo agindo nesse espaço fazendo-se presente no mundo. Isso é possível de se concretizar no encontro com o outro. Viver a sexualidade pressupõe reconsiderar o nosso papel na existência humana e situá-la na origem dos sentimentos do ser-para-si e do ser-para-o-outro⁽¹⁴⁾.

Na busca por viver o prazer, Tique trilhou caminhos de encontros e desencontros e revela, a seguir.

Teve uma época [...] que eu tirei isso (o sexo) da minha vida por problemas que tive no primeiro casamento [...] depois que eu fui retomar a vida sexual. Então eu nunca fui de muita euforia, não; eu sempre fui mais pausada e [...] depois do climatério [...] eu fiquei mais pausada [...]. Meu marido é uma pessoa bacana, é carinhoso [...] pode não ser no resto do dia, mas naquele momento ele faz tudo o que tem que ser feito [...] daí eu me empolgo [...] (Tique).

Apreende-se da fala dessa mulher que o movimento da existência em direção ao outro, ao futuro e ao mundo pode começar a qualquer momento. Pode ser reencontrada a razão da existência quando se abre novamente ao outro, ao passado, quando se deixa permear pela coexistência. Isso é sempre possível, pois mesmo se absorvendo na experiência do corpo e na solidão das sensações não se chega a suprimir a referência que há da vida em relação ao mundo. Por esse motivo, refletir sobre a sexualidade e a vivência do prazer envolve a experiência do corpo e não somente de um momento específico⁽¹⁴⁾.

Nessa imbricação do outro em nós, de nós no outro, pode-se configurar vínculo que vai além do relacionar-se usual e que se caracteriza pela necessidade de satisfação do prazer sexual. Essa necessidade está latente em todos os indivíduos e em alguns momentos da vida, diante das fragilidades do corpo físico e das relações que estabelece com o outro, pode se encontrar limitada, e o indivíduo pode desejar se esquivar do relacionamento afetivo/sexual. É o que se observa na fala que se segue.

O sexo é normal. O meu marido fala que eu tô estranha e que eu não gosto dele. Meu marido já me judiou muito [...] até apanhar já apanhei. Agora eu não gosto mais dele. Eu tenho outro. A diferença tá no tratamento. A gente vive assim como dois irmãos (Ártemis).

Percebe-se que a vivência da sexualidade pode ou não ser afetada pelos sintomas do climatério. O diferencial para a satisfação do prazer mútuo estará vinculado ao afeto, ao desejo de estar com o outro. No entanto, quando isso ocorre, a mulher busca conviver com o problema, conforme se observa na fala de Hera.

Eu não sei explicar bem o porquê, mas é [...] na verdade deveria ser uma fase melhor pra mulher [...] às vezes é desconforto pelo ressecamento e também pela [...] assim [...] ela (a vagina) fica assim mais insensível. Não tem prazer nada. Quando toma hormônio é diferente. Ajuda muito! Mas sem hormônio?! Realmente não conta o sexo [...] é mais companheirismo (Hera).

Se o exercício do prazer se vincula à relação que se tem com o próprio corpo, com o outro e com o mundo, exercitar a sexualidade não é ter vida sexual ativa somente, é se encontrar consigo mesmo, é se sentir acompanhado, é ter o outro como presença viva, atuante, como ser-com-o-outro num ambiente afetuoso. Se assim for, as limitações físicas não serão entraves para o prazer de estar junto com o outro. Atena e Deméter comentam:

Eu nunca tive nada disso. A libido normal [...] sempre normal [...] então eu acho até estranho [...]. Sempre foi tudo muito normal pra mim. Quando vejo as pessoas contarem eu acho até meio estranho porque pra mim foi sempre tudo muito normal (Atena).

[...] eu sempre falei desde o início do meu casamento que o sexo é uma coisa muito bonita e muito gostosa, desde que faça com prazer e com amor. Não é uma coisa como se fosse arroz com feijão todo o dia e toda a hora [...]. Então eu acho que nesse ponto eu e meu marido se combina muito bem (Deméter).

Expressar o afeto, o prazer só faz sentido quando se assume a importância do outro em nossa vida, e incluir o outro em nossa vida significa abertura para outra possibilidade de viver com qualidade. Então, viver com qualidade passa pela função do afeto, da libido em direção ao corpo denominado Eros. Sentir da outra forma é negar ao corpo viver em plenitude^(13-14). Reconhecendo mais essa aptidão do Ser: viver o Eros interno é expressar, por meio do corpo, a sexualidade.

Por outro lado, quanto à realização do prazer sexual, no caso da mulher climatérica, é importante lembrar que não é só no seu corpo que as limitações se fazem sentir. No que se refere ao seu parceiro sexual, não se pode desconsiderar as suas condições físicas, pois, em geral, o homem encontra-se numa faixa etária em que os distúrbios da virilidade também são incidentes e, muitas vezes, justificados por algumas doenças crônico-degenerativas das quais é portador. Outro fato é que a sexualidade feminina sempre esteve envolvida em mitos e tabus que ficam registrados no inconsciente coletivo, e por manter-se envolta em mistérios, pecados e preconceitos, dificulta o vivenciar da mesma.

A mulher, muitas vezes, se submete a se relacionar sexualmente com seu parceiro sem que isso lhe proporcione satisfação.

Tem que excitar bastante pra daí começar a ter interesse. Às vezes vou ter interesse pra não contrariar meu marido [...]. Seria bom pra mim se eu tivesse mais interesse, mas eu não sei se eu acho tão importante, porque eu não corro atrás. Eu me acomodei! Eu procuro evitar confusão. Infelizmente a mulher é assim [...] ela não quer rolo e ela se faz de interessada. Você fica se reprimindo a adolescência inteira pela educação que teve [...] (Tique).

É preciso considerar que o mundo objetivo cada vez toca menos diretamente no teclado dos estados afetivos "elementares" e, dessa forma, se não é na experiência do prazer e da dor, da qual não há nada a dizer, o sujeito define-se por seu poder de representação e a afetividade não é reconhecida como um modo original de consciência⁽¹⁴⁾. Então, muitas vezes, é possível que a mulher se sinta pressionada a se expressar sexualmente como se seus relacionamentos afetivos se concretizassem apenas por meio do contato íntimo. A fala de Tique evidencia que o fato de não achar a relação sexual prazerosa implica em ser portadora de algum distúrbio que necessita ser tratado.

Eu nunca fui uma pessoa que tinha necessidade tão grande de sexo. O marido fala: 'você tem que ir no médico [...]'. E eu fui. Eu sempre senti desconforto na penetração. Acho que não é desconforto [...] eu não acho tão prazeroso [...] não sei se é porque a gente vai perdendo a umidade. Eu tenho umidade [...]. Me causa desconforto não ter disposição, interesse. Um dia rola melhor, outro dia menos e assim vai [...] (Tique).

Ao se deparar com tal relato, passa-se a considerar que o exercício da sexualidade ultrapassa os limites do contato físico e da satisfação dos desejos, da libido. A mulher vivencia a atividade sexual como um atributo que deve ser cumprido para oferecer prazer ao outro e que, não necessariamente, envolve a reciprocidade. O feedback do prazer, que propicia a ambos os envolvidos a sensação de contentamento, deve ser mútuo. Porém, se a estima de si estiver rebaixada não adiantará a presença do outro porque a mesma, alimentada somente pelo olhar do outro, não encontra reconhecimento, ou acredita não poder encontrar. Na meia-idade feminina, as mudanças corporais, quando associadas à diminuição da auto-estima, podem levar à diminuição do desejo sexual ou, apesar da permanência do desejo, interferir no exercício da sexualidade⁽¹⁵⁾.

Em sua vivência, Afrodite enfatiza a importância da sexualidade e destaca que é preciso compartilhar vivências. Ela reconhece essas limitações e busca soluções.

Tive um casamento que não foi muito bom porque não existia o carinho necessário, mas criei três filhos maravilhosos, mas sempre envolta com um monte de probleminhas. A libido sumiu [...] fui no .GO (ginecologista) de novo e falei pra ele: 'Dr. Eu não tenho mais desejo sexual, o que eu faço da minha vida agora?'. Não tô velha e não quero ficar assim [...] a minha mama tá parecendo uma bexiguinha dependurada, a minha genitália sumiu [...] o clitóris não sentia mais, tô sem secreção nenhuma, até a calcinha me machuca.. Nessas alturas tava muito desgostosa. Foi nessa época que meu relacionamento afetivo acabou. Daí eu fiz todos os exames e ele (o médico) me passou essa oitava maravilha que é a Tibolona. Voltou tudo! A libido tá saindo por tudo quanto é canto, voltou a vontade de viver, de me arrumar [...] (Afrodite).

O discurso dessa mulher desvela que o corpo é objeto de prazer e que, no exercício do prazer, também é possível que o Ser sinta a importância do outro para si. Mas o que o difere dos outros animais é que a satisfação desse prazer não se encerra com o orgasmo. A vida sexual não pode ser circunscrita a um aparelho orgânico e não é pela vida sexual que se compreende a existência. O que dá sentido à vida é a possibilidade do compartilhar vivências, emoções, prazeres, alegrias e tristezas.

Assim sendo, a sexualidade está ligada interiormente ao Ser. Essa condição se expressa na fala de Deméter.

O relacionamento é normal como sempre. Não é de todos os dias, é uma coisa bem estudada. Nada me atrapalhou no sexo [...] eu e meu marido se combina muito bem. Agora esse ressecamento aconteceu e na hora do ato sexual eu senti mesmo (Deméter).

Esse discurso denota que viver a sexualidade envolve uma imensidão de sentimentos: estar com o outro, sentir o outro e compreender as múltiplas possibilidades do relacionamento.

Ressalta-se que a sexualidade não termina pela deficiência hormonal, mas se modifica na articulação de uma multiplicidade de fatores, interpretados em histórias individuais, de forma relacional, em determinado contexto e tempo⁽¹⁵⁾.

Assim, o prazer de se estar junto e o desejo de compartilhar vivências com o outro pode ser alcançado por meio do reconhecimento de nós mesmos, enquanto sujeitos que buscam no caminho resgatar-se enquanto Ser, e como fazê-lo sem se considerar o "outro" em nossas vidas?

Na vivência da sexualidade, muitas vezes, depara-se com crenças e valores que são extensivos à vida. Por exemplo: a necessidade que se tem de se ficar sozinho, às vezes, pode ser uma manifestação/expressão generalizada de um certo estado da sexualidade, de uma outra maneira de estar no mundo. Dessa forma, fazendo-se assim existência, a sexualidade assume significação tão geral que parece existir osmose entre a sexualidade e a existência, quer dizer, se a existência se difunde na sexualidade, reciprocamente a sexualidade se difunde na existência, de forma que é impossível determinar, para uma decisão ou para uma dada ação, a parte da motivação sexual e a parte das outras motivações. É impossível caracterizar uma decisão ou um ato como "sexual" ou "não-sexual"⁽¹⁴⁾.

Esse é o ir e vir da existência. É experienciar continuamente emoções, ganhos e perdas. Tudo isso é existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vida é movimento. É um eterno fluir que vai deslizando lentamente, mas intrinsecamente voltada para o ciclo biológico e vital. Para a apropriação desse movimento do corpo, do seu ir-e-vir no mundo, considerando a sua complexidade, enquanto arquivo vivo do vivido, acredita-se que o primeiro passo seja assumir as limitações impostas pelas mudanças corporais, conscientes de que elas fazem parte da evolução natural do indivíduo e que são ferramentas para se amadurecer e crescer enquanto Ser.

No que se refere à assistência à saúde, é importante reconhecer que a Terapia de Reposição Hormonal (TRH), tema de tantos trabalhos científicos, poderá compor uma relação de opções terapêuticas, desde que seus riscos e benefícios sejam dimensionados e considerados individualmente e, uma vez garantido o acesso a ela, ser uma escolha da mulher, para o controle dos sinais e sintomas da carência estrogênica, que trazem tanto desconforto para a maioria das mulheres.

Enquanto membro da equipe multidisciplinar, cabe à enfermeira estabelecer relação horizontal e dialógica com as mulheres, de forma que elas se sintam valorizadas e motivadas a refletirem sobre seu modo de vida e seus limites. A dinâmica grupal também pode auxiliar as mulheres a perceber suas próprias demandas, quanto a reconhecerem o que sabem e o que sentem. Permite, ainda, a interação do conhecimento técnico com o conhecimento empírico sobre a sexualidade, motivando-as para a compreensão da totalidade na qual a experiência vivida se insere⁽¹⁶⁾.

No ensino, é preciso incluir no currículo dos cursos da área da saúde temas e formas de ensiná-los, privilegiando a interconexão da razão, da ciência com a sensibilidade, de forma que o profissional seja formado com a visão da complexidade e da subjetividade. Que a doença não seja o foco principal do conteúdo programático dos currículos, mas considerada como uma resposta do corpo aos processos vividos e não apenas nos seus aspectos de neutralidade e objetividade, como se se pudesse departamentalizar o indivíduo enquanto uma lista de sinais e sintomas.

Na pesquisa, paralelo ao desenvolvimento de biotecnologias que atendam os aspectos biológicos do processo saúde-doença, é importante que se desenvolva estudos com vistas ao desvelamento de outros fenômenos da vivência do climatério, respaldados em princípios científicos, que possam apontar novos caminhos para o cuidar.

Finalizando, acredita-se que este estudo traz contribuição específica na área da saúde da mulher, tendo em vista a escassez de trabalhos publicados que tratem da temática do climatério e sua associação com a questão da sexualidade, ampliando a discussão e a reflexão dos aspectos biopsíquicos e socioculturais próprios dessa fase do período reprodutivo feminino.

REFERÊNCIAS

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Paper extracted from Doctoral Dissertation

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Jun 2009
• Data do Fascículo
  Abr 2009

Histórico

• Aceito
  23 Dez 2008
• Recebido
  07 Fev 2008