RESUMO
Objetivo: identificar o perfil do envelhecimento saudável de idosos brasileiros octogenários.
Método: estudo epidemiológico de base populacional, conduzido por meio de entrevista domiciliar em um município brasileiro, num recorte com 335 idosos octogenários. O modelo de árvore de decisão foi utilizado para analisar o perfil de envelhecimento saudável em relação às características socioeconômicas avaliadas na linha base. Todos os testes consideraram o valor p<0,05.
Resultados: entre os 335 idosos que participaram deste estudo, a maioria era do sexo feminino (62,1%), idade entre 80 e 84 anos (50,4%), viúvo (53,4%), analfabeto (59,1%), com renda mensal inferior a um salário-mínimo (59,1%); eram aposentados (85,7%), morando com cônjuge (63,8%), sem cuidador (60,3%), com dois ou mais filhos (82,7%) e dois ou mais netos (78,8%). Os resultados indicam três grupos com perfil de envelhecimento mais saudável: idosos com 80-84 anos (55,6%), idosos com 85 anos e mais, casados (64,9%) e idosos com 85 anos e mais, sem companheiro e também sem cuidador (54,2%).
Conclusão: o perfil de envelhecimento saudável de octogenários pôde ser explicado pela faixa etária, estado civil e presença de cuidador.
Descritores: Envelhecimento; Idoso de 80 Anos ou Mais; Perfil de Saúde; Fatores Epidemiológicos; Epidemiologia
ABSTRACT
Objective: to identify the healthy aging profile in octogenarians in Brazil.
Method: this population-based epidemiological study was conducted using household interviews of 335 octogenarians in a Brazilian municipality. The decision-tree model was used to assess the healthy aging profile in relation to the socioeconomic characteristics evaluated at baseline. All of the tests used a p-value < 0.05.
Results: the majority of the 335 participating older adults were women (62.1%), were aged between 80 and 84 years (50.4%), were widowed (53.4%), were illiterate (59.1%), had a monthly income of less than one minimum wage (59.1%), were retired (85.7%), lived with their spouse (63.8%), did not have a caregiver (60.3%), had two or more children (82.7%), and had two or more grandchildren (78.8%). The results indicate three age groups with a healthier aging profile: older adults aged 80 to 84 years (55.6%), older adults aged 85 years and older who are married (64.9%), and older adults aged 85 and older who do not have a partner or a caregiver (54.2%).
Conclusion: the healthy aging profile of octogenarians can be explained by age group, marital status, and the presence of a caregiver.
Descriptors: Aging; Aged, 80 and Over; Health Profile, Epidemiologic Factors; Epidemiology
RESUMEN
Objetivo: identificar el perfil de envejecimiento saludable de octogenarios brasileños.
Método: estudio epidemiológico de base poblacional que se llevó a cabo por medio de entrevistas domiciliarias en un municipio brasileño con una muestra de 335 octogenarios. Se utilizó un modelo de árbol de decisiones para analizar el perfil de envejecimiento saludable en relación a las características socioeconómicas evaluadas al inicio del estudio. Todos las pruebas consideraron un valor de p<0,05.
Resultados: entre los 335 adultos mayores participantes, la mayoría eran mujeres (62,1%), edades comprendidas entre 80 y 84 años (50,4%), viudos (53,4%), analfabetos (59,1 %), con ingreso mensual inferior del salario mínimo (59,1%), jubilados (85,7%), viviendo con el cónyuge (63,8%), sin cuidador (60,3%), con dos o más hijos (82,7%), y dos o más nietos (78,8%). Los resultados indican tres grupos de edad con perfil de envejecimiento más saludable: adultos mayores de 80-84 años (55,6%), adultos mayores con 85 años o más y casados (64,9%), y adultos mayores con 85 años o más sin pareja y ni cuidador (54,2%).
Conclusión: el perfil de envejecimiento saludable de octogenarios se puede explicar por el grupo etario, el estado civil y la presencia de un cuidador.
Descriptores: Envejecimiento; Anciano de 80 o Más Años; Perfil de Salud; Factores Epidemiológicos; Epidemiología
Introdução
O envelhecimento populacional no mundo tem ocorrido de maneira heterogênea. Em 1999, 10% da população tinha 60 anos e mais de idade, variando de 19% nas regiões mais desenvolvidas a apenas 5% nas menos desenvolvidas. As projeções da Organização das Nações Unidas indicam que esses valores terão dobrados em 20501.
O último censo brasileiro comprova como esse processo está acontecendo mais rápido do que ocorreu na Europa, no início do processo de transição demográfica. Em 2000, a população com mais de 60 anos de idade era 8,6% da população total, percentual esse que saltou para 10,8% no censo de 2010. Os idosos acima de 80 anos formam o grupo etário que mais cresceu nos últimos anos, representando 14,3% dos idosos brasileiros e 1,5% da população brasileira total em 20102.
A população considerada idosa mais idosa também está envelhecendo, ou seja, a proporção de 80 anos e mais também está aumentando, alterando a composição etária dentro do próprio grupo3. Analisando as diferentes trajetórias de vida dos idosos, nota-se que eles se inserem em distintos níveis da vida social e econômica do país.
Contudo, são poucos os estudos em nosso meio que exploram as condições de vida e saúde de idosos componentes desse novo estrato etário. Esse contexto desafia governos e a sociedade a buscarem ações e políticas de promoção de saúde numa perspectiva mais ampla de saúde e bem-estar na velhice4. O envelhecimento saudável é um conceito que pode contribuir para explicar essas mudanças demográficas e epidemiológicas.
Em caráter mais abrangente, envelhecimento saudável é um processo contínuo de aprendizagem e realização pessoal, tendo como objetivo a autonomia e a independência dos idosos4. Esse processo envolve também o equilíbrio da interação entre as várias dimensões da vida do idoso: saúde física e mental, independência e autonomia nas atividades da vida diária, participação e apoio social, convívio e suporte familiar e autonomia econômica5.
Pesquisa com uma subamostra do estudo "Processos do Envelhecimento Saudável" (PENSA) procurou investigar como os próprios idosos percebem as multidimensões da definição de envelhecimento saudável. Em relação ao que realmente importa para alcançar esse envelhecimento, as categorias mais apontadas pelos idosos foram: saúde física (53%), saúde social (46%), saúde emocional (37%), preocupação com alimentação e exercícios (36%) e evitar fatores de risco (19%)6.
Na prática, a ausência de parâmetros tanto em aspectos funcionais, cognitivos, físicos e sociais como em parâmetros fisiológicos tem dificultado identificar quem são os idosos saudáveis7, especialmente entre os octogenários.
Diante disso, o objetivo do presente estudo foi identificar o perfil de envelhecimento saudável de idosos brasileiros octogenários.
Métodos
O estudo Aging, Gender and Quality of Life (AGEQOL) é uma coorte de base populacional, realizada em Sete Lagoas, Minas Gerais, Brasil, iniciado em 2012 com uma amostra representativa da população idosa do município8.
O processo de amostragem foi realizado em dois estágios: no primeiro, foram selecionados setores censitários; no segundo, os domicílios sob o critério de partilha proporcional ao tamanho de cada setor. Em cada domicílio foram entrevistados todos os indivíduos residentes com 60 anos e mais, independentemente do estado conjugal ou grau de parentesco. Os dados foram colhidos com o próprio idoso, em seu domicílio, pelos pesquisadores treinados.
O estudo seguiu as normas éticas de pesquisa com seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE-0413.0.203.000-11). Todos os idosos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)8.
Do total de participantes selecionados (N=2.302), 250 se perderam antes do primeiro acompanhamento em 2012. Em 2014, foi realizada nova coleta de dados no domicílio com os idosos de 80 anos e mais. Os dados aqui apresentados são, por conseguinte, de 408 idosos octogenários, dos quais 335 (81,5%) foram entrevistados, 35 (8,5%) faleceram, 31 (7,6%) não foram localizados, após três visitas, e sete idosos (1,7%) se recusaram a continuar participando do estudo (Figura 1).
A variável de desfecho desse recorte foi o envelhecimento saudável investigado por meio de um questionário estruturado, aplicado no domicílio do participante, entre janeiro e março de 2014. Essa variável foi construída com adaptação da proposta de Carrasco7. O protocolo foi desenvolvido por uma equipe de especialistas em medicina geriátrica com o objetivo de identificar indivíduos saudáveis residentes na comunidade, com base nos princípios de envelhecimento bem-sucedido, associado à baixa carga de comorbidade. No estudo, foram usados os seguintes critérios para identificar um idoso saudável: autopercepção de saúde positiva (boa e muito boa); ser funcionalmente independente para todas as atividades diárias e instrumentais; não apresentar de déficit cognitivo; ser capaz de caminhar pelo menos três quarteirões sem ajuda; não ter doenças agudas nem crônicas conhecidas; consumir menos de três medicamentos; não fumar (nunca fumou e fumava, mas agora parou), nem beber habitualmente (nenhum e menos de 1 dia por semana).
A autopercepção de saúde foi avaliada por uma escala Likert para as respostas (muito ruim, ruim, regular, boa e muito boa). A mobilidade foi avaliada por uma única pergunta "Você é capaz de caminhar três quarteirões sem ajuda?", com resposta dicotômica (sim, não). O uso de medicamentos foi medido pela quantidade usada na época da pesquisa. Uma pergunta dicotômica foi utilizada para avaliar a presença ou ausência de doenças crônicas ou agudas conhecidas na época da pesquisa. A frequência de ingestão de álcool foi avaliada em relação aos últimos três meses com a seguinte pergunta: "Em média, quantos dias por semana você tem tomado bebidas alcoólicas (exemplos: cerveja, vinho, licor, cachaça)?". As categorias de resposta poderiam ser: nenhum, menos de 1 dia por semana, 1 dia por semana, 2 a 3 dias por semana, 4 a 6 dias por semana e todos os dias. Em relação ao cigarro, o participante deveria responder se: 1) nunca fumou, 2) fumava, mas agora parou, 3) fuma ocasionalmente - menos de 1 por dia ou 4) fuma atualmente - 1 ou mais por dia7.
Para avaliar o estado cognitivo dos idosos, foi utilizado o Miniexame do Estado Mental (MEEM), que foi validado no Brasil9 com o ponto de corte de 21/22 pontos10. A pontuação ≤21 indica comprometimento cognitivo. A limitação funcional foi investigada por seis atividades básicas de vida diária - AVD (tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, comer, deitar e levantar da cama ou da cadeira e incontinência urinária e fecal) e oito atividades instrumentais de vida diária - AIVD (usar telefone, usar transporte, fazer compras, preparar uma refeição, limpar a casa, lavar a roupa, cuidar das finanças e tomar medicamentos). A classificação como não limitado se aplicava a indivíduos com total independência na realização de AVD e AIVD, separadamente.
As características socioeconômicas dos idosos, avaliadas na linha base, foram: idade na data da pesquisa (80-84 anos, ≥85anos), sexo (masculino, feminino), estado civil (casado, separado, solteiro, viúvo), cor da pele autorrelatada (branca, preta/parda, amarela/indígena), escolaridade (alfabetizado; não alfabetizado), renda mensal do idoso (sem renda, ≤1 salário-mínimo, >1 salário-mínimo), aposentado (sim; não), arranjo domiciliar (mora com cônjuge, arranjo misto, mora sozinho), número de filhos (0, 1, ≥2), número de netos (0, 1, ≥2) e cuidador (sim; não).
Inicialmente, realizou-se a análise descritiva dos dados. As associações entre as variáveis de interesse foram avaliadas a partir do teste qui-quadrado, com nível de significância de 5%.
O modelo de árvore de decisão foi utilizado para analisar o perfil de envelhecimento saudável em relação aos demais fatores preditores. Esse método consiste em regras de decisão que realizam sucessivas divisões no conjunto de dados de forma a torná-lo cada vez mais homogêneo em relação à variável desfecho. A árvore de decisão se apresenta sob a forma de um gráfico que começa com um nó raiz, onde todas as observações da amostra são apresentadas. Os nós produzidos em sequência representam subdivisões dos dados em grupos cada vez mais homogêneos11.
O método utilizado foi o Algoritmo Chi-squared Automatic Interaction Detector (CHAID), capaz de detectar e contabilizar os efeitos não lineares sobre a variável resposta, e interações entre preditores. A interpretação da árvore está centrada, especialmente, em analisar o grupo com o maior número de indivíduos formados pelo último nó da árvore que representa o resultado final do modelo12.
O modelo foi ajustado mediante sucessivas divisões binárias (nós) nos conjuntos de dados. O critério de parada foi o valor p<0,05 da estatística qui-quadrado, usando a correção de Bonferroni. O ajuste final foi avaliado pela estimativa de risco geral que compara a diferença entre o valor esperado e o observado pelo modelo, indicando em que medida a árvore de decisão prediz os resultados corretamente. Todas as análises foram realizadas no software estatístico SPSS, versão 19.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos).
Resultados
A idade dos octagenários a amostra em 2014 variou entre 80 e 108 anos, sendo a idade média de 85,2±4,6 anos (85,3±4,8 para as mulheres e 85,1±4,1 para os homens).
Dos 335 idosos que participaram deste estudo, a maioria era do sexo feminino (62,1%), idade entre 80 e 84 anos (50,4%), viúvo (53,4%), analfabeto (59,1%), com renda mensal inferior a um salário-mínimo (59,1%), eram aposentados (85,7%), morando com cônjuge (63,8%), sem cuidador (60,3%), com dois ou mais filhos (82,7%) e dois ou mais netos (78,8%) (Tabela 1).
A Tabela 1 mostra, também, associação entre sexo com as seguintes variáveis: cor da pele (p=0,035), estado civil (p<0,001), aposentado (p<0,001) e mora sozinho (p=0,041). Tal associação revela um perfil de mulheres viúvas, aposentadas, morando em arranjos mistos ou sozinhas.
A prevalência de déficit cognitivo nesta amostra foi de 27,2% e a limitação funcional foi maior para as AIVDs (55,5%) do que para AVDs (24,5%). Apesar de a maioria dos idosos haver relatado nenhuma doença crônica/aguda (57,1%), apenas 37,4% afirmaram não tomar nenhum medicamento (Tabela 2).
Em relação à autoavaliação de saúde, 47,2% dos idosos avaliaram a própria saúde como boa ou muito boa, 36,4% como regular e 16,4% como ruim ou muito ruim. Apenas 42,4% dos octogenários são capazes de caminhar três quarteirões sem ajuda. A grande maioria dos idosos não ingere bebida alcoólica ou o faz em menos de um dia por semana (94,0%) e 56,3% nunca fumaram (Tabela 2).
Na análise entre os sexos (Tabela 2), observou-se que a maioria das mulheres não ingere álcool (50,5%), enquanto 10,9% dos homens ingerem álcool com alguma frequência (p=0,007). Em relação ao tabagismo, 63,5% das mulheres e 44,8% dos homens nunca fumaram (p<0,001).
Envelhecimento saudável esteve significativamente associado a ser casado (p=0,015) e não ter cuidador (p=0,014), como se vê na Tabela 3.
O modelo de árvore foi construído com oito nós, média de risco estimado em 0,412 (±0,027) e 60,0% de classificação total correta. O perfil de envelhecimento saudável de octogenários pôde ser explicado pela faixa etária, estado civil e presença ou não de cuidador. A partir do primeiro nó formaram-se dois ramos distintos para descrever o envelhecimento saudável, segundo a faixa etária: idosos com 80-84 anos (n=169; 50,4%) e idosos com mais de 85 anos (n=166; 49,6%). De maneira geral, o envelhecimento saudável prevaleceu entre os idosos de 80-84 anos (55,6%), idosos mais velhos casados (64,9%) e aqueles sem companheiros e sem cuidadores (54,2%). O envelhecimento não saudável prevaleceu entre 34 (68,0%) idosos mais velhos sem companheiros e com cuidadores (Figura 2).
Análise multivariada por meio da árvore de decisão (CHAID), para envelhecimento saudável em idosos octogenários, ajustada por fatores socioeconômicos. Sete Lagoas, MG, Brasil, 2014
Discussão
Em geral, o perfil da população pesquisada neste estudo se assemelha ao das populações de estudos anteriores realizados no Brasil4,13 e em outros países14-16. Predominaram mulheres, na sua maioria viúva, com baixa escolaridade, aposentadas ganhando menos de um salário-mínimo e vivendo na companhia de familiares ou cuidadores.
No último censo populacional brasileiro, a taxa de analfabetismo de idosos foi 26,2%17, valor comparável à do estudo AGEQOL (28,2%)8. Considerando-se a faixa etária de 80 anos e mais, esses valores são ainda maiores (59,1%), como em outros estudos4,13. Essas diferenças no nível de alfabetização refletem as desigualdades sociais do início do século XX, época em que esses idosos deveriam estar na escola, mas essa era vedada a pobres e mulheres.
Entre os octogenários deste estudo, observaram-se diferenças de gênero estatisticamente significantes em relação ao estado civil e ao tipo de arranjo domiciliar. Enquanto a maioria dos homens era de casados (63,8%), 143 (68,8%) mulheres eram viúvas, e das quais 77,1% moravam sozinhas. Esse resultado é semelhante ao de algumas cidades da América Latina do estudo SABE - Saúde, Bem-estar e Envelhecimento18 e a outros estudos brasileiros com octogenários19-20.
A condição de residir sozinho é um dado preocupante e foi mais frequente entre as mulheres, possivelmente devido à maior probabilidade de casar novamente observada entre os homens18, o que não acontece com as mulheres. Esses dados demonstram a importância de readequação para um novo arranjo familiar nessa faixa etária20.
Observaram-se, também, diferenças importantes entre os sexos em relação ao tabagismo e ao alcoolismo. Ainda que a maioria dos idosos deste estudo nunca tenha fumado (56,3%), 41,6% dos homens já haviam sido fumantes. Outras inferências não poderão ser feitas neste momento, porque não foi questionado há quanto tempo os idosos fumavam e quando haviam parado de fumar.
Estudo realizado com 832 idosos com 60 anos e mais, residentes no município de Porto Alegre, RS, revelou prevalência de tabagismo e alcoolismo entre os homens (11,7 e 20,8%, respectivamente), quando comparados às mulheres (0,7 e 13,0%, respectivamente)21. Os estudos sobre tabagismo e alcoolismo e suas consequências entre a população idosa são recentes e sugerem associações com gênero, raça e condições socioeconômicas22.
No presente estudo o conceito de envelhecimento saudável engloba: boa percepção de saúde, independência para praticar atividades da vida diária, ausência de déficit cognitivo, estilo e hábitos de vida saudáveis (não fumar nem beber e consumir poucos medicamentos), boa mobilidade e ausência de morbidades.
Estudos têm evidenciado que comportamentos saudáveis, tais como abstinência do fumo, controle de peso e da pressão arterial e exercícios físicos regularmente, estão associados ao envelhecimento saudável e melhor qualidade de vida dos idosos23-25. Para isso, é necessário investir em ações individuais e intervenções de saúde pública para orientá-los e novas estratégias para garantir uma vida mais longa e saudável para as gerações futuras26.
Outro dado interessante é que se esperava encontrar diferenças de gênero em relação ao envelhecimento saudável entre os octogenários deste estudo no modelo de árvore, segundo a literatura sobre envelhecimento8,27-28.
No entanto, os resultados indicam três grupos com perfil de envelhecimento mais saudável: idosos com 80-84 anos (55,6%), idosos com 85 anos e mais casados (64,9%) e idosos com 85 anos e mais sem companheiro e sem cuidador (54,2%).
O segundo grupo reuniu os idosos >85 anos casados e saudáveis, sugerindo que o casamento pode ser um fator positivo para o envelhecimento mais saudável entre octogenários. Os resultados sugerem que a relação marido/esposa deve ser avaliada e acompanhada pelos profissionais de saúde como uma forma de prevenir a dependência funcional entre octogenários.
Estudos com idosos casados têm sido realizados para tentar compreender os determinantes de felicidade, saúde e bem-estar na velhice. O estudo de Waldinger e Schulz29 revelou que, para ambos os sexos, estarem mais satisfeitos em seus casamentos era fortemente associado a uma ligação diária mais positiva entre o tempo com o parceiro e os níveis de felicidade. Outro estudo, realizado na China com octogenários, revelou elevada prevalência (62,4%) de idosos casados com melhor bem-estar psicológico16.
O estrato dos idosos com mais de 85 anos não saudáveis estava associado a ser solteiro, viúvo ou divorciado (p=0,011) e necessitar de cuidador (p=0,020). Esses resultados indicam que esse grupo reuniu os idosos com mais morbidades e mais limitações funcionais, que necessitam de mais cuidados e que não contam com um parceiro para compartilhar sua vida e ajudar nessa rotina.
Na maioria das vezes, o cuidador é um familiar próximo, geralmente do sexo feminino (cônjuges, filhas e netas) que reside na casa do idoso e se torna responsável por todos os aspectos da sua vida30. As ações de intervenção nesse grupo são especiais e devem ser dirigidas a capacitar os familiares e cuidadores formais para lidarem com as dificuldades relacionadas à dependência funcional, física, cognitiva e psicológica desse idoso.
Viver sozinho é um fator de risco para sintomas depressivos e declínio do bem-estar psicológico entre os idosos mais idosos16. Portanto, os idosos que dispõem de um grupo familiar estável, seguro e de confiança conseguem construir boas relações familiares e são capazes de melhor enfrentar possíveis perdas durante o processo de envelhecimento21.
As limitações deste estudo incluem a falta de informação genética e falta de corroboração de dados da linha base. A falta de informações prévias sobre as variáveis que compuseram o conceito de envelhecimento saudável no presente estudo, impossibilitando o cálculo de sobrevida separadamente para o grupo saudável e o não saudável. O perfil de envelhecimento saudável foi investigado por meio de informações subjetivas (autorrelato) o que pode levar a viés de memória.
Ainda assim, este é um dos escassos estudos com octogenários advindos de uma linha base com amostra probabilística e alta taxa de resposta para realizar inferências com ferramentas estatísticas mais complexas, tal como a árvore de decisão.
A incorporação de outras variáveis e o geoprocessamento dos dados poderá ajudar a ampliar a discussão aqui levantada e estabelecer relação temporal entre envelhecimento saudável e relação conjugal entre octogenários brasileiros.
Considerando-se que a relação conjugal foi importante fator para caracterizar o perfil de envelhecimento saudável nesta amostra, espera-se também avaliar outras informações, tais como os subtipos de arranjo familiar (bi ou trigeracional), os motivos para residir no domicílio e se o idoso era chefe e mantenedor da família20.
Para o futuro, espera-se que novas pesquisas possam melhor investigar as demandas diferenciadas e formular políticas públicas para os idosos, considerando a heterogeneidade dessa população, em termos etários e/ou socioeconômicos3.
Conclusão
Conclui-se que os idosos mais saudáveis apresentaram: autopercepção de saúde positiva, ausência de limitação funcional, de déficit cognitivo e de outras morbidades, boa mobilidade para caminhar e bons hábitos de vida. No modelo final, esse perfil foi definido por faixa etária, estado civil e necessidade de cuidador.
O conceito de envelhecimento saudável aqui adotado pode ser considerado modelo confiável e de fácil aplicação nas pesquisas epidemiológicas sobre envelhecimento e nas avaliações de acolhimento e/ou triagem dos serviços de atenção primária à saúde.
Sendo assim, os resultados deste estudo devem servir para direcionar e aprimorar futuras pesquisas com octogenários e se constituir em premissas para propor políticas de envelhecimento saudável dirigidas a esses idosos, com foco no relacionamento conjugal e na família como unidade de cuidados.
O cuidado da vida e saúde no processo de envelhecimento se impõe sobretudo para a enfermagem, quando na atenção primária, a(o) enfermeira(o) deve privilegiar o cuidado continuado ao longo do viver da pessoa envelhecente. Considerando os resultados obtidos neste estudo epidemiológico, a(o) enfermeira(o) deve seguir investindo na promoção do envelhecimento saudável, buscando prorrogar o estado de saúde e bem-estar do octagenário para além dos primeiros cinco anos após os oitenta. Deve, igualmente, atentar para o cuidado continuado dos idosos com menos saúde, seja pelas circunstâncias próprias das morbidades, seja pelo processo natural de fragilização em face da maior longevidade, provendo meios que ajudem a manter a melhor qualidade de relação do binômio pessoa idosa e família cuidadora.
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Artigo extraído da tese de doutorado "Envelhecimento, Gênero e Qualidade de Vida", apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, processo nº 481672/2011-7, 305032/2012-7 e 141307/2011-0; e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, processo nº 8314/13-6.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2016
Histórico
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Recebido
30 Abr 2015 -
Aceito
16 Dez 2015