Open-access Atendimento hospitalar ao idoso com COVID-19*

Resumos

Objetivo:  analisar as matérias jornalísticas sobre o atendimento hospitalar aos idosos com COVID-19 nos veículos de comunicação online.

Método:  pesquisa documental, retrospectiva, descritiva e exploratória. Os dados foram coletados de matérias publicadas em websites de acesso livre de 12 jornais dos seguintes países: Brasil, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Portugal.

Resultados:  do total de 4.220 matérias jornalísticas identificadas a esse respeito, 101 foram selecionadas após aplicação dos critérios de inclusão, a maioria proveniente da Itália. A análise dos dados revelou três categorias temáticas: O atendimento ao paciente com COVID-19 no sistema de saúde; Processo de trabalho da equipe de saúde e sua preocupação com o contágio; e Dilema ético no atendimento ao idoso durante a internação hospitalar.

Conclusão:  a pandemia da COVID-19 se apresentou de forma rápida e foi bastante noticiada em todos os países. É necessário que os sistemas de saúde se reorganizem para o atendimento à população mundial, sobretudo ao idoso, considerando suas fragilidades e também a ausência de capacitação profissional prévia para oferecer assistência a essa população.

Descritores: Idoso; Infecções por Coronavírus; Serviço Hospitalar de Admissão de Pacientes; Artigo de Jornal; Pessoal de Saúde; Pandemias


Objective:  to analyze the newspaper articles on hospital care for elderly COVID-19 patients in online newspapers.

Method:  documentary, retrospective, descriptive and exploratory research. The data were collected from articles published on open-access websites of 12 newspapers from the following countries: Brazil, Spain, United States, France, Italy and Portugal.

Results:  out of 4,220 newspaper articles identified in this regard, 101 were selected after applying the inclusion criteria, the majority coming from Italy. The data analysis revealed three thematic categories: the care for patients with COVID-19 in the health system; the work process of the health team and its concern with contagion; and ethical dilemma in care for the elderly during hospitalization.

Conclusion:  the COVID-19 pandemic presented itself quickly and was widely reported in all countries. The health systems need to reorganize for care to the global population, especially the elderly, considering their weaknesses and also the lack of prior professional training to offer care to this population.

Descriptors: Aged; Coronavirus Infections; Admitting Department, Hospital; Newspaper Article; Health Personnel; Pandemics


Objetivo:  analizar las noticias periodísticas sobre la atención hospitalaria a los adultos mayores con COVID-19 en los medios de comunicación on-line.

Método:  estudio documental, retrospectivo, descriptivo y exploratorio. Los datos fueron recolectados de materias publicadas en las páginas web de libre acceso de 12 periódicos de Brasil, España, Estados Unidos, Francia, Italia y Portugal.

Resultados:  de 4,220 noticias periodísticas identificadas sobre el tema de estudio, 101 fueron seleccionados posterior a los criterios de inclusión, siendo la mayoría de Italia. Al análisis de los datos se identificó tres categorías temáticas: La atención al paciente con COVID-19 en el sistema de salud; Proceso del trabajo del equipo de salud y su preocupación al contagio y Dilema ético en la atención al adulto mayor durante su hospitalización.

Conclusión:  la pandemia de COVID-19 se presentó de forma rápida y fue difundida en todos los países. Es necesario que los sistemas de salud se reorganicen para la atención de la población en el mundo, especialmente al adulto mayor, tomando en cuenta su fragilidad y también la ausencia de una previa capacitación profesional para ofrecer atención a esta población.

Descriptores: Anciano; Infecciones por Coronavirus; Servicio de Admisión en Hospital; Artículo de Periódico; Personal de Salud; Pandemias


Introdução

A saúde pública vem enfrentando uma das maiores pandemias deste século, provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), que causa a COVID-19. Os primeiros casos da doença foram notificados em Wuhan - China, em dezembro de 2019(1). A COVID-19 é uma doença respiratória aguda, transmitida de pessoa para pessoa, que apresenta alta mortalidade entre idosos(2). A taxa de letalidade nesta população é da ordem de 14,8%(3) e, nas pessoas com condições médicas subjacentes como doenças cardiovasculares, a 13,2%, com diabetes mellitus (9,2%), hipertensão arterial (8,4%), doenças respiratórias crônicas (8,0%) e câncer (7,6%)(4).

Por ser uma doença respiratória, o período de incubação varia entre cinco e 14 dias, e o de transmissão é de cinco dias após o aparecimento dos primeiros sintomas(5). O diferencial desta doença é a síndrome respiratória aguda grave (SARS), que tem afetado entre 17% e 29% dos pacientes. Além disso, em 75% destes há pneumonia bilateral atípica, detectada por tomografia computadorizada(6).

Dada a gravidade da doença, a Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciou, em 1º de janeiro de 2020, diversas ações de combate ao surto. A COVID-19 já era considerada uma emergência de saúde pública em 30 de janeiro e, em 11 de março, passou a ser caracterizada como pandemia, após infectar 118.000 pessoas em 114 países e levar a 4.291 óbitos(7). Essa doença tem alta infectividade e 20% das pessoas contaminadas desenvolvem agravos respiratórios(6).

Em 25 de maio de 2020, a OMS e o Johns Hopkins Center for Health Security confirmaram 5.453.784 casos da doença e 345.886 óbitos em 185 países dos 195 existentes no mundo(8). Além dos efeitos na saúde pública, que evidenciam a deterioração dos sistemas públicos de saúde diante da demanda de atendimento, a crise causada pela pandemia provoca sérios problemas na economia e acentua a desigualdade social da população, tendo em vista a indisponibilidade de equipamentos e produtos de proteção para todos, de maneira igualitária(9).

Nota-se ainda colapso dos sistemas de saúde em vários países que não apresentam infraestrutura, recursos humanos, equipamentos e materiais para o atendimento simultâneo de milhares de infectados. Além disso, o período de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) tem sido longo, o que aumenta o tempo de espera para pacientes em condições graves. Essa situação requer protocolos de atendimento e impõe aos profissionais de saúde a difícil decisão de escolher quem pode viver ou morrer(10). Agrava essa situação a recomendação de não disponibilizar ventiladores a pessoas com mais de 80 anos(11) quando a demanda ultrapassa o suprimento.

Atualmente, embora os hospitais estejam cuidando e tratando as pessoas contaminadas por esta doença com recursos mais avançados, observa-se um descuido mundial com os idosos mais velhos com suspeita ou confirmação da COVID-19. Assim, diante do exposto e entendendo que a mídia influencia a opinião pública em diversos temas, busca-se compreender de que forma a imprensa escrita mundial tem noticiado o tratamento hospitalar oferecido a idosos com COVID-19. Para tanto, elaborou-se a seguinte questão norteadora: Como são divulgadas as matérias jornalísticas sobre o atendimento hospitalar aos idosos com COVID-19 nos veículos de comunicação na versão online?

Uma vez que a divulgação online representa uma revolução no modelo de produção, distribuição e atualização das notícias ininterruptamente, ampliar o conhecimento de conteúdos publicados em websites sobre a saúde, bem como a respeito de suas inter-relações e determinantes, é importante para informação e educação da sociedade. Além disso, pode impactar nas ações individuais, da população em geral, comunidade médica e formuladores de políticas públicas(12).

Nessa direção, o presente estudo tem como objetivo analisar as matérias jornalísticas sobre o atendimento hospitalar aos idosos com COVID-19 nos veículos de comunicação online.

Método

Pesquisa documental, retrospectiva, descritiva e exploratória. Analisaram-se matérias jornalísticas publicadas em websites de 12 jornais de acesso livre de seis países: Brasil, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Portugal.

A amostra foi constituída por publicações jornalísticas que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: divulgar notícias sobre a COVID-19 entre os dias 1 de janeiro e 20 de abril de 2020; disponibilizar acesso gratuito e na íntegra das matérias jornalísticas com o tema da atenção ao idoso com COVID-19 no contexto hospitalar e utilizar os seguintes termos: COVID-19 (coronavírus), idoso (viejos, abuelos, personas mayores, elderly, old, older people, vecchio), UTI (UCI) e médico (doctor). Tanto a escolha destes países para a análise como a seleção das matérias levaram em consideração dois fatores principais: número de casos da pandemia e idioma de domínio dos autores do estudo. Importante esclarecer que foram analisadas matérias jornalísticas publicadas sob diversos formatos, incluindo notícias, reportagens, artigos, entrevistas, editoriais, entre outros.

A coleta de dados contemplou as fases de identificação, seleção e elegibilidade. Na primeira fase, identificou-se um total de 12 jornais com acesso livre e que disponibilizavam matérias na íntegra. Na segunda fase, as palavras utilizadas na busca foram: idoso, coronavírus, COVID-19 e hospital, padronizadas de acordo com os idiomas de cada país. Na terceira fase, após leitura do material identificado foram selecionados aqueles que atendiam aos critérios preestabelecidos, totalizando 101 matérias jornalísticas.

Construiu-se um banco de dados para padronizar os termos utilizados pelos diferentes jornais e, assim, facilitar a comparação durante a análise. No entanto, teve-se o cuidado de manter o contexto e de respeitar, em cada idioma, as diversas formas de escrita. Todas as etapas da pesquisa e na produção do artigo atenderam aos critérios do Consolidated criteria for reporting qualitative research (13).

Para a análise das matérias selecionadas, adotou-se a técnica de análise temática, que é utilizada no campo da saúde e permite analisar as ideias expressas, palavras ou outros símbolos que compõem o conteúdo das comunicações(14).

Todas as publicações jornalísticas foram agrupadas de acordo com o país de origem e compuseram um banco de dados, os quais foram posteriormente analisados com auxílio do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires - IRAMuTeQ 0.6 alpha 3, versão brasileira. Este software desenvolve análises estatísticas sobre segmentos de textos, quadros de indivíduos e palavras(15).

A primeira análise permitiu a construção de nuvens de palavras, que representam uma análise lexical mais simples, que agrupa e organiza graficamente as palavras conforme a frequência com que são empregadas. Optou-se por essa análise para identificar os conteúdos mais noticiados por cada jornal e considerou-se a frequência superior a dez, com a finalidade de gerar figuras mais compreensíveis.

Na segunda análise foram construídas as categorias temáticas, as quais emergiram da leitura e análise textual pelo método Reinert, conhecida por Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que permite analisar a ocorrência dos termos em um segmento específico do texto. Neste tipo de análise, o software permite identificar coocorrências de termos nos mesmos segmentos, distribuindo-os em classes por proximidade, para depois hierarquizar a presença relativa de cada termo nas classes criadas. Fez-se uma CHD para cada idioma, uma vez que o software não permite a análise conjunta de diferentes idiomas. Com base nas CHD, foram extraídas as frases com proximidade temática e, a seguir, estas foram agrupadas nas categorias descritas pelos pesquisadores(16).

As análises foram validadas por dois pesquisadores, a fim de assegurar resultados condizentes com os objetivos do estudo e com a temática proposta. Em seguida, o conteúdo foi validado por dois autores, para respeitar os critérios de publicação científica e garantir a linguagem adequada.

Como o estudo utilizou apenas informações de acesso público e gratuito, disponíveis nos websites dos jornais selecionados, não foi necessário submeter o projeto à apreciação de Comitê de Ética, conforme a Resolução CNS nº 510/2016(17).

Resultados

A Figura 1apresenta os resultados obtidos a partir da busca nos jornais de circulação online. Conforme os dados coletados, foram identificadas, nos 12 jornais selecionados, 4.220 matérias a respeito da temática investigada, entretanto, apenas 101 matérias jornalísticas atenderam ao critério de inclusão.

Figura 1
Distribuição das matérias jornalísticas analisadas segundo ordem de leitura, países incluídos e palavras-chave mencionadas. Brasil, 2020

O jornal da França, o 20 Minutes, concentrou o maior número de publicações com as palavras-chave escolhidas (1.000) e o Washington Post, dos Estados Unidos, o menor (115). A Itália obteve o maior número de matérias selecionadas (33), seguida da França (19) e dos Estados Unidos (15).

Quanto ao conteúdo das matérias, os termos mais frequentes nas nuvens de palavras foram: no Brasil, paciente (f = 84); COVID-19 (f = 80); mais (f = 59); hospital (f = 48) e médico (f = 45); na Espanha, COVID-19 (f = 67); paciente (f = 51); grande (maior - f = 50); hacer (fazer - f = 50) e anciano (idoso - f = 49); nos Estados Unidos, COVID-19 (f = 97); patient (paciente - f = 80); care (cuidado = 72); health (saúde - f = 69) e person (pessoa - f = 62); na França, COVID-19 (f = 110); patient (paciente - f = 54); hôpital (hospital - f = 47); cas (casos - f = 47) e âgé (idoso - f = 43); na Itália, COVID-19 (f = 149); ospedale (hospital - f = 113); anziano (idoso - f = 103); paziente (f = 73) e medico (f = 72); e em Portugal, UCI (Unidade de Terapia Intensiva - f = 70); doente (f = 69); paciente (f = 68); COVID-19 (f = 64) e critério (f = 64). Esses dados estão detalhados a seguir (Figura 2).

Figura 2
Nuvens com palavras extraídas das matérias jornalísticas (n=101) que abordaram a temática do atendi mento hospitalar a idosos com COVID-19, Brasil, janeiro/abril de 2020

A maioria das matérias jornalísticas foi proveniente da Itália e a análise temática dos dados permitiu a construção de três categorias: O atendimento ao paciente com COVID-19 no sistema de saúde; Processo de trabalho da equipe de saúde e sua preocupação com o contágio; e Dilema ético no atendimento ao idoso durante a internação hospitalar.

Na categoria O atendimento ao paciente com COVID-19 no sistema de saúde, os conteúdos das publicações mostraram as dificuldades enfrentadas por cada país diante da pandemia e a necessidade de suporte dos sistemas de saúde aos profissionais de saúde, relacionadas aos equipamentos de segurança e outros para assistência a pacientes hospitalizados por COVID-19, incluindo ventiladores mecânicos em ambientes de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Os jornais destacaram a responsabilidade dos profissionais que atuam na linha de frente contra a doença:

Las altas tasas de contagio y los graves efectos causados sobre un porcentaje relativamente elevado de nuestra población han llevado al límite a nuestro sistema sanitario (Espanha, 9); Hospitais preparam-se para o impreparável: o aumento de doentes em UCI. Número de doentes críticos com COVID-19 internados em UCI cresceu 20 vezes em menos de três semanas (Portugal, 6).

Na categoria Processo de trabalho da equipe de saúde e sua preocupação com o contágio, os conteúdos das matérias jornalísticas apontaram a preocupação diária da imprensa com o processo de trabalho dos profissionais de saúde e com a sua própria segurança, devido ao risco de contágio com a COVID-19 que aumenta à medida que mais pacientes são atendidos na UTI. Nesse sentido, é possível observar, nos diversos países, matérias que destacam a segurança como algo imprescindível para todos:

Un employé de l’hôpital gériatrique de Francheville, vers Lyon, est actuellement en réanimation. La série de contaminations est partie d’un salarié de l’hôpital. (França, 7); Il sindacato propone varie misure di sicurezza, tra cui «un certificato nel quale specificare la quantità di trattamenti erogati dal singolo operatore sanitario e la quantità di dispositivi di protezione individuale consegnati per ogni giorno di trattamento. (Itália, 15); À saída do turno, o ritual de retirar o equipamento ainda é mais exigente, porque por cada peça retirada é preciso desinfectar as mãos. Já devidamente equipados e desinfectados, os elementos da equipa, maioritariamente enfermeiros, entram na unidade onde começa um árduo trabalho para salvar os doentes. A Lusa pôde assistir à colocação de um doente em posição de decúbito ventral para melhorar a sua oxigenação que obrigou a um verdadeiro trabalho de equipa. (Portugal, 7).

Na categoria Dilema ético no atendimento ao idoso durante a internação hospitalar, as matérias referem que o atendimento de pacientes idosos na UTI com diagnóstico de COVID-19 no mundo tem aumentado consideravelmente nos serviços de saúde. Os jornais reportaram a preocupação dos profissionais como as medidas propostas em cada país diante da pandemia, por entenderem que podem prejudicar o atendimento aos idosos, que são os mais vulneráveis e que necessitam de cuidados mais prolongados. Noticiaram, inclusive, que a decisão de não priorizar o cuidado a essas pessoas diante da elevada demanda impôs a esses profissionais um conflito ético:

Dilema ético, os idosos e a metáfora da guerra. Parte da sociedade é tratada como inútil e improdutiva. A metáfora de guerra tem sido utilizada para espelhar a luta que está sendo travada contra a COVID-19. (Brasil, 6); Se les dejará morir. El departamento ha elaborado un documento que determinará qué pacientes reciben tratamiento en UCI y cuáles no… un especialista en reanimación y un médico en medicina interna son los encargados de decidir qué paciente ingresará a la UCI. La edad y las enfermedades previas son factores importantes en este sistema de triaje. Pero también lo es tener una familia. (Espanha, 2); Medical ethicists also have suggested that we should ration ventilators by denying them to patients over a certain age. They argue that treating only the young will be efficient, saving the greatest total life-years. (Estados Unidos, 10).

Discussão

Os resultados obtidos pela técnica nuvens de palavras embasaram a construção das categorias temáticas e mostram o reflexo da pandemia, suas implicações para o atendimento ao idoso e das medidas propostas nos diferentes países para o controle do novo coronavírus. Em todas as análises foi identificada, como tema principal e recorrente, a COVID-19. No entanto, nos conteúdos selecionados, há palavras que remetem aos pacientes idosos, o que denota uma preocupação da imprensa em divulgar notícias sobre o atendimento a esta parcela da população.

Algumas diferenças entre os países no que se refere à divulgação de notícias sobre o atendimento hospitalar a idosos com COVID-19 estão perceptíveis na Figura 2 e nas categorias temáticas identificadas, principalmente nos países europeus, que vivenciaram antes da América a gravidade da doença, enfrentando a lotação de hospitais antes mesmo dos primeiros casos de mortes serem registrados no Brasil. Isso significa que as matérias publicadas a esse respeito no Brasil no período investigado ainda não contemplavam totalmente a problemática investigada, tal como ocorreu nos outros países que fazem parte deste estudo.

Na categoria 1, destaca-se a importância de disponibilizar recursos humanos e materiais para o atendimento de indivíduos com insuficiência respiratória aguda, uma vez que o grande problema noticiado nas mídias pesquisadas é a capacidade de os sistemas de saúde lidarem com as oscilações da demanda, especialmente com o aumento de pacientes idosos, que precisam de suporte respiratório.

Destacam-se as dificuldades para oferecer atendimento hospitalar a pacientes mais graves em virtude da própria restrição do horário da UTI, da capacidade física limitada e do quantitativo insuficiente de profissionais preparados para essa assistência. Além disso, deve-se mencionar que os profissionais atuantes em ambiente de UTI geralmente apresentam esgotamento físico, recebem salários baixos e lidam com inadequadas condições de trabalho(18).

A categoria dois enfatiza o processo de trabalho da equipe de saúde e sua preocupação com o contágio, sendo importante destacar que no Brasil há uma necessidade de profissionais para estar trabalhando na linha de frente. Não raro, também possuem conhecimento limitado para o atendimento de pacientes idosos com comorbidades, principalmente em curso da COVID-19(19), e ausência de um tratamento específico, por desconhecimento da fisiopatologia desta doença.

A preocupação com o contágio é decorrente de vários fatores, entre eles está a gravidade da doença. No Brasil, pesquisadores que analisaram a gravidade da pandemia alertam que as pessoas têm sido orientadas a buscar a atenção primária à saúde quando identificam os primeiros sintomas, diferentemente de outros países, que têm criado serviços específicos para recepção, avaliação clínica e direcionamento de casos mais graves aos hospitais(20).

As questões éticas apresentadas na categoria três são decorrentes do aumento do número de pacientes que precisam de leitos na UTI em países como Espanha, Itália e Estados Unidos, o que tem imposto alguns dilemas éticos aos profissionais de saúde, especialmente no que se refere à escolha de quem poderá ou não usar um respirador mecânico. Essa situação pode ser observada na Figura 2, com suas palavras determinadas, e identificada na categoria 3 dos jornais analisados. Como a epidemia emergente está levando a um aumento substancial do número de pacientes que necessitam de suporte ventilatório prolongado para insuficiência respiratória aguda, têm ocorrido desequilíbrios graves entre as necessidades clínicas da população e a disponibilidade geral de recursos da UTI(10).

Nas matérias veiculadas por diferentes jornais os dilemas éticos foram identificados e nelas os governos indicaram diretrizes para o atendimento de pacientes com COVID-19. Na Itália, onde a questão ética ficou mais evidente, recomendou-se a alocação de recursos na UTI; a triagem relacionada ao limite de idade, à presença de comorbidades e ao status funcional de qualquer paciente crítico no ingresso da UTI; as diretrizes de assistência médica antecipada para pacientes com doenças crônicas graves; e a aplicação de cuidados paliativos após suspensão do tratamento na UTI, quando surgirem complicações graves(10).

Já nos Estados Unidos houve a tentativa de maximizar os benefícios, tratando igualmente todos os pacientes, promovendo e recompensando o valor instrumental e dando prioridade aos mais pobres. As recomendações específicas para alocar recursos médicos durante a pandemia de COVID-19 foram: maximizar os benefícios; priorizar os profissionais de saúde; não alocar os pacientes por ordem de chegada, de modo que para aqueles com prognósticos semelhantes a igualdade deve ser invocada e operacionalizada por meio de alocação aleatória, como uma loteria; ser sensível às evidências; reconhecer a participação na pesquisa; e aplicar os mesmos princípios a todos os pacientes com COVID-19 e não COVID-19(21).

Todos os jornais publicaram notícias de seus próprios países e de outros que iam sendo afetados pelo coronavírus. E as categorias devem ser compreendidas entendendo-se que houve diferenças na propagação da doença no território de cada país, no atendimento aos idosos pelo sistema de saúde e como os governantes lidaram com esse problema.

O primeiro país europeu a ser foco da pandemia foi a Itália, onde, até 10 de maio, foram registradas mais de 30.000 mortes por COVID-19. A letalidade no país chegou a 7%, quase o dobro da média mundial (3,4%). Ademais, 60% dos casos confirmados foram em pessoas acima dos 65 anos(17). A maior incidência nesta faixa etária é explicada pela própria característica populacional do país, no qual os idosos representam aproximadamente 22% da população(22).

A Espanha foi o terceiro país mais afetado na Europa, com mais de 200 mil casos(8), dos quais 57.106 precisaram de hospitalização. Destes, 24,1% tinham entre 70 e 79 anos, 19% entre 80 e 89 e 5,1% acima de 90 anos(23). Em instituições de longa permanência, muitos idosos foram encontrados mortos porque o sistema funerário, sobrecarregado pela crise na saúde, não suportou a demanda de serviço(24).

O quarto país mais afetado da comunidade europeia foi a França: 176.782 casos e 26.313 óbitos(8). No dia 15 de março de 2020, as pessoas com mais de 75 anos representavam 20% dos casos confirmados, porém 79% das mortes por COVID-19. Indivíduos entre 64 e 74 anos representavam 14% dos casos confirmados e 13% dos óbitos(25), com um grande impacto nas instituições de longa permanência(26).

Portugal foi o último país da Europa a ter que lidar com a COVID-19, o que oportunizou tempo hábil para que as autoridades locais se organizassem e iniciassem mais precocemente as medidas de controle e prevenção(27). Na composição etária da população contaminada houve elevado percentual (20,7%) de pessoas com mais de 65 anos(22), aspecto que tornou ainda mais premente a implementação de medidas preventivas. No entanto o país, mesmo diante de diversas tentativas de controle da disseminação, deparou-se com um total de 1,6 mil casos confirmados, sobretudo em idosos(28).

Os Estados Unidos, outro país fortemente atingido, adotaram medidas diferentes para controle da pandemia ao longo dos meses, o que também não evitou a rápida disseminação do vírus, alcançando registros graves de contaminação e óbitos que ultrapassaram 70.000 mil em todos o país(29-31). Os dados norte-americanos também mostram que 31% dos casos de COVID-19 ocorreram em pessoas com mais de 65 anos e 6% em indivíduos acima de 85 anos. No entanto, pacientes com 65 anos ou mais representaram 45% das internações, 53% das internações na UTI e 80% das mortes. Além disso, a taxa de letalidade aumentou com a idade: de 3-5% entre 65-74 anos, 4-11% entre 75-84 anos para 10-27% acima de 85 anos(32).

No Brasil, o número de infectados aumentou consideravelmente, chegando a 363.211 e a 22.666 óbitos no dia 25 de maio(8), com letalidade de 6,8%(33). Os primeiros casos informados como fatais pela COVID-19 eram de idosos, os quais, segundo estudos, apresentam maior taxa de letalidade, sobretudo quando hospitalizados (taxas entre 11 e 15%). Aproximadamente 10% dos idosos infectados desenvolvem a doença na forma grave e 5% deverão receber tratamento nas unidades de terapia intensiva(6,34). Essas informações corroboram os dados da Figura 2, uma vez que mostram diferenças nos países estudados, isto é, que o idoso é a população com maior vulnerabilidade para a doença e que, ao ser hospitalizado, aumenta o risco de óbito.

No Brasil, a maioria dos idosos com COVID-19 está sendo atendida nos hospitais e o pico da pandemia ainda não se estabeleceu, o que gerou poucas notícias a esse respeito durante o período deste estudo. De acordo com pesquisas, a doença foi introduzida no país por pessoas que estiveram em outros países e retornaram de viagem. No primeiro momento, esses indivíduos eram isolados, bem como seus contatos, a fim de evitar a disseminação do vírus(35).

A maioria dos óbitos dos idosos está relacionada com doenças crônicas, como as cardiovasculares. Isso tem implicações importantes na maneira pela qual a saúde pública e as respostas clínicas devem ser desenvolvidas, mas esse problema tem sido ignorado em países de alta(36), média e baixa renda, que abrigam 69% da população mundial com idade ≥60 anos e onde os sistemas de saúde são mais fracos e, portanto, estão colapsando mais rapidamente com o aumento do número de pacientes(19).

Na Espanha, Itália, França e nos Estados Unidos foi preocupante o número crescente de pessoas com COVID-19 atendidas em lares para idosos ou em instituições semelhantes. Os residentes nestas instituições, em sua maioria, são altamente dependentes do cuidador ou profissional de saúde, e um surto nestes locais pode afetar até 60% da população(37), com implicações sérias no bem-estar e, potencialmente, na sobrevivência de seus residentes(19). Provavelmente por esses motivos os jornais veicularam mais notícias a esse respeito e os profissionais foram contaminados por estarem lidando com uma população frágil e altamente afetada pelo vírus.

Verifica-se, de acordo com os dados disponibilizados na Figura 1, que medidas de combate à doença foram tomadas com o intuito de evitar a superlotação de hospitais e, por conseguinte, o colapso do sistema de saúde. Países como Espanha, França, Itália, Portugal e Estados Unidos instituíram a quarentena, ou seja, a restrição de movimento e o isolamento do indivíduo sintomático e de pessoas saudáveis que poderiam ter sido expostas ao vírus, com o objetivo de monitorar seus sintomas e assegurar a detecção precoce de casos(38). Importante mencionar que, mesmo nessas situações, de acordo com o Artigo 3 do Regulamento de Saúde Internacional(39), deve-se respeitar totalmente a dignidade, os direitos humanos e as liberdades fundamentais das pessoas.

A adoção de medidas de quarentena no início da pandemia pode postergar a disseminação da doença em um país ou área, adiar o pico em regiões onde já há transmissão local, ou ambas. No entanto, se não for implementada adequadamente também pode criar fontes adicionais de contaminação e disseminação da doença(38).

No Brasil o Ministério da Saúde implementou medidas de controle e prevenção determinadas pelos governos federal, estadual e municipal, sendo a mais difundida o isolamento social. Tal medida tem causado polêmica, pois muitas autoridades são céticas em relação à efetividade destas ações ou temem graves prejuízos em outras áreas, como a economia. Todavia a população tem tentado seguir as recomendações no intuito de evitar o avanço desta doença(40).

Interessante frisar que, em meio a uma pandemia, todos os países buscam seguir as recomendações da OMS para evitar um grande número de óbitos e o colapso na rede de atenção à saúde. Pesquisas vêm sendo realizadas para averiguar quais ações foram eficazes para o achatamento da curva. China, Japão, Tailândia e Coreia do Sul adotaram o uso da máscara, mas foi na República Tcheca, onde o uso foi obrigatório, que o número de novos casos da COVID-19 aumentou de modo bem mais lento em relação a outros países europeus(41). No Brasil, alguns estados estão instituindo o uso obrigatório de máscara e, mesmo assim, já enfrentam sobrecarga dos serviços de saúde. Tais informações não estão publicadas em revistas científicas, mas diariamente é noticiado o aumento de novos casos, sendo prementes medidas de proteção.

Entre idosos já foram comprovadas elevadas taxas de infectividade e mortalidade, tanto que os jornais noticiaram mais de 100 notícias, no seu total, a respeito do atendimento de idosos em hospitais e dos óbitos decorrentes desta gravidade. Segundo pesquisadores, a alta infectividade do SARS-COV-2 ainda não pode ser enfrentada com o uso de vacinas, o que eleva exponencialmente os riscos e explicita a necessidade de intervenções não farmacológicas como uso de máscaras, distanciamento social e outras, a fim de conter a propagação do vírus(42).

Nesta pandemia, nunca antes o direito à vida tornou-se tão importante, pois é inerente aos direitos humanos de todas as pessoas, sem discriminação baseada em idade. Tal direito é amplamente protegido por diversos documentos: Declaração Universal dos Direitos Humanos; Convenção Americana sobre Direitos Humanos; Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; e Convenção Interamericana para a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas, entre outros, dos quais participam a maioria dos países. Nesse contexto de pandemia é importante relembrar também a iniciativa da United Nations, em 2011, na Segunda Assembleia Mundial do Envelhecimento, e do Conselho Internacional de Enfermeiros, na campanha “Enfermeiros - a voz que lidera: saúde como direito humano”, por terem lançado os desafios para a afirmação dos direitos humanos das pessoas, incluindo-se os direitos dos idosos(43), principalmente no processo de vida e morte.

Os resultados deste estudo podem contribuir para direcionar e estimular os profissionais de saúde, em especial a enfermagem, no cuidado ao idoso que contraiu a nova doença, estimulando um diálogo pautado em desmitificar a doença e assegurar uma abordagem centrada no idoso e nos familiares. Com o acesso à internet, os idosos têm visualizado conteúdos que podem gerar desinformação e os profissionais de saúde, em especial o enfermeiro, devem se capacitar para o atendimento desta população vulnerável.

Identifica-se como limitação deste estudo a ausência de estudos epidemiológicos para identificar como o vírus se espalhou em cada um dos países investigados, o que dificulta a compreensão sobre o comportamento da doença em geral e, em especial, na população idosa. Outra limitação é a cobrança de elevadas taxas de acesso por parte de alguns jornais mais conhecidos da França, Itália e dos Estados Unidos, sendo inviável a coleta de artigos jornalísticos nesses sites.

Conclusão

As matérias jornalísticas sobre o atendimento hospitalar aos idosos com COVID-19 foram divulgadas de forma rápida em todos os países e apontam a necessidade de reorganização dos sistemas de saúde para o atendimento à população idosa devido à sua fragilidade e à carência de profissionais capacitados para oferecer assistência a essa clientela.

A pandemia do novo coronavírus, a COVID-19, atingiu todos os países de forma gradativa e as matérias jornalísticas analisadas divulgaram a preocupante realidade de atendimento à saúde da população idosa e a falta de capacitação dos profissionais de saúde diante dessa situação. O número de óbitos aumentou gradativamente e aproximou, dia após dia, os sistemas de saúde do colapso, sobretudo na Europa, onde a proporção de idosos é maior. Essa situação impôs aos profissionais de saúde um dilema ético também bastante divulgado por esses veículos de comunicação: decidir entre a vida e a morte do idoso.

A proposta da temática foi o idoso, porém apenas nos jornais de dois países, Estados Unidos e Portugal, houve menção ao enfermeiro, porém restrita. A pandemia no século XXI nos traz reflexões importantes para o planejamento dos sistemas de saúde, preparo e valorização dos profissionais para o atendimento a pessoas de diferentes faixas etárias, sobretudo idosas. Assim, um dos desafios da sociedade, dos gestores de saúde e dos profissionais de saúde é a implementação de políticas adequadas ao idoso, que assegurem seus direitos. Paralelamente, e não menos importante, deve ser garantido ao profissional de saúde o direito e o dever de seguir os preceitos éticos dos direitos humanos, conforme juramento da profissão, para não ferir os princípios da dignidade humana.

  • *
    Este artigo refere-se à chamada temática “COVID-19 no Contexto da Saúde Global”.

Referências bibliográficas

Editado por

  • Editora Associada: Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2020
  • Aceito
    16 Jul 2020
location_on
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro