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Conceitos e temas relacionados à saúde do adolescente na formação em enfermagem* * Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS. Apoio financeiro da Organização Panamericana de Saúde (OPS/OMS) e Global Affairs Canadá (GAC).

Resumo

Objetivo:

analisar a estrutura dos programas de ensino e os conteúdos do componente Saúde e Desenvolvimento do Adolescente na formação dos estudantes de enfermagem.

Método:

estudo observacional descritivo, realizado na Colômbia, Equador e Peru. Aplicou-se o Instrumento de (auto)avaliação do componente Saúde e Desenvolvimento do Adolescente na graduação de profissionais de saúde. Utilizou-se estatística descritiva.

Resultados:

95 Escolas de Enfermagem participaram (84,1% do total). Dos professores responsáveis pelo ensino da saúde dos adolescentes, 31,6% não tinham formação específica na matéria e 18,9% não tinham formação no campo da educação/pedagogia. Estes são os principais tópicos que poderiam ser incorporados à formação: comportamento, identidade de gênero e orientação sexual, bullying e cyberbullying, uso de tecnologias digitais, violência entre parceiros, paternidade adolescente e puberdade tardia.

Conclusão:

os professores têm formação limitada em questões pedagógicas/educacionais e em temas específicos da saúde dos adolescentes. O currículo precisa ser atualizado com conteúdos relacionados a saúde e desenvolvimento dos adolescentes; deve-se incluir conhecimento de leis e políticas e expandir a capacidade dos profissionais de enfermagem para que possam gerar, analisar e utilizar dados para a tomada de decisões.

Descritores:
Saúde do Adolescente; Enfermagem; Programas de Estudo; Programas de Graduação em Enfermagem; Ensino; Capacitação de Recursos Humanos em Saúde

Abstract

Objective:

analyze the structure of teaching programs and contents of the adolescent health and its development in nursing education.

Method:

descriptive observational study conducted in Colombia, Ecuador and Peru. Data was collected by the Instrument for (self-)evaluation of the adolescent health and development component in undergraduate nursing programs, and investigated using descriptive statistics.

Results:

A total of 95 nursing schools participated in the study (84.1% of the total). Of the faculty responsible for teaching contents relating to adolescent health, 31.6% had no specific training on the topic and 18.9% had no educational/pedagogical training. Behavior, gender identity and sexual orientation, bullying and cyberbullying, use of digital technologies, partner violence, parenting, and pubertal delay were the main topics which could be incorporated into nursing education.

Conclusion:

the faculty of the schools analyzed have limited education in pedagogical/educational topics and specific adolescent health issues. Curricula should be updated, including knowledge of laws and policies, thus expanding nurses’ ability to generate, analyze and use data for decision making.

Descriptors:
Adolescent Health; Nursing; Curriculum; Education, Nursing, Diploma Programs; Teaching; Health Human Resource Training

Resumen

Objetivo:

analizar la estructura de los programas de enseñanza y los contenidos del componente de salud y desarrollo del adolescente en la formación de los estudiantes de enfermería.

Método:

estudio observacional descriptivo, realizado en Colombia, Ecuador y Perú. Se aplicó el Instrumento para (auto)evaluar el componente de salud y desarrollo del adolescente en la formación de pregrado de los proveedores de salud. Se utilizaron estadísticas descriptivas.

Resultados:

participaron 95 escuelas (84,1% del total). De los docentes encargados de la enseñanza de la salud de los adolescentes, el 31,6% no tenía formación específica en la materia y el 18,9% no tenía formación en el ámbito de la educación/pedagogía. Los principales temas que podrían incorporarse a la formación son: comportamiento, identidad de género y orientación sexual, bullying y cyberbullying, uso de las tecnologías digitales, violencia en el noviazgo, paternidad y retraso puberal.

Conclusión:

el profesorado tiene una formación limitada en temas pedagógicos/educativos y en temas específicos de la salud del adolescente. El plan de estudios debe actualizarse con contenidos del desarrollo y salud del adolescente, incluir conocimientos sobre las leyes y políticas, y ampliar la capacidad de las enfermeras para generar, analizar y utilizar datos para la toma de decisiones.

Descriptores:
Salud del Adolescente; Enfermería; Programas de Estudio; Programas de Graduación en Enfermería; Enseñanza; Capacitación de Recursos Humanos en Salud

Destaques:

(1) 31,6% do corpo docente não tem formação específica em saúde do adolescente.

(2) 18,9% dos professores não possuem formação no campo da educação/pedagogia.

(3) É preciso progredir no uso de metodologias ativas e multimídia interativa.

(4) Há necessidade de ampliar o conhecimento sobre as leis e políticas relativas à população adolescente.

(5) Os temas atuais e relevantes sobre saúde dos adolescentes precisam ser abordados.

Introdução

A adolescência é um estágio importante do desenvolvimento humano, pois os adolescentes enfrentam diversos fatores como crescimento físico, mudanças hormonais, desenvolvimento sexual, novas emoções, expansão das habilidades cognitivas além do desenvolvimento moral e de relacionamento11. World Health Organization. Working for a brighter, healthier future: how WHO improves health and promotes well-being for the world’s adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2022 [cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/351088
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. Em decorrência disso, eles exigem abordagens específicas de comunicação e habilidades de cuidado para este estágio de seu desenvolvimento22. Organización Mundial de la Salud. Competencias básicas en materia de salud y desarrollo de los adolescentes para los proveedores de atención primaria: incluido un instrumento para evaluar el componente de salud y desarrollo de los adolescentes en la formación previa al servicio de los proveedores de atención sanitaria [Internet]. Ginebra: OMS; 2015 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/178251
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.

Os adolescentes representam 16% (1,2 bilhões) da população mundial e são um grupo importante para o desenvolvimento econômico e social. Embora considerado um grupo saudável, globalmente os adolescentes enfrentam barreiras no acesso à saúde. Estima-se que 0,9 milhões de adolescentes morreram em 2019 devido a condições evitáveis ou tratáveis; portanto, investir na saúde dessa população é fundamental para garantir a saúde das gerações futuras e avançar na cobertura universal da saúde11. World Health Organization. Working for a brighter, healthier future: how WHO improves health and promotes well-being for the world’s adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2022 [cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/351088
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.

Na América Latina e no Caribe, há falta de investimento, democratização e sustentabilidade das intervenções destinadas aos adolescentes, incluindo ações para garantir que os sistemas e serviços respondam às suas necessidades33. Manzanero JRL. Youth in Latin America and the Caribbean in perspective: overview of the situation, challenges and promising interventions. Cien Saude Colet. 2021;26(7):2565-73. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07272021
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. Desta forma, espera-se que os serviços de saúde atuem de forma intersetorial e constituam um espaço acolhedor para esta população; que se aproximem dela e adotem ações efetivas voltadas para as necessidades particulares deste grupo44. Santana KC, Silva EKP, Rodriguez RB, Bezerra VM, Souzas R, Medeiros DS. Health service utilization by Quilombola and non-Quilombola adolescents living in a rural area in the semi-arid region of the state of Bahia, Brazil. Cien Saude Colet . 2021;26(7):2807-17. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.09712021
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.

Na saúde sexual, reprodutiva, materna, neonatal e adolescente, é essencial identificar e tratar as lacunas no atendimento, tais como barreiras de acesso relacionadas à idade, pobreza, localização geográfica, deficiência, etnia, conflitos, orientação sexual, identidade de gênero e religião55. United Nations Population Fund; World Health Organization, International Confederation of Midwives. The State of the World’s Midwifery 2021 [Internet]. 2021 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://www.unfpa.org/publications/sowmy-2021
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. A este respeito, o Plano de Ação para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente 2018-2030 da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) sugere ações em quatro linhas estratégicas: fortalecer um ambiente político transformador para reduzir as iniquidades; promover saúde e bem-estar universais, eficazes e equitativos; ampliar o acesso equitativo a serviços de saúde integrais, integrados, qualificados e centrados na pessoa, família e comunidade; e fortalecer os sistemas de informação para a coleta, disponibilidade, acessibilidade, qualidade e disseminação de informações estratégicas66. Pan American Health Organization. Plan of Action for Women’s, Children’s, and Adolescents’ Health 2018-2030 [Internet]. Washington, D.C.: PAHO; 2018 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://iris.paho.org/handle/10665.2/49609
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.

Quanto aos profissionais de saúde, há necessidade de investir em educação e treinamento; planejamento, gestão e regulamentação dos profissionais de saúde e das condições de trabalho; liderança e governança; e prestação de serviços55. United Nations Population Fund; World Health Organization, International Confederation of Midwives. The State of the World’s Midwifery 2021 [Internet]. 2021 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://www.unfpa.org/publications/sowmy-2021
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. De acordo com a Orientação Estratégica Global para Enfermagem e Obstetrícia 2021-202577. World Health Organization. Global strategic directions for nursing and midwifery 2021-2025 [Internet]. Geneva: WHO ; 2021 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/344562
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, dada a inserção e o papel das enfermeiras nos serviços e sistemas de saúde, o fortalecimento da força de trabalho de enfermagem envolve prioridades políticas que se concentram em investir em educação, emprego, liderança e maximizar as contribuições das enfermeiras em seus ambientes de trabalho.

Existem disparidades significativas na formação de enfermeiras nas Américas, expressas em discrepâncias nas proporções dos profissionais em determinadas regiões geográficas ou tipos de serviços e também nos níveis de formação e competências desses profissionais, fatores que impactam na capacidade da força de trabalho do setor de enfermagem e na qualidade dos cuidados prestados88. Cassiani SHDB, Wilson LL, Mikael SSE, Peña LM, Grajales RAZ, McCreary LL, et al. The situation of nursing education in Latin America and the Caribbean towards universal health. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2017;25:e2913. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2232.2913
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. Neste contexto, compreender e melhorar os processos de formação deste profissional terá um impacto positivo sobre a saúde da população.

Os programas de educação em enfermagem devem ser capazes de garantir uma aprendizagem eficaz dos estudantes e atender aos padrões de qualidade e às necessidades de saúde77. World Health Organization. Global strategic directions for nursing and midwifery 2021-2025 [Internet]. Geneva: WHO ; 2021 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/344562
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.

A atenção aos programas de ensino é ainda mais importante no contexto da pandemia vivida nos últimos anos, que impôs mudanças significativas no modelo de ensino, com possível impacto sobre a qualidade da educação99. Chen T, Peng L, Yin X, Rong J, Yang J, Cong G. Analysis of User Satisfaction with Online Education Platforms in China during the COVID-19 Pandemic. Healthcare. 2020;8(3):200. https://doi.org/10.3390/healthcare8030200
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. Se, por um lado, a pandemia da COVID-19 impôs importantes mudanças na educação99. Chen T, Peng L, Yin X, Rong J, Yang J, Cong G. Analysis of User Satisfaction with Online Education Platforms in China during the COVID-19 Pandemic. Healthcare. 2020;8(3):200. https://doi.org/10.3390/healthcare8030200
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, por outro, nos mostra a necessidade de que os sistemas de saúde e educação voltem sua atenção para os grupos vulneráveis, tornando obrigatório que a educação na área de enfermagem se torne um espaço para responder às desigualdades na saúde1010. Scott J, Johnson R, Ibemere S. Addressing health inequities re-illuminated by the COVID-19 pandemic: How can nursing respond? Nurs Forum. 2021;56(1):217-21. https://doi.org/10.1111/nuf.12509
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.

Para enfrentar essas desigualdades, os profissionais e serviços de saúde devem desenvolver competências e habilidades para que não se tornem um obstáculo ao progresso rumo à cobertura universal da saúde dos adolescentes22. Organización Mundial de la Salud. Competencias básicas en materia de salud y desarrollo de los adolescentes para los proveedores de atención primaria: incluido un instrumento para evaluar el componente de salud y desarrollo de los adolescentes en la formación previa al servicio de los proveedores de atención sanitaria [Internet]. Ginebra: OMS; 2015 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/178251
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. A enfermeira em formação, e também por meio de estratégias de educação continuada, deve desenvolver competências específicas focalizadas na promoção da saúde dos adolescentes1111. Carmo TRG, Santos RL, Magalhães BC, Silva RA, Dantas MB, Silva VM. Competencies in health promotion by nurses for adolescents. Rev Bras Enferm. 2021;74(suppl 4). https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0118
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, especialmente para as populações em situação de vulnerabilidade.

Dada a necessidade de ações e estratégias destinadas a melhorar a saúde dos adolescentes, este artigo visa compreender como se desenvolve o ensino de enfermeiros e quais são suas necessidades de formação e qualificação em termos de saúde dos adolescentes. Assim, o objetivo deste estudo é analisar a estrutura dos programas de ensino e os conteúdos do componente Saúde e Desenvolvimento do Adolescente na formação dos estudantes de enfermagem.

Método

Elaboração do estudo, local e período

Estudo observacional descritivo, com abordagem transversal, realizado na Colômbia, no Equador e no Peru, em 2021.

Participantes

Todas as escolas e faculdades de enfermagem dos três países foram consideradas elegíveis, com uma população de 113 instituições, das quais 47 eram na Colômbia, 24 no Equador e 42 no Peru1212. Organización Panamericana de la Salud. Observatorio Regional de Recursos Humanos de Salud [Internet]. 2021 [cited 2021 Oct 8]. Available from: Available from: https://www.observatoriorh.org/es/direnf
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. A amostra de conveniência resultou em 95 escolas de enfermagem dos três países, o que corresponde a uma taxa de participação de 84,1%. A participação por país foi: Colômbia 39 (82,9%), Equador 23 (95,8%) e Peru 33 (78,6%).

Instrumentos

Aplicou-se o Instrumento de (auto)avaliação do componente saúde e desenvolvimento do adolescente na graduação de provedores de saúde, desenvolvido e validado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em espanhol. As perguntas estão estruturadas em quatro seções: Características gerais do currículo; Disponibilidade de cursos/módulos dedicados à saúde e ao desenvolvimento do adolescente no currículo; Exame das áreas que constituem a base da saúde do adolescente; e Exame de diversos temas específicos relacionados à saúde do adolescente22. Organización Mundial de la Salud. Competencias básicas en materia de salud y desarrollo de los adolescentes para los proveedores de atención primaria: incluido un instrumento para evaluar el componente de salud y desarrollo de los adolescentes en la formación previa al servicio de los proveedores de atención sanitaria [Internet]. Ginebra: OMS; 2015 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/178251
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. As respostas da pesquisa não eram obrigatórias. Além das questões do instrumento, os participantes tiveram a opção de enviar um link e/ou documento do programa de estudos de sua instituição.

Coleta de dados

O convite para participação foi enviado por e-mail a todas as instituições cadastradas no Diretório de Escolas de Enfermagem da OPAS1212. Organización Panamericana de la Salud. Observatorio Regional de Recursos Humanos de Salud [Internet]. 2021 [cited 2021 Oct 8]. Available from: Available from: https://www.observatoriorh.org/es/direnf
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. Antes da coleta de dados, foram realizadas reuniões com os participantes para apresentação do projeto e esclarecimento de dúvidas. Todas as 113 escolas foram convidadas a participar das reuniões de orientação, e a participação nessas reuniões era opcional. Como recurso adicional, foi disponibilizado um vídeo de apresentação do projeto e de orientações para responder ao questionário.

As instituições foram orientadas a responder com a participação dos principais envolvidos: diretor, coordenador de curso e professores das disciplinas de áreas afins.

O convite foi encaminhado às instituições, independentemente de sua participação nas reuniões de orientação; foi solicitada resposta em até uma semana, com envio de lembrete após esse prazo e novo lembrete após 15 dias. Além disso, foram estabelecidos contatos com universidades colaboradoras para contribuir com a divulgação da pesquisa.

A coleta de dados foi realizada pelos pesquisadores entre outubro e novembro de 2021, com utilização da ferramenta SurveyMonkey. O tempo médio de preenchimento do instrumento foi de uma hora e meia.

Tratamento e análise de dados

Os registros obtidos foram editados em uma planilha, formando um banco de dados eletrônico, com posterior exportação para o software IBM SPSS Statistics, versão 28. A caracterização dos programas de ensino foi realizada por meio de estatística descritiva. Para a análise de cada uma das seções da pesquisa, foi considerado um total de 95 escolas, embora alguns itens não tenham sido respondidos por todos os participantes.

Aspectos éticos

O projeto foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Organização Pan-Americana da Saúde, e sua execução foi autorizada sob o protocolo número 0435.01.

Todos os participantes tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, disponível na página de participação da pesquisa, espaço no qual o participante registrava seu consentimento para participar deste estudo. Os participantes que selecionaram a opção “não concordo” tiveram sua participação suspensa.

Resultados

Participaram 95 escolas de enfermagem dos três países, 39 da Colômbia (41,1%), 23 do Equador (24,2%) e 33 do Peru (34,7%). Os programas com duração de cinco anos são os mais numerosos (46,3%), seguidos pelos de quatro anos e meio (31,6%) e os de quatro anos (20%).

Observa-se a concentração dos cursos de enfermagem na capital e nas principais cidades, apontando a disparidade na distribuição de cursos e oportunidades de formação em todas as regiões do país.

Os planos de estudos são aprovados por via formal em 98,9% dos cursos. O conteúdo é determinado pelos grupos de trabalho (96,8%) e não apenas pelo coordenador. A atualização do plano de estudos é realizada periodicamente, sem repetição de um ano para o outro (86,3%), levando em consideração as regulamentações/legislações locais e o contexto de saúde (95,8%). Os processos de acreditação e avaliação do desempenho do corpo docente foram relatados em 96,8%. Há uma participação dos estudantes em 98,9%.

Ao analisar em que medida o currículo é baseado nas competências, em 92,6% dos cursos, as competências são pré-definidas e formalizadas. Cabe ressaltar que em 17,9% dos cursos os métodos de ensino não estão adaptados aos objetivos, 26,3% dos professores não possuem formação em educação/pedagogia e 21,1% dos professores não recebem orientação para a educação baseada em competências.

Os métodos didáticos mais frequentes são o uso de práticas clínicas (85,3%), estudos de caso (81,1%) e o uso de pacientes simulados (61,1%); encenações (28,4%) e multimídia interativa (53,7%) são menos frequentes.

Os métodos de avaliação mais frequentes são os exames práticos estruturados (98,9%), os exames escritos (97,9%) e a observação direta dos estudantes. Em 14,7% dos cursos, a avaliação da história clínica dos pacientes não é utilizada como método de avaliação dos estudantes.

A maioria das escolas (n=86) afirma que existe um curso ou módulo dedicado à saúde do adolescente, embora em 45,3% delas isso não ocorra de forma independente (Tabela 1); ou o tema faz parte de outras matérias, como: Saúde da Criança (83,2%), Enfermagem Comunitária/Familiar (77,9%) e Saúde da Mulher (74,7%).

Tabela 1
Ensino sobre saúde do adolescente, havendo disciplina ou módulo dedicado à saúde do adolescente (n=95). Colômbia, Equador e Peru, 2021

Dos professores responsáveis pelo ensino da saúde do adolescente, 31,6% não possuíam formação específica na disciplina e 18,9% não possuíam formação na área de educação/pedagogia.

Das escolas que relataram não ter disciplina ou módulo dedicado à saúde do adolescente (n=7), a maioria relatou que há interesse por parte da instituição em incluir a saúde do adolescente nos currículos e atividades educativas. Contudo, acreditam que os professores precisam de mais formação para aumentar a sua competência nesta área. Na opinião dessas escolas, o tema deveria fazer parte de outras disciplinas, como: Saúde da Mulher, Enfermagem Comunitária/Familiar, Enfermagem em Saúde Mental e Saúde da Criança.

Dos conceitos básicos relacionados à saúde e desenvolvimento do adolescente, a maioria dos tópicos que são ensinados nas escolas se relacionam a: compreender a adolescência; ambiente da consulta e habilidades de comunicação; leis e políticas que afetam a prestação de cuidados de saúde aos adolescentes (Tabela 2).

Tabela 2
Conceitos básicos relacionados à saúde e desenvolvimento do adolescente (n=95). Colômbia, Equador e Peru, 2021

Os tópicos que não são ensinados, mas que deveriam ser, mencionados com maior frequência foram: entrevistas motivacionais (36,8%); avaliação da competência do adolescente para tomar decisões (32,6%); como criar um clima de confiança na consulta (26,3%); normas de gênero na atenção à saúde de adolescentes (26,3%); leis e políticas nacionais que afetam a prestação de cuidados de saúde a adolescentes (26,3%); atitudes, crenças e práticas locais em relação aos adolescentes (25,3%); fatores que influenciam a comunicação efetiva com usuários adolescentes (25,3%); comunicação com os pais (22,1%); epidemiologia dos resultados de saúde e comportamentos relacionados à saúde do adolescente (21,1%); e saúde escolar e papel das escolas na promoção da saúde (17,9%).

Na análise dos tópicos relacionados com a gestão de situações clínicas específicas de adolescentes (Tabela 3), os tópicos mais frequentes ensinados de uma maneira focalizada nas necessidades dos adolescentes em mais de 50% das escolas são: vacinações; anamneses de saúde sexual e reprodutiva; menstruação normal e higiene menstrual; atitudes e comportamentos sexuais; distúrbios de imagem corporal e transtornos alimentares; prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST), incluindo o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV); gravidez na adolescência; cuidados pré-natal e pós-natal; dor menstrual; menorragia/metrorragia; menstruação irregular; nutrição e alimentação saudável; necessidades nutricionais; puberdade precoce; diagnóstico de IST, incluindo HIV; sobrepeso e obesidade; distúrbios de desenvolvimento; uso de tabaco; uso de álcool e transtornos relacionados; anemia; uso de drogas e transtornos relacionados; comportamento autolesivo e suicídio; e afecções cutâneas.

Tabela 3
Ensino de temas relacionados à gestão de situações clínicas específicas dos adolescentes (n=95). Colômbia, Equador e Peru, 2021

Os tópicos mais frequentes que não estão incluídos, mas que deveriam estar e se concentrar no adolescente, são: bullying e cyberbullying (34,7); transição para o cuidado de adultos (30,5); dor escrotal aguda (30,5); uso e mau uso de tecnologias digitais (29,5); problemas prepuciais (26,3); violência juvenil e entre parceiros (25,3); paternidade adolescente (24,2); puberdade tardia feminina (23,2); puberdade tardia masculina (23,2); puberdade precoce (22,1); afecções cutâneas (21,1); identidade de gênero e orientação sexual (21,1); e baixa estatura (21,1).

Discussão

Na análise da oferta e distribuição dos cursos de enfermagem, é necessário considerar a necessidade de ampliar as oportunidades de formação, o que implica compreender a demanda local por novos profissionais, em um cenário no qual existem diferenças importantes na composição da força de trabalho da área de enfermagem, tais como a relação entre enfermeiras e profissionais associados, que é de 19,36 na Colômbia, 49,55 no Equador e 43,20 no Peru1313. World Health Organization. State of the World’s Nursing Report - 2020 [Internet]. Geneva: WHO , 2020 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240003279
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.

Em termos de estrutura curricular, recomenda-se que os programas sejam baseados em competências, sendo capazes de garantir um aprendizado efetivo e alinhado às necessidades de saúde da população77. World Health Organization. Global strategic directions for nursing and midwifery 2021-2025 [Internet]. Geneva: WHO ; 2021 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/344562
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.

As escolas indicaram que a preparação e atualização dos currículos é um processo coletivo, envolvendo uma variedade de participantes, aumentando as chances de uma implementação bem-sucedida1414. Muraraneza C, Mtshali GN. Planning reform to competency based curricula in undergraduate nursing and midwifery education: A qualitative study. Nurse Educ Today. 2021;106:105066. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2021.105066
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
. Também foi relatada a realização de processos sistematizados de acreditação e avaliação, essenciais para garantir a qualidade do programa na teoria e na prática1515. Bogren M, Doraiswamy S, Erlandsson K, Akhter H, Akter D, Begum M, et al. Development of a context specific accreditation assessment tool for affirming quality midwifery education in Bangladesh. Midwifery. 2018;61:74-80. https://doi.org/10.1016/j.midw.2018.02.021
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, desde que os critérios de utilização de um método rigoroso de avaliação do programa sejam atendidos1616. Al-Alawi R, Alexander GL. Systematic review of program evaluation in baccalaureate nursing programs. J Prof Nurs. 2020;36(4):236-44. https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2019.12.003
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

Para um ensino de qualidade, um programa permanente de atualização e capacitação do corpo docente é essencial para garantir que os professores sejam devidamente treinados nos melhores métodos e tecnologias pedagógicas, com experiência clínica comprovada nas áreas de conteúdo77. World Health Organization. Global strategic directions for nursing and midwifery 2021-2025 [Internet]. Geneva: WHO ; 2021 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/344562
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.

Do ponto de vista da saúde do adolescente, a capacitação e a incorporação de abordagens baseadas em evidências é um desafio e recomenda-se uma formação específica22. Organización Mundial de la Salud. Competencias básicas en materia de salud y desarrollo de los adolescentes para los proveedores de atención primaria: incluido un instrumento para evaluar el componente de salud y desarrollo de los adolescentes en la formación previa al servicio de los proveedores de atención sanitaria [Internet]. Ginebra: OMS; 2015 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/178251
https://apps.who.int/iris/handle/10665/1...
.

Além de professores mais qualificados, há a necessidade de incorporar diferentes e apropriados métodos de ensino e avaliação para atender às necessidades de aprendizagem dos estudantes77. World Health Organization. Global strategic directions for nursing and midwifery 2021-2025 [Internet]. Geneva: WHO ; 2021 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/344562
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,1717. McCarthy B, Trace A, O’Donovan M, Brady-Nevin C, Murphy M, O’Shea M, et al. Nursing and midwifery students’ stress and coping during their undergraduate education programmes: An integrative review. Nurse Educ Today . 2018;61:197-209. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2017.11.029
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

Ao adotar novos e variados métodos de ensino, os programas podem se beneficiar da criação de um ambiente de aprendizagem clínica baseado em pequenos grupos e na interação entre estudantes, educadores e enfermeiros1818. Dionne Merlin M, Lavoie S, Gallagher F. Elements of group dynamics that influence learning in small groups in undergraduate students: A scoping review. Nurse Educ Today . 2020;87:104362. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2020.104362
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, na perspectiva de metodologias ativas de aprendizagem.

Atividades com prática clínica e maior interação entre os estudantes e o ambiente de trabalho, em situações como o contexto comunitário, por exemplo, permitem aos estudantes compreender o papel da enfermeira, proporcionando desenvolvimento profissional e pessoal1919. Gill Meeley N. Undergraduate student nurses’ experiences of their community placements. Nurse Educ Today . 2021;106:105054. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2021.105054
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devendo, portanto, ser encorajadas e aprimoradas.

A incorporação de métodos de ensino também deve considerar o perfil dos estudantes e a inclusão das tecnologias de informação e comunicação1717. McCarthy B, Trace A, O’Donovan M, Brady-Nevin C, Murphy M, O’Shea M, et al. Nursing and midwifery students’ stress and coping during their undergraduate education programmes: An integrative review. Nurse Educ Today . 2018;61:197-209. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2017.11.029
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.

Atividades que promovem a educação digital, o uso de multimídia interativa e sessões de simulação têm sido mais utilizadas na educação dos enfermeiros, e é necessário maior investimento para garantir o apoio aos professores e o uso eficaz dos recursos77. World Health Organization. Global strategic directions for nursing and midwifery 2021-2025 [Internet]. Geneva: WHO ; 2021 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/344562
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A simulação virtual é uma estratégia possível para facilitar o desenvolvimento teórico e clínico, com retorno positivo dos estudantes, e é até mesmo um recurso útil no contexto da pandemia COVID-19, proporcionando experiências de aprendizagem e aumentando a confiança dos estudantes no desempenho das habilidades, além de ser um método de avaliação do desempenho dos estudantes, desde que os objetivos da atividade estejam claramente definidos2020. Fogg N, Wilson C, Trinka M, Campbell R, Thomson A, Merritt L, et al. Transitioning from direct care to virtual clinical experiences during the COVID-19 pandemic. J Prof Nurs . 2020;36(6):685-91. https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2020.09.012
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-2121. Tawalbeh LI. Effect of simulation modules on Jordanian nursing student knowledge and confidence in performing critical care skills: A randomized controlled trial. Int J Africa Nurs Sci. 2020;13:100242. https://doi.org/10.1016/j.ijans.2020.100242
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A carência da utilização de métodos multimídia de ensino reforça a necessidade da enfermagem acelerar os processos de transformação digital da profissão, tanto no ensino quanto nos contextos de pesquisa e da prática2222. Booth RG, Strudwick G, McBride S, O’Connor S, Solano López AL. How the nursing profession should adapt for a digital future. BMJ. 2021;n1190. https://doi.org/10.1136/bmj.n1190
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Ainda que estratégias de ensino digital de profissionais de saúde tenha potencial para desenvolver competências, é importante considerar que seus resultados variam devido a uma série de fatores, tais como modalidade, método de instrução, métodos de avaliação, pedagogias de aprendizagem, população e tema/disciplina2323. World Health Organization. Digital education for building health workforce capacity [Internet]. Geneva: WHO , 2020 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://www.who.int/publications/i/item/dfigital-education-for-building-health-workforce-capacity-978-92-4-000047-6
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A experiência da pandemia, com a imposição da educação de enfermagem à distância, tem mostrado experiências diferentes para os estudantes no início e no final do curso. Os do início do curso têm uma predominância de aprendizagem dos conceitos teóricos, enquanto aqueles do final do curso têm atividades que valorizam o treinamento clínico. Além de considerar essas diferenças, a qualidade da interação com o professor deve ser um ponto de atenção na incorporação de tais tecnologias2424. Ramos-Morcillo AJ, Leal-Costa C, Moral-García JE, Ruzafa-Martínez M. Experiences of Nursing Students during the Abrupt Change from Face-to-Face to e-Learning Education during the First Month of Confinement Due to COVID-19 in Spain. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(15):5519. https://doi.org/10.3390/ijerph17155519
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No que se refere ao ensino em temas de saúde do adolescente, a maioria das escolas tem um módulo dedicado ao tema, embora nem sempre de forma independente, pois, em parte dos cursos, o tema faz parte de outras matérias, tais como: Saúde da Criança, Enfermagem comunitária/Familiar e Saúde da mulher.

O ensino de temas relacionados à saúde dos adolescentes tem sido desenvolvido nos dois modos, de forma independente ou integrada. Na experiência dos cursos de medicina, ambos os modelos têm sido utilizados. No ensino independente, a importância do assunto como área de aprendizagem é enfatizada, embora a possibilidade de os estudantes esquecerem o conteúdo ao longo do curso seja apontada como uma desvantagem. No ensino integrado com outras disciplinas, tende a haver mais repetição e reforço ao longo do processo de aprendizagem, exigindo que o assunto seja abordado como um tema de interesse e não apenas como um tema complementar22. Organización Mundial de la Salud. Competencias básicas en materia de salud y desarrollo de los adolescentes para los proveedores de atención primaria: incluido un instrumento para evaluar el componente de salud y desarrollo de los adolescentes en la formación previa al servicio de los proveedores de atención sanitaria [Internet]. Ginebra: OMS; 2015 [ cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/178251
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Embora considerado um grupo etário saudável, os adolescentes são afetados por uma série de condições que às vezes são negligenciadas. Lesões causadas por acidentes de trânsito, doenças diarréicas, tuberculose, violência interpessoal e autolesão são as principais causas de mortalidade; enquanto os principais problemas de saúde são comportamentais, como o consumo de álcool e tabaco, sexo sem proteção, má alimentação, atividade física inadequada, ou de condições como a tuberculose e transtornos mentais11. World Health Organization. Working for a brighter, healthier future: how WHO improves health and promotes well-being for the world’s adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2022 [cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/351088
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. Essas condições são geralmente abordadas em cursos de enfermagem, embora algumas em menor grau, como lesões causadas por acidentes de trânsito e outros tipos de lesões.

Cabe destacar que, os temas relacionados às situações clínicas são abordados no currículo, mas não com foco nos adolescentes, o que pode se tornar uma barreira para a compreensão dos estudantes de que o tema é relevante para este público específico.

A ênfase dada às condições clínicas relevantes para a saúde dos adolescentes é especialmente importante, considerando as particularidades deste grupo e seu perfil de utilização dos serviços de saúde. A demanda por serviços de saúde pode ser afetada por uma série de condições, tais como gênero, educação e perfil social2525. Peixoto AMCL, Melo TQ, Ferraz LAA, Santos CFBF, Godoy F, Valença PAM, et al. Demand for health services or professionals among adolescents: a multilevel study. Cien Saude Colet . 2021;26(7):2819-27. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.08582021
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, sendo os serviços comunitários um ponto-chave de cuidados, geralmente para doenças, em detrimento de ações de promoção da saúde44. Santana KC, Silva EKP, Rodriguez RB, Bezerra VM, Souzas R, Medeiros DS. Health service utilization by Quilombola and non-Quilombola adolescents living in a rural area in the semi-arid region of the state of Bahia, Brazil. Cien Saude Colet . 2021;26(7):2807-17. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.09712021
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. Os fatores que limitam o acesso dos adolescentes aos serviços de saúde incluem longos períodos de espera, falta de priorização dos cuidados e barreiras geográficas44. Santana KC, Silva EKP, Rodriguez RB, Bezerra VM, Souzas R, Medeiros DS. Health service utilization by Quilombola and non-Quilombola adolescents living in a rural area in the semi-arid region of the state of Bahia, Brazil. Cien Saude Colet . 2021;26(7):2807-17. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.09712021
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Em termos de atendimento integral a esta população, além das questões relacionadas à acessibilidade aos serviços de saúde, a complexidade das ações e a possibilidade de intervenções intersetoriais devem ser consideradas, como observado no consumo de álcool, em que a relação entre as práticas dos serviços de saúde, as relações escolares e familiares harmonizadas são fatores de proteção para os adolescentes2626. Neves JVVS, Carvalho LA, Carvalho MA, Silva ETC, Alves MLTS, Silveira MF, et al. Alcohol use, family conflicts and parental supervision among high school students. Cien Saude Colet . 2021;26(10):4761-8. https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.22392020
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Entre os temas que não são ensinados, mas que deveriam ser ensinados e focados nos adolescentes estão o bullying e o cyberbullying. Esses são temas importantes para os profissionais de saúde, devido a sua prevalência e potenciais danos à saúde dos adolescentes, uma vez que o cyberbullying tem uma prevalência de até 35,4% e as vítimas apresentam mais problemas emocionais e psicossomáticos, dificuldades sociais, sintomas depressivos moderados a severos, uso de substâncias, ideações e tentativas de suicídio2727. Bottino SMB, Bottino CMC, Regina CG, Correia AVL, Ribeiro WS. Cyberbullying and adolescent mental health: systematic review. Cad Saude Publica. 2015;31(3):463-75. https://doi.org/10.1590/0102-311X00036114
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. Estes resultados são corroborados por outros estudos que apontam para um aumento do risco de autolesão, comportamento suicida2828. John A, Glendenning AC, Marchant A, Montgomery P, Stewart A, Wood S, et al. Self-Harm, Suicidal Behaviours, and Cyberbullying in Children and Young People: Systematic Review. J Med Internet Res. 2018;20(4):e129. https://doi.org/10.2196/jmir.9044
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e depressão em adolescentes vítimas de cyberbullying, o que evidencia a necessidade de ações de prevenção e gerenciamento2929. Hamm MP, Newton AS, Chisholm A, Shulhan J, Milne A, Sundar P, et al. Prevalence and Effect of Cyberbullying on Children and Young People. JAMA Pediatr. 2015;169(8):770. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2015.0944
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De forma complementar, o uso e mau uso das tecnologias digitais é o segundo tópico mais importante que não é, mas deveria ser ensinado e focado nos adolescentes. O uso excessivo das tecnologias digitais está associado à diminuição do bem-estar, sendo os adolescentes o grupo mais vulnerável3030. Dienlin T, Johannes N. The impact of digital technology use on adolescent well-being. Dialogues Clin Neurosci. 2020;22(2):135-42. https://doi.org/10.31887/dcns.2020.22.2/tdienlin
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. O vício e o uso excessivo de smartphones têm se mostrado fatores de preocupação por seus efeitos sobre a saúde dessa população, tais como a diminuição do sono, dores no pescoço e transtornos mentais. Além disso, o uso excessivo das redes sociais está associado à diminuição da autoestima e satisfação corporal, elevado risco de cyberbullying, maior exposição a material pornográfico e comportamento sexual arriscado3131. Nunes PPB, Abdon APV, Brito CB, Silva FVM, Santos ICA, Martins DQ, et al. Factors related to smartphone addiction in adolescents from a region in Northeastern Brazil. Cien Saude Colet . 2021;26(7):2749-58. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.08872021
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A violência juvenil e entre parceiros é outro tema que não é abordado mas deveria ser, tendo como foco os adolescentes. A violência perpetrada por um marido ou parceiro, em 2018, afetou quase uma em cada quatro adolescentes de 15 a 19 anos que eram casadas ou tinham um parceiro11. World Health Organization. Working for a brighter, healthier future: how WHO improves health and promotes well-being for the world’s adolescents [Internet]. Geneva: WHO; 2022 [cited 2022 Mar 23]. Available from: Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/351088
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Apesar da alta prevalência de adolescentes que enfrentam algum tipo de violência (sexual, física, psicológica ou institucional), há um silenciamento e uma certa invisibilidade sobre o assunto, devido à reprodução de padrões sociais de gênero3232. Carvalhaes RS, Cárdenas CMM. “Dating is pure suffering”: violence within affective-sexual relationships between adolescents in a school in the Costa Verde, Rio de Janeiro, Brazil. Cien Saude Colet . 2021;26(7):2719-28. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.09242021
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. É preocupante que este grupo tenha poucas redes de apoio e que os profissionais de saúde não sejam vistos pelos adolescentes como uma fonte de ajuda3333. Ferrari W, Nascimento MAF, Nogueira C, Rodrigues L. Violence in the affective-sexual trajectories of young gay men: “new” settings and “old” challenges. Cien Saude Colet . 2021;26(7):2729-38. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07252021
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Entende-se que o enfrentamento da violência contra adolescentes requer discussões sobre o tema, promovidas por diferentes instituições, além da implementação de ações intersetoriais, incluindo o fortalecimento das ações de saúde pública e o estabelecimento de um vínculo efetivo com os profissionais de saúde, com o objetivo de formar uma rede de apoio e proteção3434. Vieira MF Netto, Deslandes SF, Gomes SCS Júnior. Know-how and techniques of Family Health Strategy managers and professionals in the prevention of violence against adolescents. Cien Saude Colet . 2021;26(suppl 3):4967-80. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.3.25662019
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-3535. Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet. 2022. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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, considerando, entre outras coisas, o impacto da pandemia da COVID-19 na prevalência da violência3535. Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet. 2022. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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Outra questão de interesse é a da paternidade-maternidade adolescente. Os pais adolescentes vêm desproporcionalmente de famílias monoparentais e de baixa condição socioeconômica. Como resultado, os filhos de pais adolescentes correm maior risco de prematuridade, baixo peso ao nascer e de sofrer transtornos psicológicos3636. Bamishigbin ON, Dunkel Schetter C, Stanton AL. The antecedents and consequences of adolescent fatherhood: a systematic review. Soc Sci Med. 2019;232:106-19. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2019.04.031
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-3737. Recto P, Lesser J. Adolescent Fathers’ Perceptions and Experiences of Fatherhood: A Qualitative Exploration with Hispanic Adolescent Fathers. J Pediatr Nurs. 2021;58:82-7. https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.12.010
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Clinicamente, questões como a puberdade tardia ou a puberdade precoce também podem desencadear transtornos emocionais e psicossociais; sendo assim, o tratamento e apoio oportuno para adolescentes e famílias precisam ser considerado3838. Sultan C, Gaspari L, Maimoun L, Kalfa N, Paris F. Disorders of puberty. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2018;48:62-89. https://doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2017.11.004
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Outras questões relacionadas ao potencial sofrimento psicológico dos adolescentes são a identidade de gênero e a orientação sexual. Os adolescentes que são vítimas da intolerância à identidade de gênero e orientação sexual correm maior risco de falta de oportunidades, abandono da escola, perda dos laços familiares e comportamento suicida3939. Silva JCP, Cardoso RR, Cardoso ÂMR, Gonçalves RS. Sexual diversity: a perspective on the impact of stigma and discrimination on adolescence. Cien Saude Colet . 2021;26(7):2643-52. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.08332021
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. Esses jovens têm necessidades específicas de saúde e às vezes enfrentam barreiras no acesso a serviços de saúde e atividades de promoção da saúde e do bem-estar4040. Rider GN, McMorris BJ, Gower AL, Coleman E, Eisenberg ME. Health and Care Utilization of Transgender and Gender Nonconforming Youth: A Population-Based Study. Pediatrics. 2018;141(3):e20171683. https://doi.org/10.1542/peds.2017-1683
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Frente aos problemas descritos, defende-se a adoção da enfermagem escolar, na perspectiva de ampliação de conhecimentos sobre a saúde e de comportamentos de promoção da saúde4141. Ozturk FO, Ayaz-Alkaya S. Health Literacy and Health Promotion Behaviors of Adolescents in Turkey. J Pediatr Nurs . 2020;54:e31-5. https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.04.019
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, principalmente em populações em situação de vulnerabilidade, que apresentam menos conhecimento sobre saúde4242. Caldwell EP, Melton K. Health Literacy of Adolescents. J Pediatr Nurs . 2020;55:116-9. https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.08.020
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.

As enfermeiras escolares são capacitadas para apoiar esta população estabelecendo um vínculo eficaz, ouvindo atentamente relatos sobre seus sentimentos e necessidades de saúde, intervindo de forma precoce e contínua, em colaboração com a família, a escola e os serviços de saúde, com base nos cuidados integrais4343. Hilli Y, Pedersen G. School nurses’ engagement and care ethics in promoting adolescent health. Nurs Ethics. 2021;28(6):967-79. https://doi.org/10.1177%2F0969733020985145
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. Do ponto de vista do sistema educacional, a enfermagem escolar demonstrou contribuir para melhorar a saúde, reduzir a evasão escolar e melhorar o rendimento dos estudantes4444. Best NC, Nichols AO, Waller AE, Zomorodi M, Pierre-Louis B, Oppewal S, et al. Impact of School Nurse Ratios and Health Services on Selected Student Health and Education Outcomes: North Carolina, 2011-2016. J Sch Health. 2021;91(6):473-81. https://doi.org/10.1111/josh.13025
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. Por esta razão, a OMS apoia a criação de centros de saúde escolares como um importante recurso comunitário para atender às necessidades de saúde dos adolescentes e aumentar sua participação nos serviços de saúde4545. Daley AM, Polifroni EC, Sadler LS. The Essential Elements of Adolescent-friendly Care in School-based Health Centers: A Mixed Methods Study of the Perspectives of Nurse Practitioners and Adolescents. J Pediatr Nurs . 2019;47:7-17. https://doi.org/10.1016/j.pedn.2019.03.005
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Limitação

O uso da autoavaliação isolada não proporciona uma visão de outras perspectivas ou indicadores de avaliação dos programas de ensino. Entretanto, a alta taxa de participação das escolas de enfermagem e os resultados aqui apresentados são indicadores importantes dos processos de formação dos estudantes de enfermagem na América Latina.

Implicações para o avanço do conhecimento

Os resultados deste estudo apontam para limitações em termos de capacidade de ensino para formar enfermeiros, indicando a necessidade de manter um processo de formação contínua de professores em temas relacionados à atualização pedagógica e à saúde dos adolescentes.

Os tópicos identificados como lacunas na formação podem ser utilizados no desenvolvimento de cursos de educação continuada e permanente, de acordo com a realidade de cada país; além de incentivar o desenvolvimento da produção científica em uma linha de pesquisa sobre saúde do adolescente.

Por fim, os resultados do estudo reforçam a importância de avançar a saúde escolar e de implementar medidas eficazes de interação entre os serviços de saúde e as escolas. Os enfermeiros, em seus diferentes âmbitos de atuação, devem defender a saúde dos adolescentes, ampliando suas capacidades e liderando ações.

Conclusão

A análise da estrutura e do conteúdo dos currículos nos três países permite traçar paralelos e inferências para os outros países da América Latina e Caribe.

A falta de preparo adequado dos professores no campo da educação/pedagogia e no tema específico da saúde dos adolescentes limita a implementação efetiva do programa de ensino.

Nos processos de formação, é necessário o avanço de estratégias para compreender o adolescente e se comunicar efetivamente com este público. Os estudantes/enfermeiros precisam se beneficiar de dados de saúde/epidemiológicos, leis e políticas para orientar sua tomada de decisão.

A fim de revisar o conteúdo dos assuntos para incluir tópicos atuais e relevantes no contexto da saúde e desenvolvimento do adolescente, recomenda-se que os planos de ensino incorporem o ensino, focado no adolescente, de temas como: comportamento (decisão e atitude), identidade de gênero e orientação sexual, bullying e cyberbullying, uso de tecnologias digitais, violência entre parceiros, paternidade na adolescência, atraso na puberdade.

Por fim, entende-se que o avanço da saúde desta população pode ser alcançado por meio de estratégias que consideram a implementação da saúde escolar e medidas eficazes de interação entre os serviços de saúde e as escolas.

Agradecimentos

Agradecemos à equipe do projeto por sua ajuda na realização deste estudo. Universidad Nacional de Colombia: Gloria Mabel Carrillo, Luz Mery Hernández; Universidad de Guayaquil: Alicia Jeanette Donoso Triviño, Aleymis Torres Chils, Dinora Rebolledo Malpica, María Araceli García Martínez; Universidad Nacional Mayor de San Marcos: Luísa Hortensia Rivas Díaz, Yesenia Deifilia Retamozo Siancas, Yissella Betzabeth Acuache Quispe, Rosa Albina Velásquez Perales, Juana Matilde Cuba Sancho, Santa Dolores Torres Álvarez, Marina Hermelinda Condezo Martel.

Referências

  • *
    Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS. Apoio financeiro da Organização Panamericana de Saúde (OPS/OMS) e Global Affairs Canadá (GAC).

Editado por

Editora Associada: Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2022
  • Aceito
    10 Maio 2022
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