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Editorial especial

EDITORIAL ESPECIAL

Sérgio Adorno

Núcleo de Estudos da Violência (NEV-CEPID/USP)

O presente volume trata das relações entre violência e saúde. A violência, como forma de resolução de conflitos, seja nas relações sociais mais amplas, seja no âmbito das relações interpessoais e intersubjetivas, não é fenômeno recente na sociedade brasileira contemporânea, como à primeira vista se possa pensar. Desde as heranças coloniais, narrativas atualizadas pela memória coletiva de "tempos imemoriais" sugerem o quanto a violência esteve enraizada nas relações sociais cotidianas. Crueldade e brutalidade pareciam algo próprio do mundo colonial. Estudos clássicos de sociologia política demonstram a persistência dos ajustes violentos na sociedade nacional independente sob a vigência do Império. Estavam associados a ocorrências banais, próprias da vida comum nas relações de vizinhança, nas de cooperação e nas de parentesco, alcançando inclusive as atividades lúdicas e aquelas complexas operações do imaginário coletivo capazes de produzir a codificação dos valores fundamentais da cultura. A vida republicana tampouco tem contribuído para torná-los esporádicos ou excepcionais.

A despeito das raízes históricas, a violência na contemporânea sociedade brasileira traduz nova percepção social. Há cerca de quatro décadas a violência ainda estava confinada ao mundo das relações privadas, referida às relações conjugais e domésticas, ao tratamento dispensado às crianças e adolescentes nas escolas e nas instituições de confinamento punitivo, aos modelos de masculinidade que circulavam como imperativos morais entre jovens do sexo masculino, à repressão indiscriminada contra aqueles suspeitos de cometerem crimes. Mudanças profundas na sociedade brasileira, desde essa época, trouxeram a violência, suas modalidades e formas, suas vítimas e seus possíveis autores para a cena pública, suscitando a necessidade de políticas de controle social e legal, fundadas em conhecimento científico. Multiplicaram-se os estudos, tanto no campo das ciências sociais, quanto no campo da saúde. Generalizou-se o entendimento segundo o qual violência não é apenas um problema de aplicação de lei e ordem e de preservação de direitos humanos, como também de prevenção e de promoção da saúde pública.

Este volume reúne contribuições que procuram justamente estabelecer diálogos entre ciências sociais e saúde na abordagem do fenômeno da violência nesta sociedade, em sua etapa contemporânea. Elas compreendem discussões conceituais e teóricas que ampliam nosso horizonte explicativo; exploram as complexas relações entre pobreza, desigualdades sociais, cidadania e violência; tratam das tradições teóricas nas ciências sociais buscando repercuti-las no interior do campo constituído pela saúde coletiva; abordam fenômenos pouco tratados - como a violência nos desportos - a par de outros que, embora mais freqüentemente visitados por pesquisadores, ainda ensejam maiores investimentos em termos de investigação científica, como a violência nas relações de gênero, geracionais e domésticas, inclusive sob o ângulo dos direitos humanos. Merecem destaque os estudos tratando da violência nas relações institucionais, mais propriamente entre aqueles encarregados de prestar assistência e proteção às vítimas da violência, sob a ótica da humanização.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Set 2008
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