Resumos
Em que pese todos os avanços no Sistema Único de Saúde (SUS) desde a sua implantação, são também notórias as suas fragilidades e seus limites. Um deles, não obstante a diretriz constitucional de regionalização, é que até recentemente não havia uma política concreta de estímulo de integração entre os municípios e, consequentemente, de regiões de saúde, tão necessárias à garantia da integralidade da atenção. Nos últimos três anos, entretanto, o Ministério da Saúde, com a implementação do Pacto pela Saúde, na sua dimensão da gestão, iniciou esse processo, que tem se mostrado promissor para o desenvolvimento e crescimento do SUS nacional. Este trabalho apresenta a experiência positiva de implantação de um Colegiado Regional no Estado de São Paulo, na região de Campinas, através da qual gestores e técnicos das secretarias de saúde estão se tornando sujeitos mais "empoderados" da construção da Saúde na região.
Descentralização; Sistema Único de Saúde; Administração de Serviços de Saúde; Saúde pública; Legislação
Despite all the advances that have occurred in Sistema Único de Saúde (SUS - National Health System) since its implementation, its weaknesses and limits are also remarkable. One of them, in spite of the constitutional guideline for regionalization, is that, until recently, there had been no concrete policy to stimulate integration between municipalities and, consequently, between health regions, which are necessary to ensure integral care. In the last three years, however, the Ministry of Health, with the implementation of the Health Pact in its management dimension, started this process, which has been promising to the development and growth of the national SUS. This study presents the positive experience of implementation of a Regional College in the State of São Paulo, in the region of Campinas, through which managers and technicians of the health departments are becoming empowered subjects of the construction of Health in the region.
Decentralization; Sistema Único de Saúde (SUS); Health Services Management; Public health; Legislation
ARTIGOS
TRABALHOS PREMIADOS
Emerson AssisI; Valéria de Souza CruzII; Elcio Ferreira TrentinIII; Humberto Marino de LucioIV; Antonio MeiraV; José Claudio Klier MonteiroVI; Sandra Maria CriaVII; Monica Rosa FocesiVIII; Cesar Augusto CieloIX; Luciani Miranda GuerraX; Roberto Mardem Soares FariasXI
ISecretário Municipal de Saúde de Americana. Endereço: Avenida Bandeirantes, 2390, Jardim Colina, CEP 13478-700, Americana, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
IISecretária Municipal de Saúde de Artur Nogueira. Endereço: Rua 10 de abril, 629, Centro, CEP 13160-000, Artur Nogueira, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
IIISecretário Municipal de Saúde de Cosmópolis. Endereço: Rua Eurides de Godoi, 338, Centro, CEP 13150-000, Cosmópolis, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
IVSecretário Municipal de Saúde de Holambra. Endereço: Alameda Maurício de Nassau, 444, Centro, CEP 13825-000, Holambra, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br, Valmir Marcelo Inglesias
VSecretário Municipal de Saúde de Hortolândia. Endereço: Av. dos Estudantes, 65, Jd. Sta. Rita de Cássia, CEP 13186-020, Hortolândia, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
VISecretário Municipal de Saúde de Jaguariúna. Endereço: Rua Alfredo Bueno, 1235, Centro, CEP 13820-000, Jaguariúna, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
VIISecretária Municipal de Saúde de Nova Odessa. Endereço: Av. João Pessoa, 777, Centro, CEP 13460-000, Nova Odessa, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
VIIISecretária Municipal de Saúde de Paulínia. Endereço: Av. Prefeito Jose Lozano Araújo, 1551, Parque Brasil, CEP 13140-000, Paulínia, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
IXSecretário Municipal de Santo Bárbara D'Oeste. Endereço: Rua Presidente de Moraes, 231, Centro, CEP 13450-048, Santa Bárbara D'Oeste, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
XSecretária Municipal de Saúde de Santo Antonio de Posse. Endereço: Pça Chafia Chaib Baracat, 351, Centro, CEP 13830-000, Santo Antonio de Posse, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
XISecretário Municipal de Saúde de Sumaré. Endereço: Av. Brasil, 1111, Nova Veneza, CEP 13147-310, Sumaré, SP, Brasil. E-mail: saudesumare@yahoo.com.br
RESUMO
Em que pese todos os avanços no Sistema Único de Saúde (SUS) desde a sua implantação, são também notórias as suas fragilidades e seus limites. Um deles, não obstante a diretriz constitucional de regionalização, é que até recentemente não havia uma política concreta de estímulo de integração entre os municípios e, consequentemente, de regiões de saúde, tão necessárias à garantia da integralidade da atenção. Nos últimos três anos, entretanto, o Ministério da Saúde, com a implementação do Pacto pela Saúde, na sua dimensão da gestão, iniciou esse processo, que tem se mostrado promissor para o desenvolvimento e crescimento do SUS nacional. Este trabalho apresenta a experiência positiva de implantação de um Colegiado Regional no Estado de São Paulo, na região de Campinas, através da qual gestores e técnicos das secretarias de saúde estão se tornando sujeitos mais "empoderados" da construção da Saúde na região.
Palavras-chave:Descentralização; Sistema Único de Saúde; Administração de Serviços de Saúde; Saúde pública; Legislação.
ABSTRACT
Despite all the advances that have occurred in Sistema Único de Saúde (SUS - National Health System) since its implementation, its weaknesses and limits are also remarkable. One of them, in spite of the constitutional guideline for regionalization, is that, until recently, there had been no concrete policy to stimulate integration between municipalities and, consequently, between health regions, which are necessary to ensure integral care. In the last three years, however, the Ministry of Health, with the implementation of the Health Pact in its management dimension, started this process, which has been promising to the development and growth of the national SUS. This study presents the positive experience of implementation of a Regional College in the State of São Paulo, in the region of Campinas, through which managers and technicians of the health departments are becoming empowered subjects of the construction of Health in the region.
Keywords:Decentralization; Sistema Único de Saúde (SUS); Health Services Management; Public health; Legislation.
Introdução
O Sistema Único de Saúde, apesar das adversidades, é uma política pública que garante inclusão social a todos os brasileiros, oferecendo a pobres e ricos acesso indiscriminado a ações de saúde, sejam curativas, preventivas ou de promoção de saúde.
Desde a sua implantação, cresceu particularmente quanto à garantia de acesso, sendo o processo de descentralização e municipalização um dos grandes responsáveis pelo seu crescimento, não obstante haja limites tanto pelas características do federalismo nacional quanto pelas diretrizes impostas pela intensa normatização e burocratização, particularmente dadas pela NOBS e NOAS.
Um dos limites impostos à descentralização, ainda que pareça paradoxal, é a autonomia, conferida aos entes federados, particularmente aos municípios, pois nenhum deles é totalmente autônomo na prestação da saúde, dependendo sempre de outros. Entretanto, o formato de descentralização proposto pela Constituição não oferece estímulos à integração entre os municípios e a constituição de regiões, tão necessárias à garantia de integralidade da saúde.
Apesar da autonomia administrativa e da descentralização de inúmeras responsabilidades (educação, saúde, assistência social etc.), não houve a igual contrapartida fiscal e financeira.
As NOBS e NOAS não foram capazes de realocar recursos ou de trazer novos, o que impediu a compensação entre municípios para a prestação de serviços, com problemas tanto para os municípios pequenos quanto para os maiores: o pequeno não tem como "liberar" teto para o grande, que não tem como financiar a atenção para os menores.
Como consequência, embora a descentralização tenha logrado conseguir vários avanços (atenção básica em todos os municípios, incremento do PSF e PACS, etc.), não foi capaz de permitir um mesmo grau de expansão nos serviços especializados, leitos hospitalares, terapia intensiva, cirurgias eletivas etc. Manteve a oferta desses serviços pelo setor privado e o gestor não é capaz de regulá-la adequadamente, salvo honrosas exceções. Não houve ampliação da capacidade de se articular os vários municípios de uma dada região para a integração e hierarquização dos serviços e destes com a atenção básica. O resultado é a fragmentação, multiplicação de procedimentos, incorporação tecnológica inadequada etc.
Este é o papel que deveria ter sido desenvolvido pela Secretaria Estadual de Saúde, que só agora parece estar acontecendo.
O Pacto de Gestão
Objetiva superar as limitações dessas normativas através de processos negociados e de consensos. Através dele as antigas formas de adesão à gestão plena do sistema ou da atenção básica são substituídas por um modelo baseado em assunção de compromissos e responsabilidades sanitárias, em que se diz o que cada ente federado pode realizar naquele momento e contexto, o que não é possível e em quanto tempo poderá fazê-lo. Considera-se, enfim, a capacidade de gestão de cada um e a cada momento ao longo do tempo. Busca-se substituir os mecanismos financeiros de adesão (as "cenouras colocadas diante dos burros e suas carroças", como diria Odorico, Secretário de Saúde de Fortaleza) por outros baseados na solidariedade, negociação, pactuação, capacidade de ação e complementaridade.
Cumprem papel preponderante para a consolidação do Pacto a criação das Regiões de saúde e, particularmente, os Colegiados de Gestão Regional.
O Processo de Regionalização e a Constituição do Colegiado Regional de Saúde Oeste VII
Em 2006, induzido pelo Ministério da Saúde através da portaria 399 de 22 de fevereiro, iniciou-se em São Paulo, a discussão do Pacto pela Vida. No princípio, foi fiador da proposta e da discussão o Cosems, alguns poucos municípios da DRS VII e essa mesma Regional de Saúde. Realizamos várias oficinas e seminários nos primeiros meses do ano para discutir os Pactos pela Saúde e a forma de adesão através dos Termos de Compromisso. Naquele ano, três municípios, os mesmos que lideravam a discussão (Amparo, Sumaré e Várzea Paulista), decidiram assinar os seus termos, apesar de a Secretaria Estadual de Saúde (SES) não participar mais ativamente do processo e ter decidido, pelo menos naquele momento, não aderir e não assinar o seu Termo de Compromisso Estadual.
O ano de 2007 teve início para o Pacto pela Saúde e para a regionalização, sob o signo da esperança. A SES decidiu fazer o seu plano plurianual de forma participativa, envolvendo os municípios; a finalização aconteceria com a assinatura do Termo de Compromisso Estadual e com os Termos de Compromissos dos Municípios que resolvessem aderir ao Pacto.
O processo tornou-se efervescente e colocou-se como elemento estruturante, tanto para o pacto quanto para o plano estadual, a necessidade de se criarem regiões de saúde e os Colegiados de Gestão Regional (CGR). Ao final de 2007, mais de 90% dos municípios finalizaram seus Termos de Compromisso, bem como o Plano Estadual de Saúde e o Termo de Compromisso Estadual, processo amplamente pactuado entre as duas esferas de governo (municípios e estados). Além disto, constituíram-se as Regiões de Saúde no Estado de São Paulo (em número de 64), bem como os seus Colegiados Regionais.
Ocorreram, em 2007, várias oficinas e seminários para se discutir o pacto, o processo de regionalização, a constituição das regiões de saúde e dos seus CGR. Como já se tinha estabelecido entre o Estado e Municípios, representados pelo Cosems, relações institucionais marcadas pelo diálogo, por negociações e consensos, foi possível realizar oficinas conjuntas em que se definiram, a partir das diretrizes nacionais, aquelas que orientariam a regionalização no Estado. Outras oficinas ocorreram patrocinadas pelo Cosems para as Secretarias Municipais de Saúde, e a Secretaria Estadual patrocinou outras para os seus técnicos; nestas foram se ajustando as propostas, desfazendo-se as diferenças, reduzindo-se as fricções e tensões entre os dois entes federados.
Na região de Campinas, na área administrativa da Diretoria Regional de Saúde VII (DRS VII), os municípios, em íntima parceria com a direção da regional e seus técnicos, realizaram várias oficinas e seminários, que culminaram na constituição de quatro regiões de Saúde (Campinas, Bragança Paulista, Jundiaí e Oeste VII). Esta última é composta de 11 municípios, com uma população de aproximadamente 1 milhão de habitantes, conforme quadro a seguir:
Em junho de 2007, já estava instituída e desde então tem se reunido sistematicamente, mais de uma vez por mês, visto que as agendas desse período têm exigido inúmeras discussões na busca dos consensos necessários. Foram alvos de discussões e de deliberações ao longo desse tempo: o processo de constituição do CGR, seu regimento e suas atribuições; a constituição das câmaras técnicas e grupos de trabalho; o plano estadual de saúde, o pacto pela saúde e os termos de compromisso dos municípios e o termo de compromisso estadual; os complexos regulatórios municipais e regional; a relação da região com a Unicamp; a programação hospitalar pactuada e integrada; a contratualização com as Santas Casas da região.
Alguns desses temas, além de pautas regionais, foram também pautas para o Conselho de Representante e Diretoria do Cosems, Bipartite e Câmaras Técnicas Bipartite, permitindo que, ao mesmo tempo em que se considerassem as particularidades regionais, um grau de homogeneização consentânea com a sistematicidade que o SUS exige.
Contribui para o processo de regionalização e constituição desses colegiados a participação dos consultores do Cosems, importante apoio aos municípios nas questões nas quais sentem dificuldades de operar ou compreender.
Produtos e Resultados
A regionalização foi um processo muito rico, com intensa participação dos técnicos dos vários municípios, a exceção de um, com participação esporádica. A participação dos secretários, por sua vez, não se deu com a mesma frequência, com exceção de três ou quatro, mais assíduos, com raras faltas. Apesar disso, tem se deliberado e decidido as questões de forma consensual.
As discussões, mesmo que algumas vezes tensas, não impedem tomadas de decisões em que a solidariedade, a vontade de avançar e de resolver os problemas, principalmente de acesso e de garantia de integralidade, sejam os eixos condutores. Foram exemplos concretos a distribuição dos recursos adicionais de média complexidade, a PPI e o Pró-Santa Casa II.
O fato de se ter "casado" a feitura do Plano Estadual com o processo de Regionalização, implantação dos CGRs e consolidação dos Termos de Compromissos municipais e estadual permitiu um intenso envolvimento dos secretários e técnicos (estaduais e municipais). É indubitável que a Secretaria Estadual de Saúde tornou-se mais permeável às demandas dos municípios, o que tem permitido um profícuo diálogo e a perspectiva de se abrir agendas, até então interditadas.
Aprendizado de Vivência e Considerações Finais: os obstáculos a serem superados
A SES ainda é frágil e pouco estruturada para as exigências do novo modelo. Falta, às DRS, pessoal técnico em número suficiente, bem como capacidade de gestão para a coordenação, acompanhamento e avaliação do SUS local e regional. É necessário que se aperfeiçoe a relação com os municípios para que eles sejam apoiados tecnicamente e possam assumir com mais efetividade a gestão local.
O Estado ainda compete com os municípios na execução de atividades em vez de concentrar esforços no que deve ser a sua atribuição mais importante: a coordenação, a avaliação e a indução de políticas através de pactuações e financiamentos específicos.
Há que se avançar na relação com hospitais universitários e OS, prestadores importantes de serviços.
Além do controle de fluxo da média e alta complexidade, a regulação é outro desafio importante. Tem papel fundamental na mediação entre os sistemas municipais e, portanto, na consolidação das regiões de saúde.
É necessário que se estruture as regiões de saúde, facilitando a comunicação, os planejamentos regionais etc. Se houver uma estruturação mínima, ela será apenas virtual e corre o risco de não se perpetuar a não ser burocraticamente.
Cabe ainda registrar que todo o esforço para firmar divisão de responsabilidades claramente definidas e pactos de gestão estabelecidos em termos de compromisso inter-gestores perde muito da efetividade pela falta de um instrumento jurídico que garanta o cumprimento das responsabilidades consensuadas, como, por exemplo, um Contrato de Ação Pública, como proposto pela Dra. Lenir dos Santos.
- PAIM, J. S.; TEIXEIRA, C. F. Configuração institucional e gestão do Sistema Único de Saúde: problemas e desafios. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, supl., p. 1819-1829, nov. 2007.
- PASCHE, D. F. et al. Paradoxos das políticas de descentralização de saúde no Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica, Washington, v. 20, n. 6, p. 416-422, Dec. 2006.
- CAMPOS, G. W.; TEIXEIRA, S. M. F. Efeitos paradoxais da descentralização no Sistema Único de Saúde do Brasil. In: TEIXEIRA, S. M. F. Democracia, descentralização e desenvolvimento: Brasil & Espanha. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2006. p. 26, p. 417-442.
- SOLLA, J. J. S. P. Avanços e limites da descentralização no SUS e o Pacto de Gestão. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 30, n. 2, p. 332-348, jul.-dez. 2006.
- SANTOS, L.; ANDRADE, L. O. M. SUS: o espaço da gestão inovada e dos consensos interfederativos: aspectos jurídicos, administrativos e financeiros. Campinas: Instituto de Direito Sanitário Aplicado; 2007.
Regionalização e novos rumos para o SUS: a experiência de um colegiado regional
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Jun 2009 -
Data do Fascículo
Mar 2009