Resumos
Este artigo trata da aplicação de uma metodologia de alocação equitativa dos recursos federais do SUS para os Estados e municípios brasileiros, tanto para procedimentos da Atenção Básica como para Média e Alta Complexidade. Poucas ações na área de financiamento da saúde foram desenvolvidas até o momento no Brasil para atender às exigências legais da universalidade e da equidade. Via de regra prevalece o comportamento histórico da alocação de recursos pautada na produção e não nas necessidades. A metodologia proposta segue a abordagem de Porto e colaboradores (2001), usando a técnica de análise de componentes principais, com alguns ajustes e alterações na definição da escala de referência, especialmente para procedimentos de média e alta complexidade. Com base nesta metodologia, o trabalho apresenta a distribuição proposta para os recursos federais do SUS, efetuados em 2005, comparando, inclusive com o realizado, para os dois níveis de procedimentos previstos. No caso da Atenção Básica, a metodologia proposta abrange todos os municípios brasileiros, consolidados em nível estadual. Já para recursos destinados à Média e Alta Complexidade, ela foi desenvolvida apenas para a esfera estadual.
Alocação de recursos; Equidade; Financiamento do SUS
This article deals with the application of an equitable allocation methodology concerning the federal resources of Brazil's National Health System (SUS) to the states and municipalities, for Primary Health Care and also Medium and High Complexity procedures. Few actions in the field of health financing have been developed in Brazil, in order to comply with the legal requirements of universal and equitable health. What usually happens is the prevalence of the historical behavior of resource allocation based on health production and not on health necessities. The proposed methodology follows the approach of Porto et al (2001), using the technique of principal component analysis, with some adjustments and changes in the definition of the reference scale, mainly for medium and high complexity procedures. Based on this methodology, the work presents the distribution proposed to SUS federal resources in 2005, establishing comparisons between the found values and the present ones, for both kinds of procedures. In the case of Primary Health Care procedures, the proposed methodology includes all Brazilian municipalities, consolidated to a state level. On the other hand, for Medium and High Complexity procedures it was developed only for the state level.
Resource Allocation; Equity; SUS Financing
PARTE I - ARTIGOS
Áquilas MendesI; Marcel Guedes LeiteII; Rosa Maria MarquesIII
IProfessor Doutor da Faculdade de Saúde Pública /USP e do Departamento de Economia da PUC-SP. Endereço: Rua Pedroso Alvarenga, 401 ap. 131, Itaim Bibi, CEP 04531-010, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: aquilasn@uol.com.br
IIProfessor Doutor do Departamento de Economia da PUC-SP. Endereço: Av. Portugal, 1.398, Brooklin Novo, CEP 04559-003, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: magle@uol.com.br
IIIProfessora titular do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUC-SP. Endereço: Rua Caiowaa, 560, ap. 112, Vila Pompeia, CEP 05018-000, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: rosamkmarques@gmail.com
RESUMO
Este artigo trata da aplicação de uma metodologia de alocação equitativa dos recursos federais do SUS para os Estados e municípios brasileiros, tanto para procedimentos da Atenção Básica como para Média e Alta Complexidade. Poucas ações na área de financiamento da saúde foram desenvolvidas até o momento no Brasil para atender às exigências legais da universalidade e da equidade. Via de regra prevalece o comportamento histórico da alocação de recursos pautada na produção e não nas necessidades. A metodologia proposta segue a abordagem de Porto e colaboradores (2001), usando a técnica de análise de componentes principais, com alguns ajustes e alterações na definição da escala de referência, especialmente para procedimentos de média e alta complexidade. Com base nesta metodologia, o trabalho apresenta a distribuição proposta para os recursos federais do SUS, efetuados em 2005, comparando, inclusive com o realizado, para os dois níveis de procedimentos previstos. No caso da Atenção Básica, a metodologia proposta abrange todos os municípios brasileiros, consolidados em nível estadual. Já para recursos destinados à Média e Alta Complexidade, ela foi desenvolvida apenas para a esfera estadual.
Palavras-chave: Alocação de recursos; Equidade; Financiamento do SUS.
ABSTRACT
This article deals with the application of an equitable allocation methodology concerning the federal resources of Brazil's National Health System (SUS) to the states and municipalities, for Primary Health Care and also Medium and High Complexity procedures. Few actions in the field of health financing have been developed in Brazil, in order to comply with the legal requirements of universal and equitable health. What usually happens is the prevalence of the historical behavior of resource allocation based on health production and not on health necessities. The proposed methodology follows the approach of Porto et al (2001), using the technique of principal component analysis, with some adjustments and changes in the definition of the reference scale, mainly for medium and high complexity procedures. Based on this methodology, the work presents the distribution proposed to SUS federal resources in 2005, establishing comparisons between the found values and the present ones, for both kinds of procedures. In the case of Primary Health Care procedures, the proposed methodology includes all Brazilian municipalities, consolidated to a state level. On the other hand, for Medium and High Complexity procedures it was developed only for the state level.
Keywords: Resource Allocation; Equity; SUS Financing.
Introdução
A sociedade brasileira tem passado por grandes transformações nas últimas décadas. Essas transformações, de ordem demográfica, social, política e econômica geraram fortes impactos nas condições de vida e saúde da população, criando novas demandas para o sistema de saúde, com repercussões na alocação dos recursos públicos destinados ao setor. Além disso, as formas de financiamento das políticas públicas implementadas ao longo da história do País, que levaram à concentração desordenada e à desarticulação entre os serviços, são agravadas pela diversidade sociocultural, desigualdade socioeconômica e singularidade epidemiológica que distinguem as regiões brasileiras.
Já há algum tempo, no entanto, o Ministério da Saúde e profissionais da área têm desenvolvido esforços no sentido de rever as bases de financiamento das políticas públicas, de modo a torná-las mais equânimes.
Pela Constituição Federal brasileira, de 1988, em seu artigo 194 (Brasil, 1988), compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base em alguns objetivos. Dentre eles a universalidade da cobertura e do atendimento e a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. Segundo o artigo 196 da Constituição, "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."
Além disso, a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080, de 19.09.90) em seu artigo 7, define as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), destacando a universalização de acesso, a integralidade de assistência, a igualdade da assistência à saúde, sem preconceito ou privilégios de qualquer espécie e a utilização da epidemiologia para estabelecimento de prioridades, para alocação dos recursos e para orientação programática (Brasil, 1990).
Especificamente, no tocante à distribuição de recursos, deve-se reconhecer que tanto a Lei Orgânica da Saúde (8.080/1990) como a Lei 8.142/90 (Brasil, 1990a) , dispõem sobre a partilha dos recursos da União para Estados e municípios. Ainda que os critérios estabelecidos nessas Leis possam fazer referência à ideia de necessidades em saúde, não foram passíveis de aplicação ao longo da implementação do SUS. Para se ter uma noção, transcreve-se os artigos a seguir:
Lei 8.080/90, artigo 35:
"Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e Mu-ni-cípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de programas e projetos: I - perfil demográfico da região; II - perfil epidemiológico da população a ser coberta; III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área; IV - desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior; V - níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e municipais; VI - previsão quinquenal de investimentos da rede; VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo; Parágrafo 1º - metade dos recursos destinados a Estados e municípios será distribuída segundo o quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independentes de qualquer procedimento prévio. Parágrafo 2 nos casos de Estados e Municípios sujeitos a notório processo de migração, os critérios demográficos mencionados nesta Lei serão ponderados por outros indicadores de crescimento populacional, em especial o número de eleitores registrados..." (Brasil, 1990) (Grifo nosso).
Lei 8.142/90, artigos 2:
"Art. 2º - Os recursos do Fundo Nacional de Saúde - FNS serão alocados como: I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e entidades, da administração direta e indireta; II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do Poder Legislativo e aprovados pelo Congresso Nacional; III - investimentos previstos no Plano Quinquenal do Ministério da Saúde; IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos municípios, Estados e Distrito Federal. Parágrafo Único - Os recursos referidos no inciso IV deste artigo destinar-se-ão a investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e às demais ações de saúde.
Art. 3º - Os recursos referidos no inciso V do art. 2º desta lei serão repassados de forma regular e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios previstos no art. 35 da Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, parágrafo 1º - Enquanto não for regulamentado aplicação dos critérios previstos no art. 35 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, será utilizado para o repasse de recursos, exclusivamente o critério estabelecido no parágrafo 1º Do mesmo artigo. Parágrafo 2º - Os recursos referidos neste artigo serão destinados, pelo menos setenta por cento aos municípios, afetando-se o restante aos Estados...(Brasil, 1990a) (grifo nosso)
Cabe reiterar que o artigo 35 da Lei 8.080/90 não foi regulamentado até o momento e os critérios estabelecidos nos artigos 2º e 3º da Lei 8.142/90 não têm sido considerados no âmbito das transferências dos recursos federais aos Estados e municípios. Assim, apesar dessas definições legais, as políticas implantadas, com raras exceções, não garantiram a realização plena dos objetivos estabelecidos nos critérios previstos nas leis, geralmente porque, na maioria das vezes, as decisões políticas são influenciadas por fatores ligados à oferta, como a busca de maior eficiência na utilização dos recursos destinados ao trato da saúde já instalados, assim como para a sua manutenção.
Algumas iniciativas de rompimento com a lógica de alocação de recursos centrada na oferta de serviços, no aporte tecnológico ou com base em série histórica de gasto foram formuladas. Dentre elas, merecem destaque as definições contidas na Norma Operacional Básica de 1996 (NOB 96) (Brasil, 1996), que instituiu o Piso Assistencial Básico - PAB, a ser distribuído com base no tamanho da população local e de um valor per capita nacional, para financiamento de uma gama de procedimentos ambulatoriais básicos, de responsabilidade municipal; e incentivos a programas como Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde. A despeito dessas ações, prevalece o comportamento histórico da alocação de recursos pautada na produção e não nas necessidades, mantendo-se distribuições não equitativas dos recursos da saúde no Brasil (Marques e Mendes, 2003).
Dessa forma, a equidade e a universalidade no financiamento da saúde permanecem temas dos mais atuais e pertinentes. O conceito de equidade é bastante complexo, pois uma distribuição geográfica equitativa não necessariamente permite alcançar o bom-senso em termos de necessidades individuais. Assim, para se alcançar algum resultado válido, deve-se estabelecer um conceito estreito do que seja igualdade na alocação de recursos para financiamento das ações de saúde.
Este artigo busca estabelecer uma metodologia de alocação equitativa dos recursos federais do SUS para os Estados e municípios brasileiros, tanto para procedimentos da Atenção Básica como para Média e Alta Complexidade. Para isso, assume-se que o financiamento federal deva corrigir as desigualdades existentes entre as diferentes capacidades de autofinanciamento dos Estados e municípios e das suas distintas possibilidades de referência atendida e recebida na Média e Alta Complexidade.
Entende-se a equidade como algo concernente às necessidades da população e não, necessariamente, à oferta de serviços de saúde empreendidos pelos municípios à população. Assim, a referência básica para a definição dessa metodologia está no princípio de que "para necessidades iguais sejam distribuídos iguais volumes de recursos financeiros" (Giraldes, 1987). Para dar conta desse princípio, o estudo aqui apresentado procurou incorporar à equidade os perfis demográficos, epidemiológicos, sociais e financeiros das famílias, tomadas a partir das unidades da Federação1 1 Para uma revisão mais geral e crítica do conceito de equidade, ver Vieira da Silva e Almeida Filho (2009). Por sua vez, para uma discussão mais ampla que relaciona a equidade e o financiamento da saúde, ver Teixeira (2009); Castro (2009) e França (2009). .
Este artigo está dividido em três partes, além desta introdução. Na primeira, é apresentada a metodologia, onde se recupera a literatura sobre o tema. A segunda parte é dedicada à aplicação da metodologia aos recursos transferidos pelo Ministério da Saúde à Atenção Básica e, a terceira, aos recursos destinados à Média e Alta Complexidade. Em cada caso, são apresentados os resultados obtidos.
A Definição da Metodologia
Diversos países têm tentado desenvolver metodologias de alocação equitativa de recursos da saúde. Entretanto, as experiências internacionais fazem uma distinção entre recursos para operar o sistema de saúde e recursos de investimento. Em todos eles, as fórmulas para distribuição de recursos envolvem somente os de custeio do sistema. A parte referente aos de investimento é realizada por meio de um planejamento estratégico - Planos de Investimentos (Porto e col., 2003).
A pesquisa desenvolvida por Porto e colaboradores (2001), destaca quatro experiências internacionais de determinação de equidade na alocação de recursos da saúde: na Espanha, na Itália, no Canadá e na Inglaterra. Contudo, a distribuição de parte dos recursos mediante um per capita, elemento comum a todas as experiências analisadas, é por ela descartada, pois somente se aplicaria a sociedades onde a desigualdade de oportunidades não fosse tão acentuada, como é o caso do Brasil. Essa pesquisa, embora aponte que a adoção do critério de "população protegida" pela Espanha (Carmona e col., 1992) ou de um tratamento diferenciado para regiões com populações dispersas ou de baixa renda, através de fundos de Equalização, como adotado pelo Canadá (Almeida, 1995), podem ser aproveitados no Brasil. Tal pesquisa conclui pela maior aplicabilidade da experiência inglesa, que utiliza a metodologia RAWP - Resource Allocation Working Party2 2 Na Inglaterra, desde os anos 1970, foram realizadas várias tentativas de aplicação de mecanismos equitativos para a alocação dos recursos do Sistema Nacional de Saúde. A primeira fórmula a ser criada foi a Resource Allocation Working Party (RAWP) que garantia a distribuição dos recursos do governo central para as regiões. O indicador da mortalidade, detectado para cada área, foi escolhido como informação básica para apurar necessidades em saúde. Essa fórmula foi utilizada entre 1977 a 1990, assegurando a redistribuição dos recursos das regiões metropolitanas para as regiões mais pobres no norte do País. De 1990 para a atualidade, essa fórmula vem sofrendo alterações (Carr-Hill, 1994). - (Carr-Hill, 1994). Como essa metodologia permite dimensionar desigualdades relativas muito menos significativas que as observadas no Brasil, parece bastante adequada para ser adotada, com ajustes, pelo País.
De forma geral, as diferentes abordagens metodológicas para estimar uma alocação equitativa dos recursos para a saúde destacam a importância de incorporar as desigualdades no perfil demográfico, segundo sexo e idade, e um indicador de necessidades, que permita dimensionar desigualdades relativas entre condições sanitárias e socioeconômicas das populações de distintas áreas geográficas (Andrade e col., 2004).
Entretanto, como não existe um consenso entre as diferentes formas de medir as necessidades, é exatamente neste ponto que as diversas propostas se diferenciam, ou seja, na definição de uma proxy de necessidades.
Para a definição de uma metodologia nos moldes do RAWP, mas adaptado à realidade brasileira, o problema central reside na forma de comparação das necessidades de diferentes populações. A maneira encontrada foi a caracterização social, econômica, etária, sanitária, financeira, entre outras, dos municípios, que geram os diferenciais de necessidades de saúde entre os habitantes dessas distintas localidades. Parece evidente que outros fatores também são relevantes, especialmente para a definição de necessidades de intervenção de saúde mais complexas, mas se acredita, e isso é corroborado pela literatura existente, que essas características se configuram como os condicionantes essenciais para estabelecer diferenças entre as necessidades de atendimento básico de saúde.
No Brasil, o debate sobre a equidade no acesso aos serviços de saúde e na alocação de recursos ganhou relevância a partir do estudo de Porto e colaboradores (2003)3 3 Porto e colaboradores (2003) testaram a metodologia inglesa para o caso brasileiro. Essa proposta, centrada em dados do uso de serviços de saúde para estimar a demanda potencial aos serviços, gerada pelas necessidades de saúde, ajustando pela distribuição da oferta de serviços, não pode ser aplicada diretamente no Brasil. Os resultados dos testes sugeriram que, além das desigualdades de oferta em nosso país, existem outras barreiras no acesso aos serviços de saúde, revelando a inadequação da metodologia inglesa para o caso brasileiro. Porto e colaboradores (2003) sugeriram então um método alternativo de alocação dos recursos federais de saúde destinados para custeio que estima um fator de necessidade em saúde para o Brasil. O indicador foi construído, utilizando-se o método de análise de componentes principais. Foram encontrados dois fatores, caracterizando, respectivamente, as condições socioeconômicas e de mortalidade infantil e a situação de mortalidade geral. O índice de necessidade foi obtido a partir da média ponderada desses dois fatores, utilizando-se como ponderação o percentual total da variância explicado fator a fator. , apesar da questão estar presente na Constituição Federal de 1988 e no projeto original de regulamentação da Emenda Constitucional n 29, PLC 01/2003 (Brasil, 1988, 2000). Esse estudo influenciou diversas experiências estaduais de alocação de recursos para os municípios, apoiadas pelo Projeto "Economia da Saúde Fortalecendo Sistemas de Saúde para Reduzir Desigualdades (PES)", atividade elaborada e implementada pelo MS, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com suporte financeiro e técnico do Department for International Development (DFID). Dentre os Estados que desenvolveram estudos apoiados por esse Projeto, destacam-se: Ceará, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais4 4 Para a compreensão das diversas experiências nacionais, desenvolvidas no âmbito dos Estados, ver Marques e Mendes (2003a). .
Apenas no Estado de Minas Gerais, o estudo de metodologia equitativa foi aplicado no interior do sistema de saúde. Baseado em metodologia proposta por Porto e colaboradores (2003), Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado da Saúde, construiu um indicador de necessidade de cuidados com a saúde para a alocação de recursos provenientes do Piso de Atenção Básica (PAB). O indicador composto foi obtido por meio da análise fatorial por componentes principais e o resultado da análise deu origem a um único fator de necessidade, com poder explicativo de quase 80% da variância total das regiões. O fator calculado apresentou uma relação positiva com as variáveis taxa de analfabetismo, proporção da população na área rural e coeficiente de mortalidade infantil, e uma relação negativa com o percentual de domicílios com abastecimento de água e serviços de esgoto.
A metodologia adotada neste artigo tem como referência o trabalho desenvolvido por Porto e colaboradores (2005) para procedimentos da Atenção Básica, mas difere substancialmente dela quanto à metodologia de distribuição dos recursos para procedimentos da Média e Alta Complexidade. Além disso, diferentemente da proposta de Porto, para os recursos da Atenção Básica, a metodologia proposta abrange o total de recursos, tanto fixos como variáveis, partindo do pressuposto de que cabe aos municípios a decisão de como alocar esses recursos entre os vários programas de saúde por ele desenvolvidos.
O ponto de partida para o cálculo do valor proposto para a Atenção Básica para todos os 5.564 municípios brasileiros foi dividir o total de recursos do PAB (fixo e variável) transferidos pelo Ministério da Saúde (MS) aos municípios em 2005 (R$ 4.972.692.355) pela população total brasileira de 184.184.264 habitantes, estimada para esse mesmo ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este procedimento gerou um valor per capita de R$ 27,00, ao qual denominamos BASE.
Já para os recursos federais do SUS destinados a procedimentos de média e alta complexidade (MAC), a distribuição foi feita com base no valor per capita, cabendo a cada unidade da Federação a parcela dos recursos totais destinados a procedimentos de média e alta complexidade, os quais, em 2005, atingiram a cifra de R$ 15.958.632.852,81, ou R$ 86,64 per capita, proporcionais a sua população.
Cabe ressaltar que, enquanto para o PAB, a unidade da Federação de referência para distribuição de recursos foi o município, para o MAC essa unidade se refere ao Estado. Isso porque, nos 26 Estados da Federação e no Distrito Federal, o gasto do Ministério da Saúde por microrregião de saúde não está disponível5 5 No momento de realização dessa proposta de metodologia de alocação equitativa dos recursos federais, cerca de 5cinco Estados apenas criaram as microrregiões de saúde. , impedindo que venha a ser realizada a comparação entre o gasto alocado pelo MS em 2005 e o gasto estimado por esse trabalho, utilizando-se as necessidades de saúde.
O passo seguinte consistiu de encontrar uma proxy para necessidades socioeconômica e sanitária para corrigir os valores a serem distribuídos. Para tanto, criou-se um fator, obtido através do uso da técnica de análise de componentes principais, destinada a explicar a estrutura de variância-covariância de um grupo de variáveis epidemiológicas, demográficas, sanitárias e socioeconômicas em poucas combinações lineares destas variáveis não correlacionadas entre si. Esta técnica permite melhorar a interpretação das relações e viabilizar a estimativa dessas relações (Johnson e Wichern, 2007).
Assim, a alocação de recursos financeiros foi realizada a partir de sucessivos ajustes da base populacional, conforme os diversos condicionantes das diferenças de necessidades de saúde.
Procedimentos da Atenção Básica
Partindo de um valor per capita BASE de aproximadamente R$ 27,00, referente a recursos federais repassados aos municípios para financiar procedimentos da atenção básica, a metodologia proposta conduziu à correção desse valor per capita pelo Indicador de Necessidades Sócio-econômica e Sanitária (INSES), obtido pela técnica de análise de componentes principais para cada município brasileiro.
As variáveis investigadas, para a construção do INSES, foram obtidas através do censo demográfico de 2000 (último dado disponível) e do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) também de 2000 (por compatibilidade temporal com as demais variáveis). São elas: taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos (corrigida por metodologia desenvolvida pelo IDH); percentual de domicílios com lixo coletado; percentual de domicílios ligados à rede de esgoto; percentual de domicílios ligados à rede geral de água; percentual de domicílios com renda do chefe de família de até um salário mínimo; média de pessoas por domicílio; taxa de analfabetismo (pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever); e percentual de população rural.
A técnica de análise de componentes principais gerou dois componentes (Tabela 1), que representam aproximadamente 62% e 17%, respectivamente, da variância total original (Tabela 2).
No entanto, como as variáveis são intensamente correlacionadas, o modelo pode ser simplificado, trabalhando-se com o menor número de variáveis. Nesse sentido, foram selecionadas três variáveis, cada uma representando uma dimensão das necessidades socioeconômicas e sanitárias: mortalidade de crianças menores de cinco anos; taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais; e percentual de domicílios ligados à rede de esgoto.
As variáveis (três) geraram um único componente com poder de representar 67,7% da variância original, como pode ser observado nas tabelas 3 e 4.
Como existe uma elevada correlação (acima de 90%) entre os primeiros componentes das duas análises, tornou-se evidente a vantagem de se trabalhar com o segundo modelo, haja vista a facilidade de se obter a estimativa do fator desejado, sem perda da precisão, o que também facilita o entendimento da proposta por parte dos gestores municipais.
Com base nesse componente, foi gerado um escore para cada município, que variou de -1,9691 a 2,8417, o qual foi normalizado para variar entre 1 e 2 ([valor municipal - valor mínimo]/[valor máximo - valor mínimo] +1), o qual denominamos escore ajustado, que representa a proxy desejada das Necessidades Sócio-Econômicas e Sanitárias (escore 1aj) municipal, que reflete as necessidades relativas de saúde municipais dadas por essas variáveis (Drewnowski, 1974).
Para encontrar o valor do PAB per capita corrigido pelo Índice de Necessidades Sócio-Econômicas e Sanitárias (INSES), aplicou-se a seguinte fórmula:
PAB per capita corrigido por INSES do município i = PABC1pci
PABC1pci = BASE x INSESi
INSESi = [escore1aji x População total brasileira / (escore1aji x Populaçãoi)]
onde BASE = PABTotal1/População total brasileira; PABTotal1 é o total de recursos do MS destinados ao PAB de todos os municípios brasileiros em 2005; escore1aji é o escore de cada município obtido através da técnica de análise estatística multivariada para obtenção de componentes principais, como proxy das necessidades socioeconômicas e sanitárias do município i, ajustado para variar entre 1 e 2; e Populaçãoi é a população do município estimada pelo IBGE para 2005 (IBGE, 2009).
Para entender o procedimento, nesta fase da metodologia proposta, é importante reconhecer que foi atribuído a cada município um valor acima ou abaixo da média nacional (R$ 27,00). Essa média foi corrigida pelo INSES obtido para o município, de forma a manter a média nacional inalterada, uma vez que se trata de uma realocação dos recursos totais entre os municípios.
Nota-se, nesse ponto, que os municípios pertencentes aos Estados das regiões Sul e Sudeste apresentam em média um valor per capita inferior à média nacional, enquanto aqueles dos Estados das regiões Norte e Nordeste concentram valores bastante superiores, como era de se esperar. Chama a atenção que Maranhão, Piauí e Alagoas respondem pelas maiores necessidades em saúde,com valores corrigidos per capita de R$ 35,70, R$ 33,96 e R$ 33,88, respectivamente (Tabela 5).
Parte-se da ideia que os recursos transferidos pelo MS têm o objetivo de complementar o financiamento das ações de saúde desenvolvidas pelos municípios e, desta forma, há que se levar em conta que, numa distribuição equitativa de recursos, necessidades financeiras de cada município devam ser consideradas. Municípios com baixa disponibilidade de recursos fiscais per capita deveriam ter uma complementação maior por parte dos recursos federais, quando comparados aos municípios com alta capacidade de arrecadação fiscal per capita.
Assim, o estudo propôs um ajuste do per capita obtido a partir do INSES pelas necessidades financeiras, representadas pela receita disponível (impostos mais transferências constitucionais) per capita dos municípios, denominado Indicador de Necessidades Financeiras (INF). Entende-se que a receita disponível constitui o melhor indicador da capacidade relativa de autofinanciamento dos municípios (Mendes, 2005). Esse ajuste pela receita disponível permite que o MS descentralize parcelas maiores de recursos àqueles municípios com menor capacidade de autofinanciamento.
Para encontrarmos o fator de necessidade financeira, foram obtidos na Secretaria do Tesouro Nacional, dados municipais de recursos fiscais disponíveis, composto pelos impostos e transferências constitucionais per capita (IPTU, IRRF, ITBI, ISS, FPM, ITR, IOF, CIDE, LC-87/96, ICMS, IPVA e IPI-EXPORT)6 6 Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU; Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF; Imposto sobre a Transmissão Intervivos - ITBI; Imposto Sobre Serviços - ISS; Fundo de Participação dos Municípios - FPM; Imposto Territorial Rural - ITR; Imposto sobre Operações Financeiras - IOF; Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico/Combustível - CIDE; Lei Complementar nnº 87/96 (Lei Kandir) - LC-87/96; Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços - ICMS; Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA; Imposto sobre Produtos Industrializados - Exportação - IPI-EXPORT (Mendes, 2005). e complementados por informações do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS).
A construção do Indicador de Necessidades Financeiras (INF) não foi possível para alguns municípios, por falta de informação. Assim mesmo, o INF abrange 5.467 municípios. Em 2005, os recursos transferidos pelo MS à atenção básica (PAB total) desses municípios somaram R$ 4.922.820.966 (99,0% do total), para uma população total de 183.022.128 habitantes (99,4% do total).
Após esta correção, observa-se que em todos os Estados das regiões Norte e Nordeste ocorre um PAB per capita proposto superior à média nacional de R$ 27,00 para 2005, apresentando as duas regiões médias de R$ 33,89 e R$ 31, 52, respectivamente. Na região Centro-Oeste, com média de R$ 25,14, a única exceção fica por conta de Goiás, para o qual a proposta apresenta valor médio de R$ 27,41. Em todos os Estados das regiões Sul e Sudeste, os valores propostos são inferiores à média nacional de R$ 27,00, apresentando as regiões médias de R$ 24,06 e R$ 22,82, respectivamente (Tabela 5).
Por fim, após o PAB per capita ser ajustado por meio da receita disponível per capita para estimar os recursos da atenção básica correspondentes a cada município, foi realizada uma comparação em termos absolutos e relativos entre os valores per capita definidos pelo MS em 2005 e os estimados pela metodologia proposta (Tabela 6).
Analisando a média da diferença entre o valor per capita proposto e o realizado pelo MS em 2005, para os municípios brasileiros consolidados por Estado, percebe-se que apenas dez Estados receberiam recursos adicionais: Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá, Ceará, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal; devendo os demais dezessete Estados cederem recursos. Esse resultado é bastante interessante, pois mostra que, de certa forma, a prática que vem sendo adotada pelo Ministério da Saúde já atende de maneira bastante aceitável às necessidades relativas, ao menos quando agregadas por Estado da Federação.
Uma razão para que os valores encontrados através da metodologia adotada e o efetivamente realizado pelo MS, em 2005, não sejam tão diferentes como se poderia esperar, pode ser explicada pela regra de distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o qual já contempla mais recursos para municípios mais pobres, acabando por fornecer uma base fiscal per capita bastante significativa.
Entretanto, quando se olha para os municípios dentro de cada Estado, percebe-se que a distribuição interna é muito maior que a notada entre as médias destes. Assim, Estados como Rio de Janeiro e São Paulo, os mais ricos do país, concentram grande necessidade de recursos adicionais, especialmente para os municípios das regiões metropolitanas das duas capitais. A maioria dos municípios que circundam a capital fluminense detém grande pobreza e, apesar de terem grandes populações, os recursos obtidos através do FPM são limitados pelo fato de o Estado ser considerado rico; além disso, por serem municípios pobres, muitos dos quais vivendo em função dos serviços oferecidos pela capital, apresentam baixa capacidade de arrecadação fiscal. No caso da região metropolitana de São Paulo, embora muitos de seus municípios sejam ricos e com boa capacidade de arrecadação fiscal, outros são verdadeiros municípios dormitórios, concentrando enormes bolsões de pobreza e elevadas necessidades socioeconômicas, sanitárias e financeiras que dificultam o atendimento de suas necessidades de saúde, o mesmo ocorrendo com a região metropolitana de Belo Horizonte.
Por outro lado, quando se analisa, para o Brasil como um todo, os efeitos da distribuição equitativa sobre os recursos per capita básicos entre os municípios, dos 5.467 investigados (com informações completas), 54,3% deles apresentam um valor per capita proposto superior à média nacional e 45,7% abaixo dessa média (R$ 27,00), mas essa situação parelha não se reproduz a nível regional (ver Tabela 7).
Na região Nordeste, 97,2% de seus municípios apresenta um PAB per capita proposto superior à média nacional, enquanto na região Norte esse percentual é de 88,5%. A situação se inverte nas outras três regiões: no Sul 94,9% dos municípios ficam com valor inferior à média nacional, no Sudeste, 84,7% e no Centro-Oeste 76,1%.
Finalmente, como já afirmado anteriormente, ao se pressupor o recurso total (fixo e variável) do PAB recebido pelos municípios em 2005, sendo distribuído em termos per capita, o presente estudo ignorou a existência de programas/estratégias adotados por eles e assumiu que o município, ao receber os recursos totais, implementaria as estratégias convenientes.
Procedimentos de Média e Alta Complexidade
Diferentemente da base para alocação de recursos adotada para o PAB, representada pelos municípios, para o MAC a base adotada foram os Estados da Federação. A partir do valor per capita destinado ao MAC em 2005, de R$ 86,64, ele foi corrigido sequencialmente conforme os diversos índices propostos pela metodologia.
Antes de se obter qualquer valor per capita, dado haver informações disponíveis, procedeu-se a um primeiro ajuste com base na estrutura etária e da composição populacional por gênero apresentada pelos Estados brasileiros, diante de seus efeitos sobre as necessidades de saúde, conforme consenso na literatura. Com isso, o valor inicial de R$ 86,64 foi corrigido pelo Índice de Correção Populacional por Idade e Sexo (ICIS) obtido (Tabela 10).
A correção seguinte - associada às necessidades socioeconômicas e sanitárias da população - exigiria a aplicação do Indicador de Necessidades Sócio-econômica e Sanitária (INSES). Neste caso, como não há uma unanimidade na literatura sobre como definir essas necessidades para efeito de equidade, a metodologia adotada seguiu a desenvolvida para os procedimentos da atenção básica, ou seja, aqui também foi levada a cabo uma análise fatorial por componentes principais a partir de uma série de variáveis obtidas para os Estados brasileiros.
As variáveis usadas para efetuar as correções apropriadas, que conseguem captar as necessidades socioeconômicas e sanitárias foram: percentual de domicílios com rede de esgoto, com base no Censo Demográfico do IBGE de 2000; percentual de domicílios com rede geral de água, com base no Censo Demográfico do IBGE de 2000; percentual de domicílios com lixo coletado, com base no Censo Demográfico do IBGE de 2000; percentual de domicílios com renda do chefe de família até 1 salário mínimo, com base no Censo Demográfico do IBGE de 2000; taxa de analfabetismo (pessoas com mais de 15 anos que não sabem ler e escrever), com base no Censo Demográfico do IBGE de 2000; média de pessoas por domicílio, com base no Censo Demográfico do IBGE de 2000; percentual de população rural estimada para 2004 pelo IBGE; taxa de mortalidade infantil, estimada com fator correção, para 2004; taxa de mortalidade de 65 e mais anos, estimada com fator correção, para 2004; e taxa de mortalidade de 1 a 64 anos, estimada com fator correção, para 2004 (IBGE, 2009).
Os dados foram obtidos junto ao IBGE (2009) e ao Ministério da Saúde, através do Datasus - Sistema de Informações sobre Mortalidade (Ministério da Saúde, 2009). Os fatores de correção das taxas de mortalidade infantil, de 1 a 64 anos e para 65 e mais anos têm como base a taxa de cobertura, que é a razão entre os óbitos informados e os estimados, sendo o fator correspondente ao inverso da taxa de cobertura.
Diferentemente da sequência utilizada na metodologia aplicada ao PAB, para a obtenção dos fatores de correção por necessidades socioeconômicas e sanitárias, optou-se por gerar o coeficiente de correção a partir da média ponderada dos componentes principais que representem as necessidades desejadas.
Na análise de componentes principais, foram obtidos dois componentes, o primeiro correlacionado com as variáveis socioeconômicas e o segundo com os indicadores de mortalidade, conforme pode ser visto na Tabela 8. Esses dois componentes representam aproximadamente 63,8% e 17,9%, respectivamente, da variância total original (Tabela 9).
A partir desses dois componentes, foi construído um fator de correção, pelas necessidades socioeconômicas e sanitárias (FNSES), para os Estados brasileiros em 2005. O fator composto pela média ponderada desses dois componentes principais utiliza como ponderação o percentual da variância explicada componente a componente. Assim, o fator é dado por:
FNSES = 0,63827 x componente 1 + 0,17944 x componente 2
Para a obtenção do índice de necessidade socioeconômica e sanitária foi inicialmente feita uma transformação linear para fazer o fator obtido variar entre 1 e 2, aplicando-se a seguinte fórmula:
FNSESajustado = (FNSESi - FNSESmínimo) / (FNSESmáximo - FNSESmínimo) + 1
Após ser aplicado à população base, o fator foi posteriormente ajustado proporcionalmente à população total brasileira, permitindo a obtenção do índice de correção populacional por necessidades socioeconômicas e sanitárias (INSES), gerando novo valor per capita corrigido (Tabela 10).
Dando continuidade ao processo de ajustes pelos diversos componentes que permitem comparar populações com diferentes necessidades de saúde e poder proceder a uma alocação equitativa dos recursos federais do SUS para procedimentos de média e alta complexidade com base per capita, buscou-se considerar as diferentes capacidades financeiras que os Estados têm de autofinanciar as ações de saúde.
Tal como adotado para o ajuste desenvolvido para a alocação equitativa de recursos federais para procedimentos da atenção básica, entende-se que Estados com capacidade de arrecadação fiscal per capita mais alta têm melhores condições de atender às necessidades de saúde de sua população em relação àqueles com baixa disponibilidade de recursos fiscais per capita. Como os recursos federais são transferidos aos Estados como forma de complementação, devem ser corrigidos pelos recursos próprios. Para isto optou-se pela receita fiscal disponível per capita como o melhor indicador da capacidade relativa de autofinanciamento dos Estados.
Para calcular o seu índice de necessidade financeira (INF), procedeu-se inicialmente ao cálculo do inverso da relação entre a receita fiscal disponível per capita do Estado e a média nacional. Em seguida, assim como feito no cálculo do indicador de ajuste populacional anterior, fez-se um ajuste para que as relações variassem entre 1 e 2. O fator obtido após ser aplicado à população base foi recalculado para se ajustar proporcionalmente à população brasileira estimada para 2005, obtendo-se assim o índice desejado (Tabela 10).
Como última etapa para se obter uma base adequada à equidade na distribuição dos recursos federais do SUS para procedimentos de média e alta complexidade, considerou-se que alguns Estados prestam serviços a residentes de outros, fazendo-se necessária uma correção de acordo com o fluxo líquido de prestação de serviços entre eles. Esta correção considerou o percentual de referência atendida e recebida na média e alta complexidade, mensurada pela taxa de importação e exportação de pacientes de cada Estado, com base no valor médio da AIH (Autorização de Internação Hospitalar) e APAC (Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade) da população residente, segundo o Datasus do Ministério da Saúde para 2005 (Ministério da Saúde, 2009).
O índice de fluxo de internação hospitalar (IFIH) (Tabela 10a) foi calculado obtendo-se inicialmente um fator que mensura o fluxo líquido nas AIH pagas por local de internação, segundo os Estados da Federação, entre aquelas referentes ao local de internação e aquelas relativas aos residentes nesse mesmo local. Assim, o fator nada mais é que uma proporção, indicando então um valor inferior a 1, que as internações destinadas a procedimentos de média e alta complexidade, pagas aos residentes do Estado em questão são maiores que as internações pagas aos internados no mesmo Estado. Este então seria considerado um usuário de serviços de outros Estados. Já um fator superior a 1 indica ser o Estado prestador líquido de serviços a outros, devendo, portanto, fazer jus a um valor maior na distribuição equitativa de recursos Federais do SUS.
Aplicando-se esse fator à base populacional e ajustando-o proporcionalmente à população total brasileira estimada para 2005 para o País, tem-se o índice de correção pelo fluxo de internações hospitalares para distribuição per capita equitativa dos recursos do SUS, como pode ser visto na Tabela 10a, segundo as necessidades de saúde das populações dos Estados brasileiros.
De modo geral, o ICIS é maior para os Estados da região Sul e Sudeste, entretanto, o Estado da Paraíba se destaca com coeficiente elevado. Tal fato se deve essencialmente à idade média da sua população, a segunda maior do País, inferior apenas à do Estado do Rio de Janeiro.
Já o INSES mostra que os Estados mais carentes em infraestrutura de saneamento e condições sociais são o Piauí e o Maranhão, seguidos pelos Estados da região Norte: Pará, Acre e Rondônia. Do lado oposto, são as unidades da Federação com melhores condições socioeconômicas e sanitárias do País: São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Minas Gerais e Espírito Santo; seguidos pelos Estados da região Sul.
Para entender os índices de necessidade financeira (INF), deve-se observar o papel do Fundo de Participação dos Estados, especialmente quando estes registram as menores populações entre os Estados da Federação, reduzindo significativamente as necessidades financeiras comparativamente aos demais. Assim, os menores INF são encontrados em Roraima, Acre e Amapá, além do Distrito Federal.
Finalmente, em relação à característica do Estado de ser exportador ou importador líquido de prestação de serviços de internação hospitalar para procedimentos de média e alta complexidade, em relação aos demais Estados, destacam-se: o Distrito Federal, que já era esperado ser um fornecedor de serviços, especialmente aos residentes de Goiás, mas que habitam municípios próximos à capital federal, e o Piauí, ao qual surpreendentemente, em 2005, foram pagas cerca de 9% a mais de AIH referentes a internações hospitalares no Estado que para residentes deste local.
Considerando-se todos os índices estabelecidos (que em conjunto corrigiram as diferentes necessidades de saúde para procedimentos de média e alta complexidade) que permitiram a adoção de um procedimento equitativo na distribuição dos recursos federais do SUS (pela aplicação de um valor per capita), destacam-se alguns resultados. Em primeiro lugar, o Piauí e o Maranhão são os Estados com maiores carências relativas, com um valor per capita aproximadamente três vezes superior ao apresentado por São Paulo (menor valor). Em segundo, de modo geral, os maiores valores referem-se aos Estados da região Nordeste e ao Pará, na região Norte. Por fim, os menores valores per capita relacionam-se aos de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Distrito Federal.
Assim, com base em uma distribuição equitativa dos recursos financeiros federais transferidos pelo SUS para procedimentos de média e alta complexidade em 2005 entre os Estados brasileiros, todos os da região Norte, da região Nordeste e Goiás, na região Centro-Oeste, passariam a receber valores superiores aos realizados. Os demais Estados dessa última região e todos os das regiões Sul e Sudeste teriam seus recursos reduzidos, a serem transferidos para os Estados anteriores.
Considerações Finais
Por fim, é possível dizer que, na hipótese de não serem redistribuídos os recursos já recebidos pelos municípios, a aplicação da metodologia proposta resulta em recursos adicionais da ordem de R$ 403,4 milhões, para os valores totais da Atenção Básica em 2005 (Ver Tabela 6).
Já, no tocante aos recursos alocados para a Média e Alta Complexidade, caso seja possível dispor de recursos adicionais, não diminuindo os valores efetivamente recebidos pelos Estados em 2005, a mesma metodologia de alocação equitativa de recursos federais do SUS adotada exige recursos adicionais de R$ 3.207,5 milhões (Ver Tabela 10a).
Em síntese, a alternativa proposta pelo estudo sobre metodologia de alocação equitativa dos recursos federais que abrangesse recursos adicionais corresponderia, em 2005, a um total de R$ 3.610,5 milhões, incluindo os novos recursos para a Atenção Básica e para a Média e Alta Complexidade. Dessa forma, nenhum Estado nem municípios teriam seus valores diminuídos para que a presente proposta de alocação equitativa de recursos fosse implantada.
Recebido em: 15/06/2010
Reapresentado em: 16/05/2011
Aprovado em: 08/06/2011
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Discutindo uma Metodologia para a Alocação Equitativa de Recursos Federais para o Sistema Único de Saúde
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Abr 2012 -
Data do Fascículo
Set 2011
Histórico
-
Recebido
15 Jun 2010 -
Aceito
08 Jun 2011 -
Revisado
16 Maio 2011