Open-access Aprendizagem e formação da consciência histórica: possibilidades de pesquisa em Educação Histórica1

Learning and development of the historical awareness: possibilities of research on History Education

Resumo

Este trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa que vem sendo realizada no âmbito do projeto "Catálogo seletivo e analítico da produção acadêmica sobre o ensino de História no Brasil e em Portugal: contribuições de teses, dissertações e artigos publicados em periódicos para a renovação da prática de ensino de História". A partir de um inventário sobre a trajetória de pesquisas acerca da aprendizagem histórica, o trabalho apresenta reflexões sistematizadas a partir do estudo de um caso relacionado às pesquisas realizadas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE/UFPR). Essas pesquisas admitem a existência do domínio científico da Educação Histórica, cujos substratos teóricos e metodológicos estão referenciados, basicamente, na filosofia da História de Jörn Rüsen, bem como nos princípios da pesquisa qualitativa educacional. Esses substratos teóricos e metodológicos têm fundamentado pressupostos e categorias de um tipo de aprendizagem histórica não referenciada na psicologia, mas relacionada à cognição histórica situada na própria ciência de referência, tendo como base a teoria da consciência histórica e suas relações com a aprendizagem da história. Neste trabalho são apontados alguns resultados obtidos após a análise de teses e dissertações, tais como a função e significado da aprendizagem na e para a Didática da História; aprendizagem histórica e relação com a vida prática; narrativa e aprendizagem histórica, conceitos históricos e aprendizagem histórica, aprendizagem histórica situada e formação de professores, aprendizagem histórica de jovens e crianças. Do ponto de vista da metodologia de investigação, os princípios norteadores dessas pesquisas ancoram-se nos pressupostos dos polos morfológicos, epistemológicos e técnicos da pesquisa qualitativa em educação e na perspectiva da análise documental. Com base em Pimenta (2002), após a análise dos dados, foram sistematizados alguns pontos, levando-se em consideração os seguintes passos da investigação: quem fala, de onde, quando, o que, que procedimentos são apresentados, principais referências teóricas, resultados.

Palavras-chave: aprendizagem histórica; pesquisa em ensino de História; Didática da História

Abstract

This work presents partial results of a research that has been conducted in the project scope - "Selective and analytical catalogue of the academic production on the teaching of History in Brazil and in Portugal: contributions of theses, essays and articles published in periodicals for renewing the practice of teaching History". Considering an inventory of the trajectory of researches on historical learning, the work presents systematized reflections of a case study related to researches conducted within the scope of the Program of Graduation on Education of the Federal University of Paraná - PPGE-UFPR. These researches accept the existence of the scientific command of History Education, whose theoretical and methodological foundations are referenced basically in the philosophy of History of Jörn Rüsen, as well as in the principles of the educational qualitative research. These theoretical and methodological foundations have based assumptions and categories of a type of historical learning not referenced in psychology, but related to the historical cognition located in the very reference science, based on the theory of historical awareness and its relations to the learning of history. In this work, some results achieved are indicated after the analysis of the theses and essays, such as the function and meaning of the learning in and to History Didactics; historical learning and its relation to practical life; historical narrative and learning, historical concepts and historical learning, located historical learning and education of teachers, historical learning of youngsters and children. From the point of view of the investigation methodology, the guiding principles of these researches are anchored in the assumptions of the morphologic, epistemological and technical poles of the educational qualitative research and in the perspective of the documentary analysis. Based on Pimenta (2002), after the data analysis, some points were systematized, taking the following investigation steps into consideration: who speaks, from where, when, what, which procedures are presented, main theoretical references, results.

Keywords: historical learning; research on History teaching; History Didactics

Introdução

O campo de investigação em Educação Histórica vem se definindo com suas especificidades próprias, em diferentes países e também no Brasil. Em artigo denominado Educação Histórica: a constituição de um campo de pesquisa, Germinari (2011) faz uma síntese analítica desse campo de pesquisa, enfatizando a sua importância para o conhecimento das ideias históricas de jovens e crianças e definindo a sua especificidade em relação a outras pesquisas que tomam como objeto o ensino e a aprendizagem da História. Essa especificidade vem sendo apontada também por autores como Rüsen (2010), Barca (2005) e Schmidt (2009) e tem como substrato, principalmente, os fundamentos baseados na epistemologia da História, especialmente na teoria da consciência histórica, bem como nas pesquisas já realizadas sobre essa temática.

De modo geral, tais pesquisas têm sido motivadas pela necessidade da melhoria da qualidade da aprendizagem histórica e, portanto, do ensino de História, dando origem a várias temáticas como possibilidades de investigação. Atualmente, essas investigações podem ser agrupadas em várias tendências, como aponta análise elaborada por Fuentes (2002) sobre estudos realizados em diferentes países. Na mesma direção, a análise de Caimi (2009) indica duas tendências predominantes nas investigações sobre a aprendizagem histórica: a primeira reporta-se aos estudos que essa autora denominou de "estudos de cognição", "que tendem mais para a psicologia cognitiva" e, a outra tendência, "denominado educação histórica, dialoga mais estreitamente com os referenciais da epistemologia da história. (CAIMI, 2009, p. 70). É justamente nas pesquisas referenciadas na epistemologia da História e na perspectiva ruseniana, que toma a consciência histórica como um lugar de aprendizagem histórica (RÜSEN, 2012), que se localiza a produção do Grupo de Educação Histórica da Universidade Federal do Paraná, conforme apontam sistematizações feitas por Germinari (2011) e Fronza (2012), e que serão objeto de análise neste trabalho.

Pesquisas sobre aprendizagem histórica: perspectivas contemporâneas

A preocupação com o significado da aprendizagem histórica na sociedade contemporânea pode ser exemplificada pela relevância que esta questão tomou no contexto da constituição da União Europeia. Em 1994, o tema foi objeto de discussão em um colóquio promovido pela Comissão de Cultura e de Educação do Conselho da Europa e, neste momento, defendia-se que os estudantes europeus deveriam aprender, por meio dos conteúdos de História, a valorizar a compreensão, a tolerância e a confiança entre os indivíduos e os povos. Isto porque, sem o conhecimento histórico, os indivíduos tornam-se mais vulneráveis à manipulação política ou outra. Assim, segundo as determinações do documento do Conselho de Cooperação Cultural (Cdcc), os jovens deveriam adquirir a capacidade intelectual de analisar e interpretar as informações de uma maneira crítica e responsável, de apreender a complexidade dos sujeitos e de apreciar a diversidade cultural. (CONSELHO DA EUROPA, 1996).

Entre as recomendações sugeridas após as discussões neste evento, e que foram sintetizadas por Marc Ferro, está:

Pensar a construção de uma história da Europa que, de um modo ou de outro, leve em conta as diferentes memórias das sociedades (as minorias, os excluídos etc.) e não omita os conteúdos tabus, (os fornos crematórios, os massacres dos Armênios, os dramas da África, etc.). Impõe-se a necessidade de uma colaboração internacional, o que não significa uma escrita da história internacional. (FERRO, 1996, p. 98).

Observa-se que, a partir das determinações da conjuntura europeia, a relevância da aprendizagem histórica passa a ser objeto de discussões em eventos e, simultaneamente, torna-se foco importante das investigações que são realizadas na década de 1990, sob a coordenação e/ou supervisão de historiadores.

No entanto, a preocupação com a aprendizagem da história já vinha sendo posta como um dos focos de investigações realizadas, principalmente, sob a égide das teorias da aprendizagem referenciadas na psicologia. Segundo Fuentes (2002), estas pesquisas sobre aprendizagem histórica passaram por várias fases, desde aquelas influenciadas pela psicologia da aprendizagem e as pesquisas sobre consciência histórica. Essa autora destaca alguns momentos desse percurso, que são: as investigações sobre influência da obra de Jean Piaget, as primeiras pesquisas referenciadas na teoria da própria História e pesquisas sobre consciência histórica.

Do referencial da psicologia para o referencial da História: um percurso das investigações sobre aprendizagem histórica

Para Fuentes (2002), as conclusões dos primeiros estudos sobre a compreensão histórica de crianças, realizados a partir dos preceitos da teoria piagetiana, dentro da psicologia evolutiva, não apontaram muitas saídas para o ensino de História. Como exemplo dessa produção ela cita os trabalhos de Hallan na década de 1970, acerca dos processos cognitivos de adolescentes. A partir de respostas recolhidas entre 100 adolescentes de 11 a 16 anos, o autor estabelece determinados estágios de conhecimento e confirma que o pensamento abstrato formal, em História, é mais tardio do que em Matemática e Ciências Naturais, o que apresenta a História como uma matéria difícil de ser entendida, pois é fora da realidade e da temporalidade do aluno. (HALLAN, 1971). Pesquisas como estas contribuíram para o adiamento do ensino de História em muitos países.

Outros estudos, diz a autora, asseguraram que era possível ensinar História desde o início da escolarização, desde que fossem utilizadas técnicas adequadas que propiciassem a compreensão pelos alunos. Essas técnicas seriam fundamentadas em metodologias ativas e que incitassem a utilização do pensamento dedutivo pelos alunos, despertando o interesse pelo passado, indicando que a relação deles com o conhecimento histórico era menos uma questão de maturidade do que de adequação do ensino.

Na década de 1980 é o momento em que se destaca, na Inglaterra, a figura de Denis Shemilt (2000), um dos mentores do Projeto 13-16. Como fundamentação desse Projeto foi gerada uma série de investigações cujo objetivo era conhecer a trama conceitual que os alunos usam para entender a História, baseando-se na análise de suas reflexões sobre as fontes históricas e a tarefa do historiador, bem como a capacidade que eles têm de transferir o que aprenderam para outros contextos. O instrumento metodológico empregado nesse Projeto foram entrevistas individuais e questionários, numa amostra inicial de 500 estudantes de 24 escolas diferentes. Foram consideradas variáveis de seleção referentes a sexo, capacidade intelectual e status social. O objetivo era verificar se havia a influência de métodos de ensino como determinante para a percepção e compreensão do passado. Por isso foi feito um trabalho de campo, em que se compararam as respostas dos alunos que participavam do Projeto com as de alunos que não participavam, chamado grupo de controle.

Partindo também de uma análise comparativa, Shemilt (2000) produziu um estudo evolutivo das percepções que os alunos apresentavam sobre os eixos que sustentam o estudo do passado, as fontes históricas e a tarefa do historiador. O trabalho de Shemilt comprova a estreita relação que existe entre a visão de História apresentada pelos alunos e a metodologia utilizada pelos professores.

Essas investigações apresentam duas características que merecem destaque. Uma delas é que as categorias norteadoras para a construção dos instrumentos de pesquisa ancoram-se na própria ciência da História. Trata-se, por exemplo, da análise do pensamento histórico dos alunos a partir do contato com as fontes históricas. A outra característica refere-se ao tipo de pesquisa realizada, predominantemente de cunho quantitativo, utilizando estratégias como questionários e entrevistas.

Seguindo a linha de Shemilt, mas na perspectiva da pesquisa qualitativa, estão os trabalhos realizados no final da década de 1980, por Peter Lee (2001), no Instituto de Educação da Universidade de Londres. A partir de suas investigações, esse autor elaborou uma síntese de uma série de estudos que estavam realizando sobre concepções de alunos, como: percepção do passado, evidências históricas e compreensão empática. Seu instrumento metodológico é considerado inovador, pois estimulava os alunos a analisarem uma série de textos, em pequenos grupos, enquanto eram filmados com uma câmara de vídeo. Partindo da análise minuciosa desse trabalho de campo realizado entre 1982 e 1985, estabeleceu níveis de apropriação e compreensão do passado, a partir da interpretação de evidências históricas, encontrando seis níveis diferentes: Nível 1 - Imagens do passado: o aluno se aproxima do passado como se fosse do presente. As evidências são do passado; Nível 2 - Informação: o passado é algo que somente é conhecido pelos especialistas e livros. A evidência é uma informação; Nível 3 - Testemunho: quando há várias fontes e se escolhe o testemunho mais direto; Nível 4 - Cortar e pegar: o aluno pode reconstruir o passado partindo de evidências indiretas; Nível 5 - Evidência em um contexto menor: o passado se deduz a partir das evidências. O historiador deverá interpretar as evidências; Nível 6 - Evidência em um contexto geral: o aluno é capaz de deduzir o passado e demarcá-lo dentro de um contexto histórico.

Outro eixo de investigação também realizada por Lee (2001) é a análise que as crianças fazem sobre o comportamento, os sentimentos e os pontos de vista das pessoas de outras épocas, isto é, sobre empatia. Também realizaram uma categorização em quatro níveis, seguindo uma hierarquia lógica que leva em consideração a capacidade de entender outras realidades afastadas no tempo: Nível 1 - O passado é presente: o aluno julga o passado a partir de sua perspectiva do presente; Nível 2 - Estereótipo: os alunos tendem a compreender as ações e instituições do passado segundo estereótipos convencionais da atualidade; Nível 3 - Empatia diária: os alunos buscam as explicações das atuações em suas próprias experiências, sem apreciar as diferenças entre as suas próprias crenças e as do passado; Nível 4 - Empatia Restritiva: os alunos entendem as ações do passado com relação às situações específicas em que elas se encontravam.

Durante a década de 1980, nos Estados Unidos, o número de investigações aumentou significativamente, principalmente as investigações relacionadas à percepção que os alunos têm do conhecimento histórico, explorando, por exemplo, aspectos ligados às ideias prévias e à dificuldade de compreensão dos conceitos-chaves da História, como mudança, continuidade, causalidade e tempo, bem como a introdução de metodologias alternativas. Um dos trabalhos mais interessantes nesse sentido é o de Levstik (2000), que buscou introduzir alternativas didáticas pelo uso da literatura. Tomou como amostra um grupo do 6º ano, com o emprego de literatura histórica, realizando um estudo baseado na observação participante. Os alunos liam os livros e depois eram feitas entrevistas sobre os marcos históricos em que se situavam os textos, bem como era registrada a opinião dos alunos. As conclusões foram otimistas e indicaram que os alunos melhoraram o conhecimento sobre os temas propostos, mostrando maior interesse pelo passado e pela matéria História. Em sua pesquisa, Levstik concluiu que isso tem a ver com o impacto emocional que os textos proporcionam e com a atuação da professora em sala de aula.

Um dos trabalhos também inovadores dessa época é o de McKeown e Beck (apud FUENTES, 2002). Eles investigaram o conhecimento que um grupo de alunos do 5º ano, que ainda não havia tido o conteúdo Revolução Americana, tinha sobre esse tema e um outro grupo do 6º ano, que já havia estudo esse conteúdo. O objetivo era duplo. De um lado, pretendiam conhecer a percepção que alunos do 5º ano tinham, procurando verificar o peso da informação recebida dos meios de comunicação e da família. De outro lado, o interesse era verificar o que os alunos do 6º ano haviam retido do conhecimento aprendido, como haviam adaptado o novo conhecimento ao conhecimento que já possuíam e se haviam corrigido conhecimentos errôneos que possuíam. Para isso realizaram entrevistas semiestruturadas e construíram mapas conceituais. Como conclusão, afirmaram que o conhecimento de ambos os grupos está caracterizado por associações simples e pela falta de estruturas conectadas entre si, produzindo muitos erros e confusões. Essas pesquisadoras concluíram que, apesar de receberam instruções e mais informações, os alunos ainda apresentaram um conhecimento fragmentado e isso requer que o professor interfira radicalmente no ensino, para que os alunos aprendam a conectar conhecimentos.

Em 1998 foi realizada uma conferência, na Universidade de Carnegie Mellon, a chamada Conferência de Pittsburg, que passou a ser referência para as discussões relacionadas à aprendizagem histórica. O título do encontro era "Ensinar, Conhecer e Aprender História" e contou com a participação, entre outros, de Peter Seixas, Sam Wineburg e Peter Stearns (1999).

Entre os objetivos estavam: promover análise e reflexão sobre as atividades de ensino e aprendizagem que se realizavam na aula e também sobre as bases teóricas da prática docente. Também havia a preocupação em sintetizar propostas para futuras investigações sobre a temática, tais como: revisão do currículo de História universal e sobre as formas de relacioná-lo à História nacional e local; investigações sobre a influência da História escolarizada, dos meios de comunicação e da família nas visões do passado apresentadas pelos alunos; pesquisas sobre a História ensinada na sala de aula; sobre as ideias históricas e das práticas dos professores e a relação com a sua formação. (SEIXAS; WINEBURG; STEARNS, 1999).

Um dos pesquisadores mais importantes desse grupo é Peter Seixas, que tem trazido contribuições sobre estudos relacionados ao conceito de significância histórica (1997) e sobre consciência histórica (1994). Na esteira dos seus trabalhos, pesquisas têm sido realizadas, particularmente sobre o significado que os jovens têm atribuído a determinados acontecimentos do passado e como isso poderá ajudar o professor a compreender as formas de aprendizagem histórica dos adolescentes. Entre outras contribuições de Seixas (1997), estão também os estudos sobre metacognição, ou seja, a importância de se conhecer a maneira pela qual os alunos relacionam novos conhecimentos com os conhecimentos que já possuem e os estudos sobre as relações que se estabelecem no pensamento dos alunos e que dizem respeito aos sujeitos históricos, a empatia, os juízos morais e os sentidos que eles conferem às ações de sua vida prática, a partir do conhecimento histórico adquirido.

O objetivo de Seixas não era estabelecer níveis de significância ou de empatia, mas usar esses elementos para explorar a interação da família e da escola como fontes de conhecimento histórico. Para isso, ele realizou um trabalho de campo em 1991, baseado na observação participante e em entrevistas semiestruturadas, com um grupo de alunos que participavam de uma sala de História oral dedicada a indagar o passado a partir de perguntas a seus familiares. Eram alunos de uma escola secundária de baixo e médio nível socioeconômico e que 75% deles tinham o inglês como uma segunda língua e, portanto, a multiculturalidade era uma realidade.

Partindo da análise das reflexões sobre significância, empatia e dos conhecimentos históricos gerais, ele adverte que é muito relevante o impacto das experiências familiares para percebermos como os alunos entendem a História. Isso se torna um problema quando não se integra ao conhecimento ensinado o conhecimento proveniente do mundo social dos alunos. Por isso ele defende que a escola deve partir do estudo das ideias prévias dos alunos.

Seguindo a mesma linha de Seixas sobre multiculturalidade, Epstein (2009) realizou uma pesquisa sobre a construção de diferentes explicações históricas por parte de alunos com influências sociofamiliares diversas. O objetivo era verificar se, recebendo a mesma formação escolar, alunos de procedências diferentes (afro-americanos ou não) explicavam o passado, considerando acontecimentos e personagens históricos diferentes, e também analisar seus pontos de vista sobre a veracidade e credibilidade das fontes secundárias. Ela constatou algumas diferenças significativas, principalmente no que diz respeito a fontes. Os alunos afro-americanos confiam mais na família para conhecer o passado, apontando razões como "porque eles viveram isso". Ela observou que eles não indicavam nenhuma relação com a História que aprendiam no colégio. Ao contrário, os alunos anglo-americanos consideravam o manual didático como a melhor maneira de saber sobre o passado, porque neles está sempre a verdade, e não consideravam a família como fonte para o conhecimento do passado.

Ainda na esteira dos estudos de Barton e Levstik (2004) fizeram análise da significância da História dos EUA, baseando-se no estudo das percepções de um grupo de alunos de 11 e 17 anos (6º e 9º anos). O objetivo era verificar como os alunos avaliavam o significado da História do seu país e como usam esse conhecimento do passado para criar uma identidade coletiva. Fizeram uma série de entrevistas em pequenos grupos do mesmo sexo, nos quais apresentaram uma série de 20 fotografias sobre acontecimentos históricos diversos. Depois de um tempo para reflexão, incitaram os alunos a analisar as oito imagens que consideravam mais representativas e as que definiam melhor sua visão do passado, para depois colocá-las numa linha de tempo cronológica. Depois da transcrição e catalogação das respostas por temas, os pesquisadores advertiram que as fotografias mais representativas para os alunos eram aquelas ligadas à origem e desenvolvimento dos Estados Unidos como entidade política e social. Eles concluíram que há grande influência do meio sociofamiliar e cultural, o que pode entrar em contradição com a História escolarizada, provocando uma falta de compreensão e uma aprendizagem parcial e pouco significativa.

Pesquisas sobre aprendizagem histórica e consciência histórica

No final da década de 1980, ao fazer um balanço sobre a relação entre a História e a Didática da História na Alemanha, Rüsen (2010) indica quatro questões que, à época, se colocavam como temáticas importantes para a investigação na área do ensino de História e, especificamente, para as relações com a aprendizagem histórica: a metodologia do ensino, as funções e usos da história na vida pública, o estabelecimento de metas para a Educação Histórica nas escolas e a verificação se estas têm sido atingidas, e a análise geral da natureza, função e importância da consciência histórica. Atualmente, discussões sobre essas temáticas têm norteado o desenvolvimento de pesquisas no campo da Educação Histórica em vários países. Cabe destacar aqui, como exemplo, as investigações de Barca (2011) sobre a avaliação da aprendizagem em História.

Em artigo publicado acerca do ensino de História na Alemanha unificada, Jung e Staehr afirmam que "Los años 80 se caracterizaram por un acercamiento entre los didactas de la historia mas progressistas y los más conservadores. Esta aproximación cristalizó en la aceptación generalizada de la categoría de 'consciencia histórica' como categoría central de la didáctica de la historia". (JUNG; STAEHR, 1998, p. 138). A partir desse momento, a categoria "consciência histórica" passou a ser entendida como competência subjetiva do pensamento histórico e também como objeto de conhecimento. Ademais, tendo como referência os trabalhos de Jörn Rüsen, a categoria "cultura histórica" foi introduzida nos debates sobre a Didática da História. (JUNG; STAEHR, 1998, p. 133-148).

Uma das principais investigações realizadas no mundo europeu, tendo como referência a categoria da consciência histórica, foi a pesquisa Youth and History - A comparative European Survey on Historical Consciousness and Political Attitudes Among Adolescents. (ANGHVIK; BORRIES, 1997). Cabe observar que o projeto Jovens e a História foi uma pesquisa de natureza quantitativa, realizada em 27 países da Europa, incluindo Israel e Palestina, com cerca de 32.000 jovens, com idade entre 14 e 15 anos, entre os anos de 1994 e 1995. Trata-se de pesquisa com objetivos e questões definidas e acordadas entre pesquisadores dos diferentes países, predominantemente relacionada ao contexto da constituição da União Europeia. Foram selecionados 27 países: Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Estônia, Lituânia, Rússia, Ucrânia, Polônia, Hungria, República Checa, Eslovênia, Croácia, Bulgária, Grécia, Turquia, Israel, Comunidade da Palestina, Portugal, Espanha, Itália, Tirol (Sul-Italiano), Alemanha, Grã-Bretanha-Escócia, França, Holanda, cada um com um coordenador responsável. A realização e análise dos dados ficaram a cargo dos representantes de cada país e a sistematização em publicação ficou sob a responsabilidade dos principais coordenadores da pesquisa, o norueguês Magne Angvik e o alemão Bodo von Borries.

A presença de diferentes países da Europa e do Oriente Médio encontrava justificativa na necessidade de se aferir, a partir da teoria da consciência histórica, questões relacionadas à orientação no tempo e aceitação de diferenças culturais, tolerância, em contextos de países influenciados por conflitos de todos os tipos. Ademais, face aos interesses e demandas da constituição da União Europeia, era fundamental verificar se e como a categoria supranacional de Europa está presente e/ou como estava presente na consciência histórica destes jovens. A inclusão de países europeus orientais pós-socialistas (Bulgária, Lituânia, Estônia, Ucrânia, Rússia), bem como de países da Europa central pós-socialista (Hungria, Eslovênia, Croácia, Polônia e República Checa), teve intrínseca relação com a finalidade de se investigar as diferenças que estes jovens tinham (ou não) em relação ao passado socialista, bem como entre eles e os outros jovens investigados.

Entre as conclusões aferidas após análise comparativa dos dados obtidos pela investigação realizada em jovens de 28 países europeus, algumas proposições para futuras pesquisas merecem destaque(Quadro 1):

Quadro 1:
Proposições para futuras pesquisas sobre aprendizagem e formação da consciência histórica

A partir dessa pesquisa de natureza quantitativa, outras investigações, de natureza qualitativa, passaram a ser realizadas, em diferentes países, como as pesquisas que procuravam investigar as ideias de jovens e crianças com relação à História.

Nessa direção, um dos trabalhos pioneiros, publicado em língua portuguesa, é a pesquisa de Isabel Barca (2001) sobre os significados que os jovens portugueses dão à "explicação provisória em História". Tendo como referência a filosofia da História, a autora teorizou sobre os critérios de avaliação explicativa, como a consistência explicativa baseada nas ideias de evidência e plausibilidade, além do conceito de objetividade histórica

A historiadora partiu de uma hipótese a priori pensada em termos de "um modelo de categorização de ideias", o qual defende, por meio de três níveis principais, vindo "desde um enfoque na verdade da explicação até ao reconhecimento de uma explicação equilibrada e perspectivada". (BARCA, 2000). Constatou que a análise de dados revelou uma variedade muito mais complexa e diferente de pensamentos e construtos históricos do que o modelo proposto inicialmente.

Durante o processo de categorização das ideias acerca da provisoriedade da explicação histórica, Barca se apropriou das considerações advindas da Filosofia da História, a qual possibilitou que incorporasse critérios de avaliação explicativa, tais como a consistência explicativa, baseadas nas ideias de evidência e plausibilidade, e das discussões relativas à objetividade em História.

Em consonância com as investigações realizadas em diferentes países, a partir de 2000, o grupo de Educação Histórica do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná passou a desenvolver pesquisas que deram origem a dissertações e teses, as quais serão tomadas como fontes, no período entre 2002 e 2014, para a sistematização das ideias propostas neste trabalho. Cabe destacar que há outros grupos no Brasil que têm desenvolvido trabalhos e pesquisas sobre estas temáticas em outros programas de Pós-Graduação.

Temáticas, questões e possibilidades no presente: estudo do caso da PPGE/UFPR

A análise do momento fundador da apreensão da categoria "consciência histórica" como norteadora de projeto de extensão no âmbito do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH), da UFPR foi apontado por Garcia (2008). Nesse trabalho, a autora afirma que "O primeiro artigo em que se utilizou o conceito de consciência histórica na perspectiva de Jörn Rüsen, para examinar os resultados das investigações em andamento, foi apresentado em Birmingham-UK (2001) com o título Histórias da cidade como iluminadoras da formação da consciência histórica de crianças brasileiras." (GARCIA, 2008, p. 127).

Como plano de trabalho de suas investigações de pós-doutorado, realizado na Universidade Nova de Lisboa, Schmidt (2002) fez uso do conceito histórico sociológico de juventude e articulou essa ideia com investigações do cotidiano escolar e a consciência histórica de jovens alunos portugueses e brasileiros, utilizando observações de aulas e questionário, tendo como orientação o projeto Youth and History. (BORRIES; ANGVIK, 1997). Foram analisadas as respostas de 179 estudantes brasileiros e portugueses com 15 a 17 anos de idade. Como resultado da investigação foi detectado que os jovens brasileiros, assim como os europeus, entendem que o conhecimento histórico diz respeito à compreensão de sua realidade. Ademais, para esses sujeitos, ela é "[...] fonte de emoções e aventuras que fascina e estimula a imaginação". (SCHMIDT, 2002, p. 199-200). A perspectiva historicista baseada na identidade nacional também está muito presente na consciência histórica desses jovens, pois também é a visão presente na cultura escolar, seja na forma de currículos e livros didáticos, seja nas aulas dos professores.

Partindo do pressuposto básico de que a consciência histórica é o lugar da aprendizagem, as investigações têm tido a preocupação com questões que envolvem a definição, a conceituação, a elaboração, investigar as funções, abordar as condições, forças motrizes e consequências das ideias históricas presentes na cultura escolar, seja nas ideias de professores e alunos, seja em outros lugares da cultura escolar, como os manuais didáticos.

Desde então, os trabalhos que vêm sendo realizados pelos investigadores ligados ao LAPEDUH constituem um conjunto diversificado de produtos, os quais podem ser incluídos em diferentes situações de investigação. Um conjunto de produtos deriva de situações particulares de investigações que envolvem, principalmente, séries sistematizadas de reflexões e especulações acerca de determinados objetos relacionados ao ensino de História, como a análise das ideias históricas de alunos e professores, bem como de suas relações com as ideias históricas em currículos e manuais didáticos. Desse conjunto fazem parte vários trabalhos realizados, alguns publicados e outros em fase de publicação, produzidos por professores de História do Ensino Fundamental e Médio, do Paraná, que constituem o Grupo de Educação Histórica do LAPEDUH. Estes trabalhos foram publicados em Anais de simpósios nacionais da Associação Nacional de Professores Universitários de História (ANPUH), no encontro nacional "Perspectivas do Ensino de História', no Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História (ENPEH), nos Seminários Brasileiros de Educação Histórica e no Congresso Internacional Jornadas de Educação Histórica.

Nesta mesma direção, emerge uma outra situação, na qual podem ser contextualizados os trabalhos produzidos a partir de esforços intencionais de investigação, que supõem uma adequação teórica e metodológica, uma delimitação de campos e objetos de pesquisa, bem como uma finalidade em termos de sua significância social na área educacional. Exemplos dessa produção podem ser encontrados nas dissertações e teses produzidas no âmbito da Linha de Pesquisa Cultura, Escola e Ensino, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná.

Indica-se, aqui, a pertinência de investigações "em escolas", as quais têm como objeto o "ensino de" e, portanto, pautam-se no repertório da ciência de referência e seu ensino específico, mas também encetam um diálogo mais próximo com perspectivas teórico-metodológicas empíricas da pesquisa educacional, como aquelas de cunho antropológico e sociológico. Tais investigações podem contribuir, na opinião de Cuesta Fernandez (1997, 1998), para ajudar a compreender a construção do "código disciplinar" da História, apreendido a partir de pesquisas e reflexões acerca de como os "textos visíveis" como currículos e manuais, bem como os "textos invisíveis", tais como as ideias e as práticas culturais de jovens e crianças, se concretizam em experiências escolares, tendo como referência o estado atual da ciência e sua relação com os modos de educar de cada sociedade e suas múltiplas determinações.

Os resultados dessas investigações indicam a opção pelo campo da Educação Histórica, mas com o foco preciso nas situações de escolarização, por exemplo, em estudos na sala de aula, tornando-a o centro de referência para estudos como os de currículo e eficiência do ensino e da aprendizagem e também procurando os processos que têm lugar na sala de aula. Algumas referências para o estudo dos processos de escolarização e das relações dos sujeitos com o conhecimento em situações de escolarização estão pautadas nas propostas da pedagogia de Freire (1984) e no campo da sociologia da experiência, particularmente os trabalhos de Dubet e Martuccelli (1998) e Charlot (2000). Esses trabalhos tratam de investigações que englobam temáticas como relações de gênero e ensino, questões de identidades e ensino, exclusão/inclusão e ensino, bem como a especificidade das relações dos sujeitos com o conhecimento escolar, na dimensão da cultura e da sua relação com os processos de escolarização.

Os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos propõem um diálogo com as metodologias de investigação qualitativa, na área educacional. Nessa direção, orientam-se, principalmente, em dois pressupostos. O primeiro deles parte da referência à investigação de natureza qualitativa, enquadrando-se na perspectiva de Eisner (1998), da "indagação qualitativa". Para esse autor, a "indagação qualitativa" procura entender o que os professores e os alunos fazem e os grupos em que trabalham, bem como trabalham. Assim, segundo Eisner, para se alcançar esses objetivos, "[...] é necessário prestar atenção às escolas e às aulas, observá-las e utilizar o que vemos como fonte de interpretação e valoração". (EISNER, 1998, p. 28). O segundo pressuposto baseia-se na perspectiva da "construção social da escola" (ROCKWELL, 2011) e, por isto, a escola passa a ser considerada o lugar de onde partem as perguntas iniciais das atividades e investigações, como: o que acontece em aulas de História? Como ocorrem as mudanças? Como se processa ali o ensino? Que tipos de relações os sujeitos estabelecem com o conhecimento histórico? Quais são ou como professores e alunos elaboram a sua compreensão sobre as ideias históricas? Que significados o conhecimento histórico tem para os sujeitos envolvidos no processo ensino/aprendizagem? Como jovens e crianças reagem aos processos de produção do conhecimento histórico? Qual o resultado do conhecimento histórico na formação da consciência histórica de jovens e crianças?

A partir destes pressupostos, algumas investigações que vêm sendo realizadas pelo Grupo de Educação Histórica do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR podem ser agrupadas nas seguintes temáticas (Quadro 2):

Quadro 2:
Relações entre as finalidades do ensino de História e a formação da consciência histórica

Os trabalhos de Medeiros foram as primeiras investigações realizadas sobre esta temática. Em sua dissertação de mestrado - Jovens incluídos, consciência histórica e vazio pedagógico: um estudo de caso - Medeiros (2002) investigou o nível de interesse no conhecimento histórico, de jovens do Ensino Médio, de uma escola privada, na cidade de Curitiba, PR. Um dos aspectos apontados em seus resultados foi uma ruptura entre o que os jovens aprendiam na escola e o que eles viviam em sua vida prática, caracterizando o que o pesquisador denominou de "vazio pedagógico". Já no trabalho de doutorado - A formação da consciência histórica como objetivo do ensino de História no Ensino Médio: o lugar do material didático -, Medeiros (2005) aprofundou a sua análise, cruzando elementos da proposta curricular e o material didático adotado na mesma escola, no sentido de suscitar novas questões e indagações sobre o conhecimento histórico escolar e as suas possibilidades para a formação da consciência histórica.

As relações entre ensino de História, formação da consciência histórica e cidadania foram objeto de análise na dissertação de Furman (2006) - Cidadania e Educação Histórica: perspectivas de alunos e professores do município de Araucária-PR. A partir de uma revisão do conceito de cidadania e do diálogo entre Paulo Freire e Jörn Rüsen, ele investigou a ideia que 966 jovens alunos do quarto ciclo do Ensino Fundamental (8º e 9º anos) tinham sobre cidadania, aplicando questionário com perguntas semiestruturadas. Os resultados apontaram que, apesar dos diferentes significados que os jovens atribuem a esse conceito, predomina uma relação forte entre cidadania e laços de sociabilidade. Ao contrário, entre os seus professores, predominou a ideia de cidadania como participação política e conquista de direitos humanos.

Germinari (2010), tomando como pressuposto a relação entre a natureza da consciência histórica e as funções e finalidades do ensino de História, investigou manifestações da consciência histórica de 126 jovens de 14 a 19 anos, da periferia de Curitiba, PR, em sua tese de doutorado - A história da cidade, consciência histórica e identidades de jovens escolarizados. Um dos resultados da investigação foi a existência de contradições entre a consciência histórica dos jovens relacionada à sua vida prática, matizada pela presença do desenraizamento e do convívio com a violência, e a forma pela qual eles se relacionam com o passado da cidade de Curitiba, a partir dos conteúdos aprendidos na História escolar. Na narrativa apresentada em propostas curriculares das escolas, ele detectou a forte presença de elementos do discurso oficial produzido em cima do mito de Curitiba como cidade de primeiro mundo e modelo de urbanismo.

As temáticas ligadas às ideias históricas dos professores, à aprendizagem histórica e o currículo têm como investigadores Henrique Rodolfo Theobald (2007), André Luiz Baptista da Silva (2011), Thiago Augusto Divardim de Oliveira (2012) e Marilu Favarin Marin (2013). O primeiro (THEOBALD, 2007) investigou como a consciência histórica dos professores de História pertencentes ao Grupo Araucária2 se relaciona com o currículo construído historicamente por esse mesmo grupo de professores historiadores (Quadro 3).

O segundo (SILVA, 2011) pesquisou sobre o significado dado à aprendizagem histórica por professores do Grupo de Araucária, quando o relacionam com o conhecimento que ensinam. Oliveira (2012) analisou as concepções de aprendizagem de professores de História, a partir do estudo de um caso específico. Tendo como referência a teoria de aprendizagem fundamentada na perspectiva da formação da consciência histórica, seus resultados apontaram, entre outras questões, a importância da categoria práxis na e para a análise da prática de professores.

Marin (2013), ao analisar percursos históricos de Laboratórios de Ensino de História que se constituíram em algumas universidades brasileiras e a experiência da Associação de História de Portugal, procurou evidenciar de que maneira as concepções de aprendizagem e, portanto, de ensino de História, fundamentavam ações realizadas pelos diferentes laboratórios. Ademais, seus resultados apontaram para a relevância de se explicitar essas relações, para o desenvolvimento de ações relacionadas à formação continuada de professores.

Quadro 3:
Consciência histórica, ensino de História e formação de professores

Os conceitos substantivos ou conceitos históricos, segundo Lee (2005) e Rüsen (2007), são encontrados quando lidamos com tipos particulares de conteúdos históricos e estão envolvidos em qualquer História, qualquer que seja o conteúdo. Como eles fazem parte do conteúdo ou substância da História, podem ser chamados de conceitos substantivos. Nesta perspectiva, pode-se afirmar que a aprendizagem dos conceitos históricos ou conceitos substantivos, relativos aos conteúdos ensinados, é de grande relevância na formação da consciência histórica. Assim, investigar de que forma estes conceitos ou conteúdos estão presentes na cultura escolar, seja sob a forma de "textos visíveis", tais como nos manuais didáticos e currículos, bem como nos "textos invisíveis", como as ideias de alunos e professores, pode contribuir para desvelar e melhorar o ensino de História.

A pesquisa encetada por Castex (2008) indica possibilidades de se entender a natureza da consciência histórica de jovens alunos do 9º ano de uma escola pública e uma escola privada. A autora, em sua dissertação e utilizando a metodologia da pesquisa qualitativa por meio de observações em escolas e análise documental, pesquisou como a ideia de Ditadura Militar Brasileira (1964 a 1984) estava presente na consciência histórica dos jovens e como as duas professoras, das respectivas escolas, expressavam suas ideias a esse respeito, em suas aulas. Cotejando com a produção historiográfica sobre o tema, a autora constatou que, na historiografia, a Ditadura Militar Brasileira está presente na forma da interpretação ligada às ideias de ação política e conjuntural, relacionadas à falta de compromisso com a democracia, enquanto nas narrativas dos professores, dos jovens e professores investigados, bem como nos manuais didáticos utilizados pela escola, prevalece a memória baseada nas ideias de vitimização. Esses resultados apontam para a relevância do levantamento das ideias prévias dos jovens estudantes e que os professores, em sua formação, deveriam ter acesso às diferentes interpretações historiográficas sobre a Ditadura Militar Brasileira.

Também no intuito de entender as ideias históricas de jovens alunos, Sobanski (2008) investigou a natureza da consciência histórica de jovens brasileiros e portugueses do 9º ano, acerca da ideia de África. Um dos resultados da investigação foi que, em ambos países, predomina uma consciência histórica tradicional, sendo que, entre os jovens portugueses, há menos relações com o passado dos africanos do que entre os jovens brasileiros, apesar de que, entre estes últimos, ainda predominam ideias matizadas pela historiografia antropológica dos anos 1930 e, minoritariamente, elementos de uma visão mais culturalista, ligados à diáspora africana e à formação de uma identidade nacional a partir da cultura africana.

A natureza, função e importância da consciência histórica, relacionadas aos valores atribuídos por jovens alunos à sua religiosidade, foi objeto de investigação de Nechi (2011). Além de investigar os significados que 172 jovens alunos e 4 professores de História de uma escola confessional católica atribuem às ideias de religião e religiosidade quando estudam História, ele analisou a forma pela qual eles se relacionam com o conteúdo religião que está presente no manual didático que usam. Um dos resultados obtidos foi que os jovens não conseguem atribuir significados entre o que eles aprendem sobre a religião dos povos, nas aulas de História, e sua própria religiosidade na vida prática. Finalmente, as investigações de Bertolini (2011) sobre o conteúdo Islã em manuais didáticos e sua relação com reformas curriculares, em uma perspectiva diacrônica e sincrônica, sinalizou para a permanência, em longa duração, de determinadas abordagens que privilegiavam muito mais visões religiosas e políticas, do que outras, como abordagens culturais (Quadro 4).

Quadro 4:
Aprendizagem dos conceitos substantivos e formação da consciência histórica

Na esteira do pensamento ruseniano assume-se o indicativo de que a consciência histórica pode ser analisada como um conjunto de operações mentais do pensamento histórico. Este pressuposto indica as possibilidades de investigar os conceitos de segunda ordem (LEE, 2005), tais como empatia, significância, orientação temporal, narrativa, intersubjetividade, interculturalidade, explicação histórica e evidência, como indicadores dos processos ou estratégias que conformam o pensamento histórico ou consciência histórica.

As investigações realizadas por Gevaerd (2009) tiveram como objeto precípuo analisar os tipos de narrativa histórica sobre a História do Paraná presentes nos elementos da cultura escolar, tais como manuais didáticos e currículos, ancorada na metodologia da pesquisa qualitativa e na análise de conteúdo. Ademais, a pesquisadora adotou as estratégias de observação de aulas e análise de narrativas produzidas por 30 jovens do 6º ano. Uma das conclusões do trabalho foi de que, apesar da narrativa não ser uma categoria presente na relação ensino e aprendizagem do professor observado, permanece uma convergência entre a narrativa dos manuais, centrada numa perspectiva tradicional da historiografia paranaense, a narrativa dos professores e a dos alunos.

Com o objetivo de estudar como se desenvolve o conceito de segunda ordem da empatia histórica, Rosário (2009) investigou a relação entre as ideias históricas dos jovens da periferia de Curitiba e a cultura juvenil ligada ao Hip hop. Por meio do conceito de empatia histórica, em uma pesquisa empírica qualitativa, realizada com alunos de uma classe do 9º ano do Ensino Fundamental, Rosário constatou dois fatores na relação empática histórica entre os jovens e o passado: em primeiro lugar, a cultura juvenil da periferia é marcada pela experiência do sofrimento e, em segundo lugar, o Rap é uma forma de explicitação e denúncia desses sujeitos em relação à exclusão social e à violência contra afrodescendentes e pobres. Na investigação, a empatia histórica mobilizou uma relação identitária crítica ao status quo dominante nas sociedades urbanas do ocidente.

Compagnoni (2009) investigou narrativas produzidas por 43 jovens do 5º e 6º ano, após uma "aula visita" ao museu. A partir da análise dessas narrativas, esse pesquisador constatou a melhoria do pensamento histórico dos alunos no que diz respeito à produção de inferências e estabelecimento de empatia em relação aos sujeitos do passado.

O trabalho de Fronza (2012) teve como foco investigar a consciência histórica de jovens estudantes em várias regiões do Brasil, com o intuito principal de verificar as relações estabelecidas entre intersubjetividade e verdade histórica, a partir da leitura de histórias em quadrinhos com conteúdos históricos. A partir dos resultados apresentados, o autor concluiu que as respostas dos alunos revelaram ideias sobre verdade histórica e intersubjetividade que ajudaram a construir alguns critérios para a constituição de uma aprendizagem histórica pautada em princípios humanistas.

A preocupação com o significado que professores de História atribuem ao passado e sua influência na escolha de manuais didáticos foi objeto de investigação de Santos (2013). Levantando dados quantitativos e qualitativos em investigação realizada com os professores, Santos concluiu que o significado que eles atribuem ao passado tem grande influência na escolha de conteúdos e metodologias para o ensino de História.

Em seu trabalho, Gusmão (2014) analisou textos visíveis do código disciplinar da História, representados pelas propostas curriculares do Ensino Médio a partir de 1999 a 2006. Tomando como recorte a categoria da orientação temporal, a autora identificou a presença da perspectiva temporal braudeliana em todos os documentos, explicitada pela sugestão metodológica de se trabalhar com os conteúdos a partir das ideias de curta, média e longa duração do tempo. (Quadro 5)

Quadro 5:
Aprendizagem dos conceitos de segunda ordem e formação da consciência histórica

Considerações finais

De um lado, observa-se que estas investigações apontam para uma estreita ligação entre a cultura histórica e o processo de escolarização, representado pelos elementos constitutivos da forma escolar e, portanto, da cultura escolar. Neste sentido, novos e velhos objetos presentes em investigações acerca do "ensino de" passam a ser abordados à luz de outros referenciais teóricos e metodológicos. De outro, acompanhando o novo percurso das pesquisas que vêm sendo realizadas sobre consciência histórica e aprendizagem, pode-se inferir, objetivamente, uma mudança dos fundamentos e pressupostos da aprendizagem histórica para os referenciais da ciência da História, em detrimento aos referenciais da aprendizagem antes demarcados pela psicologia.

No contexto dos trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Educação Histórica do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, constou-se um conjunto multiperspectivado de temáticas de investigações, tais como aquelas relacionadas às questões que envolvem a consciência histórica como ponto de partida e de chegada da aprendizagem e do ensino de História; análises das ideias históricas de alunos e professores e também das histórias de segunda ordem presentes na consciência histórica dos sujeitos, dos manuais didáticos e dos currículos.

Ademais, adotar como referencial a teoria da consciência histórica para investigações em espaços de escolarização, considerados não somente como espaços de reprodução, mas também de produção do conhecimento, pressupôs a ênfase na metodologia qualitativa da investigação educacional, em abordagens antropológicas e/ou sociológicas, não descartando a necessidade de abordagens históricas para se entender a historicidade, por exemplo, da própria ideia de aprendizagem.

A adoção desta perspectiva de investigação em Educação Histórica inclui, portanto, novas problemáticas e novas abordagens de pesquisas no que se refere, principalmente, à análise dos processos, dos produtos e da natureza do ensino e aprendizagem histórica em diferentes sujeitos, bem como os significados e sentidos dados a estes processos. Por exemplo, as investigações acerca da consciência histórica. Ademais, eles indicam, fundamentalmente, que a investigação em Educação Histórica há que levar em conta uma séria reflexão sobre a natureza do conhecimento histórico e seu papel como ferramenta para análise da sociedade e como recurso para a construção da consciência histórica e, portanto, como formação para a cidadania.

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  • 1
    Pesquisa financiada pelo Edital Universal (2014-2017), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Ministério da Ciência e da Tecnologia.
  • 2
    O Grupo Araucária é um conjunto de professores pesquisadores que, desde 1990, são articulados às dimensões da Secretaria Municipal de Educação, do sindicato e da universidade. Este grupo de professores se encontra institucional e regularmente para produzir estudos, assessoramentos e investigações - estas realizadas em suas respectivas turmas -, que são publicados nos seminários e encontros nacionais ou internacionais sobre o ensino de História. (THEOBALD, 2007).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2016
  • Aceito
    27 Mar 2016
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