Open-access Le sens du placement: ségrégation résidentielle et ségrégation scolaire

POUPEAU, F.. ; FRANÇOIS, J. C.. Le sens du placement: ségrégation résidentielle et ségrégation scolaire.Paris: Raisons d’Agir Éditions, 2008.

A pesquisa sobre os determinantes socioespaciais da mobilidade dos alunos entre escolas parisienses de centro e periferia e a diferenciação social das práticas de definição de instituição de ensino1, realizada por Franck Poupeau e Jean-Christophe François (2008), oferece interessantes elementos de reflexão sobre as relações entre segregação residencial e escolar, bem como sobre a movimentação dos estudantes no interior do sistema de ensino público e a produção de desigualdades.

O estudo concebe o espaço como uma construção social e, ao mesmo tempo, como princípio estruturante das práticas sociais. As escolas se situam em espaços de concorrência, caracterizados como hierárquicos e desigualmente acessíveis, visto que escolas consideradas de prestígio se situam habitualmente em bairros “emburguesados” e, portanto, financeiramente valorizados. A análise dos dados obtidos por meio da pesquisa procura identificar as diferentes estratégias de escolarização adotadas pelas famílias nesse espaço de concorrência.

Para estudar a movimentação dos estudantes, Poupeau e François adotam dois conceitos fundamentais: “evaporação” e “condensação” dos alunos. A evaporação se refere à situação de “evitamento”2 dos alunos das escolas locais de origem, definidas por meio do Mapa Escolar. E a condensação se refere à concentração de alunos em escolas públicas consideradas atrativas, diferentes das definidas pelo Mapa Escolar. Para a realização do cálculo que deu origem à definição de concentração, ou não, de estudantes em relação ao zoneamento, os autores utilizaram dados de matrícula em comparação com o número de crianças residentes na região.

“L’évaporation” des élèves désigne le cas où les élèves scolarisés sont moins nombreux que les enfants résidents, tandis que la “condensation” désigne le phénomène inverse - et il peut y avoir, en certains lieux, beaucoup plus d’élèves qu’il n’y a d’enfants résidents. (POUPEAU; FRANÇOIS, 2008, p. 38)3.

O estudo demonstra que não há uniformidade nas práticas assumidas pelas famílias em relação à definição de escola para matricular os filhos, no caso de procurarem a isenção do Mapa Escolar. Tampouco há consenso entre as avaliações que as famílias fazem das instituições de ensino. A visão da família sobre a escola local é diferente se ela está em situação de evitamento da escola, ou não, pois seu posicionamento reflete a racionalidade embutida e os critérios utilizados para a sua tomada de decisão.

Há múltiplas variáveis que contribuem para a compreensão sobre a movimentação dos alunos, que foram inseridas em uma modelagem estatística a fim de avaliar a importância relativa de cada uma para a explicação do fenômeno. Os autores ressaltam que as mesmas variáveis e relações não são igualmente significativas para todos os grupos e situações. De uma maneira geral, as análises indicaram que quanto mais variáveis espaciais são integradas ao modelo, mais se reforça a importância das variáveis sociais. Embora os autores indiquem a realização de análises quantitativas e apresentem o conjunto das variáveis selecionadas, o livro não apresenta os dados e não explora os resultados.

François e Poupeau verificaram que há impacto relevante do contexto socioespacial nas oportunidades escolares - ainda que as variáveis sociais sejam mais significativas do que as espaciais, estas produzem impactos importantes nos resultados. Isso implica em reconhecer que “[...] la localisation des élèves influence non seulement l’accessibilité physique aux établissement mais aussi l’accès à l’information, redoublant ainsi la distance sociale avec le système scolaire4 (POUPEAU; FRANÇOIS, 2008, p. 109). Esta influência sobre as condições de acesso físico às informações é tão significativa que mesmo famílias pertencentes ao mesmo grupo socioeconômico, como a classe média, por exemplo, apresentam práticas diferentes de definição das escolas quando estão em configurações espaciais distintas.

O fenômeno de evaporação foi constatado mais fortemente nas regiões mais favorecidas, o que pode ser considerado um dado que revela uma situação bastante “contra intuitiva”, mas indica que os alunos de famílias com melhores condições econômicas e culturais possuem mais oportunidades para buscar escolas consideradas de prestígio. Verificou-se, portanto, que há uma propensão desigual entre os diferentes grupos sociais tanto na decisão de evitamento quanto na solicitação de isenção oficial do Mapa Escolar.

De acordo com os autores, o evitamento muitas vezes é mais estimulado pela percepção de que outras famílias que buscam escolas consideradas de prestígio ficam em situação de vantagem perante as demais, do que pela análise de dados objetivos sobre as condições e os resultados das escolas. Por meio de questionários submetidos às famílias, os pesquisadores concluíram que “[...] la population en situation d’évitement se préocupe d’avantage de la ‘carrière scolaire’ de l’ enfant5 (POUPEAU; FRANÇOIS, 2008, p. 77).

Nos bairros mais desfavorecidos e socialmente mais homogêneos esse fenômeno de evaporação é mais fraco, ou seja, as famílias evitam menos matricular seus filhos nas escolas locais. As famílias desfavorecidas demonstram consciência sobre a existência de um mercado escolar e do valor desigual das escolas, mas não se sentem capazes de seguir os procedimentos necessários para receber a autorização de isenção do Mapa Escolar.

A análise dos mecanismos de evitamento construída por Poupeau e François parece exprimir uma recomposição dos grupos sociais melhor dotados de capital cultural e de suas estratégias de reprodução na sua relação com a escola, uma vez que esses grupos são também os mais aptos a converter o investimento das famílias no processo de escolarização dos filhos, em busca das escolas mais valorizadas.

Os pesquisadores consideram que foi possível perceber uma revalorização também do capital econômico como princípio de diferenciação socioespacial das práticas de definição da escola, o que confirma a ideia de que o efeito da posição da família em um entorno específico varia segundo a categoria social de pertencimento. Assim, famílias pertencentes a diferentes grupos e residentes nos mesmos espaços tendem a agir de forma distinta em relação à escolha da escola - sendo que as famílias mais favorecidas demonstram maior tendência a evitar as escolas locais e buscar vagas em escolas de maior prestígio do que as demais famílias.

Dans le cas spécifiquement étudié des collèges parisiens, le sens du placement renvoie à plusieurs types de mobilité selon les configurations de secteurs de recrutement et de voisinages dans lesquels se trouvent les différentes catégories d’élèves. Si la mobilité constitue une forme de capital [Kaufman, Bergman et Joye, 2004], il s’agit donc d’un capital inégalement reparti [...].6 (POUPEAU; FRANÇOIS, 2008, p. 151-152).

Nesse caso, a mobilidade pode ser entendida como capital, visto que abre oportunidades que não estariam presentes sem ela. A mobilidade analisada é aquela que possibilita o acesso a escolas de prestígio, às quais o aluno, cuja família aceita a indicação feita pelo Mapa Escolar e a matrícula na escola local, não tem acesso. Tendo em vista que seria impossível garantir que todos os estudantes pudessem se matricular em escolas de prestígio, essa prática contribui para o acirramento das desigualdades de oportunidade de acesso à educação de qualidade, já que é um comportamento mais presente nos grupos sociais favorecidos.

Poupeau e François ressaltam que o sentido da definição da escola não consiste apenas em se “colocar bem” nos melhores estabelecimentos, mas em se colocar em seu “nível social suposto” e seu “futuro escolar provável”, numa lógica clássica de auto seleção. Assim, as lógicas de escolarização não corrigem as formas sociais de segregação, ao contrário, as reforçam.

As lógicas socioespaciais diferenciadas confirmam a hipótese de Poupeau e François da existência de um sentido da definição da escola produzido pela incorporação de condições de vida e gerador de práticas duplamente ajustadas à estrutura do “capital possuído” pelas famílias e à estrutura de oferta escolar possível no espaço residencial correspondente. Por exemplo, os autores constataram que, nas situações de mobilidade, a burguesia intelectual é a menos dependente da sua posição espacial, mas habitualmente essa é a categoria que mora mais próxima das escolas mais procuradas.

[...] les élèves qui ont le plus de chances d’être en situation de mobilité descendente sont ceux qui sont déjà tendenciellement et majoritairement dans les conditions les plus défavorisées, tandis que ceux qui ont le plus de chances d’être en situation de mobilité ascendente le sont dans les situations les plus favorisées.7 (POUPEAU; FRANÇOIS, 2008, p. 154).

Os pesquisadores indicam que, ao promover mobilidade ascendente para os alunos de famílias favorecidas e imobilidade, ou mobilidade, descendente aos alunos de famílias desfavorecidas, conforme as tendências indicadas pela análise das chances de mobilidade dos alunos de acordo com suas condições atuais de vida, as dinâmicas estabelecidas pelo Mapa Escolar reproduzem um movimento de desigualdade escolar e social.

Para Poupeau e François, as desigualdades escolares, em termos de definição das escolas, não são produto de uma mistura de escolhas individuais mais ou menos racionais, mas o efeito de lógicas coletivas que se estabelecem nos circuitos de escolarização diferenciados, produtos do encontro entre uma oferta escolar hierarquizada e uma demanda estruturada pela desigualdade de capitais possuídos pelas famílias. A capacidade de se orientar nesses espaços escolares revela a força dos processos de decisão sobre a escola, desigualmente distribuída pelos grupos sociais.

Ainda que todos os elementos de análise dos dados da pesquisa indiquem o acirramento das desigualdades, os autores assumem a defesa do modelo de distribuição de oportunidades pelo Mapa Escolar como princípio do direito à igualdade, ao mesmo tempo em que rechaçam a ideia de mercado e escolha aberta das famílias. Para eles, com a instituição de uma lógica de “mercado escolar”, os alunos desfavorecidos continuariam excluídos das escolas favorecidas pelos mecanismos mais simples de concorrência econômica e cultural.

Poupeau e François defendem que o mercado é incapaz de garantir a liberdade de escolha e que a supressão da setorialização significaria maior liberdade de escolha das famílias pelas escolas (e, portanto, de segregação e exclusão de alunos considerados indesejados pelas instituições) do que a livre escolha das escolas pelas famílias. Para os pesquisadores, as desigualdades, já constatadas entre as escolas parisienses, seriam aprofundadas à medida que a possibilidade de seleção dos estudantes pelos estabelecimentos de ensino aumentaria com a adoção de mecanismos que não estivessem pautados pelo controle da distribuição das matrículas por meio do zoneamento de residência dos estudantes.

  • 1
    É importante lembrar que a definição das escolas em que os estudantes devem se matricular na França é feita pelo mecanismo chamado “Mapa Escolar”, por meio do qual o poder público atribui a escola ao aluno de acordo com a região de sua residência, ou seja, de forma setorizada. A família pode solicitar uma “isenção” da carta para obter o direito de matricular seu filho em outra escola. Isso deve ser feito por meio de uma solicitação oficial. Há também famílias que buscam estratégias informais para realizar a matrícula em outras instituições.
  • 2
    “[...] est considéré en situation d’évitement tout élève don’t l’adresse se situe en dehors du secteur de l’établissement dans lesquel il est inscrit, quel que soit le moyen, licite ou illicit, qu’il a pu utiliser.” (POUPEAU; FRANÇOIS, 2008, p. 123) “[…] é considerado em situação de evitamento todo o estudante cujo endereço se situe fora do setor do estabelecimento no qual está matriculado, qualquer que seja o meio, lícito ou ilícito, que ele pode utilizar” (Tradução livre).
  • 3
    “A ‘evaporação’ dos estudantes designa o caso onde os estudantes matriculados são menos numerosos que os estudantes residentes, ao passo que a ‘condensação’ designa o fenômeno inverso – e é possível existir, em certas regiões, muito mais estudantes do que crianças residentes”. (Tradução livre).
  • 4
    “[...] a localização dos estudantes influencia não apenas a acessibilidade física ao estabelecimento [de ensino] mas também o acesso à informação, duplicando assim a distância social em relação ao sistema escolar”. (Tradução livre).
  • 5
    “[...] a população em situação de evitamento está mais preocupada com a trajetória escolar da criança”. (Tradução livre).
  • 6
    “Nos casos especificamente estudados das escolas parisienses, o sentido da distribuição dos estudantes remete a diversos tipos de mobilidade segundo as configurações do setor de recrutamento e bairros nos quais se encontram as diferentes categorias de estudantes. Se a mobilidade se constitui em uma forma de capital [KAUFMAN; BERGMAN; JOYE, 2004], trata-se de um capital desigualmente repartido [...]”. (Tradução livre).
  • 7
    “[...] os estudantes que possuem mais chance de estar em situação de mobilidade descendente são aqueles que já se encontram tendencialmente e majoritariamente em condições mais desfavoráveis, ao passo que aqueles que possuem mais chance de estar em situação de mobilidade ascendente encontram-se em situações mais favorecidas”. (Tradução livre).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2017
  • Aceito
    12 Abr 2017
location_on
Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: educar@ufpr.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro