Open-access Estratégias de estimativa na reta numérica

Number line estimation strategies

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo verificar quais estratégias foram mais utilizadas por 30 crianças do 2o ao 6o ano escolar (seis de cada ano), de uma escola pública da cidade de Porto Alegre/RS, para realizar estimativa numérica na tarefa “estimativa na reta numérica”, a partir de entrevistas individuais semiestruturadas. O principal objetivo desse estudo foi, além de elencar as principais estratégias apresentadas, indicar as estratégias mais frequentes e/ou mais precisas. Foram encontradas oito diferentes estratégias, que variavam de simples contagem exata a estratégias mais complexas, envolvendo estruturas multiplicativas de fator proporcional. Os resultados indicaram que a estratégia de contagem foi a de maior frequência, porém com baixa precisão. Para este teste, os estudantes de maior nível de escolaridade utilizaram estratégias mais complexas ainda não acessíveis aos de menor escolaridade, as quais possibilitaram estimativas mais precisas.

Palavras-chave: Estimativa na Reta Numérica; Estratégias; Matemática.

ABSTRACT

The present study had the objective to verify which strategies were used the most by 30 children, from the 2nd to the 6th grade (six students of each class), of a public school in the city of Porto Alegre/RS, in order to perform in a number line estimation task, using individual semi-structured interviews. The main objective of this study was, besides describing the main strategies, to point out those that were more frequent and/or more precise. We have found eight different strategies, ranging from simple exact counting to more complex ones, involving multiplicative proportional structures. The results have indicated that the counting strategy was the one with the highest frequency of usage, but its use wielded low accuracy. For this test, students with higher levels of formal education used more complex strategies, not yet accessible to those with less formal education, which have made possible estimates that are more accurate.

Keywords: Number Line Estimation; Strategies; Mathematics.

Introdução

Estimativa numérica é a capacidade de realizar suposições razoáveis de respostas aproximadas a problemas, sem a execução prévia de cálculos ou quantificações exatas (DOWKER, 1992), sendo de fundamental importância, tanto na escola quanto fora dela. Além disso, já é sabido que o desempenho em estimativa se correlaciona com o desempenho em matemática (BOOTH; SIEGLER, 2006; LASKI; SIEGLER, 2007; SIEGLER; BOOTH, 2004). A capacidade de realizar estimativas com maior precisão pode ajudar o sujeito a selecionar uma estratégia adequada para solução de um problema (REYS, 1986). Ao realizar estimativas, cada indivíduo utiliza determinado procedimento ou estratégia que melhor se adapte às suas estruturas de pensamento.

Define-se estratégia de resolução de um problema de estimativa todo o processo que envolve a escolha do método de estimativa, desde a preparação dos dados, da quantificação mental, da compensação, da avaliação, até a indicação do resultado (AZEVEDO, 1996). Esse conjunto de procedimentos utilizados na busca por uma resposta plausível e adaptada aos conhecimentos e necessidades do sujeito, tende a gerar caminhos diversos. Entretanto, embora tenha sido sugerida uma variedade de métodos para realizar estimativas, pouco se sabe sobre como as pessoas de fato realizam estimativas (LEMAIRE; LECACHEUR, 2007; LEVINE, 1982). Grande parte das pesquisas sobre estratégias de crianças em estimativas descreve o uso de determinada estratégia para resolver uma tarefa específica em uma determinada idade, sendo esta estratégia modificada quando elas se tornam um pouco mais velhas e, assim, até que atinjam uma estratégia considerada mais refinada (LUWEL et al., 2000).

No entanto, outras pesquisas sobre o desenvolvimento das estratégias de crianças têm revelado que elas, em determinada idade, passam a utilizar uma variedade de estratégias para resolver um único problema (LUWEL; VERSCHAFFEL, 2003; LUWEL et al., 2001). Essa nova perspectiva parece bastante interessante do ponto de vista da educação matemática, tendo em vista que o uso de múltiplas estratégias permite adaptar a solução de um problema às suas características inerentes, como o seu grau de dificuldade e as exigências da situação a qual é proposto, observando o tempo de resposta e a precisão necessários para sua resolução.

Nesse contexto, o presente estudo foi projetado para a) avaliar o desempenho em estimativa de 30 crianças do 2o ao 6o ano através da avaliação na tarefa de estimativa na reta numérica; b) compreender, através de seus relatos e ações frente à solução dos problemas, o pensamento estratégico envolvido em cada situação, c) fazer um levantamento sobre as principais estratégias utilizadas nas diferentes etapas escolares e d) verificar se existe uma relação entre o tipo de estratégia de estimativa e a precisão do resultado.

Esta pesquisa integra um projeto mais abrangente, intitulado “Diversidade na aprendizagem da matemática inicial: a compreensão da estimativa numérica” (Plataforma Brasil e Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob o número 31575913.6.0000.5347).

Referencial Teórico

Tal como acontece com outros tipos de estimativa, sabe-se que crianças e adultos usam várias estratégias para realizar estimativa na reta numérica. No entanto, as estratégias para essas tarefas, diante de revisão realizada, ainda são pouco discutidas. Booth e Siegler (2006, 2008) sugerem que as crianças não usam estratégias para resolver Estimativas na Reta Numérica (ERN), mas que fazem uma relação com uma reta numérica interna, que seria a tradução da sua forma de representação numérica mental. Ao contrário, Barth e Paladino (2011) sugerem que as crianças criam estratégias de ERN à medida que se utilizam de marcos de referência, além dos pontos de início e fim da reta numerada, para realizar estimativas proporcionais. Ou seja, particionam a reta ao meio ou em quartos, por exemplo, para posicionar números próximos a esses marcos a partir de um julgamento de proporção.

Entretanto, mesmo que o desempenho na reta numérica, como reflexo de uma reta numérica mental interna, possa ser questionado, o progresso do desempenho mais linear pode ser usado como um índice do crescimento na compreensão das crianças sobre o sistema numérico simbólico (BOOTH; SIEGLER, 2006). Sendo assim, pode-se considerar que o conhecimento do sistema de numeração é também um preditor do desempenho em ERN, visto que se utilizem de estratégias que envolvem a criação de um ponto de referência para realizar a estimativa do tamanho de uma parte da reta em relação ao tamanho total dela (BARTH; PALADINO, 2011).

Crianças mais novas, frequentemente, usam estratégias de contagem, que envolvem quebras imaginárias discretas em uma reta contínua. O uso da estratégia de contar envolve, primeiramente, decidir onde começar a contagem. As três estratégias de contagem mais comuns são: a) contagem total; b) contagem para cima/para baixo a partir do menor/maior valor e c) realizar estimativa de um valor médio e contar para cima ou para baixo a partir dele (SIEGLER; OPFER, 2003). Então, a variabilidade das estimativas, também estaria relacionada à distância do número a ser estimado até um ponto de referência subjetivamente criado.

De tal modo, a contagem de 1 em 1 resulta numa estimativa fortemente influenciada pela distância dada a partir do ponto de referência mais próximo. Quando as crianças usam uma representação logarítmica, as posições espaciais aumentam muito rapidamente para os números menores e depois estabilizam na parte superior do intervalo. Entretanto, evidências consideráveis indicam que as crianças usam ambas as representações. Melhor utilização de estratégias de contagem, por sua vez, parece refletir o desenvolvimento das habilidades de contagem e de compreensão conceitual de magnitude numérica.

Já as crianças mais velhas usam estratégias de raciocínio proporcional para posicionar números na reta numérica, em que cada número é representado como uma proporção da reta numérica (BARTH; PALADINO, 2011), refletindo o modelo de proporcionalidade, baseado em pontos de referência que dividem a reta numérica em pontos específicos e servem como referência para orientar as estimativas (PEETERS; VERSCHAFFEL; LUWEL, 2017). Assim, as estimativas de números que estão mais próximos dos marcos seriam mais precisas do que as estimativas dos números localizados mais distantes dos marcos.

Método

Este estudo foi realizado individualmente com 30 crianças do 2o ao 6o ano (6 alunos de cada ano) de uma escola pública municipal de ensino fundamental, na cidade de Porto Alegre/RS. Foram escolhidas crianças a partir do 2o ano escolar por ter sido constatado, a partir de informação da equipe pedagógica, que estes alunos já estão familiarizados com números até 100 (intervalo numérico máximo utilizado na pesquisa) e já conhecerem os fundamentos conceituais ou processuais das operações de adição, subtração e multiplicação.

Para compreender os processos de realização de estimativas numéricas, utilizou-se o Teste de Estimativa na Reta Numérica (TERN). Esse teste exige que os sujeitos marquem pontos correspondentes a números específicos ao longo de uma reta numérica de 25 cm, delimitada à esquerda por 0 e à direita por 10, 20 ou 100, dependendo da escala adotada. No total, 14 números deveriam ser posicionados em ordem aleatória: 4 e 7 em todas as escalas, 9 e 17 nas escalas E10 e E20 e 25, 49, 78 e 95 na escala E100. A precisão das estimativas na reta numérica foi determinada pela medida da posição das marcas manuscritas dos participantes sobre as retas e, em seguida, a essas distâncias foram comparadas com o espaço real, através de um gabarito construído em plástico transparente.

Os protocolos foram gravados, tendo em vista que muitos alunos têm dificuldade de expressar seu pensamento de maneira escrita, e buscou categorizar as estratégias, de acordo com a forma e a frequência de sua utilização.

Resultados

Para discutir a frequência e eficácia no uso dessas estratégias, realizou-se uma análise descritiva para conhecer a amostra e obter dados sobre a frequência relativa e absoluta, médias e desvio-padrão das respostas, além do mínimo e máximo. Para maiores detalhes sobre a eficácia em termos de precisão baseada nas estratégias utilizadas, realizou-se a análise de Modelo de Equações de Estimações Generalizada (GEE) para comparar as médias das Precisões Relativas (PR). Foi utilizado no modelo uma matriz de correlação trabalho independente e uma matriz de covariância de estimador robusto. As comparações múltiplas foram feitas pelo teste de Bonferroni.

Para descrever as estratégias utilizadas pelos participantes da pesquisa, alunos do 2o ao 6o ano, e categorizá-las em grupos de procedimentos semelhantes, procedeu-se a análise dos protocolos individuais a partir das entrevistas realizadas. Cada participante pôde escolher a estratégia que considerasse mais adequada para cada situação. Na ocasião deste estudo, oito estratégias foram detectadas para realizar estimativas na reta numérica.

A primeira estratégia encontrada, a de “Contagem”, consistia em realizar marcações (imaginárias ou à caneta) sobre a reta. Cada marcação correspondia à posição de cada número na reta, em ordem crescente, a partir do início, até que se chegasse à posição do número estimado. Os espaços entre estas marcações poderiam ou não ser de igual tamanho ou estar bem distribuídos na reta. Por exemplo, para estimar a posição do número 25 na reta numérica 0-100, o sujeito poderia fazer vinte e cinco pequenas marcações na reta, sendo que, a última marcação indicaria a posição. Entretanto, muitas vezes essas marcações não possuíam distanciamento de igual tamanho entre eles, o que gerava estimativas bastante imprecisas. Semelhante à estratégia de “Contagem” já descrita, a estratégia de “Contagem inversa” correspondia à contagem um a um de números na reta, porém, na ordem inversa; ou seja, do final para o início da reta.

Alguns sujeitos conseguiam elaborar estratégias de criar outros pontos de referência a fim de facilitar suas estimativas. Alguns utilizavam o ponto central da reta, dividindo-a em duas partes (estratégia de “Divisão ao Meio”) ou em quatro partes (estratégia de “Divisão em Quartos”). Ambas são estratégias que envolvem relação proporcional de compreender partes da reta como integrantes do todo. Contudo, o segundo caso envolve dividir o próprio meio ao meio; ou seja, dividir a reta em quatro partes de igual tamanho, gerando três novos pontos de referência para suas estimativas. Por exemplo, para estimar o número 9, o sujeito poderia dividir a reta 0-20 em duas partes, a partir de uma marcação no seu centro, posicionando o 9 próximo a este ponto (10). Da mesma maneira, para estimar a posição do número 25 em uma reta 0-100, o sujeito poderia encontrar o centro da reta (50) e encontrar novamente o centro de 0-50.

A estratégia de “Subdivisão Integral” consistia em dividir a reta integralmente, ponto a ponto, considerando os pontos inicial e final para posicionar o número. Ou seja, para realizar essa estratégia, o sujeito já é capaz de compreender que todos os números que contêm o intervalo numérico da reta devem estar representados para ter a certeza de que “caberão”. Sendo assim, para posicionar o número 78 em uma reta 0-100, por exemplo, o sujeito precisaria fazer todas as marcações correspondentes aos números do intervalo 0-100, para então localizar o 78.

Outra maneira de subdividir a reta apresentada pelos estudantes, que não em meios, quartos ou integralmente, foi a chamada estratégia de “Subdivisão 10 em 10”, que consistia em dividir a reta integralmente, porém em blocos de 10 números. Alguns sujeitos utilizavam a estimativa feita anteriormente para basear as estimativas das posições dos números seguintes. Essa estratégia foi chamada de “Referência Anterior”. Por exemplo, um sujeito que tenha realizado a estimativa do número 25 em uma reta 0-100 pode ter usado essa referência para encontrar a posição do número 78, mesmo que não tenha a certeza de que esteja certo o posicionamento anterior.

Por fim, alguns estudantes realizavam estratégias que não correspondiam às categorias anteriores e que, em geral, relacionam-se às estratégias de “Estimativa Rápida”, baseadas apenas na intuição de posição. Sínteses dessas oito estratégias foram listadas e descritas na Tabela 1.

TABELA 1
SÍNTESE DAS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS NO TERN

Observando a Tabela 1, percebeu-se que, para realizar estimativas na reta numérica, a estratégia mais utilizada foi a de contagem (ER1), em 51,8% dos casos. A segunda estratégia mais utilizada foi a ER8 (estimativa rápida), o que é um dado interessante, pois mostra que a grande maioria dos entrevistados (67,4%), se não conta um a um os espaços na reta, não consegue estabelecer uma estratégia de estimativa, propondo um posicionamento rápido e sem reflexão. Na sequência, usar o ponto médio da reta (ER3) e contar de trás para frente (ER2) também foram estratégias utilizadas no total de 23,5% dos casos. Ou seja, as demais estratégias foram pouco utilizadas quando comparadas as quatro citadas.

Em alguns momentos, as crianças usaram estratégias baseadas em decisões que consideravam a proximidade das extremidades, por exemplo, para representar o número 78, fizeram marcas de 100 a 78, em ordem decrescente. O número central (5, 10 ou 50) também foi entendido por alguns alunos como uma referência usada para a estimativa dos outros números; alternativamente, alguns decidiram começar desse ponto central e fizeram marcas até a posição desejada em uma sequência ascendente ou descendente. Outra estratégia foi marcar os quartos (por exemplo 25, 50, 75 na reta 0-100) como marcos de referência. Entretanto, as crianças apresentaram um repertório relativamente pequeno de pontos de referência de suas estimativas, optando por fracionar toda a reta, embora, muitas vezes, não utilizassem unidades apropriadas de fracionamento, fazendo subdivisões com estimativas acidentais. Para discutir a frequência dessas estratégias, considerando-se o ano escolar e a estimativa realizada, apresenta-se as Tabelas 2 e 3.

TABELA 2
FREQUÊNCIA DAS ESTRATÉGIAS, POR ANO ESCOLAR

Quando separadas por ano escolar, as estratégias continuam apresentando a distribuição de frequência de maneira semelhante ao apresentado na Tabela 1, exceto pelo fato de a ER1 (contagem) diminuir em termos de uso no 5o e no 6o ano, perdendo, inclusive, para ER3 (divisão ao meio) no 5o ano. Interessante que, no 5o ano, embora a estratégia de contagem não seja tão evidente frente a outras estratégias, a ER8 (estimativa rápida) também aparece com frequência dentre estes estudantes.

Observa-se que, mais da metade das crianças contam a partir de 1 quando solicitadas a realizar estimativas das posições dos números, até o 4o ano, reduzindo essa frequência de uso entre os alunos do 5o e do 6o ano. Até o final do 4o ano, a maioria das crianças não estimam um valor médio, passando a contar a partir do ponto médio quando o número que está sendo estimado é próximo da metade da escala da reta somente a partir do 5o ano.

No 2o ano, pôde-se dizer que apenas as estratégias de contagem (ER1) e de estimativa rápida (ER8) foram realizadas. Em poucas oportunidades, também ocorreu a estratégia de contagem inversa (ER2). No 3o ano, ainda se manteve a forte frequência, inclusive maior que no 2o ano, da ER1, mas se abriu espaço para o surgimento de uma nova estratégia, a divisão da reta ao meio (ER3). No 4o ano, inseriu-se a estratégia de subdivisão integral da reta (ER5), gerando uma preocupação sobre o espaçamento interno da reta ao fazer uma contagem de forma que coubessem todos os números da escala em questão. Somente no 5o ano todas as estratégias estiveram presentes, abrindo um espaço bem maior para ER3.

Para observar como o valor a ser estimado influenciou na escolha da estratégia utilizada, construiu-se a Tabela 3.

TABELA 3
FREQUÊNCIA DAS ESTRATÉGIAS, POR ESTIMATIVA

A estratégia de contagem permaneceu sendo a mais frequente para quantidades até 25, até dividir lugar com estratégias mais sofisticadas para quantidades de 49 e 78 itens e até ser superada por outra estratégia de contagem, porém inversa, para 95 itens. Somente a estimativa do número 17 gerou um movimento de todo o repertório de estratégias apresentado pelos participantes. As estratégias opostas (ER1 e ER2) foram utilizadas como a grande maioria das estratégias de estimativa das quantidades 4 e 95, respectivamente, o que continua a demonstrar a característica da contagem como uma forte predominância na realização de estimativas, pois são as estratégias prevalentes em todos os valores testados. Dessa forma, as estratégias melhoram em complexidade quando elevado o ano escolar.

A combinação de estratégias, para contribuir para estimativas mais precisas, foi utilizada em apenas 44 questões (das 420), representando 10,5% do total. A combinação entre ER1 e ER3 representou 3,8%, e somente numa situação foram combinadas quatro estratégias.

Além da frequência de utilização das estratégias, buscou-se analisar em que situações essas estratégias são mais precisas. Foi usado o GEE para verificar a precisão das estratégias e compará-las, verificando possíveis diferenças em termos de precisão das respostas dadas pelas crianças. Os resultados quanto às estratégias mais precisas, em geral, por ano escolar e por estimativa realizada, foram apresentados nas Tabelas 4, 5 e 6, respectivamente.

TABELA 4
MÉDIAS DA PRECISÃO RELATIVA DAS ESTRATÉGIAS (P<0,001)

Analisando as estratégias utilizadas pelos participantes, independentemente da idade, foi verificado que a ER1, embora sendo a estratégia mais frequente em todas as situações, mostrou-se ser menos precisa que todas as demais estratégias. Em especial, são estatisticamente menos precisas que ER2 (contagem inversa), ER3 (divisão ao meio), ER4 (divisão em quartos) e ER6 (divisão 10 em 10). Da mesma maneira, a estratégia mais elaborada de divisão em quartos, ER4 (presente a partir do 5o ano), teve suas estimativas muito superiores em termos de precisão que ER8 (estimativa rápida), também de grande frequência de utilização.

Para verificar se esta ordem geral de precisão se manteve nos diferentes anos escolares, analisar-se-á os dados apresentados na Tabela 5.

TABELA 5
MÉDIAS DE PRECISÃO RELATIVA DAS ESTRATÉGIAS, POR ANO ESCOLAR

Quando analisada a precisão das estratégias por ano escolar, observou-se que, no 2o ano, ER1 (contagem) foi menos precisa que ER7 (referência anterior) e ER2 (contagem inversa), respectivamente. ER2 e ER7 também foram mais precisas que ER6 (subdivisão 10 em 10). No 3o ano, ER1 foi menos precisa que ER2, ER3 (divisão ao meio) e ER6. No 4o ano, ER1 foi menos precisa que ER6 e ER7 e ER7 mostrou-se muito mais precisa que ER8 (estimativa rápida). No 5o e 6o ano, ER1 não aparece com diferenças de precisão quando comparada às demais estratégias. Observou-se que a precisão de ER1 evoluiu com o ano escolar, o que não ocorreu com as demais estratégias. As precisões das estimativas, tendo como base o número a ser estimado, são apresentadas na Tabela 6.

TABELA 6
MÉDIAS DA PRECISÃO RELATIVA DAS ESTRATÉGIAS, POR ESTIMATIVA

Em termos estatísticos, ER1 (contagem) foi menos precisa que todas as demais estratégias utilizadas para realizar estimativa da posição do número 4 na reta numérica, exceto quando comparada a ER8 (estimativa rápida), que não obteve diferenças significativas. No caso do número 7, ER1 foi significativamente menos precisa que ER6 (subdivisão 10 em 10). Por motivos que parecem óbvios, no caso do número 9, ER1 e ER8 foram significativamente menos precisas que ER2 (contagem inversa), parecendo bastante provável que, para este número, a contagem de trás para frente possa resultar em estimativas mais razoáveis, em especial na escala 10, na qual 9 se aproxima do ponto final da reta e na escala 20 em que se aproxima da metade dela.

O posicionamento do número 17 foi o único a requerer todo o repertório de estratégias apresentadas pelos estudantes dos diferentes anos escolares. Nesse caso, ER1 (contagem) foi significativamente menos preciso que ER2 (contagem inversa), ER4 (divisão em quartos), ER6 (subdivisão 10 em 10), ER7 (referência anterior) e ER8 (estimativa rápida). Para o ponto que demarca ¼ da reta 0-100, o 25, as estratégias também foram bastante diversificadas, sendo utilizadas apenas a ER7. Nesse caso, ER1 é significativamente menos precisa que ER2, ER3 (divisão ao meio), ER4 e ER5 (subdivisão integral) e ER4 apresentou precisão extrema, diferente significativamente de ER6.

Para posicionar o número 49 na reta numérica (número escolhido propositadamente por estar muito próximo ao meio da reta), mais uma vez ER1 mostrou-se menos precisa quando comparada às estratégias ER3, ER5, ER6 e ER7, sendo que ER6 apresentou-se a mais precisa delas, também significativamente mais precisa que ER8. Para os números maiores (78 e 95), nenhuma estratégia mostrou-se significativamente mais precisa que outras, embora, na comparação entre médias ER1, continue no topo como uma das estratégias menos precisas. A contagem para a frente desenvolve-se mais rapidamente do que a contagem para trás; entretanto, isso não contribuiu para a precisão das estimativas de números na parte inferior da escala em comparação às estimativas de números na extremidade alta da reta.

As estratégias simples obtiveram média de precisão relativa igual a 0,136; enquanto, em estratégias combinadas, a média ficou em 0,098, mostrando-se significativamente mais precisa que estratégias simples (p=0,04). Sobre as estratégias mais utilizadas, observou-se que 23,33% (7 alunos) usaram somente ER1 como estratégia, sendo que ER1, ER2 e ER3 foram as mais utilizadas por 6 alunos.

Discussão

Para posicionar números em uma reta numérica, as crianças utilizaram com maior frequência as estratégias de contagem um a um. Tirando as estratégias de estimativa rápida, a de uso do ponto médio e a de contar de trás para frente, que apresentaram frequência relativamente mais acentuada, as demais estratégias foram pouco utilizadas. Entretanto, nem todas as estratégias estiveram presentes no repertório dos alunos em todos os anos escolares, sendo que suas especificidades e dificuldades foram apresentadas dependendo da idade e da experiência. Ou seja, a escolha das estratégias parece estar relacionada ao ano escolar e que, além de utilizarem as estratégias mais simples com maior eficiência, os alunos mais velhos possuem um repertório maior de estratégias.

Em termos de precisão, a estratégia de contagem, que foi a mais utilizada, mostrou-se, em contrapartida, ser a mais imprecisa. Sendo as estratégias mais elaboradas, de raciocínio proporcional, as mais precisas. Várias fontes de evidências já sugeriram que os adultos, bem como as crianças, ao realizar uma tarefa de estimativa na reta numérica, usam estratégias baseadas em padrões de referência, tais como a origem, ponto médio (ER3), e ponto final (PEETERS; VERSCHAFFEL; LUWEL, 2017) e que o uso mais frequente de estratégias de pontos de referência gera estimativas mais precisas (BARTH; PALADINO, 2011).

Peeters, Verschaffel e Luwel (2017) encontraram estimativas mais precisas próximas aos pontos das extremidades, mas que a mera apresentação de pontos de referência externos na reta numérica não levaria automaticamente para um melhor desempenho em estimativa. Contudo, a utilização de tais valores de referência pareceu ser afetada pela familiaridade com o intervalo numérico apresentado. Schneider, Grabner e Paetsch (2009) relataram evidências, através de rastreamento ocular em crianças, que elas gastavam bastante tempo olhando para o ponto médio e pontos finais da reta numérica na tentativa de estimativa da localização de números inteiros. E, quanto mais referências numéricas eram encontradas, menos elas precisariam realizar a estimativa do todo, não necessitando compreender a magnitude bruta apresentada, mas, sim, pequenas partes proporcionalmente reduzidas desse todo. Os resultados deste estudo estão em acordo com achados anteriores, que indicaram que o uso de estratégias mais sofisticadas na reta numérica está relacionado com estimativas mais precisas (BARTH; PALADINO, 2011).

Neste estudo, há forte tendência de os alunos mais novos não reconhecerem os pontos médios, embora reconheçam ser o meio entre o ponto inicial e final. Observou-se haver dificuldade, por parte desses estudantes, em desconstruir a ideia de contar 1 a 1 para posicionar o número, mesmo que essa ideia não estivesse de acordo com a posição na qual deveria estar o número central. Alguns confiaram tanto na sua contagem que a utilizaram como base para as demais estimativas.

No caso das estimativas na reta numérica, o uso de unidades mentais de referência foi utilizado para produção de estimativas, em especial para os alunos mais velhos. Siegler e Opfer (2003) notaram que as estimativas em uma reta numérica 0-1000 eram menos variáveis para números perto de 0, 250, 500, 750 e 1000 do que para outros números, levantando a hipótese de que a tarefa de estimativa na reta numérica envolve a segmentação da linha em quartos (ER4). Entretanto, neste estudo, essas estratégias só estiveram acessíveis para as crianças do 5o e do 6o ano e, mesmo assim, com baixa frequência de utilização.

Também é possível perceber que os alunos tiveram noção de que o 25, por exemplo, não pode estar muito perto do 100 e que deve vir depois do 17 e antes do 78; contudo, a distância real e o espaçamento adequado entre os números são um desafio a ser superado. Em suma, os dados apresentados sugerem que há um processo construtivo de estratégias mais eficientes e de qualidade de aplicação de uma mesma estratégia, mesmo que já se tenham conhecimentos prévios suficientes para usar as estratégias com igual eficiência em todos os anos escolares.

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo compreender e descrever as estratégias que 30 crianças, do 2o ao 6o ano, usam para fornecer estimativas na reta numérica, verificando-se frequência e eficiência dessas estratégias. Os resultados indicaram que as crianças avançaram, em termos qualitativos, em suas estratégias de acordo com a idade. Não havia hipóteses quanto aos grupos estratégicos que seriam encontrados, exceto o de subdivisões proporcionais da linha numérica (descrito em resultados de estudos já realizados). Quanto à combinação de estratégias, considerava-se que fosse ser responsável por estimativas mais precisas, o que foi confirmado.

Para as estratégias de estimativas feitas na reta numérica, utilizando-se o instrumento TERN, os resultados indicaram oito categorias de estratégias: ER1) Contagem de marcações unitárias sobre a reta; ER2) Contagem Inversa, do final para o início da reta; ER3) Divisão ao meio, tendo o ponto central da reta como referência adicional aos pontos de início e fim; ER4) Divisão em quartos, gerando três novos pontos de referência; ER5) Subdivisão integral da reta; ER6) Subdivisão de blocos de 10 em 10 unidades; ER7) Utilização da estimativa realizada anteriormente como Referência; ER8) Estimativas rápidas. A estratégia de contagem foi a de maior frequência, diminuindo em termos de frequência no 5o e 6o ano, porém foi a estratégia que gerou estimativas menos precisas.

Sobre a combinação de estratégias, apenas 10,5% do total das estimativas realizadas utilizaram essa possibilidade. Contudo, no TERN as estratégias simples foram menos precisas que as estratégias combinadas. Os resultados deste estudo estão em acordo com achados anteriores que indicam que o uso de estratégias mais sofisticadas na reta numérica está relacionado com estimativas mais precisas.

A precisão da localização é maior quando o número a ser localizado é numericamente mais próximo de um desses pontos de referência. Por exemplo, para posicionar o número 49 em uma reta 0-100, facilmente pode-se posicionar o número próximo ao meio, 50, não refletindo necessariamente como o número 49 é, de fato, mentalmente representado. Nesse caso, a familiaridade da criança com o número localizado no ponto de referência e sua magnitude também pode ser um problema. Assim, as crianças que estão familiarizadas com este número podem aplicar outras estratégias de estimativa diferentes daquelas aplicadas aos números que as crianças não estão familiarizadas, resultando em diferentes padrões de estimativa. Do mesmo modo, parece inteiramente plausível que uma má compreensão das unidades fracionárias para subdivisões da reta ou de multiplicação de linhas/colunas nas matrizes, tornaria difícil para as crianças realizar estimativas precisas.

Os resultados sugerem que a capacidade dos alunos para fazer estimativas é geralmente pobre. A incapacidade nessa área poderia estar relacionada a uma variedade de fatores como a falta de senso numérico, a não compreensão de grandes quantidades ou a estimativa computacional não desenvolvida. No entanto, considerou-se que a principal razão pode ser simplesmente o fato de que o estudo sistemático de estimativa não está incluído no currículo de matemática do ensino fundamental. Para que os alunos adquiram essa habilidade, é preciso propor experiências práticas para que eles criem referências individuais em cada situação. Uma vez que seja possível estabelecer pontos de referência próprios, as estratégias de estimativa específicas, que envolvam a utilização dessas referências, naturalmente irão evoluir.

Tendo em vista as respostas obtidas neste estudo, considerando suas limitações, novos questionamentos passam a fazer parte de uma importante continuidade destes achados. Seria a escolha da estratégia, dentro de certos limites, essencialmente aleatória? Seria ela influenciada por fatores externos, tais como quem a faz ou qual a habilidade numérica está melhor desenvolvida no sujeito? Seria essa escolha de estratégia totalmente regrada de maneira que seriam possíveis de serem previsíveis após uma quantidade suficiente de testagens de um mesmo sujeito? Mais pesquisas são necessárias para que essas perguntas possam ser respondidas.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2018
  • Aceito
    03 Jun 2018
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