Gastroparesis; Gastric emptying; Dyspepsias; Gastric motility disturbances; Gastrointestinal motility; Prokinetic drugs
Gastroparesias; Esvaziamento gástrico; Dispepsias; Distúrbios da motilidade gástrica; Motilidade gastrintestinal; Drogas pró-cinéticas
Artigo de Revisão
Gastroparesias: revisão de aspectos relacionados ao conceito, à etiopatogenia e ao manejo clínico
L.E. de A. Troncon
Divisão de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.
UNITERMOS: Gastroparesias. Esvaziamento gástrico. Dispepsias. Distúrbios da motilidade gástrica. Motilidade gastrintestinal. Drogas pró-cinéticas.
KEY WORDS: Gastroparesis. Gastric emptying. Dyspepsias. Gastric motility disturbances. Gastrointestinal motility. Prokinetic drugs.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, tem sido crescente o reconhecimento de doenças e condições clínicas que se associam a retarde do esvaziamento gástrico, bem como a proposição de medicamentos para a correção desta anormalidade, com o conseqüente alívio dos sintomas associados. Neste contexto, o emprego da designação "gastroparesia" vem-se tornando corriqueiro. Não obstante, parece-nos que o entendimento adequado, por parte dos médicos que lidam com esta condição, de importantes aspectos ligados a ela permanece, ainda, incompleto. Assim sendo, pretendemos rever, neste artigo, alguns tópicos ligados ao conceito, à etiopatogenia e ao diagnóstico e tratamento das gastroparesias.
CONCEITO
A designação "gastroparesia", em seu sentido mais estrito, significa diminuição da força contrátil da musculatura do estômago. No entanto, este termo vem sendo empregado, atualmente, para denominar um conjunto de condições clínicas caracterizadas por esvaziamento gástrico retardado, na ausência de obstrução mecânica na região antro-piloro-duodenal1. De fato, o conhecimento atualmente existente sobre o assunto permite constatar que não só a redução da contratilidade antral, mas outros distúrbios motores envolvendo o estômago e o intestino delgado podem ocasionar retarde do esvaziamento gástrico, conforme será considerado adiante.
O conceito atual de gastroparesia implica em uma condição crônica, relativamente pouco freqüente e potencialmente controlável com medidas dietético-nutricionais e com drogas pró-cinéticas. Isto se contrapõe ao que se tende a denominar de atonia gástrica, condição aguda ou protraída, eminentemente reversível, associada a fatores bem conhecidos, como o estado pós-operatório imediato, distúrbios hidroeletrolíticos e superdosagem de drogas com efeito anticolinérgico.
É interessante ressaltar a dissociação que pode existir entre a ocorrência de sintomas sugestivos de estase gástrica e a demonstração de retarde do esvaziamento gástrico característico das gastroparesias. Com efeito, muitos casos de gastroparesia são completamente assintomáticos, do ponto de vista de queixas digestivas altas. Isto é particularmente verdadeiro na gastroparesia diabética, uma das entidades mais freqüentemente encontradas na prática clínica2. Por outro lado, na grande maioria dos casos de dispepsia funcional que, por definição, apresentam sintomas sugestivos de retarde do esvaziamento gástrico, mas sem evidências de comprometimento orgânico do estômago ou do duodeno o emprego de métodos apropriados permite descartar a ocorrência de estase gástrica3.
ETIOPATOGENIA
As gastroparesias originam-se da incapacidade do estômago de prover ritmo adequado de esvaziamento gástrico. Este ritmo é o produto da interação harmônica entre diferentes componentes envolvidos no desempenho da função motora do estômago. Nos parágrafos seguintes, serão feitas considerações sucintas sobre aspectos da fisiologia motora do estômago e sobre os fatores associados a anormalidades da motilidade gástrica.
Motilidade gastrintestinal e regulação do esvaziamento gástrico
O processo de esvaziamento gástrico envolve diferentes segmentos anatômicos do estômago e do intestino delgado1,2,4,5. O assim chamado estômago proximal, constituído pelo fundus gástrico e pelo terço superior do corpo gástrico, atua como um reservatório. Esta porção anatômica apresenta atividade tônica que se reduz em reposta a vários estímulos, como a deglutição e a distensão das paredes gástricas, entre outros. Este relaxamento determina a propriedade de acomodação gástrica e é, possivelmente, o principal determinante da função de reservatório do estômago. A recuperação do tônus basal do estômago proximal promove a transferência do seu conteúdo para segmentos mais distais, incluindo o duodeno, o que constitui a sua principal contribuição para a evacuação gástrica.
O antro gástrico, em concerto com o piloro e a região proximal do duodeno, é o compartimento diretamente responsável pelo esvaziamento gástrico, especialmente o de partículas sólidas. O antro possui atividade contrátil fásica, de natureza peristáltica, que se origina na transição corpo-antro e que migra até a transição gastroduodenal. Esta atividade motora é determinada por atividade mioelétrica autóctone, perene, originada em um marcapasso situado na grande curvatura do estômago. O peristaltismo antral é o responsável pela trituração dos alimentos ingeridos, pela mistura das suas partículas com a secreção gástrica e pela sua propulsão ao duodeno, uma vez atingidas condições adequadas de consistência e de tamanho das partículas do conteúdo gástrico.
O piloro e as porções mais proximais do duodeno também participam da atividade de trituração e de mistura dos alimentos, opondo-se à transferência do conteúdo gástrico para o duodeno. Além disso, estas regiões representam importante fator de controle do esvaziamento gástrico, uma vez que conseguem opor resistência variável ao fluxo gastroduodenal.
Por fim, o intestino delgado pode, também, participar da formação de resistência ao processo de esvaziamento gástrico. Além disso, é a localização principal de quimiorreceptores sensíveis à ação de ácidos, osmolaridade, aminoácidos e teor de gorduras do efluente gástrico1,4,5. Esta ação vai desencadear estímulos de natureza nervosa e humoral que modificam a atividade motora do estômago e do duodeno, do que resulta inibição controlada do esvaziamento gástrico.
Distúrbios motores originando gastroparesias
Do exposto acima, é possível concluir que anormalidades em vários pontos do controle motor do esvaziamento gástrico podem ocasionar estase gástrica e estar, portanto, relacionadas à gênese das gastroparesias1,2,4,5. Com efeito, várias anormalidades motoras distintas têm sido demonstradas em gastroparesias: 1) redução anormal do tônus do estômago proximal ou dificuldade de sua recuperação após relaxamento apropriado; 2) hipocontratilidade antral; 3) aumento das contrações do piloro ("piloro-espasmo"); 4) incoordenação antro-piloro-duodenal; 5) aumento da atividade contrátil do duodeno e do intestino delgado proximal.
Condições clínicas associadas às gastroparesias
Um conjunto amplo e diversificado de doenças e de condições clínicas tem sido reconhecido como causador de distúrbios motores que levam a retarde do esvaziamento gástrico, próprio das gastroparesias1,2,5. Um resumo destas afecções é apresentado no Quadro 1. Dentre estas, quatro grupos de condições parecem ser mais freqüentes na prática clínica, conforme ilustra a Fig. 1: a) as de causa desconhecida, mas sem substrato orgânico demonstrável, como a dispepsia funcional e a gastroparesia idiopática; b) a gastroparesia diabética; c) os estados pós-operatórios; e d) um conjunto de doenças variadas, que inclui a esclerose sistêmica progressiva, a anorexia nervosa, a uremia e as miopatias e neuropatias, que ocasionam distúrbios motores mais generalizados e que se apresentam clinicamente como pseudo-obstrução intestinal.
DIAGNÓSTICO
Como já foi anteriormente mencionado, existe certa dissociação entre a presença ou não de sintomas sugestivos de retarde do esvaziamento gástrico e a demonstração desta anormalidade funcional1,6,7. Com freqüência, pacientes com quadro de plenitude gástrica pós-prandial, saciedade precoce ou náuseas, não associado a anormalidades endoscópicas do estômago ou do duodeno, recebem o rótulo diagnóstico de "gastroparesia". Este diagnóstico, entretanto, deve ser visto com suspeição, uma vez que, nesta condição, que melhor se adequaria à designação "dispepsia funcional", o retarde do esvaziamento gástrico ocorre somente em menos da metade dos casos8, e a origem dos sintomas pode prender-se a outras anormalidades funcionais9,10.
Por outro lado, existem condições, como o diabetes melito, em que este diagnóstico deve ser procurado mesmo na ausência de queixas digestivas altas próprias de estase gástrica, dada à freqüência considerável com que a gastroparesia pode ser detectada em diabéticos assintomáticos6.
Genericamente, os portadores de gastroparesia podem apresentar-se ao médico com sintomas próprios desta condição ou com manifestações clínicas decorrentes das suas complicações metabólicas ou nutricionais. Alternativamente, o diagnóstico de gastroparesia pode ser feito no decurso do manejo de condições crônicas, como se pode depreender da descrição das diferentes formas de apresentação clínica.
Formas de apresentação clínica
As gastroparesias podem ter quatro formas principais de apresentação clínica. Na primeira delas, configura-se quadro clínico característico de estase gástrica, definido pela ocorrência de vômitos de grande volume, contendo restos alimentares parcialmente digeridos. Freqüentemente, é possível reconhecer, no material vomitado, alimentos ingeridos muitas horas antes. O exame físico, nestes casos, pode revelar sinais de dilatação e estase gástrica, como o vascolejo, à manobra de sucussão hipocrática. Nesta forma de apresentação clínica das gastroparesias, o emagrecimento acentuado é a regra.
Mais freqüentemente, o diagnóstico de gastroparesia é estabelecido a partir da exploração de sintomas dispépticos de menor relevância aparente, como a plenitude pós-prandial, a saciedade precoce, as eructações, as náuseas ocasionais, a pirose e o desconforto epigástrico. O emagrecimento não aparenta ser relevante e inexistem os sinais físicos de estase gástrica.
O terceiro tipo de apresentação clínica consiste no quadro de emagrecimento, com relato de diminuição da ingestão alimentar, sendo pobre ou inexistente a sintomatologia dispéptica e ausentes, ou pouco aparentes, as alterações do exame físico. Nesta forma, podem ocorrer sinais de hipovitaminose, como queilite ou glossite.
A quarta modalidade de apresentação clínica das gastroparesias é própria dos casos de diabetes melito em que há dificuldade de controle metabólico, apesar de tomadas as medidas terapêuticas indicadas. Dificuldade da manutenção do peso corporal e de níveis glicêmicos apropriados deve ser motivo de suspeita de gastroparesia, mesmo em casos absolutamente assintomáticos.
É importante notar que a gastroparesia diabética associa-se, freqüentemente, à ocorrência de neuropatia autonômica, que pode se manifestar por tonturas ocasionadas por hipotensão postural, distúrbios da sudorese, dificuldades miccionais ou infecções urinárias recorrentes, impotência sexual e diarréia com incontinência fecal.
Exploração diagnóstica
Estabelecida a suspeita diagnóstica de retarde do esvaziamento gástrico, é conveniente organizar, inicialmente, avaliação clínico-laboratorial visando excluir causa removível1,2. Em especial, deve ser cogitada a possibilidade de uso de medicamento sabidamente associado às gastroparesias (Quadro 1), ou de condição que afete a motilidade gástrica, como distúrbio eletrolítico ou metabólico, ou afecção de natureza neuropsiquiátrica. Nesta etapa da abordagem, exames de sangue de ordem hematológica e bioquímica podem contribuir para a avaliação do grau de repercussão do quadro sobre o estado nutricional.
Cumprida esta etapa inicial e persistindo a suspeita de estase gástrica definida, é obrigatória a realização de endoscopia digestiva alta, para a exclusão formal de obstrução mecânica antro-piloro-duodenal. Havendo evidências fortes de dilatação e estase gástrica, é conveniente providenciar aspiração e lavagem gástricas e manter o paciente sem alimentação por via oral, por um a dois dias. Isto evita que a repleção do estômago com restos alimentares prejudique a adequada visualização das porções superiores do trato gastrintestinal.
Estudo do esvaziamento gástrico
Feita a exclusão de obstrução orgânica, torna-se necessário o estudo do esvaziamento gástrico, de modo a qualificar e quantificar as alterações prevalentes. Existem, atualmente, numerosos métodos para a determinação do ritmo de esvaziamento gástrico (Quadro 2). Destes, o mais preciso é a cintilografia gástrica, que consiste na determinação da radioatividade contida no interior do estômago em diferentes instantes após a ingestão de uma refeição de prova "marcada" com radioisótopos1,2,11. O delineamento da região de interesse correspondente ao estômago é relativamente fácil, em função da forma característica do órgão (Fig. 2). Neste exame, é possível não só acompanhar a seqüência de imagens indicativas do esvaziamento do estômago, como, também, obter curvas indicativas da variação da radioatividade intragástrica ao longo do tempo, cuja análise pode fornecer dados quantitativos precisos sobre as diferentes etapas da evacuação gástrica.
Apesar da sua excelência como método de determinação precisa do ritmo do esvaziamento gástrico, a aplicação da cintilografia é grandemente limitada por depender de equipamento muito caro, somente disponível em poucos centros. Um método alternativo altamente promissor é a ultra-sonografia, que alia as vantagens de razoável acurácia, baixo custo e ampla disponibilidade12. Além disso, com equipamentos a tempo real de alta resolução, transdutores lineares de freqüência apropriada e recursos para dopplermetria, é possível obter informações sobre a freqüência e a amplitude das contrações antrais e sobre os fluxos pela junção antroduodenal13,14.
Na impossibilidade de acesso a métodos de determinação do ritmo do esvaziamento gástrico, é possível inferir, com mais objetividade, sobre a ocorrência de estase gástrica por meio de dois outros recursos: a radiologia e a aspiração gástrica. O estudo contrastado convencional do estômago e do duodeno (seriografia) pode mostrar órgão dilatado, repleto de líquido ou de resíduos alimentares, esvaziando-se com dificuldade (Fig. 3). A tomada de radiografia tardia (6 horas) pode mostrar estômago contendo, ainda, parte da refeição, que pode ser a própria suspensão usual de sulfato de bário ou, mais apropriadamente, refeição de prova padronizada, contendo partículas de meio de contraste ou pequenos pedaços de material sólido radiopaco15. É importante salientar que a demonstração radiológica de estômago alongado, de "aspecto hipotônico", não implicaper se em retarde do esvaziamento gástrico.
Por outro lado, o recurso da aspiração gástrica pode revelar grande quantidade de líquido presente no estômago após jejum noturno de 10 ou 12 horas, circunstância indicativa de estase gástrica. Por meio da tubagem gástrica é possível, ainda, executar teste simplificado do esvaziamento gástrico, verificando-se qual a quantidade que pode ser recuperada algum tempo depois da instilação de volume conhecido de salina. Deve-se ter em mente, entretanto, que, no diagnóstico das gastroparesias, é incerta a validade destas medidas que eram empregadas antigamente no diagnóstico da obstrução gastroduodenal secundária a úlcera péptica.
A importância de se procurar avaliar o mais objetivamente o estado real do esvaziamento gástrico é salientada em trabalhos em que se verificou que apenas uma proporção relativamente pequena dos casos suspeitos de gastroparesia apresenta, efetivamente, retarde do esvaziamento gástrico. Na maior parte das vezes, o estômago esvazia-se normalmente ou apresenta evacuação em ritmo até acelerado, apesar da ocorrência de sintomas dispépticos sugestivos de estase gástrica16 . Além disso, no diabetes melito, pode ser demonstrado expressivo retarde do esvaziamento gástrico em casos que apresentam poucos ou nenhum sintoma dispéptico, conforme anteriormente mencionado.
TRATAMENTO
Aspectos gerais
Os objetivos gerais do tratamento das gastroparesias compreendem a correção da anormalidade funcional do esvaziamento gástrico, o alívio dos sintomas, a reparação do estado nutricional e a prevenção das suascomplicações. Entre estas, vale mencionar: 1) as conseqüências metabólicas, cardiovasculares e neuromusculares dos distúrbios eletrolíticos; 2) as várias conseqüências de diferentes carências nutricionais; 3) a absorção errática de medicamentos; 4) as dificuldades de controle metabólico, nos diabéticos; e 5) a formação de bezoares, nos casos mais graves.
Os recursos terapêuticos atualmente disponíveis incluem os medicamentos, especialmente as drogas pró-cinéticas, o tratamento dietético, as intervenções nutricionais e, em casos excepcionais, o tratamento cirúrgico17-20, conforme se apresenta no Quadro 3.
O manejo terapêutico das gastroparesias depende, em parte, da gravidade dos casos. Para fins de simplificação da abordagem, consideraremos, a seguir, as medidas indicadas em situações arbitrariamente catalogadas como de "casos mais graves", "casos menos graves", "recidivas" e "refratariedade".
Nos casos mais graves, que se apresentam com evidências de grande estase gástrica, a primeira etapa do tratamento consiste em manter o paciente sem alimentação por via oral, por alguns dias. Neste período, procede-se à aspiração contínua do conteúdo gástrico, enquanto se mantém o paciente com esquema de hidratação e nutrição por via parenteral e inicia-se a administração venosa de drogas pró-cinéticas. A prescrição de nutrição parenteral deve contemplar a correção de eventuais distúrbios eletrolíticos e do equilíbrio ácido-básico, assim como a de possíveis carências vitamínicas21. Se o paciente apresentar náuseas ou vômitos em freqüência e intensidade relevantes, a droga pró-cinética de escolha é a metoclopramida, em função dos seus efeitos antieméticos centrais. Caso contrário, a droga pró-cinética que, provavelmente, se associa a maior probabilidade de se obter melhores resultados, conforme se depreenderá das considerações feitas na seção seguinte, é a cisaprida.
Havendo evidências de melhora, pode-se, após alguns dias, iniciar a alimentação por via oral, recomendando-se, inicialmente, dieta líquida e, depois de um a dois dias, dieta pastosa. Esta é, também, a abordagem terapêutica inicial a ser adotada nos casos de menor gravidade. Nestes casos, a base do tratamento é a prescrição alimentar associada ao uso de pró-cinéticos. O volume administrado por refeição deve ser pequeno, com recomendação de se fazer maior número de refeições por dia. Deve-se evitar por completo o uso de fibras vegetais indigeríveis, e a dieta deve conter teor mínimo de gorduras, que constituem o nutriente com maior poder de inibição fisiológica do esvaziamento gástrico4,5. Habitualmente, prescreve-se "dieta líquida" ou "pastosa". Havendo boa aceitação da dieta, pode-se suspender a alimentação parenteral e passar a administrar o medicamento pró-cinético por via oral.
Havendo indícios de recidiva ou refratariedade, deve-se suspender, novamente, a alimentação por via oral e modificar o regime de administração de pró-cinéticos. Esta mudança pode consistir no aumento da dose da cisaprida ou, alternativamente, a adição de outro agente, como a domperidona8, ou, ainda, a substituição da cisaprida pela eritromicina19.
Nestes casos, está indicada a introdução de alimentação enteral, por sonda posicionada no duodeno ou no jejuno proximal. Havendo boa tolerância a esta medida e inexistindo distúrbio motor mais generalizado, comprometendo as porções mais proximais do intestino delgado, a alimentação enteral pode ser mantida por longo período de tempo, até que se estabeleça controle mais adequado do retarde do esvaziamento gástrico.
Drogas pró-cinéticas
As drogas pró-cinéticas constituem-se, atualmente, no esteio principal do tratamento das gastroparesias17-22. Integram este conjunto vários medicamentos de diferentes grupos farmacológicos, que são resumidos nos quadros 4 e 5.
Dentre as diversas drogas pró-cinéticas, a cisaprida é a que adquiriu posição de maior relevo17,18,22, em função de três fatores principais: 1) maior experiência acumulada; 2) maior eficácia terapêutica comprovada; e 3) maior segurança no uso, ocasionada pela menor freqüência de efeitos colaterais indesejáveis.
A cisaprida é um derivado benzamídico que tem como seu principal mecanismo de ação o estímulo à liberação de acetilcolina pelos neurônios do plexo mientérico envolvidos na regulação da motilidade gastrintestinal19. Os efeitos fisiológicos da sua administração incluem o aumento da pressão basal do esfíncter inferior do esôfago e o aumento da contratilidade antral, que redunda em aceleração do ritmo do esvaziamento gástrico. Outros efeitos importantes compreendem o aumento da atividade motora propulsiva do intestino delgado e dos cólons. Destas ações resulta um amplo leque de indicações clínicas, que inclui a esofagite de refluxo, as gastroparesias, as dispesias funcionais, particularmente as do tipo "dismotilidade", os distúrbios motores generalizados que se apresentam como pseudo-obstrução intestinal, e os diferentes estados caracterizados por constipação intestinal, incluindo os distúrbios "funcionais" próprios da chamada "síndrome do cólon irritável22.
Ainda que o desenvolvimento de drogas pró-cinéticas tenha representado um grande progresso no tratamento das gastroparesias, persistem, ainda, várias questões associadas ao seu uso e que impedem adoção irrestrita desta modalidade terapêutica20. Entre os pontos que merecem menção, destacam-se a dissociação encontrada em alguns trabalhos entre efeito sobre os sintomas e ação restauradora do esvaziamento gástrico. Em alguns estudos, verificou-se correção inequívoca do retarde do esvaziamento gástrico, mas ausência de efeito sobre os sintomas23.
Outra limitação ao uso das drogas pró-cinéticas é a tendência, quase uniforme, de haver perda do efeito terapêutico com o passar do tempo19,24. Além disso, deve ser destacado o fato de que muitas drogas propostas como efetivas, no tratamento das gastroparesias, não tiveram esta efetividade adequadamente comprovada em ensaios terapêuticos conduzidos com métodos apropriados.
Não obstante, um grande número de novas drogas tem sido proposto (Quadro 5) e estão em investigação. Com efeito, o desenvolvimento de novos agentes passíveis de serem empregados no tratamento dos distúrbios motores gastroduodenais constitui, atualmente, uma das áreas de crescimento mais vertiginoso no campo da pesquisa científica em Gastrenterologia. Incluem este conjunto de novos agentes outros derivados benzamídicos similares à cisaprida, substâncias análogas à somatostatina, agonistas dos receptores da motilina similares à eritromicina, antagonistas opióides e diversos antagonistas serotonínicos, entre outros. A observação das ações farmacológicas destes novos agentes pode fornecer informações não só sobre os seus efeitos terapêuticos, mas também sobre os mecanismos fisiológicos envolvidos na regulação da motilidade gastroduodenal e os fatores etiopatogênicos responsáveis pela produção dos distúrbios do esvaziamento gástrico.
Um exemplo disto é a verificação recente de nosso grupo, de que a clonidina foi capaz de melhorar sintomas gastroparéticos e acelerar o esvaziamento gástrico em pacientes com gastroparesia diabética associada a neuropatia autonômica25. A clonidina é um agonista alfa-adrenérgico usado como anti-hipertensivo que, em pessoas normais, inibe a motilidade gastrintestinal e provoca retarde do esvaziamento gástrico. Este achado, aparentemente paradoxal, sugere que, ao contrário do que se supõe6, lesões de vias adrenérgicas, tanto quanto de vias colinérgicas, podem contribuir para o defeito do esvaziamento gástrico na neuropatia diabética. Esta observação indica, ainda, que a clonidina pode ser uma alternativa terapêutica para a gastroparesia diabética.
Além do seu interesse terapêutico, esta observação ilustra o fato de que nosso conhecimento sobre os mecanismos etiopatogênicos envolvidos na gênese das gastroparesias é, ainda, muito restrito.
Tratamento cirúrgico
Em casos de excepcional gravidade, incluindo os refratários a qualquer abordagem terapêutica, tem sido considerada a possibilidade de tratamento cirúrgico, nas modalidades apresentadas no Quadro 5. No entanto, operações de drenagem, como as gastrenteroanastomoses e as ressecções gástricas parciais, estão sendo abandonadas, em função do limitado sucesso, que se associa a morbidade apreciável20. Em casos de gastroparesias graves e refratárias, provocadas por operações prévias sobre o estômago, a gastrectomia total, com reconstrução esofagojejunal, tem sido proposta em alguns centros. Porém, o balanço entre sucesso terapêutico e baixa morbidade recomenda, atualmente, atitude mais conservadora. Neste sentido, as operações mais restritas, como as gastrostomias para drenagem, associadas a enterostomias para obtenção de vias de acesso a nutrição enteral, têm sido preferidas20.
Outras medidas
O tratamento das gastroparesias inclui, finalmente, alguns recursos de caráter ainda experimental, disponíveis somente em alguns centros de pesquisa1. Entre estes recursos, vale mencionar o tratamento comportamental, o condicionamento operante e a hipnoterapia, medidas estas de utilidade incerta. É, também, incerto o valor da psicoterapia no tratamento das gastroparesias. Em nosso entender, observações efetuadas em condições "funcionais" com possível relação etiopatogênica aos distúrbios motores do aparelho digestivo26 sugerem, por analogia, que a psicoterapia pode ser indicada, com expectativa de bons resultados, nos casos em que a observação clínica sugere evidências de dificuldades na esfera psico-emocional, como ansiedade e depressão, como manifestações associadas a gastroparesia.
CONCLUSÕES
As gastroparesias compreendem um conjunto variado de condições crônicas que se caracterizam por esvaziamento gástrico retardado, na ausência de obstrução mecânica antro-piloro-duodenal.
O retarde do esvaziamento gástrico, próprio desta entidade, pode ser causado não só por redução da força contrátil da musculatura do antro gástrico, mas também por distúrbios motores afetando o fundo gástrico, o piloro e o intestino delgado. Estes distúrbios motores podem ser provocados por diferentes doenças, incluindo afecções neuromusculares do tubo digestivo, estados pós-operatórios e uso continuado de alguns medicamentos. Grande parte dos casos, entretanto, não tem etiologia conhecida.
O ponto de partida para o diagnóstico das gastroparesias é o reconhecimento de sintomas próprios, como queixas dispépticas de plenitude epigástrica, saciedade precoce e náuseas, ou sintomas de vômitos alimentares tardios, associados a emagrecimento. No entanto, muitos casos de gastroparesias, particularmente em diabéticos, são assintomáticos. O diagnóstico da gastroparesia é feito, nestes casos, a partir de suspeição específica, em portadores de doenças crônicas passíveis de afetar a motilidade gastrintestinal. Por outro lado, em proporção apreciável dos pacientes com queixas dispépticas, não há nenhuma anormalidade do esvaziamento gástrico.
O diagnóstico definitivo das gastroparesias envolve, obrigatoriamente, a exclusão endoscópica de obstrução mecânica antro-piloro-duodenal e, quando possível, a demonstração, por técnicas apropriadas, de retarde do esvaziamento gástrico.
O tratamento das gastroparesias inclui medidas de ordem dietético-nutricional e o uso de drogas pró-cinéticas. Avanços constantes no campo dos agentes pró-cinéticos oferecem a possibilidade de alta eficácia terapêutica em futuro próximo, mas ainda existem limitações ao uso corrente destes medicamentos. O tratamento cirúrgico pode ser indicado para garantir via de acesso para nutrição enteral em casos refratários ao tratamento clínico, mas procedimentos mais agressivos devem ser evitados.
AGRADECIMENTOS
O autor agradece o Prof. Dr. Ricardo Brandt de Oliveira, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, pela cuidadosa revisão deste artigo, e à Dra. Lucilene Rosa-e-Silva, pelo auxílio na confecção das ilustrações. Agradece, também, a Sra. Regina Helena Bertoli Benati, que digitou o manuscrito.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Out 2000 -
Data do Fascículo
Set 1997