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Avaliação do casal infértil: uma análise racional

Diretrizes

Ginecologia

AVALIAÇÃO DO CASAL INFÉRTIL: UMA ANÁLISE RACIONAL

A avaliação do casal infértil vem sofrendo modificações na era da Reprodução Assistida (RA). O clássico conceito de que todos os casais inférteis devem passar por toda uma propedêutica básica vem cedendo lugar a uma abordagem racional, ou seja, baseada em diversas variáveis que individualizam os casais.

Quando avaliar um casal? Com pelo menos um ano de relações sexuais regulares sem concepção ou história clínica que sugira risco de fator masculino (presença de criptorquidia, traumas, infecções) ou história que sugira fator feminino (antecedentes de endometriose, cirurgias pélvicas prévias, anovulação crônica ou idade superior a 35 anos).

Na avaliação do parceiro, pelo menos duas análises seminais são necessárias. Os parâmetros clássicos, como concentração, morfologia (preferencialmente a restrita, que melhor reflete prognóstico) e motilidade progressiva, muitas vezes já identificam um caso de RA. São considerados fatores absolutos de infertilidade (com indicação de RA) a azoospermia ou oligozoospermia severa (menos de 4 milhões de espermatozóides recuperados após um exame de capacitação, ou morfologia restrita com menos de 4% de espermatozóides normais).

A avaliação endócrina do parceiro está indicada em casos de oligoastenozoospermia severa, bloqueio de função sexual ou presença de sinais clínicos de endocrinopatia, e constitui-se basicamente de dosagens de PRL, testosterona e FSH. A análise de urina pós-ejaculatória está indicada em casos de diminuição de volume seminal.

Na avaliação da mulher, recomenda-se a avaliação colpocitológica básica. A pesquisa de agentes infecciosos específicos, como a clamídia, não é custo-efetiva, sendo razoável o tratamento prévio a qualquer procedimento, mesmo sem diagnóstico firmado. As dosagens hormonais de rotina também são muito questionáveis. Nas mulheres com ciclos menstruais regulares, recomenda-se apenas dosagens de PRL, FSH e TSH. Naquelas que não menstruam, as dosagens clássicas incluem o LH, FSH, PRL e TSH. Em suspeitas de hiperandrogenismo, dosagens de testosterona e 17 OH-P podem ajudar. Ainda assim, o diagnóstico de anovulação é essencialmente clínico, e as dosagens têm valor apenas para elucidar algum diagnóstico diferencial que mereça uma conduta mais específica, como hiperprolactinemia, disfunção tireoidiana ou adrenal.

A biópsia de endométrio tem pouco valor diagnóstico prático. O teste pós-coital tem sido encarado como um dos métodos menos úteis na avaliação da infertilidade. A histerosalpingografia (HSG) tem boa sensibilidade, mas não avalia o fator peritonial. As discussões atuais tentam substituí-la pela histerossonografia e até mesmo pela histeroscopia e laparoscopia. Usar histeroscopia como rotina tem menos consistência nos dias de hoje, pois o US (auxiliado em algumas vezes pela infusão líquida) é capaz de fazer um bom screening, e a histeroscopia é mais terapêutica do que diagnóstica para os casos de infertilidade.

Um ponto também controverso é o uso de laparoscopia diagnóstica de rotina. Casos com indicação de FIV/ICSI por fator masculino dispensam a laparoscopia. Eventuais hidrossalpinges, que poderiam deixar de ser diagnosticadas, podem ser diagnósticas ao US, e está indicada a salpingectomia prévia ao procedimento. Uma indicação de laparoscopia seria para se detectar endometriose. Há uma tendência em se indicar FIV como primeira escolha em casos de endometriose, pois os últimos dados sugerem que o tratamento clínico não aumenta as chances de gravidez, e o tratamento cirúrgico aumenta pouco esta chance. A depender de critérios como idade e tempo de infertilidade, ir direto para FIV em casos com endometriose não parece ser uma conduta demasiadamente intervencionista.

Está indicada uma análise cariotípica do casal em casos de abortamento habitual. Para os homens, indica-se em casos de oligoastenozoospermia severa e ausência congênita de dutos deferentes.

Comentário

Do ponto de vista de conduta, a RA constitui-se o grande avanço do tratamento do casal infértil. De acordo com a complexidade da abordagem a ser tomada, os caminhos seriam: indução de ovulação com coito natural e programado, indução de ovulação e inseminação intra-uterina (apenas para homens com mais de 5 milhões de espermatozóides móveis recuperados e mais de 4% de morfologia normal), FIV (apenas para homens com mais de 1 milhão de espermatozóides móveis recuperados e mais de 4% de morfologia normal) ou ICSI. Insistir em adotar técnicas mais conservadoras, sem respeitar estes limites apontados para a avaliação seminal, implica em elevar custos psicológicos e financeiros sem benefícios comprovados.

RUI ALBERTO FERRIANI

Referências

1. Balasch J. Investigation of the infertile couple. Hum Reprod 2000;15:2251-7.

2. Optimal use of infertility diagnostic tests and treatments. The ESHRE Workshop Group,. Hum Reprod 2000;15:723-32.

3. American Society Reproduction Medicine. A practice committee report; 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2002
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
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