EDITORIAL
Revalidação baseada em evidências e centrada no paciente
Ao refletirmos sobre o papel da revalidação médica, temos antes de lembrar que, o profissionalismo médico, as expectativas dos pacientes e o declínio do conhecimento médico são elementos centrais neste processo.
O médico é pessoalmente responsável por sua própria capacidade de prover bons cuidados, fazendo parte da responsabilidade coletiva com seus colegas. O profissionalismo traduz esta responsabilidade de três maneiras principais: o máximo de experiência e conhecimento técnico; princípios e valores éticos (honestidade, respeito e confiabilidade); e noções sobre atenção e servir.
A revalidação é a expressão essencial do profissionalismo e uma demonstração de responsabilidade para com o paciente e o público, à medida que naturalmente faz o médico refletir sobre esses componentes da boa prática.
Mas, é possível se criar uma cultura de profissionalismo na medicina em harmonia com as expectativas dos pacientes? No século 20, a profissão foi progressivamente impactada com o desenvolvimento da ciência médica e da tecnologia, embora se mantendo profundamente conservadora em relação à atitude e ao relacionamento humano, sobre os quais os pacientes se preocupam grandemente. Os pacientes querem estar seguros de que seus médicos são experientes, competentes, respeitosos e honestos, e espera que haja um sistema de regulação que garanta isso.
No entanto, apesar da obrigação médica e das expectativas dos pacientes, o desempenho do médico declina com o tempo. Diversos estudos mostram que os médicos falham na prática, de acordo com a melhor evidência, e continuam a prover cuidados inadequados. Muitos estudos revelam um decréscimo progressivo no nível do conhecimento, após mais de dez anos de prática médica.
Profissionalismo, expectativa dos pacientes e declínio do desempenho dos médicos juntos convergem para fazer a revalidação necessária. Entretanto, particularmente a satisfação dessa necessidade pode estar limitada por questões de regulação médica, de governança clínica e de natureza metodológica.
Pode ser difícil persuadir alguns médicos de que a idéia de liberdade clínica total é incompatível com a prática baseada em evidências. É de se entender que o conhecimento e as habilidades especializadas, que formam a base da profissão, fazem com que o profissional não esteja disposto a ser regulado. Nesse sentido, a regulação pela própria classe médica é a melhor opção.
A profissão tem dificuldade para se engajar como ciência emergente direcionada à melhoria da qualidade da atenção à saúde, mas hoje temos uma chance única na condução desse processo. De fato, a indiferença e a determinação de resistir a novos caminhos, presentes em muitas instituições, procuram diminuir o impacto de algumas iniciativas profissionais proeminentes.
As entidades médicas AMB e CFM funcionam como braço armado da profissão, assumindo a responsabilidade de desenvolver o profissionalismo de alta qualidade, tornando transparente o padrão de boa prática. É um passo radical que demonstra o compromisso sério com a medicina centrada no paciente.
Não podemos ignorar o crescente envolvimento dos governantes, pagadores e pacientes na regulação da atividade médica. A profissão médica deve resistir à tentação de se desviar da pressão para reformas. Os médicos devem tomar o controle da situação, através de suas instituições representativas, movendo-se na direção de um forte programa de revalidação. Médicos e pacientes não têm alternativa melhor.
A revalidação deve contribuir diretamente para o desenvolvimento de sistemas nacionais de melhoria e garantia de qualidade nas equipes médicas e instituições nas quais os médicos trabalham. Muitos times estão se esforçando com as questões conceituais e práticas, e precisam de ajuda. É de responsabilidade das instituições que determinam os padrões profissionais e dos provedores de saúde fazer com que a governança clínica funcione de maneira apropriada.
A boa prática médica tem se beneficiado do treinamento médico, sendo através da educação médica continuada que as mudanças culturais reais serão alcançadas. As evidências têm aumentado no sentido de que a prática baseada no aprendizado aumenta a qualidade do cuidado em saúde e a sua inclusão é especialmente importante, dado o declínio do desempenho médico com o tempo.
O desempenho médico melhora quando o aprendizado incorpora testes de conhecimento e avaliação das necessidades da prática médica. Esses testes apresentam excelente oportunidade ao médico de acessar o seu conhecimento frente a fatos e princípios que compõem as decisões clínicas.
Reafirmando o compromisso com o profissionalismo médico, a Revista da Associação Médica Brasileira, em associação com o Projeto Diretrizes, dá início a uma nova seção: "Revalidação baseada em evidências e centrada no paciente". Esta nova seção tem como objetivo principal trazer ao leitor, especialista ou generalista, casos clínicos da prática diária, para que sejam discutidos à luz das recomendações do Projeto Diretrizes da AMB e do CFM.
Faz parte do projeto, em tempo oportuno, disponibilizar esta seção on-line, para que o leitor possa participar através de suas respostas de processo educativo continuado, que poderá valer créditos no processo de revalidação.
Esperamos que cenários de dúvidas em decisão clínica, discutidos frente às recomendações do Projeto Diretrizes, possam contribuir para a disseminação do conhecimento baseado em evidências e centrado no paciente, e em especial, para a atualização e auto-avaliação do médico.
Wanderley Marques Bernardo
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Ago 2005 -
Data do Fascículo
Ago 2005