Resumos
OBJETIVO: Realizar uma análise comparativa entre as lesões encontradas em motociclistas envolvidos em acidentes de trânsito e vítimas de outros mecanismos de trauma fechado. MÉTODOS: Análise dos protocolos (colhidos prospectivamente) dos traumatizados com idade superior a 13 anos, admitidos de 10/06/2008 a 01/09/2009, vítimas de trauma fechado. Foram coletadas informações sobre mecanismo de trauma, dados vitais à admissão, exames complementares, lesões e tratamento. A estratificação da gravidade do trauma e das lesões foi realizada pelo cálculo dos índices de trauma: RTS, escala de coma de Glasgow (ECG), AIS, ISS e TRISS. Comparamos as variáveis entre os motociclistas (grupo A) e os demais (grupo B). Consideramos graves as lesões com AIS > 3. Para a análise estatística, utilizamos os testes t de Student, Mann Whitney, qui-quadrado e Fisher, considerando p < 0,05 significativo. RESULTADOS: Foram incluídos no estudo 3.783 vítimas de trauma fechado, com idade de 14 a 99 anos, sendo 76,0% do sexo masculino. Os mecanismos de trauma mais frequentes foram os acidentes com motociclistas (24,4%) e atropelamentos (22,6%). Na comparação das variáveis entre os grupos A e B, observamos que os motociclistas apresentaram, significativamente, (p < 0,05), menor média etária (28,9 ± 8,5 anosvs. 42,4 ± 18,5 anos) e menor média de AIS em segmento cefálico (0,3 ± 0,9 vs. 0,8 ± 1,1), como também, maior média da ECG à admissão (14,5 ± 1,9vs. 14,2 ± 2,2), de AIS em extremidades (1,5 ± 1,2 vs. 0,9 ± 1,2), de RTS (7,8 ± 0,5 vs. 7,7 ± 0,6) e de TRISS (0,98 ± 0,1 vs. 0,97 ± 0,1). O gênero masculino foi significativamente mais frequente no grupo A (87,9%vs. 72,6%). Na comparação das lesões entre os grupos, notamos que os motociclistas apresentaram, significativamente, (p < 0,05), menor frequência de hematomas extradurais (0,6% vs. 2,1%), hematomas subdurais (0,9% vs. 2,1%), hemorragia subaracnóidea (0,9% vs. 2,2%), contusão encefálica (1,2% vs. 3,6%) e lesões graves em crânio (4,8%vs. 9,4%), bem como maior frequência de lesão axonal difusa (1,6%vs. 0,7%), fraturas de membros superiores (7,9%vs. 4,4%), inferiores (7,7%vs. 5,2%), e lesões graves em extremidades (20,6%vs. 12,6%). CONCLUSÃO: Em comparação às vítimas dos demais mecanismos de trauma, os motociclistas apresentaram menor frequência e gravidade das lesões em segmento cefálico, bem como maior frequência e gravidade das lesões em extremidades.
Ferimentos e lesões; índices de gravidade do trauma; acidentes de trânsito; motocicletas; ferimentos não penetrantes
OBJECTIVE: To conduct a comparative analysis of the lesions found among motorcycle riders involved in traffic accidents and victims of other mechanisms of blunt trauma. METHODS: Analysis of data prospectively collected on protocols for trauma patients older than 13 years, admitted from 06/10/2008 to 09/01/2009, victims of blunt trauma. Data collected included trauma mechanism, vital signs at admission, laboratory tests, injuries, and treatment.Stratification of trauma and lesion severity was performed by calculating the trauma index: Glasgow Coma Scale (GCS), Revised Trauma Score (RTS), Abbreviated Injury Scale (AIS), Injury Severity Score (ISS) and TRISS. We compared the variables between motorcycle riders (group A) and the others (group B). Severe injuries were considered when AIS > 3. For statistical analysis, we used Student's t, Mann Whitney, chi-square and Fisher's test, with p < 0.05 considered statistically significant. RESULTS: The study included 3,783 blunt trauma victims, aged 14 to 99 years, of which 76.0% were males. The most frequent trauma mechanisms were accidents involving motorcycle riders (24.4%) and pedestrians (22.6%). When comparing the variables between groups A and B, we observed that motorcycle riders were significantly (p < 0.05) younger (28.9 ± 8.5 years vs. 42.4 ± 18.5 years) and had lower mean AIS in the head segment (0.3 ± 0.9 vs. 0.8 ± 1.1), as well as higher mean GCS at admission (14.5 ± 1.9 vs. 14.2 ± 2.2), AIS in the extremities (1.5 ± 1.2 vs. 0.9 ± 1.2), RTS (7.8 ± 0.5 vs. 7.7 ± 0.6) and TRISS (0.98 ± 0.1 vs. 0.97 ± 0.1). Men were significantly more frequent in group A (87.9% vs. 72.6%). When comparing injuries between groups, we observed that the motorcycle riders had significantly (p < 0.05) lower frequency of extradural hematomas (0.6% vs. 2.1%), subdural hematomas (0.9% vs. 2.1%), subarachnoid hemorrhage (0.9% vs. 2.2%), brain injury (1.2 vs. 3.6%), and severe head injuries (4.8% vs. 9.4% ), as well as higher frequency of diffuse axonal injury (1.6% vs. 0.7%), upper- (7.9% vs. 4.4%) and lower-limb fractures (7.7% vs. 5, 2%), and severe extremity lesions (20.6% vs. 12.6%). CONCLUSION: Compared to victims of other trauma mechanisms, motorcycle riders had a lower frequency and severity of head injuries, as well as increased frequency and severity of lesions in the extremities.
Wounds and lesions; trauma severity index; traffic accidents; motorcycles; blunt trauma
ARTIGO ORIGINAL
Análise comparativa entre as lesões encontradas em motociclistas envolvidos em acidentes de trânsito e vítimas de outros mecanismos de trauma fechado
Comparative analysis of injuries observed in motorcycle riders involved in traffic accidents and victims of other blunt trauma mechanisms
José Gustavo ParreiraI; Felipe GregorutII; Jacqueline A. Giannini PerlingeiroI; Silvia C. SoldaI; José Cesar AssefIII
IDoutores em Medicina; Professores-assistentes do Departamento de Cirurgia; Médicos-assistentes do Serviço de Emergência na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IIAluno do Curso de Graduação em Medicina, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IIIProfessor Adjunto do Departamento de Cirurgia; Diretor do Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Correspondência para Correspondência para: José Gustavo Parreira Rua Dr. Cesário Motta Júnior, 112, Santa Cecília São Paulo, SP, Brasil, CEP: 01221-020 jgparreira@uol.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Realizar uma análise comparativa entre as lesões encontradas em motociclistas envolvidos em acidentes de trânsito e vítimas de outros mecanismos de trauma fechado.
MÉTODOS: Análise dos protocolos (colhidos prospectivamente) dos traumatizados com idade superior a 13 anos, admitidos de 10/06/2008 a 01/09/2009, vítimas de trauma fechado. Foram coletadas informações sobre mecanismo de trauma, dados vitais à admissão, exames complementares, lesões e tratamento. A estratificação da gravidade do trauma e das lesões foi realizada pelo cálculo dos índices de trauma: RTS, escala de coma de Glasgow (ECG), AIS, ISS e TRISS. Comparamos as variáveis entre os motociclistas (grupo A) e os demais (grupo B). Consideramos graves as lesões com AIS > 3. Para a análise estatística, utilizamos os testes t de Student, Mann Whitney, qui-quadrado e Fisher, considerando p < 0,05 significativo.
RESULTADOS: Foram incluídos no estudo 3.783 vítimas de trauma fechado, com idade de 14 a 99 anos, sendo 76,0% do sexo masculino. Os mecanismos de trauma mais frequentes foram os acidentes com motociclistas (24,4%) e atropelamentos (22,6%). Na comparação das variáveis entre os grupos A e B, observamos que os motociclistas apresentaram, significativamente, (p < 0,05), menor média etária (28,9 ± 8,5 anosvs. 42,4 ± 18,5 anos) e menor média de AIS em segmento cefálico (0,3 ± 0,9 vs. 0,8 ± 1,1), como também, maior média da ECG à admissão (14,5 ± 1,9vs. 14,2 ± 2,2), de AIS em extremidades (1,5 ± 1,2 vs. 0,9 ± 1,2), de RTS (7,8 ± 0,5 vs. 7,7 ± 0,6) e de TRISS (0,98 ± 0,1 vs. 0,97 ± 0,1). O gênero masculino foi significativamente mais frequente no grupo A (87,9%vs. 72,6%). Na comparação das lesões entre os grupos, notamos que os motociclistas apresentaram, significativamente, (p < 0,05), menor frequência de hematomas extradurais (0,6% vs. 2,1%), hematomas subdurais (0,9% vs. 2,1%), hemorragia subaracnóidea (0,9% vs. 2,2%), contusão encefálica (1,2% vs. 3,6%) e lesões graves em crânio (4,8%vs. 9,4%), bem como maior frequência de lesão axonal difusa (1,6%vs. 0,7%), fraturas de membros superiores (7,9%vs. 4,4%), inferiores (7,7%vs. 5,2%), e lesões graves em extremidades (20,6%vs. 12,6%).
CONCLUSÃO: Em comparação às vítimas dos demais mecanismos de trauma, os motociclistas apresentaram menor frequência e gravidade das lesões em segmento cefálico, bem como maior frequência e gravidade das lesões em extremidades.
Unitermos: Ferimentos e lesões; índices de gravidade do trauma; acidentes de trânsito; motocicletas; ferimentos não penetrantes.
SUMMARY
OBJECTIVE: To conduct a comparative analysis of the lesions found among motorcycle riders involved in traffic accidents and victims of other mechanisms of blunt trauma.
METHODS: Analysis of data prospectively collected on protocols for trauma patients older than 13 years, admitted from 06/10/2008 to 09/01/2009, victims of blunt trauma. Data collected included trauma mechanism, vital signs at admission, laboratory tests, injuries, and treatment.Stratification of trauma and lesion severity was performed by calculating the trauma index: Glasgow Coma Scale (GCS), Revised Trauma Score (RTS), Abbreviated Injury Scale (AIS), Injury Severity Score (ISS) and TRISS. We compared the variables between motorcycle riders (group A) and the others (group B). Severe injuries were considered when AIS > 3. For statistical analysis, we used Student's t, Mann Whitney, chi-square and Fisher's test, with p < 0.05 considered statistically significant.
RESULTS: The study included 3,783 blunt trauma victims, aged 14 to 99 years, of which 76.0% were males. The most frequent trauma mechanisms were accidents involving motorcycle riders (24.4%) and pedestrians (22.6%). When comparing the variables between groups A and B, we observed that motorcycle riders were significantly (p < 0.05) younger (28.9 ± 8.5 years vs. 42.4 ± 18.5 years) and had lower mean AIS in the head segment (0.3 ± 0.9 vs. 0.8 ± 1.1), as well as higher mean GCS at admission (14.5 ± 1.9 vs. 14.2 ± 2.2), AIS in the extremities (1.5 ± 1.2 vs. 0.9 ± 1.2), RTS (7.8 ± 0.5 vs. 7.7 ± 0.6) and TRISS (0.98 ± 0.1 vs. 0.97 ± 0.1). Men were significantly more frequent in group A (87.9% vs. 72.6%). When comparing injuries between groups, we observed that the motorcycle riders had significantly (p < 0.05) lower frequency of extradural hematomas (0.6% vs. 2.1%), subdural hematomas (0.9% vs. 2.1%), subarachnoid hemorrhage (0.9% vs. 2.2%), brain injury (1.2 vs. 3.6%), and severe head injuries (4.8% vs. 9.4% ), as well as higher frequency of diffuse axonal injury (1.6% vs. 0.7%), upper- (7.9% vs. 4.4%) and lower-limb fractures (7.7% vs. 5, 2%), and severe extremity lesions (20.6% vs. 12.6%).
CONCLUSION: Compared to victims of other trauma mechanisms, motorcycle riders had a lower frequency and severity of head injuries, as well as increased frequency and severity of lesions in the extremities.
Keywords: Wounds and lesions; trauma severity index; traffic accidents; motorcycles; blunt trauma.
INTRODUÇÃO
Estima-se que, anualmente, acidentes de trânsito são responsáveis por aproximadamente 1,2 milhão de mortes em todo o mundo1. A população economicamente ativa, principalmente dos 15 aos 54 anos de idade, é a mais acometida, o que representa um sério problema socioeconómico e de saúde pública2. Nos últimos anos, notou-se um aumento progressivo no número de acidentes envolvendo condutores de motocicletas nas grandes cidades3. Alguns estudos demonstram que as principais lesões encontradas são ortopédicas, mas comprometimento de outros segmentos também ocorre com frequência3-5. Deve-se ressaltar que as sequelas secundárias a este tipo de acidentes também constituem um grave problema5.
No município de São Paulo, a taxa de mortalidade em motociclistas vítimas de acidentes de trânsito aumentou de 0,4/100 mil habitantes para 1,4/100 mil habitantes no período de 1996 a 20 0 56. Apesar das leis criadas na tentativa de diminuir a frequência desses acidentes, o número de condutores de motocicletas aumenta progressivamente devido às condições do trânsito nas grandes cidades2,6,7. Em nosso país, carecemos de dados mais elaborados a respeito da gravidade do trauma, das lesões mais frequentemente observadas, das sequelas e das complicações especificamente relacionadas aos acidentes envolvendo motociclistas. Essas informações poderiam auxiliar na implantação de medidas preventivas e de atendimento desses doentes, direcionando o médico na sua investigação diagnóstica e na decisão de prioridades.
O objetivo deste estudo é realizar uma análise comparativa entre as lesões encontradas em motociclistas envolvidos em acidentes de trânsito e vítimas de outros mecanismos de trauma fechado.
MÉTODOS
O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (063/2011).
Realizamos uma análise retrospectiva dos protocolos de trauma e dos prontuários (quando as informações contidas nos protocolos não fossem adequadas) de todas as vítimas de trauma fechado com idade superior a 13 anos admitidas na sala de emergência do Pronto-socorro Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo de 10/06/2008 a 01/09/2009. As informações foram armazenadas em banco de dados do software Microsoft Access. Foram registrados os dados relacionados a identificação, mecanismo de trauma, transporte pré-hospitalar, condição geral a admissão, exames realizados, lesões encontradas, tratamento realizado e complicações desenvolvidas. A gravidade do trauma e das lesões encontradas foi estratificada pelos índices: Escala de Coma de Glasgow (ECG)8, Revised Trauma Score (RTS)9,10, Abbreviated Injury Scale (AIS)11, Organ Injury Scale (OIS)12 e Injury Severity Score (ISS)13. Realizamos o cálculo da probabilidade de sobrevivência pelo método TRISS, um índice de gravidade que utiliza como parâmetros a idade, o RTS e o ISS14.
Os doentes foram separados em dois grupos: A: motociclistas e B: vítimas de outros mecanismos de trauma fechado (acidentes com condutores e passageiros de automóveis, atropelamentos, quedas e agressões físicas). Comparamos esses dois grupos com relação às diversas variáveis, na tentativa de identificar padrões específicos de trauma em motociclistas. Para a comparação entre os grupos, as lesões foram agrupadas de acordo com sua localização em segmentos cefálico, torácico, abdominal e em extremidades. Consideraremos como "graves" as lesões classificadas com AIS maior ou igual a três11.
Consideramos para análise apenas as variáveis com informações em mais de 95% do total de protocolos/prontuários. As variáveis numéricas serão apresentadas como média ± desvio-padrão. A análise estatística foi realizada com o Statistycal Package for Social Sciences® versão 16.0. Utilizamos o teste qui-quadrado ou Fisher para avaliar as variáveis categóricas. Para a comparação de médias, inicialmente realizamos a análise da normalidade da amostra pelo teste de Kolmogorov Smirnov. Nas variáveis com distribuição anormal, utilizamos o teste de Mann Whitney e, nas amostras com distribuição normal, o teste t de Student. Consideramos p < 0,05 como estatisticamente significativo. Calculamos também o odds ratio quando adequado.
RESULTADOS
Foram incluídos no estudo 3.783 vítimas de trauma fechado, com idade variando de 14 a 99 anos (média 39,0 ± 17,6 anos), sendo 76,0% do sexo masculino. Os mecanismos de trauma mais frequentes foram: acidentes envolvendo motociclistas em 924 casos (24,4%), atropelamentos em 855 (22,6%), quedas da própria altura em 644 (17,0%), quedas de nível em 455 (12%), agressão física em 424 (11,2%), acidentes com ocupantes de automóveis em 337 (8,9%) e outras causas em 144 (3,9%) (Tabela 1). As médias do RTS, ECG, ISS e TRISS para a amostra foram, respectivamente: 7,7 ± 0,6; 14,3 ± 2,1; 5,1 ± 8,3 e 0,97 ± 0,1.
Na comparação das variáveis numéricas entre os grupos A e B, observamos que os motociclistas apresentaram, significativamente, (p < 0,05), menor média etária (28,9 ± 8,5 anos vs. 42,4 ± 18,5 anos), menor média de pressão arterial sistólica a admissão (127,0 ± 17,1 mmHg vs. 129,2 ± 23,8 mmHg), menor média de frequência cardíaca a admissão (82,0 ± 12,4 bpmvs. 83,2 ± 13,9 bpm) e menor média de AIS em segmento cefálico (0,3 ± 0,9vs.0,8 ± 1,1), como também maior média da ECG à admissão (14,5 ± 1,9 vs. 14,2 ± 2,2), de AIS em extremidades (1,5 ± 1,2 vs. 0,9 ± 1,2), de RTS (7,8 ± 0,5 vs. 7,7 ± 0,6) e de TRISS (0,98 ± 0,1 vs. 0,97 ± 0,1). Não houve diferença significativa na comparação das médias de frequência respiratória, AIS em segmento torácico, AIS em segmento abdominal e ISS (Tabela 2).
O sexo masculino foi significativamente mais frequente no grupo A (87,9%vs. 72,6%). Nos motociclistas, as frequências de lesões encontradas em segmentos cefálico, torácico, abdominal e extremidades foram, respectivamente, 143 (15,5%), 51 (5,5%), 35 (3,8%) e 743 (80,4%). Na comparação das lesões entre os grupos, notamos que os motociclistas apresentaram, significativamente, (p < 0,05), menor frequência de hematomas extradurais (0,6%vs. 2,1%), hematomas subdurais agudos (0,9%vs. 2,1%), hemorragia subaracnóidea (0,9% vs. 2,2%), contusão cerebral (1,2%vs. 3,6%), fraturas em face (3,8%vs. 5,4%), necessidade de craniotomia (0,9% vs. 2,3%) e lesões graves em crânio (4,8%vs. 9,4%), bem como maior frequência de lesão axonal difusa (1,6%vs.0,7%), lesões em extremidades (80,4%vs. 52,2%), fraturas em membros superiores (7,9%vs. 4,4%), fraturas em membros inferiores (7,7%vs. 5,2%) e lesões graves em extremidades (20,6% vs. 12,6%) (Tabela 3).
Não encontramos diferença significativa na comparação entre os grupos com relação às frequências de trauma raquimedular (1,0% vs. 1,3%), hemotórax (1,9% vs. 1,6%), pneumotórax (1,8% vs. 1,8%), fraturas de costelas (2,6% vs. 3,7%), tórax flácido (0,9%vs. 1,2%), contusão pulmonar (1,7% vs. 1,8%), lesões graves em tórax (3,6% vs. 3,3%), necessidade de drenagem torácica (2,6%vs. 2,2%), lesões hepáticas (1,4% vs. 1,0%), lesões renais (0,6% vs. 0,4%), lesões de vísceras ocas (0,2%vs. 0,2%), lesões graves em abdome (2,7% vs. 2,1%), presença de hipotensão arterial à admissão (1,5% vs. 2,5%), fraturas de pelve (1,2% vs. 2,0%) e necessidade de laparotomia exploradora (1,4% vs. 1,3%).
Com relação à evolução clínica, observamos que os doentes do grupo A necessitaram, com menor frequência (p < 0,05), de internação em unidade de terapia intensiva (3,7%vs. 5,5%). A letalidade foi menor nos motociclistas (0,9% vs. 2,7%) (p = 0,001). Não notamos diferença significativa na comparação das frequências de necessidade de ventilação mecânica por período superior a 48 horas (2,8% vs. 3,8%), pneumonia (2,6% vs. 3,3%), choque persistente (0,7% vs. 1,3%), necessidade de diálise (0,1% vs. 0,2%) e falência de múltiplos órgãos e sistemas (0,3%vs. 0,6%).
DISCUSSÃO
Os problemas de trânsito fazem parte da rotina das grandes cidades. Nesse contexto, as motocicletas se tornam uma alternativa, uma vez que são meios de transportes rápidos, económicos e eficientes. Em 2006, a população do município de São Paulo foi estimada em 11 milhões de habitantes, com frota de aproximadamente cinco milhões de veículos6. Também no município de São Paulo, o número de motocicletas aumentou de 1.098.978 em 2002 para 1.771.129 em 2006, ou seja, aproximadamente 20 novas motocicletas foram colocadas em circulação a cada hora no período em questão6. Há alguns estudos em nosso país que chamam a atenção para o mesmo problema e levantam, ainda, a preocupação com o uso de drogas ilícitas e doenças mentais por parte dos motociclistas15-18. Em nosso estudo, pudemos observar que os motociclistas foram as vítimas de trauma fechado mais frequentemente atendidas na sala de emergência, superando em número as vítimas de atropelamento, quedas, acidentes automobilísticos e agressões físicas.
Os acidentes envolvendo motociclistas trazem repercussões variáveis. Observamos que a maioria das lesões diagnosticadas em motociclistas ocorre em extremidades (80,4%), seguidas de lesões em segmento cefálico (15,5%) e, menos frequentemente, em segmentos torácico (5,5%) e abdominal (3,8%). As lesões graves (AIS > 3) ocorreram principalmente em extremidades (20,6%), seguidas de lesões em segmento cefálico (4,8%), torácico (3,6%) e abdominal (2,7%). A maioria dos motociclistas teve índices de trauma anatômico e fisiológicos baixos, com média na probabilidade de sobrevivência de aproximadamente 98%. Portanto, a maioria apresentou lesões leves e que não ameaçavam a vida iminentemente.
A letalidade dos motociclistas envolvidos em acidentes de trânsito encontrada em nossa amostra foi de 0,9%. Este pode parecer um número pequeno, mas, quando multiplicamos essa porcentagem pelo número de acidentes esperados em motociclistas, entendemos a gravidade do problema. Outros autores relatam letalidade de 3,2% e 3,3% nesse grupo de doentes19,20. Aparentemente, maior letalidade é esperada em motociclistas acidentados admitidos com ECG < 8, hipotensão arterial sistólica, ISS > 25, presença de lesões em vasos torácicos, vísceras abdominais ocas, amputações traumáticas, hematomas subdurais e fraturas de pelve19. É interessante observar que, aparentemente, nas situações de tráfego intenso, há menor probabilidade de haver lesões graves21.
Há, também, os problemas relacionados com as sequelas neurológicas e ortopédicas, que parecem ter grande importância. Nos Estados Unidos, Weiss et al., em 2010, relataram uma probabilidade de sequelas graves em 24% dos motociclistas vítimas de acidentes com lesões neurológicas22. Em nossa amostra, a porcentagem de lesões graves intracranianas (4,8%) e em extremidades (20,6%) chama a atenção para a possibilidade de sequelas em um número significativo de doentes.
Talving et al., em 2010, observaram maiores letalidade e gravidade de lesões no grupo de motociclistas acidentados com maior média etária19. Contudo, a maioria das vítimas é jovem. Em nosso estudo, a média etária dos motociclistas acidentados foi significativamente menor que a observada em outros mecanismos de trauma fechado. Segundo o banco de dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS), cerca de 43% dos 8.078 óbitos registrados em motociclistas no ano de 2007 ocorreram em pessoas entre 20 e 29 anos de idade23.
No Brasil, desde 1995, o Código Nacional de Trânsito vem contribuindo com uma importante redução na mortalidade e gravidade dos acidentes de trânsito por meio de programas educacionais e ações preventivas, como o uso obrigatório do capacete24. Esta é uma medida comprovadamente associada a melhor prognóstico em acidentes em motociclistas25-28. Não sabemos ao certo qual a porcentagem de motociclistas que realmente usam o capacete nas grandes cidades, mas acredita-se que a maioria segue a lei. Em nosso meio, Caixeta et al., em 2010, relataram que apenas 8% dos motociclistas com idade entre 15 e 24 anos acidentados não utilizavam capacete17. Em nosso estudo, não obtivemos informações adequadas em um número suficiente de protocolos e prontuários que permitisse uma avaliação confiável dessa variável.
As lesões neurológicas são a causa mais frequente de morte em motociclistas traumatizados19. Contudo, notamos que a incidência de lesões graves em segmento cefálico em nossa amostra foi menor em motociclistas quando comparados a outros mecanismos de trauma. Das lesões investigadas, os motociclistas apresentaram menor frequência de hematomas extradurais, hematomas subdurais, hemorragias subaracnóideas e contusões cerebrais, mas apresentaram, com maior frequência, lesão axonal difusa. Isso pode indicar uma certa proteção do capacete contra lesões que ocorrem por golpe e contragolpe, mas não contra lesões relacionadas a diminuição abrupta da velocidade e cisalhamento.
Cerca de 1% da amostra de motociclistas apresentava trauma raquimedular. A incidência dessa lesão na literatura alcança 1% a 16% do total de motociclistas acidentados19,29. Contudo, apenas 15% desses doentes apresentavam sintomas e sinais neurológicos, o que reitera a necessidade dos cuidados pré-hospitalares de imobilização desses doentes19. As lesões torácicas e abdominais estiveram presentes, mas não apresentaram frequência diferente dos demais mecanismos de trauma.
As lesões em extremidades caracterizaram os motociclistas vítimas de acidentes de tráfego. Uma ampla variedade de lesões em tegumento, articulações, vasos, musculatura e ossos foram observadas neste estudo. Cerca de 80% dos doentes apresentava alguma lesão em extremidades. Aproximadamente um quinto dos doentes tinha uma lesão grave (AIS > 3). Provavelmente este fato se relaciona com o tipo de acidente observado em nossa cidade, onde os motociclistas trafegam entre os carros expondo os membros, principalmente inferiores, ao trauma direto. Não foi um objetivo maior deste estudo caracterizar com detalhes essas lesões, mas acreditamos que esse tópico mereça um protocolo de investigação específico e minucioso, visto sua frequência, gravidade e possibilidade de sequelas.
Respeitando os limites de nossa análise, que considerou apenas os índices de gravidade e características gerais do trauma, notamos que os motociclistas apresentaram, em comparação às vítimas dos demais mecanismos de trauma, significativamente maior frequência e gravidade das lesões em extremidades, maior frequência de fraturas em membros superiores, fraturas em membros inferiores, fraturas expostas em membros superiores e fraturas expostas em membros inferiores. Trata-se de uma oportunidade para a aplicação de medidas preventivas, pois as sequelas secundárias a essas lesões trazem graves repercussões pessoais, econômicas e sociais.
As informações presentes neste estudo podem servir de auxílio em diferentes pontos. Com relação à prevenção primária, devemos considerar que os motociclistas vítimas de acidentes de tráfego foram responsáveis pela maioria dos atendimentos na sala de emergência do nosso hospital. Campanhas específicas de prevenção deveriam ser expostas e leis rigidamente aplicadas. Devido a frequência e gravidade das lesões em membros inferiores, equipamentos de proteção poderiam ser pesquisados e o tráfego entre automóveis, limitado. Aparentemente, a menor frequência de lesões graves em segmento cefálico poderia sugerir que o capacete teve um papel importante para a proteção de lesões intracranianas de golpe/contragolpe. A maioria dos acidentes envolvendo motociclistas de nossa amostra foi de baixa complexidade e, dessa forma, mecanismos de triagem poderiam ser utilizados para não sobrecarregar os centros maiores. Os casos mais graves certamente necessitarão ser atendidos em hospitais quaternários, com apoio especializado em ortopedia, neurocirurgia e cirurgia vascular.
As lesões observadas nos motociclistas traumatizados avaliados neste estudo são apenas uma parte do problema. Os acidentes de tráfego causados por motociclistas vão ainda mais longe. Há atropelamentos de pedestres e acidentes com outros veículos automotores. As vítimas se somam. A avaliação geral de nossos dados demonstra que os acidentes envolvendo motociclistas são um problema frequente em nosso meio, muitas vezes graves, com características próprias e que pode ser alvo de medidas específicas relacionadas com a prevenção e a melhora do atendimento.
CONCLUSÃO
Em comparação às vítimas dos demais mecanismos de trauma, os motociclistas apresentaram menor frequência e gravidade das lesões em segmento cefálico, bem como maiores frequência e gravidade das lesões em extremidades.
Artigo recebido: 15/08/2010
Aceito para publicação: 04/10/2010
Conflito de interesses: Não há.
Trabalho realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Correspondência para:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Fev 2012 -
Data do Fascículo
Fev 2012
Histórico
-
Recebido
15 Ago 2010 -
Aceito
04 Out 2010