Acessibilidade / Reportar erro

Ordenando a babel psiquiátrica: Juliano Moreira, Afrânio Peixoto e a paranoia na nosografia de Kraepelin (Brasil, 1905)

Bringing order to the Babel of psychiatry: Juliano Moreira, Afrânio Peixoto, and paranoia in Kraepelin's nosography (Brazil, 1905)

Resumos

Investiga os significados da paranoia e de sua aplicação como categoria nosográfica. Apresenta o artigo de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto "A paranoia e as síndromes paranoides", apontando a diferenciação que eles estabelecem entre esse constructo clínico e a demência precoce. Indica ainda que situar os limites diagnósticos da paranoia 'legítima' foi maneira de delimitar suas posições teóricas e seu alinhamento a Kraepelin, justificando a escolha da postura científica para tornar moderna a psiquiatria brasileira. Adicionalmente, discute aspectos da história conceitual da paranoia (suas relações com personalidade), quanto aos referenciais teóricos usados por aqueles autores brasileiros em seu artigo.

história da paranoia; Juliano Moreira; Afrânio Peixoto; Emil Kraepelin; Hospício Nacional de Alienados; Brasil


The article explores the meanings of paranoia and its use as a disease category. Juliano Moreira and Afrânio Peixoto's article "A paranoia e as síndromes paranoides" is used to show how these two scientists differentiated between this clinical construct and dementia praecox. Delineating the diagnostic boundaries of "legitimate" paranoia was their way of demarcating their theoretical stances and their alignment with Kraepelin, thereby justifying the scientific stance that they deemed essential to making Brazilian psychiatry modern. The article also discusses aspects of the conceptual history of paranoia (its relation to personality) in terms of the theoretical references used by the Brazilian authors of the article.

history of paranoia; Juliano Moreira; Afrânio Peixoto; Emil Kraepelin; Hospício Nacional dos Alienados; Brazil


ANÁLISE

Ordenando a babel psiquiátrica: Juliano Moreira, Afrânio Peixoto e a paranoia na nosografia de Kraepelin (Brasil, 1905)

Bringing order to the Babel of psychiatry: Juliano Moreira, Afrânio Peixoto, and paranoia in Kraepelin's nosography (Brazil, 1905)

Ana Maria Galdini Raimundo Oda

Professora do Departamento de Medicina/Centro de Ciências Biológicas e da Saúde/Universidade Federal de São Carlos; editora associada da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental e coordenadora do Departamento de História/Associação Brasileira de Psiquiatria. Universidade Federal de São Carlos, CCBS, Departamento de Medicina. Rodovia Washington Luís, Km 235, 13565-905 - São Carlos -SP - Brasil. anaoda@ufscar.br

RESUMO

Investiga os significados da paranoia e de sua aplicação como categoria nosográfica. Apresenta o artigo de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto "A paranoia e as síndromes paranoides", apontando a diferenciação que eles estabelecem entre esse constructo clínico e a demência precoce. Indica ainda que situar os limites diagnósticos da paranoia 'legítima' foi maneira de delimitar suas posições teóricas e seu alinhamento a Kraepelin, justificando a escolha da postura científica para tornar moderna a psiquiatria brasileira. Adicionalmente, discute aspectos da história conceitual da paranoia (suas relações com personalidade), quanto aos referenciais teóricos usados por aqueles autores brasileiros em seu artigo.

Palavras-chave: história da paranoia; Juliano Moreira; Afrânio Peixoto; Emil Kraepelin; Hospício Nacional de Alienados; Brasil.

ABSTRACT

The article explores the meanings of paranoia and its use as a disease category. Juliano Moreira and Afrânio Peixoto's article "A paranoia e as síndromes paranoides" is used to show how these two scientists differentiated between this clinical construct and dementia praecox. Delineating the diagnostic boundaries of "legitimate" paranoia was their way of demarcating their theoretical stances and their alignment with Kraepelin, thereby justifying the scientific stance that they deemed essential to making Brazilian psychiatry modern. The article also discusses aspects of the conceptual history of paranoia (its relation to personality) in terms of the theoretical references used by the Brazilian authors of the article.

Keywords: history of paranoia; Juliano Moreira; Afrânio Peixoto; Emil Kraepelin; Hospício Nacional dos Alienados; Brazil.

Si (como el griego afirma en el Cratilo)

El nombre es arquetipo de la cosa,

En las letras de rosa está la rosa

Y todo el Nilo en la palabra Nilo.

Jorge Luis Borges, "El Golem"

Paranoia e delírio

Para os antigos gregos, a palavra paranoia (À±Á¬½¿¹±) nomeava aqueles que pensavam de maneira enviesada ou estavam fora de sua razão (seus étimos são 'ao lado ou junto de' e 'mente'); então, a paranoia podia ser associada genericamente à loucura no senso comum, a estados confusionais e à deterioração mental senil. No século XVIII, o termo incorporou-se a uma classificação médica, ligado à noção de dementia na Nosologia (1763) de François Boissier de Sauvages (1706-1767), sendo depois assimilado por William Cullen (1710-1790) à vesania ou morbus mentis, rubrica que reunia estados caracterizados pela razão prejudicada, sem febre (Lewis, 1970). A partir daí, a paranoia iniciaria sua enviesada carreira de alcunha de constructos clínicos.

É na extensa história das concepções médicas sobre os quadros delirantes, notadamente aquelas produzidas na Alemanha e na França durante o século XIX, que se insere a história da paranoia como entidade mórbida, que seria uma das figuras centrais na nosologia de Emil Kraepelin (1856-1926), posteriormente assimilada aos transtornos delirantes (delusional disorders) das classificações psiquiátricas internacionais vigentes (OMS, 2003; APA, 1994), que a apagaram da nomenclatura principal.

Recorde-se, com German Berrios, que os fenômenos hoje discriminados como delírios, alucinações e ilusões eram considerados conjuntamente indícios de loucura até finais do século XVIII. Em sua análise, no decorrer do XIX, uma nova conformação do conceito de delírio se estruturou, graças a certas mudanças culturais - em síntese: a separação conceitual de conhecimento verdadeiro (o que era produzido cientificamente) e crença (algo subjetivo e do domínio do probabilístico); a emergência da noção de sintoma como unidade elementar da enfermidade mental, em consonância com o modelo anatomoclínico da doença; em termos filosóficos, o declínio do empirismo e do associacionismo e a ascensão da psicologia das faculdades mentais; e o desenvolvimento de teorias sobre a chamada constituição e sobre a personalidade, incluindo o pessoal e o biográfico na interpretação do delírio. Dessa forma, o delírio passa a significar crença mórbida ou equivocada, morbidez que seria largamente estudada em termos de organicidade, estruturação psicológica e constituição (Berrios, 1998).

De tal modo começa a acidentada trajetória de individualização nosológica dos estados delirantes, bem como sua alocação em nosografias. Apenas indicando alguns marcos desses inícios, temos Philippe Pinel (1745-1826), que nos doentes de melancolia (ou delírio exclusivo) observava dois tipos de delírios, com comportamentos correspondentes: um ligado a ideias de morte, doença e culpa, e outro relacionado a ideias de grandeza e poder. Já na espécie mórbida chamada de mania (ou delírio geral), incluía casos da paradoxal mania sem delírio, em que os doentes pareciam tomados por um furor instintivo, sem outras alterações mentais (Pinel, 2007). Reformulando a classificação pineliana, Jean-Étienne Esquirol (1772-1840) construiu o conceito de monomanias, isto é, loucuras que afetavam parcialmente a mente, em um aspecto específico (a inteligência, o afeto ou a vontade), preservando as demais faculdades mentais (Esquirol, 1838).

Em 1818, um ex-aluno de Pinel e contemporâneo de Esquirol, o médico de Leipzig Johann Christian Heinroth (1773-1843), daria início ao uso do termo paranoia significando uma forma particular de estado delirante (Lewis, 1970). Heinroth considerava a falta duradoura da vontade e da razão a essência da perturbação psíquica (classe vesania - Seelenstörung), classificando na ordem das hiperestenias (exaltações psíquicas) o gênero Verrücktheit ou paranoia, distúrbio caracterizado pela "falta de liberdade de espírito com exaltação da faculdade de pensar" (Moreira, 1919, p.102).

Desde Heinroth, passando por Wilhelm Griesinger (1817-1868) até os autores coevos de Emil Kraepelin, o conceito de paranoia se amplia e contrai sucessivamente (Kendler, 1999), ocupando o centro das polêmicas psicopatológicas e nosográficas (Dowbiggin, 1999; 2000) e envolvendo os mais importantes alienistas alemães na chamada questão da paranoia. Ao mesmo tempo, na França, os alienistas estudavam com interesse os denominados delírios sistematizados e evitavam o uso do termo paranoia, com poucas exceções. Por sua vez, os italianos usavam correntemente o termo no sentido muito abrangente de loucura em geral (Lewis, 1970).

Em finais do século XIX, Philippe Chaslin (1857-1923) recolhera 28 sinônimos médicos de paranoia, termos usados em diferentes línguas (Séglas, 1895). E, em inícios do século XX, observava-se que cada alienista tinha "suas vistas pessoais sobre o assunto" (Moreira, Peixoto, 1905a, p.5). Destarte, indicar os nomes dos que se ocuparam da questão se tornaria fastidioso, uma vez que seriam enumerados quase todos os grandes clínicos do período. Como não é intenção fazer aqui uma genealogia da paranoia como enfermidade mental, remeto o leitor a trabalhos específicos sobre sua história.1 1 A revisão de Lewis (1970); o artigo de Dowbiggin (2000) sobre a história conceitual e social da paranoia; os capítulos de Kendler (1999) e de Dowbiggin (1999) sobre os transtornos delirantes ( delusional disorders) na coletânea de Berrios e Porter; o capítulo sobre o delírio no livro de Berrios (1998); e o capítulo de Lanteri-Laura e Gros (1983), em Nouvelle histoire de la psychiatrie.

O presente estudo tem objetivos mais circunscritos: analisa em perspectiva histórica uma das categorias diagnósticas usadas pelos médicos do Hospício Nacional de Alienados (HNA), na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, no começo do período em que Juliano Moreira foi seu diretor (1903-1930). Nesse sentido, procura contribuir para o conjunto de pesquisas que tratam da recepção e difusão das ideias de Kraepelin em diferentes contextos geopolíticos - campo em que a produção científica internacional ainda apresenta lacunas, segundo especialistas no tema (Engstrom, Weber, 2007).

A paranoia no Hospício de Juliano

Em linhas gerais, investigam-se os significados de um constructo clínico (a paranoia) e de sua aplicação como categoria de determinada nosografia (a de Kraepelin), em um contexto histórico específico (um grupo de médicos brasileiros na principal instituição psiquiátrica nacional, em certa época). O artigo funciona como apresentação ao trabalho de Juliano Moreira (1873-1933) e Afrânio Peixoto (1876-1947), "A paranoia e as síndromes paranoides"2 2 A grafia do título original é "A paranoia e os syndromas paranoides"; atualizando a grafia, optei por usar 'as síndromes', mais comum hoje (o mesmo que 'as síndromas', substantivo feminino, segundo o Dicionário Houaiss, edição de 2000). - importante fonte republicada neste suplemento - e aponta seus aspectos principais, em especial a diferenciação estabelecida entre a paranoia e a demência precoce, a partir de casos clínicos vistos no HNA.

Assim, esta breve história do diagnóstico de paranoia tem enfoque principalmente sincrônico, já que se concentra em textos publicados originalmente em 1905 (Moreira, Peixoto, 1905a, 1905b; Kraepelin, 1905, 2001) e que, portanto, se referem ao diagnóstico de paranoia segundo os princípios expostos na sétima edição (1904) do tratado de psiquiatria de Kraepelin. Os próprios autores brasileiros se encarregaram de traduzir do alemão e publicar nos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins (ABPNCA) os trechos essenciais dos textos que lhes servem de referência: o capítulo sobre a paranoia (Kraepelin, 1905) e a classificação de 1904 (Moreira, Peixoto, 1905b), retirados da referida edição do tratado.

Nos longos trinta anos em que Juliano Moreira foi diretor do HNA, algumas mudanças significativas foram feitas pelo mestre alemão no arranjo nosográfico dos quadros delirantes (paranoia, parafrenia e demência precoce) e pari passu reportadas, traduzidas e comentadas pelo mestre brasileiro (Moreira, 1919, 1921). Como foge ao escopo deste trabalho estudar a evolução de tais categorias, apenas como informação adicional se apresentará adiante quadro comparativo de sua posição, nas três classificações de Kraepelin traduzidas por Moreira.

Paranoia: modos de usar (inícios do século XX)

Juliano Moreira e Afrânio Peixoto (1905a) iniciam seu artigo lamentando a imprecisão do termo paranoia, o que era quase protocolar à época: "É um verdadeiro estado de babel ou confusão psiquiátrica ..." (p.5). Os autores não parecem muito indulgentes com a "enfiada de designações francesas, alemãs, inglesas, italianas, todas sem sentido limitado" (p.5), e passam rapidamente pelas que, em sua opinião, configuram o labirinto da paranoia. Entretanto, para os leitores do século XXI, pode ser muito proveitosa uma visão geral das relações entre as variadas designações que, no alvorecer do século passado, vinham recebendo os quadros mentais chamados de paranoia, délire systématique, Verrücktheit, Wahnsinn etc.

Recorramos, então, a uma espécie de dicionário de sinônimos, de autoria de Raimundo Nina-Rodrigues (1862-1906), professor de medicina legal da Faculdade de Medicina da Bahia. Em artigo de 1903, estabelece correspondências entre as classificações das escolas psiquiátricas francesa e alemã - incluindo também a escola italiana e representantes do que chama de escola fluminense (João Carlos Teixeira Brandão, Márcio Nery e Francisco Franco da Rocha) e o português Júlio de Mattos. Baseando-se principalmente em revisões sobre a paranoia (de J. Séglas) e sobre os delírios sistematizados (de P. Keraval), Nina-Rodrigues chega a cinco grupos de diagnósticos mais ou menos correspondentes, que seguem no Quadro 1, segundo a designação mais conhecida (na França) e seus equivalentes.


Considerando tais quadros manifestações de um estado constitucional degenerativo, o professor brasileiro não os toma "como doenças autônomas, constituindo espécies noso-lógicas distintas, como fizeram e continuam fazendo os autores que criaram esses tipos clínicos" (Nina-Rodrigues, 2009, p.768). Citando Gilbert Ballet (1853-1916), afirma que as formas clínicas da paranoia teriam continuidade entre si, no espaço entre dois extremos: desde delírios sistematizados e lentamente construídos até quadros súbitos, polimorfos, de marcha irregular e mesmo casos sem delírio (Nina-Rodrigues, 2004). Isso porque, para Nina-Rodrigues (2009), os paranoicos são degenerados superiores, cuja anomalia mental característica seria a parada no desenvolvimento da personalidade em suas fases iniciais, infantis, que se poderia revelar por simples desordens da conduta ou por delírios sistematizados específicos. Utilizando os referenciais da psicologia evolucionista, crê que, no paranoico, o funcionamento mental regressivo amplia os primordiais e naturais sentimentos humanos de medo e orgulho. Desse modo, ainda que não desconsidere a pertinência de distinguir as formas da paranoia segundo o conteúdo do delírio ou a marcha da doença, esses não são seus principais critérios diagnósticos.

Mais do que debater as divergências conceituais entre psiquiatras franceses, italianos e alemães, esse esforço de sistematização tinha como principal intenção criar uma definição operacional (para usar termo da psiquiatria contemporânea) de paranoia, que permitisse ao professor brasileiro discutir seus estudos clínicos sobre as psicoses delirante-alucina-tórias em negros e mestiços da Bahia com interlocutores europeus, leitores dos Archives d'Anthropologie Criminelle, de Criminologie et de Psychologie Normale et Pathologique, editados em Lyon, França (Oda, Dalgalarrondo, 2004; Oda, 2009).

Ordenando a babel: os Arquivos Brasileiros e a nosografia de Kraepelin

Algo diversas eram as intenções dos dois ex-alunos de Nina-Rodrigues3 3 Juliano Moreira formou-se em 1891. Desde 1889 Nina-Rodrigues era professor substituto na Faculdade de Medicina da Bahia, na cadeira de Clínica Médica (em 1895 se tornaria titular da de Medicina Legal). Foram colegas de docência naquela faculdade, de 1896 a 1902, quando Moreira era professor substituto da cadeira de Clínica Psiquiátrica; na mesma época, foram ambos cofundadores da Sociedade de Medicina Legal da Bahia, entre outras iniciativas conjuntas (Professor Juliano Moreira..., 1933). Afrânio Peixoto foi aluno de Nina-Rodrigues e Moreira, autores do prefácio à reimpressão da tese de conclusão de seu curso, Epilepsia e crime, em 1898 (Moreira, 1908). Alienista do HNA e próximo a Moreira, Peixoto foi seu substituto como diretor em diversas ocasiões. Interessado em psiquiatria e em medicina legal, foi professor da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e diretor do Instituto Médico-Legal, seguiu carreira política e exerceu cargos importantes na área de educação, tendo sido também membro da Academia Brasileira de Letras. (Oda, Dalgalarrondo, 2001). , jovens médicos baianos então residentes na capital federal, quando publicaram seu trabalho sobre a paranoia, artigo que abria o primeiro número do periódico que ambos fundavam. Em suas palavras, na nota de abertura da revista:

Os Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins destinam-se a registrar as contribuições nacionais a estes estudos e noticiar o movimento destas especialidades médicas no mundo culto.

Sopesamos bem as responsabilidades da empresa, certos das atribulações com que vamos lutar. Em geral, as publicações brasileiras desaparecem precocemente, mais por falta de quem as escreva que de quem as leia. Para rebater esta maior ameaça, contamos com a colaboração de mestres e estudiosos nesses departamentos científicos e, mais ainda, cuidamos que uma publicação deste gênero dará estímulo aos que dele necessitarem e encaminhará para ela os estudos esparsos pelas revistas médicas do país.

É uma obra de boa vontade, que entregamos à indulgência dos entendidos e à simpatia dos interessados.

Juliano Moreira e Afrânio Peixoto (Lista de colaboradores..., 1905, s.p.).

A iniciativa de Moreira e Peixoto nascera apoiada por respeitável lista de 37 "mestres e estudiosos" colaboradores do novo periódico. Entre eles, estavam 11 professores das Faculdades de Medicina da Bahia (R. Nina-Rodrigues e J. Tillemont Fontes) e do Rio de Janeiro (J.C. Teixeira Brandão, A.A. Azevedo Sodré, Miguel Couto, Márcio Nery e A. Dias de Barros) e ainda da Faculdade Livre de Medicina de Porto Alegre (Olinto de Oliveira, Tristão Torres e Victor de Brito); e mais de duas dezenas de médicos destacados, tais como, do Rio de Janeiro, Henrique Roxo, Miguel Pereira, A. Fernandes Figueira e Ulysses Vianna Filho; A. Carlos Penafiel, do Rio Grande do Sul; e, de São Paulo, Francisco Franco da Rocha (Lista de colaboradores..., 1905).

A publicação do primeiro periódico brasileiro especializado na área constituiu iniciativa fundamental nos esforços de articulação científica e política no processo de consolidação da psiquiatria brasileira, esforços esses empreendidos por um grupo de médicos reunidos em torno de Juliano Moreira, cuja posição institucional de comando e credibilidade científica o qualificavam para conduzir a pretendida modernização teórica da psiquiatria e da prática assistencial no HNA durante a Primeira República.

Sem desconsiderar a relevância dos tópicos seguintes, não cabe aqui tratar de aspectos biográficos e da trajetória intelectual e profissional desse professor substituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Bahia (entre 1896 e 1902), que abandonou precocemente a carreira docente e se tornou influente 'chefe de escola' sem cátedra (uma vez que jamais foi professor da Faculdade do Rio de Janeiro); ou detalhar seu papel na reformulação da assistência psiquiátrica pública, sua extensa produção bibliográfica e seus variados interesses científicos; ou ainda sua participação no debate sobre as doenças mentais, as raças e a constituição da nação brasileira, nem refletir sobre sua representação como fundador de nossa psiquiatria científica.4 4 Sobre biografia e trajetória de Juliano Moreira ver, entre outros autores, Oda, Dalgalarrondo, 2001, Venancio, Facchinetti, 2005 e Venancio, 2004.

Para os objetivos deste trabalho, o essencial é apresentar a produção científica de Juliano Moreira levando em conta que o autor, dedicando-se à clínica, ao estudo e ao ensino da medicina mental, tinha duas audiências complementares: de um lado, dirigia-se a seus alunos e colegas, trazendo as discussões mais atuais no campo da neuropsiquiatria inter-nacional; de outro, escrevia em revistas estrangeiras e participava de congressos no exterior, colocando-se em condições de igualdade quanto à erudição médica e tendo a vantagem da experiência prática em terras tropicais - usando os termos de Pierre Bourdieu (1976) acumulava cá e lá seu capital científico pessoal, um bem simbólico determinante na posição de cada membro de um campo científico.

Diziam os fundadores do ABPNCA que pretendiam recolher as contribuições nacionais e noticiar o movimento no mundo culto, naquela que declaravam ser uma 'obra de boa vontade', isto é, motivada pelo interesse científico. E é o interesse científico - esse interesse pelo desinteresse, um 'desinteresse que compensa', em termos de capital simbólico, diria Bourdieu (2004, p.31) - que os levaria também a imprimir uma direção determinada em seus esforços de ordenar a babel psiquiátrica, objetivo abertamente expresso no primeiro número do periódico. Nesse sentido, situar os limites diagnósticos do que se deveria chamar de 'paranoia legítima' pode ser compreendido como maneira privilegiada de delimitar suas posições teóricas, sua adesão às ideias de Emil Kraepelin.5 5 Versões desse trabalho foram apresentadas em comunicação ao 3º Congresso Latinoamericano de Medicina de Buenos Aires (1904), conforme Peixoto (1938), e ainda em 1906 ao 15º Congresso Internacional de Medicina de Lisboa, sob o título "La paranoïa légitime: son origine et nature" (Moreira, 1908; Peixoto, 1938). De acordo com o levantamento de fontes de Carvalhal e Delgado (2000), uma outra versão teria sido publicada na revista Brasil Médico, em 1904. Posteriormente houve uma nova publicação dele, em edição comemorativa dos cinquenta anos dos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria (1955) e outra em 2001, na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental (v.4, n.2, p.134-167).

Kraepelin operava de acordo com o procedimento criticista que marca a psiquiatria do período, em que a observação empírica busca os indicadores semiológicos relevantes para cada categoria diagnóstica segundo regras preestabelecidas (Saurí, 2001). Assim, tomando Karl Kahlbaum (1828-1899) e Wilhelm Wundt (1832-1920) como referências capitais, procu-rava sistematicamente construir um suporte empírico para sua nosografia (Engstrom, 2007).

Dessa forma, na concepção defendida por Juliano Moreira e seus colaboradores do HNA, o diagnóstico psiquiátrico deve remeter-se a tipos ideais da nosografia e ser sustentado pela clínica. Isso justifica sua preocupação com a sistemática divulgação das classificações de Kraepelin nos ABPNCA (e nos títulos que o sucederam), bem como o cuidado em traduzir trechos da obra do psiquiatra alemão em que eram definidas as principais categorias diagnósticas, acompanhando as sucessivas modificações ocorridas no desenvolvimento da obra kraepeliniana.

Aliás, advertia Moreira (1919) que a presença de constante reformulação dos arranjos nosográficos e dos limites entre as categorias não deveria surpreender, porque a configuração dos tipos ideais mudava conforme eles se mostrassem mais ou menos respaldados em fatos confirmáveis, na observação clínica longitudinal. O Quadro 2 sintetiza as posições das categorias paranoia, demência precoce e parafrenia nas classificações de Kraepelin publicadas nos ABPNCA, entre 1905 e 1921.


A 'paranoia legítima', o dénouement e o récit romanesco

Como indicamos em trabalhos anteriores (Oda, Dalgalarrondo, 2001; Oda, 2010), em "A paranoia e as síndromes paranoides" Moreira e Peixoto se ocuparam do ponto central do debate: determinar qual quadro clínico, quais manifestações psicopatológicas poderiam ser agrupadas sob o nome de paranoia, de forma que este designasse entidade nosológica de contornos delimitados e que, portanto, fosse útil para os fins da clínica psiquiátrica. Para os médicos envolvidos na 'querela da paranoia', era a utilidade clínica, principalmente, o que estava em jogo quando se pretendia adjetivar a dita moléstia como legítima.

Vejamos os principais termos da definição de paranoia usada por Moreira e Peixoto em 1905, que são aqueles expressos por Kraepelin na edição de 1904 de seu Lehrbuch.6 6 A tradução desse capítulo do tratado de Kraepelin foi republicada recentemente (Kraepelin, 2010). Antes de tudo, o médico alemão aponta as questões para as quais "deve-nos o diagnóstico dar qualquer explicação que nos satisfaça e nos esclareça o espírito" (Kraepelin, 1905, p.100), adicionando que o emprego do termo paranoia para o fim de designar 70% ou 80% das moléstias mentais é obviamente inútil.

Em sua opinião, a mais sutil análise das afecções mentais não teria valor prático se não tentasse responder "se o doente está são, se ele é periódico, se apenas débil mental ou se se tornará louco na velha acepção da palavra (Verrückt)" (Kraepelin, 1905, p.100). Argumentando que concepções delirantes e alterações sensoriais (ilusões e alucinações) poderiam ocorrer em várias formas de alienação, e assim não funcionavam como recursos de discriminação diagnóstica, Kraepelin afirma que o único meio efetivo de esclarecer as peculiaridades das enfermidades mentais seria fixar a atenção no andamento da moléstia e em seu desenlace. O autor usa a paralisia geral progressiva sifilítica como exemplo de enfermidade em que o conhecimento médico acumulado sobre a evolução clínica permitiria prever o desenlace provável de determinado caso individual.

Dessa maneira, Kraepelin (1905, p.103) chama de paranoia "um grupo de casos nos quais as concepções delirantes (Wahnvorstellung), embora não constituam exclusivamente o quadro clínico, são todavia o indício mórbido que mais se sobressai". Nesse grupo costuma-se desenvolver "um inabalável sistema delirante lento e duradoiro, com completa conservação do discernimento, clareza e ordem na associação do pensamento, da vontade e da ação" (p.103; grifos do original).7 7 No ABPNCA, o tradutor Antonio Austregésilo teve o cuidado de citar também no original alemão este último trecho, indicando sua importância capital na concepção da paranoia de Kraepelin. Tal quadro é contrastado com a demência precoce, em que as ideias delirantes são bizarras e fugazes, o pensamento confuso, há depressão ou irritação sem sentido, irrefletida impulsão à ação e enfraquecimentos da vontade e do raciocínio, e ainda diversas alterações sensoperceptivas e sensações de influência externa (Kraepelin, 2001). Outro ponto de contraste com a demência precoce consiste na frequência e inten-sidade das alucinações, marcantes na primeira e apenas mencionadas ocasionalmente pelos pacientes na paranoia (Kraepelin, 1905).

A centralidade atribuída por Kraepelin ao curso e ao epílogo das enfermidades mentais pode ser mais bem compreendida se relacionada a seus contextos social e cultural. Nesse sentido, desde a perspectiva da história das ideias, Jorge Saurí (1969) indica que o mundo social em que se desenvolvem as nosografias psiquiátricas se justifica na racionalidade e na análise e sobrevaloriza a técnica. Na psiquiatria, isso implicaria a necessidade de refinar os diagnósticos e, para tal, a difusão de novos métodos de detecção semiótica.

Também prever ou saber como as coisas podem terminar torna-se muito relevante, pois "para o mundo edificado pelo capitalismo liberal, o modo racional de reduzir a margem de erro e insegurança é conhecer a terminação dos fenômenos e acontecimentos, e, tanto na ciência como na literatura e no teatro, surge uma desusada preocupação com o dénouement"8 8 Nesta e nas demais citações de textos em outros idiomas, a tradução é livre. (Saurí, 1969, p.104).

No caso de paranoia descrito por Moreira e Peixoto (1905a), os aspectos clínicos e evolutivos (sobretudo a observação em longo prazo no HNA) permitiriam a seus médicos prognosticar que a deterioração mental ainda parecia estar longe. E o paciente nomeado GPO, além de conservar intactos o discernimento (exceto quanto a seu sistema delirante) e a ordem na associação do pensamento, da vontade e da ação, segue concentrado mentalmente na constante produção de sua história singular e prodigiosa, que tem como eixo central sua paixão amorosa impedida, e é capaz de contá-la seguindo os padrões da narrativa romanesca (récit), outra particularidade atribuível ao paranoico (Lanteri-Laura, Gros, 1983).

Como observara Jules Séglas (1856-1939), o melancólico entoava sempre sua monótona litania, ao passo que o delirante perseguido expunha animadamente seu excitante romance (Séglas, 1895). Quanto a seus ouvintes privilegiados, os psiquiatras, pareciam estar cada vez mais interessados no final da história.

"As espécies mórbidas que tínhamos à disposição": os casos do HNA

Tendo o leitor a sua disposição a reedição de "A paranoia e as síndromes paranoides", destacarei apenas os pontos mais relevantes do texto de Moreira e Peixoto, que se estrutura nos seguintes tópicos: introdução, etiopatogenia, sintomatologia e diagnóstico diferencial, apresentando observações clínicas ilustrativas, no final.

Com relação à frequência da paranoia no HNA, os autores informam que é relativamente rara, representando 2,5% dos pacientes ali admitidos, segundo eles percentual similar ao referido por Kraepelin nos hospícios europeus (2% a 4%) e bem diverso do registrado no HNA antes do início da gestão de Moreira (25% em média) - o que naturalmente se relacionava a diferentes critérios diagnósticos adotados. Assinalam que a doença irrompe na idade adulta, em média entre os 24 e os quarenta anos, sendo muito mais frequente no homem.

Na seção sobre a etiopatogenia, Moreira e Peixoto (1905a) reservam bom espaço para discutir a questão da degenerescência como causa primordial da enfermidade, fazendo análise crítica dos usos e abusos dessa teoria9 9 A ideia da degenerescência, de definição imprecisa e cambiante, parece ter respondido por tempo relativamente longo à inquietante questão da etiologia da loucura (Serpa Jr., 1998). Sobre a noção de degenerescência aplicada à enfermidade mental, consultar os trabalhos de Octavio Domont de Serpa Jr. e também censurando a noção de atavismo mental aplicada à gênese da paranoia.10 10 Minuciosa discussão sobre o conceito de hereditariedade atávica pode ser lida em ensaio de Nina-Rodrigues (2009), no qual o autor busca refutar a teoria do retorno atávico do paranoico ao homem primitivo como sendo o mecanismo hereditário patogênico da paranoia, tal como postularam E. Tanzi e G. Riva. Observa que o elemento atávico na paranoia é seu aspecto mental regressivo, em que preponderam os sentimentos primitivos de medo e orgulho. Contudo, consideram ser a degenerescência "a leira preparada para o cultivo de todas as aberrações", mesmo que não se conhecesse "sua intimidade mórbida" (p.10). Também para Kraepelin (1905), uma tendência familiar hereditária (leia-se herança degenerativa) para a enfermidade mental, em geral, parecia relevante nos casos de paranoia. Assim, havendo terreno preparado pela 'real' degeneres-cência, as variantes da paranoia se apresentariam em gradações que iriam da anomalia à doença, da simples alteração de caráter (vaidade, presunção, jactância) aos quadros franca-mente delirantes.

Em síntese, Moreira e Peixoto acreditam que a origem da paranoia se fundamenta nos seguintes mecanismos psicológicos: autofilia originária normal tornada egocentrismo pela educação deficiente; inadaptação do eu ao meio social e consequente ideação persecutória; ações e reações resultantes dessa persecutoriedade. Consideram, pois, que é na história de vida de cada doente que devem ser coletadas informações que corroborem essas hipotéticas fases da paranoia, doença constitucional que se inicia bem antes de os sintomas delirantes se manifestarem. Observam que, na idade adulta, os inevitáveis conflitos entre a persona-lidade e o meio social são as causas desencadeantes mais comuns. Sem causa ocasional que desencadeie o delírio - dizem eles -, muitos paranoicos passam despercebidos, tidos como gente normal ou apenas excêntrica. Tal como Kraepelin (1905), entendem que as desilusões e dificuldades enfrentadas na vida são muito mais consequências do comportamento anormal do doente do que propriamente causas da paranoia.

Do ponto de vista sintomatológico e evolutivo, seguindo Kraepelin (1905), Moreira e Peixoto consideram características essenciais da paranoia: a sistematização das ideias deli-rantes, os delírios fixos, de longa duração e plausíveis, a eventual presença de falsificação retrospectiva da memória, as alucinações raras, a inteligência preservada e a ausência de terminação demencial. Na paranoia, a sistematização do delírio é contrastada com a fugacidade de certos conjuntos de sinais e sintomas, as síndromes paranoides que acompanham outras doenças mentais (como as psicoses agudas decorrentes de intoxicações, por exemplo), bem como sua preservação intelectiva é contraposta ao comprometimento cognitivo nas demências (nos quadros senis e na demência precoce).

Afirmam os autores que os 13 casos (12 homens e uma mulher) que encerram o artigo haviam sido tomados ao acaso, entre as "espécies mórbidas" disponíveis no HNA. Entretanto, essa asseveração parece ser recurso estilístico para reforçar a suposta naturalidade da ocorrência dessas espécies, uma vez que, a seguir, os próprios alienistas indicam que a escolha dos casos teve intenção pedagógica, pelo fato de eles serem exemplares na delimitação entre a paranoia e as síndromes paranoides.

Igualmente didático é o roteiro da narrativa: identificação (idade, cor, nacionalidade, estado civil, profissão), antecedentes mórbidos familiares e pessoais, observações sobre a infância e juventude do paciente e sobre a composição familiar e sua educação, presença ou ausência de sinais físicos de degeneração, história da doença e descrição do quadro sintomático atual, com notas sobre a evolução clínica e o tratamento realizado. Observe-se que o caso de paranoia (GPO) é descrito com muito mais detalhes do que os demais, sendo também citado no decorrer do artigo (na seção Sintomatologia, identificado como P.).

GPO versus TPO: diferenças entre a paranoia e a demência precoce

Faço a seguir breve análise dos casos de números 1 (GPO) e 11 (TPO), diagnosticados como de paranoia e de demência precoce, respectivamente, com o fim de evidenciar o contraste estabelecido pelos autores na apresentação clínica e na evolução da doença de ambos, ou seja, o processo pelo qual chegam ao diagnóstico diferencial entre paranoia e demência precoce.

Afirmam Moreira e Peixoto (1905b, p.19; grifos meus): "O diagnóstico diferencial da paranoia, assim compreendida pelo recorte nítido que lhe traçamos, é facílimo e basta apelar para suas qualidades essenciais para afastar todas as outras enfermidades do espírito, em que as delusões existem". Sintetizadas na seção Diagnóstico, as qualidades essenciais referidas são as bases psicológicas da paranoia (a anomalia na formação do caráter, a fase prodrômica) e também sua evolução típica.

Vejamos a seguir as cinco 'qualidades essenciais' da paranoia aplicadas à história clínica do paranoico GPO, assim como sua ausência no caso da demência precoce com síndrome paranoide de TPO. Ambos são brasileiros e brancos; GPO tem 43 anos, é casado e bacharel em ciências físicas e naturais; TPO tem 25 anos, é solteiro e agrimensor.

1 Primitiva e originária autofilia que a educação permitiu e favoreceu:

- Paranoia: GPO perdeu muito cedo o pai e foi cuidado com desvelo excessivo por mãe, avó, tias e irmãs. Educação extremamente religiosa na infância; forte atmosfera de religiosidade e misticismo na família: fervor católico extremo nas mulheres e tendências positivistas nos homens. Considerado muito inteligente, desde cedo. Vaidade e egoísmo reforçados pela família. Jovem, ele mesmo se considerava um talento e orgulhava-se de sua ascendência importante. Não tinha meios de vida e exigia dinheiro da família, que "lhe arranjou uma colocação" e subvencionou seu casamento, aos 22 anos.

- Demência precoce: Não há descrição da história familiar, infância, educação e juventude de TPO, apenas se anota que seus pais eram vivos e com saúde e que tinha quatro irmãos sãos. Informa-se que era inteligente e estudioso, susceptível e irritadiço.

2 Inadaptabilidade do eu desmedido ao meio não conformado: ação e reação persecutórias

- Paranoia: GPO, mesmo casado, continuava exigindo dinheiro da família. Quando bebia tornava-se agressivo com a esposa, que o abandonou. Teve dois filhos, mortos de varíola (não os vacinou, pois pertencia a uma "seita positiva" contrária à vacinação). Quanto à vida profissional, teve diversas colocações como engenheiro em estradas de ferro, onde permanecia pouco tempo (seu caráter vaidoso e egoísta o fazia insociável). Um tio lhe arrumou uma "boa situação" como funcionário dos Telégrafos. Armado de revólver, ele se sentou à mesa do diretor (seu tio), declarando ser o único homem capaz de dirigir a repartição. Foi demitido. Esse tio transformou-se em objeto de seu ódio.

- Demência precoce: sem registros desses aspectos na história de TPO.

3 Sistematização de ideias e consecutivamente de delírios coerentes, lógicos, fixos, possíveis, com retrospectiva falsificação da memória

- Paranoia: A história da transformação da "ideia fixa" de GPO - sua paixão amorosa pela menina Januária e o desejo de desposá-la - no centro de seu delírio sistematizado é descrita como lenta e progressiva, embora não nos seja informado quanto tempo isso levou. Homem maduro, GPO liga-se afetivamente a Januária, de 11 anos, que cuidara dele durante um ataque de impaludismo, e pede a seu pai que lha dê para educar, o que lhe é recusado. Mesmo a distância, seu interesse por Januária torna-se "um violento amor carnal"; só pensa em se casar com ela e fica inconformado com a impossibilidade disso (pois permanecia casado diante da Igreja católica, já que a esposa o abandonara, mas estava viva). Então, dedica-se a ler e escrever sobre o divórcio e progressivamente passa a se acreditar realmente divorciado. No hospício, relaciona e coordena outras ideias delirantes a sua história com Januária: as perseguições do tio (porque também ele deseja sexualmente a menina); a perseguição dos religiosos e da Igreja (porque não admitem seu segundo casamento), a dos positivistas (porque são antidivorcistas) etc. Escreve incansavelmente cartas a sua amada, imputando a ausência de respostas a artifícios de seus inimigos. Redige cartas a várias pessoas importantes, exigindo sua liberdade em nome da lei, uma indenização e a restituição de seus empregos.

- Demência precoce: O quadro delirante de TPO aparentemente tivera início abrupto, desencadeado em 1902 (cerca de três anos antes da atual descrição, portanto). Na ocasião, o jovem de 22 anos havia sido convidado por amigos a participar de um movimento político revolucionário em Mato Grosso, a que se recusara, sendo por isso insultado e ameaçado, o que lhe causara grande medo. Passara então a se sentir perseguido por todos, a ouvir ameaças todo o tempo e a ter medo de ser assassinado. Nos primeiros tempos de internação, TPO desenvolve ideias delirantes de grandeza, de caráter fantástico e bizarro, sobre receber "o hipnotismo" dos planetas, o que deixa registrado em texto, no qual se diz o Hipnotista da Terra e vai distribuindo "os santos, os anjos, os arrependidos, os imperdoáveis pelo nosso sistema solar". As ideias delirantes não se sistematizam, e em breve desaparecem.

4 Raridade das alucinações e precocidade das auditivas

- Paranoia: Não há relato de alucinações na história anterior à internação. No hospício, GPO ouve: "Irmão franciscano, Francisco, já estás na ordem, já estás no adro" - o que interpreta como alusões a seus inimigos da Igreja.

- Demência precoce: No início da doença, TPO entra em atrito com parentes que tentavam dissuadi-lo de seus terrores e passa a escutá-los junto às vozes estranhas que já vinha ouvindo, que lhes diziam desaforos, o ameaçavam e insultavam. Não se mencionam alucinações, na descrição de sua estada no HNA.

5 Com inteligência lúcida e resistente por longo tempo sem deteriorações demenciais

- Paranoia: Quando está calmo, GPO conversa muito bem ou escreve tratados, versos etc. Não se observa deterioração mental (e, se ela vier, deve ainda demorar, observam os médicos).

- Demência precoce: Ao ser internado, TPO tinha boa memória, percepção regular e alguma interação social. Depois de cessado o delírio fugaz, torna-se deprimido, calmo, só responde sim ou não e, sempre em "obstinada reserva", passa o tempo percorrendo os corredores do hospital. Às vezes, escreve bilhetes simples e faz queixas vagas. De sua grandiosidade, nada mais resta em 1905.

Como podemos ver nesses itens, em termos de etiologia, sintomatologia, evolução e potencial desfecho clínico, os pontos cruciais no estabelecimento do diagnóstico diferencial entre a paranoia e a demência precoce na forma paranoide foram apontados por Moreira e Peixoto.11 11 Observe-se que as considerações sobre as alucinações aparecem pouco desenvolvidas no texto dos alienistas brasileiros. Isto talvez não tenha sido acidental, já que a existência de alucinações nos quadros delirantes sistematizados era alvo de controvérsias. Adiante, na 8ª edição do tratado, em 1915, Kraepelin considerará que as alucinações genuínas não existem na paranoia, encaixando os casos em que estas eram proeminentes na nova categoria parafrenia, que surge como intermediária entre a demência precoce e a paranoia. Ainda sobre as alucinações auditivas desta, vale destacar que Moreira e Peixoto (1905a, p.17) mencionam brevemente uma teoria sobre a sua gênese, que lhes fora comunicada por Manoel Bomfim: nesses casos, a alucinação seria o pensamento do próprio enfermo 'ouvido' por ele, em razão de perturbações na atividade integradora mental. Provavelmente, o trabalho mencionado é As alucinações dos perseguidos, editado em 1904. Manoel José do Bomfim (1868-1932), médico e intelectual sergipano, deixou significativas contribuições nos campos da psicologia, da educação e do pensamento social brasileiro na Primeira República, mas sua obra em psicologia permanece relativamente pouco estudada (Portugal, 2010, p.612). Nesta última enfermidade não se supõe o necessário desenvolvimento patológico do caráter anterior à eclosão dos sintomas; o delírio é de conteúdo absurdo, não se sistematiza, e existe enfraquecimento mental acentuado, indicando o desenlace demencial.

Igualmente, nos outros 11 casos sumarizados no artigo são enfatizadas as diferenças entre a paranoia e os processos cerebrais agudos que geram confusão mental e delírios efêmeros, tais como as intoxicações, as autointoxicações (em linguagem atual, os transtornos endócrinos e metabólicos) e as infecções; ou entre a paranoia e os processos agudos ou crônicos em que há enfraquecimento da inteligência, como na demência senil ou na demência sifilítica. Tais condições mórbidas, afirmam os autores, "jamais se confundirão com a paranoia, anomalia que se transforma longamente em doença e em que a consciência perfeita e a inteligência respeitada separam todas as confusões possíveis" (Moreira, Peixoto, 1905a, p.20).

Paranoia, autofilia e personalidade

Na quinta edição de seu tratado (1896), Kraepelin alocara a paranoia (Verrücktheit) no grande grupo das doenças mentais congênitas, no subgrupo das constitucionais, o mesmo da loucura periódica. Como parte do grupo das doenças adquiridas, no subgrupo das doenças da nutrição (ou metabólicas), descrevera três tipos de processos de enfraquecimento mental (Verblödungsprocesse): a dementia praecox, a catatonia, e a dementia paranoides.

Na sexta edição do tratado (1899), ele fundira os Verblödungsprocesse na entidade dementia praecox (nas formas clínicas hebefrênica, catatônica e paranoide ou dementia paranoides), considerando haver indícios clínicos e anatômicos suficientes para julgá-la enfermidade em que havia lesões graves do córtex cerebral, provavelmente irreversíveis, ainda que não se pudesse afirmar com certeza ser o processo de doença sempre igual (Kraepelin, 1899, citado em Daker, 1999). Aqui, a paranoia permanece como entidade de origem cons-titucional, sendo exemplar para contrastar com a forma paranoide da demência precoce, em termos que seguirão similares na edição de 1904 (Bercherie, 1989).

Nessa edição, Kraepelin não compreende a expressão paranoia originária na acepção dos autores que a consideravam desequilíbrio mental presente desde a infância, no qual mais tarde poderia ou não se desenvolver o delírio, tal como pensavam o francês Séglas ou o alemão Sander, entre outros (Nina-Rodrigues, 2009). Na verdade, ele critica a noção de paranoia originária, que toma como sinônimo de casos de início precoce, argumentando que nestes talvez só houvesse falsificação retrospectiva da memória, projetando o começo do delírio para a infância ou adolescência, ou ainda que talvez fossem casos de hebefrenia e não de paranoia (Kraepelin, 1905). Assim, reserva o nome de paranoia aos quadros delirantes iniciados na idade adulta, entre 25 e 40 anos. Em resumo, centra o diagnóstico no critério clínico-evolutivo, na observação da enfermidade plenamente manifesta.12 12 Embora o tema das relações entre personalidade prévia e doença não tenha sido alheio às primeiras formulações de Kraepelin, só na oitava edição de seu tratado as concepções de paranoia abortiva ou benigna (sem delírio) e de personalidade paranoide seriam incorporadas a sua nosografia, quando destacará nesses indivíduos a lacuna no desenvolvimento intelectual (a permanência da lógica afetiva) e a hipertrofia do autoconceito. Na análise de Paul Bercherie (1989), isso representa a inclusão, por parte de Kraepelin, do que os autores franceses chamavam de constituição paranoica. Na oitava edição, a paranoia (tal como a histeria) passará a ser considerada um desenvolvimento anormal, um tipo de malformação psíquica (Kendler, 1999) - o que um discípulo de Kraepelin, Karl Jaspers (1883-1969), chamava de desenvolvimento de personalidade (algo próximo do desenvolvimento vital normal), marcadamente contrastante com um processo mórbido radicalmente rompedor da vida psíquica anterior (Jaspers, 1977), tal como a demência precoce.

Isso nos indica que Moreira e Peixoto (1905a) tomam dois referenciais distintos ao apontar as "qualidades essenciais" da paranoia. Um deles, evidentemente, é o critério clínico-evolutivo kraepeliniano, quando tratam da doença já revelada, passível de observar diretamente. Ou, em outras palavras, consideram que "o reconhecimento da moléstia quase não oferece dificuldade, na observação atenta do lento desenvolvimento, das curiosas criações delirantes coordenadas, da excelente conservação da compreensão, assim como a ordem do curso das ideias, comportamento e ação" (Kraepelin, 1905, p.193). Já na descrição da hipotética fase prodrômica da paranoia, os alienistas brasileiros se baseiam em uma teoria da construção do caráter: a autofilia infantil normal resulta em egocentrismo patológico no indivíduo adulto quando não é devidamente corrigida pela educação, que o deveria submeter ao meio social e cultural - tudo isso ocorrendo em um terreno cerebral predisposto à enfermidade mental pela degenerescência (com todas as suas ressalvas feitas a essa noção).

Portanto, quando os médicos brasileiros postulam como qualidade essencial da paranoia o fato de ela ser patologia 'originária', adotam, para explicar sua gênese, a ideia de caráter ou temperamento paranoico.13 13 Os termos personalidade, temperamento e caráter aparecem indistintamente como sinônimos no texto de Moreira e Peixoto (1905a). Para uma história conceitual desses termos, ver Berrios, 1998 (p.419-442). Esse conceito vinha sendo desenvolvido principalmente por autores franceses, mas também era estimado por alemães como Richard von Krafft-Ebing (1840-1902), que considerara a paranoia uma patologia de fundo degenerativo, enraizada em anomalias do caráter, este basicamente marcado por excessos de desconfiança, orgulho, tendências imaginativas, emotividade e rigidez (Bercherie, 1989). Segundo Ballet (1911, citado em Bercherie, 1989), foi Benjamin Ball (1833-1893) quem primeiramente denominou autofilia um aspecto mental simultaneamente feito de desconfiança e vaidade, que caracterizaria a constituição paranoica.

Como aqui não citam diretamente suas fontes sobre o conceito de autofilia, recorramos novamente ao antigo mestre de Moreira e Peixoto, em busca de indícios. Recordando, para Nina-Rodrigues (2009) o paranoico tem como característica a parada do desenvolvimento da personalidade em suas fases infantis. Pela perspectiva de uma psicologia evolucionista, discute a constituição do 'eu', a evolução e a dissolução das funções psíquicas e passa em revista autores tais como Tarde, Ribot, Sergi, Meynert, Del Greco, Schule e Séglas. É com relação a este último que uma aproximação genealógica parece frutífera, quanto ao conceito de autofilia aplicado à paranoia pelos dois psiquiatras do HNA.

Desde 1887, em Leçons cliniques, Jules Séglas (1897, citado em Nina-Rodrigues, 2004, p.171) assinalava: "as estreitas relações existentes entre o delírio desses doentes e seu caráter anterior; ciúmes, egoísmo desconfiado, vaidade, etc. são os principais traços desse caráter que pode ser resumido em duas palavras: orgulho, desconfiança ... esses traços particulares são, desde o início, como que a marca característica do doente". Explicava Séglas que a paranoia era um estado psicopático funcional, sem decadência mental, quase sempre acompanhado de ideias delirantes sistematizadas e alucinações. Afirmava que na paranoia existia "uma interpretação particular do mundo exterior em suas relações com a personalidade do doente, seja para o bem ou para o mal (o caráter egocêntrico dos autores alemães)", com marcante falta de crítica, mas lucidez completa fora do delírio (Séglas, 1895, p.384). Na verdade, pensava que o delírio fosse apenas um índice da doença:

Esse delírio, que representa apenas uma fase, o ponto culminante da afecção, é independente de toda causa ocasional ou de todo estado emocional mórbido anterior e tem sua origem na intimidade do caráter individual, da personalidade, sendo um delírio primitivo. Assim se evidenciam, de maneira completamente patológica, as anomalias da constituição psíquica, dentre as quais predominam o exagero do sentimento da personalidade, a autofilia (p.384; grifos meus).

Ou, como formulam Moreira e Peixoto (1905a, p.12), o período de elaboração da paranoia se inicia quando a "primitiva e originária autofilia - sentimento inato e fundamental da personalidade" não é corrigida, mas incrementada pela educação, resultando em egocen-trismo mórbido.

Cumpre ainda anotar que era corrente a ideia de que a educação excessivamente permissiva ou, ao contrário, muito rígida poderia levar a distúrbios mentais; tal concepção é cara a nossos autores, assim como o era a Séglas e Kraftt-Ebing (Séglas, 1895) ou Kraepelin. Este último defenderia um programa médico-social que visse na educação adequada e no combate à ignorância, aos vícios e males físicos e morais da vida moderna um efetivo meio profilático contra a degenerescência (Engstrom, 2007; Kraepelin, 2007). Esse programa era endossado por Moreira e seus colaboradores, e adquiria especial significado no contexto sanitário brasileiro, sendo tema que já ocupava sua agenda de estudos, naquela época (Oda, Dalgalarrondo, 2001).

Um epílogo

Declarados discípulos brasileiros do mestre alemão, Moreira e Peixoto trazem no artigo aqui analisado uma espécie de composição mista de critérios diagnósticos que, ao lado dos critérios clínico-evolutivos kraepelinianos definidos na sétima edição do tratado alemão, ressaltam também a importância de identificar os indícios de educação excessivamente permissiva na história prévia aos sintomas do atual paranoico. Ou seja, remetem ao conceito de caráter paranoico e recomendam buscar os começos da patologia na suposta falta de submissão da autofilia primitiva infantil à realidade do mundo exterior, colocando esse ponto como "qualidade essencial" a ser identificada na realização da tarefa diagnóstica.14 14 Como observa Pereira (2007), tal formulação dos alienistas brasileiros precisa ser mais bem investigada em termos de relações com as concepções psicanalíticas das psicoses. Não é difícil reconhecer que a formulação sobre a autofilia apresentada por Moreira e Peixoto, em 1905, assemelha-se ao conceito de narcisismo de Sigmund Freud, registrado pela primeira vez alguns anos depois. Quanto a esse ponto, o trabalho histórico necessário não seria o de estabelecer hipotéticas prioridades de autoria conceitual, mas sim o de traçar fontes comuns.

A história da paranoia nos traz à memória a pertinência da recomendação de Canguilhem (1977), de que não se deve confundir a persistência dos termos com a permanência dos conceitos. Tratando-se de instrumentos essenciais na configuração da psiquiatria tal como a conhecemos hoje, a história das classificações psiquiátricas espelha as mais agudas controvérsias da área em cada época, e cada síntese obtida é fruto de disputas e negociações científicas e de variadas circunstâncias históricas - numa espécie de jogo de xadrez, na expressão de Berrios (1999) -, mais do que propriamente de avanços da ciência, como exemplifica esse limitado recorte do caso da categoria diagnóstica chamada de paranoia.

A julgar pelas observações de Moreira e Peixoto (1905b), no Brasil começava acalorado o debate sobre a possibilidade de unificação das várias nosografias psiquiátricas existentes, em inícios do século XX. Ao dar notícias sobre a adoção internacional das ideias de Kraepelin, observam que "a adoção de suas ideias por uma bela plêiade de psiquiatras franceses, ingleses, americanos, italianos, etc., demonstra que não somente para o Brasil foi inventada a notoriedade de Kraepelin, como malignamente já foi assoalhado" (p.205; grifos no original). A ênfase dos dois brasileiros na defesa da credibilidade mundial de Kraepelin parece compreensível, pois se tratava de justificar a escolha de sua postura científica, o que julgavam muito relevante para tornar moderna a psiquiatria nacional.

Compreende-se que os debates sobre as classificações diagnósticas continuam longe de ser redutos de paz e concórdia. Atualmente, a proposta de um projeto nosográfico comum, que consiga reunir clareza conceitual, sensibilidade cultural, validade científica e relevância clínica (Banzato, 2002), poderia ser uma esperada resposta crítica à reificação das categorias diagnósticas psiquiátricas, um indesejável fenômeno cultural contemporâneo. Afinal, conforme Juliano Moreira (1919), sempre é preciso lembrar que classificações médicas são arranjos provisórios e não espelhos da natureza - isso se supusermos, como ele, que "as doenças não são seres de caracteres fixos, definidos e permanentes ... Demais, a doença, encarada como entidade, é uma abstração do espírito humano" (p.94).

NOTAS

Recebido para publicação em março de 2010.

Aprovado para publicação em setembro de 2010.

  • APA. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders 4th. ed. (DSM IV). Washington: American Psychiatric Association. 1994.
  • BANZATO, Cláudio Eduardo Muller. Assigning things to their proper class: taxonomic issues and trends in psychiatry. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.5, n.1, p.11-19. 2002.
  • BERCHERIE, Paul. Os fundamentos da clínica: história e estrutura do saber psiquiátrico. Trad., Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1989.
  • BERRIOS, German E. Classifications in psychiatry: a conceptual history. Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, Melbourne, v.33, n.2, p.145-160. 1999.
  • BERRIOS, German E. Delusions. In: Berrios, German E. The history of mental symptoms: descriptive psychopathology since the nineteenth century. Cambridge: Cambridge University Press. p.85-139. 1998.
  • BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Trad., Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora Unesp. 2004.
  • BOURDIEU, Pierre. Le champ scientifique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v.2, n.2, p.88-104. 1976.
  • CANGUILHEM, Georges. Ideologia e racionalidade nas ciências da vida Lisboa: Edições 70. 1977.
  • CARVALHAL, Lázara A.; DELGADO, Pedro Gabriel Godinho. Levantamento das fontes primárias e secundárias relativas a Juliano Moreira (1873-1933). In: Amarante, Paulo (Org.). A loucura da (na) história: seminário sobre história da psiquiatria. Rio de Janeiro: Laps/Ensp/Fiocruz. p.421-433. 2000.
  • DAKER, Maurício Viotti. Demência precoce na sexta edição de Kraepelin em 1899. Casos Clínicos em Psiquiatria, Belo Horizonte, v.1, n.1, p.59-67. 1999.
  • DOWBIGGIN, Ian. Delusional diagnosis?: the history of paranoia as a disease concept in the modern era. History of Psychiatry, Chalfont St. Giles, v.11, n.41, p.37-69. Disponível em: http://hpy.sagepub.com/cgi/reprint/11/41/037 Acesso em: 10 nov. 2009. 2000.
  • DOWBIGGIN, Ian. Delusional disorder: social section. In: Berrios, German; Porter, Roy (Org.). History of clinical psychiatry: the origin and history of psychiatric disorders. London: Athlone. p.372-383. 1999.
  • ENGSTROM, Eric J. 'On the question of gegeneration' by Emil Kraepelin (1908). Introduction. History of Psychiatry, Chalfont St. Giles, v.18, n.3, p.389-198. 2007.
  • ENGSTROM, Eric J.; WEBER, Matthias M. Making Kraepelin history: a great instauration? History of Psychiatry, Chalfont St. Giles, v.18, n.3, p.267-273. 2007.
  • ESQUIROL, Jean-Étienne. Des maladies mentales: considérées sous les rapports médical, hygiénique et médico-légal. Paris: Baillière. 1838.
  • JASPERS, Karl. Delirio celotípico, contribuición al problema: ¿desarrollo de una personalidad o proceso?. In: Jaspers, Karl. Escritos psicopatológicos Madrid: Gredos. p.111-181. 1.ed., 1910. 1977.
  • KENDLER, Kenneth S. Delusional disorder: clinical section. In: Berrios, German; Porter, Roy (Org.). History of clinical psychiatry: the origin and history of psychiatric disorders. London: Athlone. p.360-371. 1999.
  • KRAEPELIN, Emil. Paranoia (Verrücktheit). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.13, n.2, p.333-351. 1.ed., 1904. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v13n2/13.pdf Acesso em: 13 set. 2010. 2010.
  • KRAEPELIN, Emil. 'On the question of degeneration' by Emil Kraepelin (1908). History of Psychiatry, Chalfont St. Giles, v.18, n.3, p.399-404. 2007.
  • KRAEPELIN, Emil. Introdução à psiquiatria clínica. Terceira lição: demência precoce (1905). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.4, n.4, p.130-137. Disponível em: http://www.fundamentalpsychopathology.org/art/dez1/classicos.kraepelin.pdf Acesso em: 10 nov. 2009. 2001.
  • KRAEPELIN, Emil. Paranóia (Verrücktheit). Traduzido da obra do prof. Emil Kraepelin, 'Die Psychiatrie', Leipzig, 1904, vol. 2, p.590. Archivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Affins, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.98-106; n.2, p.183-196; n.3-4, p.301-309. Trad., A. Austregésilo; originalmente publicado em Kraepelin, Emil. Psychiatrie: ein Lehrbuch für Studierende und Ärzte Siebente, vielfach umgearbeitete Auflage. II. Band (in 2 Teilbänden). Klinische Psychiatrie. Leipzig: Barth. 1904. 1905.
  • LANTERI-LAURA, Georges; GROS, Martine. La paranoïa. In: Postel, Jacques; Quétel, Claude (Org.). Nouvelle histoire de la psychiatrie Toulouse: Privat. p.334-341. 1983.
  • LEWIS, Aubrey. Paranoia and paranoid: a historical perspective. Psychological Medicine, London, v.1, n.1, p.2-12. 1970.
  • LISTA DE COLABORADORES... Lista de colaboradores e nota de abertura. Archivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Affins, Rio de Janeiro, v.1, n.1, s.p. 1905.
  • MOREIRA, Juliano. O novo agrupamento nosográfico das doenças mentais do prof. Emil Kraepelin. Archivos Brasileiros de Neuriatria e Psychiatria, Rio de Janeiro, v.3, n.1-2, p.181-189. 1921.
  • MOREIRA, Juliano. Classificações em medicina mental. Archivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Affins, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.93-115. 1919.
  • MOREIRA, Juliano. Psiquiatria. In: Academia Nacional de Medicina (Org.). Em comemoração do centenário do ensino médico Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio p.433-448. 1908.
  • MOREIRA, Juliano; PEIXOTO, Afrânio. A paranoia e os syndromas paranoides. Archivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Affins, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.5-33. 1905a.
  • MOREIRA, Juliano; PEIXOTO, Afrânio. Classificação das moléstias mentais do professor Emil Kraepelin. Archivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Affins, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.204-216; n.3-4, p.310-316. 1905b.
  • NINA-RODRIGUES, Raimundo. Atavismo psíquico e paranóia (1902). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.12, n.4, p.766-789. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v12n4/v12n4a12.pdf Acesso em: 10 fev. 2010. 2009.
  • NINA-RODRIGUES, Raimundo. A paranóia nos negros: estudo clínico e médico-legal (1903). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.7, n.2, p.161-178; n.3, p.131-158; n.4, p.217-239. Disponível em: http://www.fundamentalpsychopathology.org/art/jun4/paranoia.pdf Acesso em: 10 nov. 2009. 2004.
  • NINA-RODRIGUES, Raimundo. La paranoïa chez les nègres: étude clinique et médico-légale. Archives d'Anthropologie Criminelle, de Criminologie et de Psychologie Normale et Pathologique, Lyon, v.18, n.118, p.609-651; n.119, p.689-714. Disponível em: http://www.criminocorpus.cnrs.fr/ebibliotheque/ice/ Acesso em: 10 nov. 2009. 1903.
  • NINA-RODRIGUES, Raimundo. Atavisme psychique et paranoïa. Archives d'Anthropologie Criminelle, de Criminologie et de Psychologie Normale et Pathologique, Lyon, v.17, n.102, p.325-355. Disponível em : http://www.criminocorpus.cnrs.fr/ebibliotheque/ice/ Acesso em: 10 nov. 2009. 1902.
  • ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. A paranóia em 1904: uma etapa na construção nosológica de Emil Kraepelin. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.13, n.2, p.318-332. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v13n2/12.pdf Acesso em: 13 set. 2010. 2010.
  • ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. Passado e presente na psicopatologia da paranóia. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.12, n.4, p.759-765. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v12n4/v12n4a11.pdf Acesso em: 10 fev. 2010. 2009.
  • ODA, Ana Maria Galdini Raimundo; DALGALARRONDO, Paulo. Uma preciosidade da psicopatologia brasileira: 'A paranóia nos negros', de Raimundo Nina-Rodrigues. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.7, n.2, p.147-160. Disponível em: http://www.fundamentalpsychopathology.org/art/jun4/historia.pdf Acesso em: 10 nov. 2009. 2004.
  • ODA, Ana Maria Galdini Raimundo; DALGALARRONDO, Paulo. A paranóia, segundo Juliano Moreira e Afrânio Peixoto. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.4, n.2, p.125-133. 2001.
  • OMS. Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde Décima revisão (CID 10). Transtornos mentais e comportamentais, doenças do sistema nervoso (separata). Tradução da edição em inglês (1993). Centro Colaborador da OPAS/OMS para classificação de doenças em português. São Paulo: Edusp. 2003.
  • PEIXOTO, Afrânio. Medicina legal: psicopatologia forense. v.2. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves. p.282. 1.ed., 1911. 1938.
  • PEREIRA, Mário Eduardo Costa. Lacan com Juliano Moreira e Afrânio Peixoto: a autofilia primitiva, o narcisismo e a questão da paranóia legítima. In: Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Org.). Psicose: aberturas da clínica. Porto Alegre: Libretos. p.18-53. 2007.
  • PINEL, Philippe. Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania Trad., Joice Armani Galli; rev. técnica, Margareth Christoff, Ana Maria G.R. Oda. Porto Alegre: Editora da UFRGS. 1.ed., 1800. 2007.
  • PORTUGAL, Francisco Teixeira. Psicologia e história no pensamento social de Manoel Bomfim. Estudos e Pesquisas em Psicologia - UERJ, Rio de Janeiro, v.10, n.2, p.596-612. Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v10n2/artigos/html/v10n2a18.html Acesso em: 13 set. 2010. 2010.
  • PROFESSOR JULIANO MOREIRA... Professor Juliano Moreira: biografia e bibliografia. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.4, n.1-2, p.3-20. 1933.
  • SAURÍ, Jorge J. O que é diagnosticar em psiquiatria São Paulo: Escuta. 2001.
  • SAURÍ, Jorge J. Las teorías nosológicas. In: Saurí, Jorge J. Historia de las ideas psiquiátricas Buenos Aires: Carlos Lohlé. p.81-106. 1969.
  • SÉGLAS, Jules. Leçons cliniques sur les maladies mentales et nerveuses (Salpêtrière, 1887-1894) Paris: Asselin et Houzeau. Disponível em: http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb313453733/description Acesso em: 10 nov. 2009. 1895.
  • SERPA JR., Octavio Domont de. Loucura, hereditariedade e queda: a teoria da degenerescência. In: Serpa Jr., Octavio Domont de. Mal-estar na natureza: estudo crítico sobre o reducionismo biológico em psiquiatria. Rio de Janeiro: Te Corá. p.27-164. 1998.
  • VENANCIO, Ana Teresa A. Doença mental, raça e sexualidade nas teorias psiquiátricas de Juliano Moreira. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.14, n.2, p.283-305. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/physis/v14n2/v14n2a06.pdf Acesso em: 10 nov. 2009. 2004.
  • VENANCIO, Ana Teresa A.; FACCHINETTI, Cristiana. 'Gentes provindas de outras terras': ciência psiquiátrica, imigração e nação brasileira. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.8, n.2, p.356-363. Disponível em: http://www.fundamentalpsychopathology.org/art/v08_02/09.pdf Acesso em: 10 nov. 2009. 2005.
  • 1
    A revisão de Lewis (1970); o artigo de Dowbiggin (2000) sobre a história conceitual e social da paranoia; os capítulos de Kendler (1999) e de Dowbiggin (1999) sobre os transtornos delirantes (
    delusional disorders) na coletânea de Berrios e Porter; o capítulo sobre o delírio no livro de Berrios (1998); e o capítulo de Lanteri-Laura e Gros (1983), em
    Nouvelle histoire de la psychiatrie.
  • 2
    A grafia do título original é "A paranoia e
    os syndromas paranoides"; atualizando a grafia, optei por usar 'as síndromes', mais comum hoje (o mesmo que 'as síndromas', substantivo feminino, segundo o
    Dicionário Houaiss, edição de 2000).
  • 3
    Juliano Moreira formou-se em 1891. Desde 1889 Nina-Rodrigues era professor substituto na Faculdade de Medicina da Bahia, na cadeira de Clínica Médica (em 1895 se tornaria titular da de Medicina Legal). Foram colegas de docência naquela faculdade, de 1896 a 1902, quando Moreira era professor substituto da cadeira de Clínica Psiquiátrica; na mesma época, foram ambos cofundadores da Sociedade de Medicina Legal da Bahia, entre outras iniciativas conjuntas (Professor Juliano Moreira..., 1933). Afrânio Peixoto foi aluno de Nina-Rodrigues e Moreira, autores do prefácio à reimpressão da tese de conclusão de seu curso,
    Epilepsia e crime, em 1898 (Moreira, 1908). Alienista do HNA e próximo a Moreira, Peixoto foi seu substituto como diretor em diversas ocasiões. Interessado em psiquiatria e em medicina legal, foi professor da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e diretor do Instituto Médico-Legal, seguiu carreira política e exerceu cargos importantes na área de educação, tendo sido também membro da Academia Brasileira de Letras. (Oda, Dalgalarrondo, 2001).
  • 4
    Sobre biografia e trajetória de Juliano Moreira ver, entre outros autores, Oda, Dalgalarrondo, 2001, Venancio, Facchinetti, 2005 e Venancio, 2004.
  • 5
    Versões desse trabalho foram apresentadas em comunicação ao 3º Congresso Latinoamericano de Medicina de Buenos Aires (1904), conforme Peixoto (1938), e ainda em 1906 ao 15º Congresso Internacional de Medicina de Lisboa, sob o título "La paranoïa légitime: son origine et nature" (Moreira, 1908; Peixoto, 1938). De acordo com o levantamento de fontes de Carvalhal e Delgado (2000), uma outra versão teria sido publicada na revista
    Brasil Médico, em 1904. Posteriormente houve uma nova publicação dele, em edição comemorativa dos cinquenta anos dos
    Arquivos Brasileiros de Psiquiatria (1955) e outra em 2001, na
    Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental (v.4, n.2, p.134-167).
  • 6
    A tradução desse capítulo do tratado de Kraepelin foi republicada recentemente (Kraepelin, 2010).
  • 7
    No ABPNCA, o tradutor Antonio Austregésilo teve o cuidado de citar também no original alemão este último trecho, indicando sua importância capital na concepção da paranoia de Kraepelin.
  • 8
    Nesta e nas demais citações de textos em outros idiomas, a tradução é livre.
  • 9
    A ideia da degenerescência, de definição imprecisa e cambiante, parece ter respondido por tempo relativamente longo à inquietante questão da etiologia da loucura (Serpa Jr., 1998). Sobre a noção de degenerescência aplicada à enfermidade mental, consultar os trabalhos de Octavio Domont de Serpa Jr.
  • 10
    Minuciosa discussão sobre o conceito de hereditariedade atávica pode ser lida em ensaio de Nina-Rodrigues (2009), no qual o autor busca refutar a teoria do retorno atávico do paranoico ao homem primitivo como sendo o mecanismo hereditário patogênico da paranoia, tal como postularam E. Tanzi e G. Riva. Observa que o elemento atávico na paranoia é seu aspecto mental regressivo, em que preponderam os sentimentos primitivos de medo e orgulho.
  • 11
    Observe-se que as considerações sobre as alucinações aparecem pouco desenvolvidas no texto dos alienistas brasileiros. Isto talvez não tenha sido acidental, já que a existência de alucinações nos quadros delirantes sistematizados era alvo de controvérsias. Adiante, na 8ª edição do tratado, em 1915, Kraepelin considerará que as alucinações genuínas não existem na paranoia, encaixando os casos em que estas eram proeminentes na nova categoria parafrenia, que surge como intermediária entre a demência precoce e a paranoia. Ainda sobre as alucinações auditivas desta, vale destacar que Moreira e Peixoto (1905a, p.17) mencionam brevemente uma teoria sobre a sua gênese, que lhes fora comunicada por Manoel Bomfim: nesses casos, a alucinação seria o pensamento do próprio enfermo 'ouvido' por ele, em razão de perturbações na atividade integradora mental. Provavelmente, o trabalho mencionado é
    As alucinações dos perseguidos, editado em 1904. Manoel José do Bomfim (1868-1932), médico e intelectual sergipano, deixou significativas contribuições nos campos da psicologia, da educação e do pensamento social brasileiro na Primeira República, mas sua obra em psicologia permanece relativamente pouco estudada (Portugal, 2010, p.612).
  • 12
    Embora o tema das relações entre personalidade prévia e doença não tenha sido alheio às primeiras formulações de Kraepelin, só na oitava edição de seu tratado as concepções de paranoia abortiva ou benigna (sem delírio) e de personalidade paranoide seriam incorporadas a sua nosografia, quando destacará nesses indivíduos a lacuna no desenvolvimento intelectual (a permanência da lógica afetiva) e a hipertrofia do autoconceito. Na análise de Paul Bercherie (1989), isso representa a inclusão, por parte de Kraepelin, do que os autores franceses chamavam de constituição paranoica. Na oitava edição, a paranoia (tal como a histeria) passará a ser considerada um desenvolvimento anormal, um tipo de malformação psíquica (Kendler, 1999) - o que um discípulo de Kraepelin, Karl Jaspers (1883-1969), chamava de desenvolvimento de personalidade (algo próximo do desenvolvimento vital normal), marcadamente contrastante com um processo mórbido radicalmente rompedor da vida psíquica anterior (Jaspers, 1977), tal como a demência precoce.
  • 13
    Os termos personalidade, temperamento e caráter aparecem indistintamente como sinônimos no texto de Moreira e Peixoto (1905a). Para uma história conceitual desses termos, ver Berrios, 1998 (p.419-442).
  • 14
    Como observa Pereira (2007), tal formulação dos alienistas brasileiros precisa ser mais bem investigada em termos de relações com as concepções psicanalíticas das psicoses. Não é difícil reconhecer que a formulação sobre a autofilia apresentada por Moreira e Peixoto, em 1905, assemelha-se ao conceito de narcisismo de Sigmund Freud, registrado pela primeira vez alguns anos depois. Quanto a esse ponto, o trabalho histórico necessário não seria o de estabelecer hipotéticas prioridades de autoria conceitual, mas sim o de traçar fontes comuns.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      Set 2010
    • Recebido
      Mar 2010
    Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: hscience@fiocruz.br