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Poder direcionador?: um estudo comparativo de opinião pública e distribuição de renda

Resumos

Nos últimos anos, vários estudos têm examinado a influência da opinião pública sobre as políticas públicas, mas poucos têm considerado a influência da opinião sobre as condições sociais. São questões separadas, uma vez que as políticas podem não ter os efeitos pretendidos e a opinião pode influenciar diretamente os resultados, à parte das políticas públicas. Este trabalho examina a relação entre opinião pública e desigualdade de renda em uma amostra de cerca de cinqüenta países e conclui que a distribuição de renda é mais igual em nações onde as opiniões são mais igualitárias, e que essa relação é mais forte nas democracias. Porém, a associação com as opiniões de pessoas de renda acima da média é mais forte do que aquela apresentada pelas opiniões das classes médias, sugerindo que as pessoas com renda mais alta têm mais influência. A análise das fontes das diferenças nacionais em opinião indica que o igualitarismo aumenta com o desenvolvimento econômico, ao contrário do que sustentam muitos autores. A diversidade étnica e a experiência do regime comunista parecem reduzir os sentimentos igualitários.

opinião pública; distribuição de renda; desenvolvimento econômico; democracia; survey


In recent years, a number of studies have examined the influence of public opinion on government policy, but few have considered the influence of opinion on social conditions. These are separate questions, since policies may not have the intended effects, and opinion may influence outcomes directly apart from government policy. This paper examines the relationship between public opinion and income inequality in a sample of about 50 nations. It finds that the distribution of income is more equal in nations where opinions are more egalitarian, and that this relationship is stronger in democracies. However, the association with opinions of people with above-average incomes is stronger than the association with average opinions, suggesting that people with higher incomes have more influence. Analysis of the sources of national differences in opinion suggests that egalitarianism increases with economic development, contrary to the claims of many authors. Ethnic diversity and the experience of communist rule appear to reduce egalitarian sentiments.

public opinion; income distribution; economic development; democracy; survey


Poder direcionador? Um estudo comparativo de opinião pública e distribuição de renda

David WeakliemI; Robert AndersenII; Anthony HeathII

IUniversity of Connecticut, Estados Unidos

IIUniversity of Oxford, Inglaterra

RESUMO

Nos últimos anos, vários estudos têm examinado a influência da opinião pública sobre as políticas públicas, mas poucos têm considerado a influência da opinião sobre as condições sociais. São questões separadas, uma vez que as políticas podem não ter os efeitos pretendidos e a opinião pode influenciar diretamente os resultados, à parte das políticas públicas. Este trabalho examina a relação entre opinião pública e desigualdade de renda em uma amostra de cerca de cinqüenta países e conclui que a distribuição de renda é mais igual em nações onde as opiniões são mais igualitárias, e que essa relação é mais forte nas democracias. Porém, a associação com as opiniões de pessoas de renda acima da média é mais forte do que aquela apresentada pelas opiniões das classes médias, sugerindo que as pessoas com renda mais alta têm mais influência. A análise das fontes das diferenças nacionais em opinião indica que o igualitarismo aumenta com o desenvolvimento econômico, ao contrário do que sustentam muitos autores. A diversidade étnica e a experiência do regime comunista parecem reduzir os sentimentos igualitários.

Palavras-chave: opinião pública, distribuição de renda, desenvolvimento econômico, democracia, survey.

ABSTRACT

In recent years, a number of studies have examined the influence of public opinion on government policy, but few have considered the influence of opinion on social conditions. These are separate questions, since policies may not have the intended effects, and opinion may influence outcomes directly apart from government policy. This paper examines the relationship between public opinion and income inequality in a sample of about 50 nations. It finds that the distribution of income is more equal in nations where opinions are more egalitarian, and that this relationship is stronger in democracies. However, the association with opinions of people with above-average incomes is stronger than the association with average opinions, suggesting that people with higher incomes have more influence. Analysis of the sources of national differences in opinion suggests that egalitarianism increases with economic development, contrary to the claims of many authors. Ethnic diversity and the experience of communist rule appear to reduce egalitarian sentiments.

Keywords: public opinion, income distribution, economic development, democracy, survey.

A influência – ou sua ausência – da opinião pública sobre as condições sociais é uma das questões clássicas da teoria sociológica e política. Muitos observadores do século XIX presumiram que a opinião pública influenciava cada vez mais os governos. Tocqueville (1969, p. 124) escreveu que "a França e os Estados Unidos, apesar de suas constituições diferentes, têm esse ponto em comum, ou seja, que, na prática, a opinião pública é o poder dominante". Mesmo Marx afirmou que a pressão popular era uma causa importante de reformas como a da redução da jornada de trabalho. Porém, outros observadores argumentaram que a influência popular era, em larga medida, ilusória, e que mesmo em democracias, as decisões eram tomadas por pequenas minorias (MICHELS, 1962). Embora cada lado pudesse apresentar argumentos e ilustrações poderosas a seu favor, até recentemente havia poucas provas sistemáticas.

Na última década, vários estudos usaram o conjunto acumulado de dados de surveys para examinar o efeito da opinião pública sobre as políticas públicas. Stimson, Mackuen e Erikson (1995) construíram índices gerais de opinião e política governamental nos Estados Unidos a partir dos anos 1950 e descobriram que mudanças na opinião foram seguidas por alterações nas políticas. Embora eles usem índices gerais que cobrem uma ampla gama de políticas, vários estudos examinam determinadas políticas mais detalhadamente. Smith (2000) conclui que a opinião pública afeta as políticas relacionadas com os interesses empresariais, enquanto Burstein (1998), ao examinar várias políticas, conclui que a opinião pública influenciou quase todas elas. Embora existam poucos dados sobre outros países, parece improvável que o efeito da opinião pública sobre as políticas públicas esteja confinado aos Estados Unidos.

Apesar das evidências crescentes de que a opinião pública afeta a política governamental, pouco se sabe sobre sua influência sobre as condições sociais. Uma influência sobre as políticas não se traduz necessariamente em uma influência sobre seus resultados. Edelman (1964) sustenta que muitas políticas são meramente simbólicas, satisfazendo as demandas públicas mas com pouco impacto real. Do mesmo modo, ainda que as políticas tenham efeitos importantes, eles podem ser bem diferentes daqueles inicialmente pretendidos. Por exemplo, observadores como Stigler (1970) argumentaram que muitas medidas claramente tomadas para ajudar os pobres, como salário mínimo e controles de aluguel, beneficiam, na realidade, as classes médias. Por outro lado, a opinião pública pode influenciar as condições sociais mesmo sem influenciar as políticas públicas. Por exemplo, as empresas privadas podem ser obrigadas a dar atenção a crenças populares sobre eqüidade quando estabelecem salários para empregos diferentes. Assim, a influência da opinião pública sobre as condições sociais pode ser maior ou menor do que sua influência sobre políticas governamentais.

Este artigo examina a influência da opinião pública sobre uma condição importante: a distribuição de renda. Há uma grande quantidade de pesquisas sobre os fatores que afetam essa distribuição, mas a opinião pública não tem sido considerada sistematicamente no trabalho empírico. Até recentemente isso não era possível, pois dados comparáveis de opinião pública eram disponíveis apenas para um pequeno número de países. Os recentes World Values Surveys (INGLEHART et al., 2000) incluem um grande e diversificado número de nações, ampliando as oportunidades para a pesquisa comparativa sobre os efeitos da opinião pública. Em essência, este trabalho pergunta se as nações em que as opiniões são mais igualitárias têm distribuição de renda mais igual. Uma vez que os dados são transversais, não é possível estabelecer definitivamente a direção da causalidade. Uma conjunção entre opinião pública e distribuição de renda poderia existir porque as pessoas tendem a crer que a situação real é justa – isto é, a distribuição de renda poderia ser a causa da opinião pública. Essa questão será examinada em maior detalhe adiante. Não obstante, pode-se aprender muito a partir dessa relação transversal.

Teorias e hipóteses

Efeito da opinião sobre a distribuição de renda

Atkinson e Bourguignon observam que a extensa literatura sobre distribuição de renda não oferece uma teoria unificada, mas "uma série de elementos constitutivos que servem para estudar as questões da distribuição" (ATKINSON e BOURGUIGNON, 2000, p. 5). Um desses elementos importantes envolve a oferta e a demanda de capital e de vários tipos de trabalho. Porém, quando se comparam países, é, em geral, difícil medir os fatores de oferta e demanda em detalhe. Por isso, as pesquisas comparativas concentraram-se nas condições gerais, que são de mensuração mais fácil. Uma das mais importantes é o nível global de desenvolvimento. Kuznets (1955) conjeturou que a desigualdade aumentava nos primeiros estágios do desenvolvimento e declinava nos estágios posteriores. Embora ele estivesse preocupado principalmente com as mudanças históricas, estudos posteriores aplicaram seu argumento a comparações transversais e a maioria concluiu que a desigualdade é maior nos níveis médios de desenvolvimento. Weede e Tiefenbach (1981) examinaram várias influências possíveis sobre a distribuição de renda e concluíram que o desenvolvimento econômico, medido pelo PIB per capita, é de longe a mais importante. Como Kuznets (1955) sugeriu, a relação entre desenvolvimento econômico e distribuição de renda reflete indiscutivelmente a combinação de vários fatores. Nielsen (1994) mostra que as mudanças no tamanho do setor agrícola, a distribuição da educação e a estrutura demográfica respondem por boa parte da conexão entre desenvolvimento e desigualdade. Porém, para nossos propósitos, não é necessário analisar a relação em detalhe – o desenvolvimento econômico pode ser tratado como uma simples variável de controle.

Outro elemento constitutivo compreende as causas e efeitos das políticas governamentais. Entre os possíveis mecanismos de influência estão a regulamentação de preços e salários, a redistribuição de renda do mercado por meio de impostos e transferências, e condições de base que envolvem a atribuição de direitos de propriedade. A igualdade econômica foi particularmente importante na ideologia comunista e vários estudos concluíram que a distribuição de renda era mais igualitária sob o comunismo (WEEDE e TIEFENBACH, 1981). Outros estudos concluíram que os governos social-democratas reduzem a desigualdade, embora essas pesquisas tenham se limitado às sociedades ricas (CASTLES e MCKINLEY, 1979; KORPI e PALME, 1998). Outros ainda examinaram os efeitos da democracia de um modo mais geral. Dada a distribuição assimétrica de riqueza e renda, a redistribuição pode beneficiar muitas pessoas às custas de umas poucas. Portanto, parece lógico que a democracia, no sentido de eleições competitivas dentro de uma aproximação razoável do sufrágio universal, tenderá a produzir igualdade econômica (DOWNS, 1957, p. 198). No entanto, as pesquisas empíricas, em geral, não deram suporte a essa hipótese. Bollen e Jackman (1985) e Nielsen (1994) concluíram que a democracia não influencia a distribuição de renda. Mueller (1988) descobriu que a duração da democracia estava associada à igualdade, mas a re-análise de Weede (1989) mostrou que seus resultados não eram robustos. Mais recentemente, Chong (2001) encontrou evidência de uma relação não-linear na qual a desigualdade atinge o pico em um nível intermediário de democracia.

A relação da democracia com a distribuição de renda envolve implicitamente a opinião pública, uma vez que a hipótese de que a democracia reduz a desigualdade baseia-se em dois supostos: que a opinião pública influencia os resultados no interior da democracia e que o público quer reduzir a desigualdade. Por exemplo, Bollen e Jackman (1985, p. 451), que não encontram relação entre democracia e desigualdade, sugerem que esse resultado pode indicar que "as preferências dominantes da população de eleitores não são por políticas redistributivas". Do mesmo modo, Hicks e Misra (1993, p. 679) oferecem hipóteses opostas sobre a relação entre competição eleitoral e iniciativas de bem-estar social, uma baseada no pressuposto de que a opinião mediana é a favor da expansão do Estado de bem-estar, outra no pressuposto de que a opinião mediana se opõe a isso. Especificamente, três hipóteses sobre os efeitos da opinião pública parecem estar implícitas nos trabalhos anteriores.

Hipótese 1: Em países onde a opinião média é mais igualitária, a distribuição de renda será mais igual.

Embora nenhum estudo anterior pareça tratar dessa hipótese diretamente, há algumas evidências indiretas de que ela é verdadeira. Pesquisas comparativas sobre o Estado de bem-estar social concluíram que os governos podem afetar a distribuição de renda. Korpi e Palme (1998) encontraram uma forte associação entre os gastos com o bem-estar e o grau de igualdade em uma amostra de onze países desenvolvidos. Outros estudos concluíram que os governos desenvolvem políticas que são consistentes com seus programas ideológicos – por exemplo, governos social-democratas gastam mais em programas sociais. Ademais, os partidos podem ajustar suas políticas à opinião pública – por exemplo, os partidos conservadores moderarão suas posições quando a opinião pública é mais igualitária. Desse modo, a opinião pode afetar as políticas mesmo depois que se controla a composição partidária do governo, como Stimson, Machuen e Erikson (1995) comprovaram para os Estados Unidos.

Reunidos esses resultados, a opinião pública pode afetar a distribuição de renda ao influenciar as políticas governamentais. Além disso, ela pode exercer essa influência mesmo na ausência de ação governamental. Economistas do trabalho observaram que os patrões parecem dar atenção a crenças populares sobre eqüidade quando estabelecem salários (SOLOW, 1990). Isso talvez aconteça porque eles também compartilham essas crenças em certa medida, ou porque os empregados se esforcem mais quando acreditam que recebem um pagamento justo. Embora os efeitos das normas sobre outros aspectos da vida econômica tenham recebido menos atenção sistemática, Tanzi (1998) observa que as normas sobre propriedade, casamento e família podem influenciar também a distribuição de riqueza e renda. Uma vez que as normas podem afetar todos os aspectos da vida econômica, sua influência sobre a distribuição de renda poderia ser muito grande, talvez muito maior do que os efeitos das políticas públicas.

Tomada literalmente, a hipótese nula de que a opinião pública não tem nenhuma influência não é muito verossímil. Porém, é possível que seus efeitos sejam fracos. Programas que redistribuem renda diretamente dos ricos para os pobres constituem apenas uma parte pequena da atividade governamental. Políticas como regulamentação dos negócios e do trabalho, pensões e educação pública também podem influenciar a distribuição de renda. Os efeitos dessas medidas são complexos e difíceis de prever e podem desencadear parcialmente os efeitos igualitários das políticas de bem-estar. Por exemplo, um governo pode expandir o apoio financeiro para a educação superior na esperança de reduzir a desigualdade. Porém, dependendo das habilidades e do capital de classe social dos estudantes que aproveitam essas novas oportunidades, essa política pode ter o efeito de aumentar a desigualdade. Com a influência direta de valores e normas sobre ganhos, tais efeitos perversos são menos prováveis, mas os efeitos positivos podem ser pequenos. Tradicionalmente, os economistas sempre sustentaram que os fatores de oferta e demanda são fundamentais e que normas e valores têm uma influência apenas secundária sobre a atividade econômica. Embora exista uma grande quantidade de indícios não-científicos que sugerem que as normas influenciam os ganhos, há poucos estudos empíricos sobre essa questão. Por isso, muito pouco se sabe sobre o tamanho de quaisquer efeitos.

Hipótese 2: As opiniões das pessoas de renda mais alta terão mais influência sobre a distribuição de renda do que as opiniões de pessoas de baixa renda.

Estudos anteriores operacionalizaram a opinião pública como a opinião média da população adulta. Porém, mesmo no regime de sufrágio universal, nem todas as pessoas exercem influência igual. As pesquisas comparativas mostram que as pessoas de renda mais alta apresentam maior probabilidade de votar e participar de outras formas (VERBA, NIE e KIM, 1978). Assim, a opinião "efetiva" pode não ser a média de toda a população, mas uma média ponderada na qual as opiniões das pessoas ricas exercem maior influência. Por outro lado, quaisquer diferenças na influência política total podem ser compensadas por diferenças de foco. Verba, Schlozman e Brady (1995) concluíram que, quando tentam influenciar as políticas públicas, as pessoas menos ricas se concentram em interesses materiais imediatos, enquanto é provável que os mais ricos se preocupem com questões não-econômicas. Desse modo, as pessoas de baixa renda podem ter influência igual ou até maior sobre a distribuição de renda porque concentram suas energias em questões materiais. Além disso, a sindicalização costuma ser maior entre grupos de renda mais baixa, propiciando outro mecanismo por meio do qual suas opiniões podem ter um efeito.

Hipótese 3: A relação entre opinião pública e distribuição de renda será mais forte em governos democráticos.

Downs (1957) argumenta que a competição pelos votos obrigará até mesmo os políticos movidos por interesses pessoais a responder às demandas dos eleitores, tal como a competição econômica obriga as empresas a responder às demandas dos consumidores. Na ausência de democracia, as elites não terão um incentivo para prestar atenção ao público em geral. Portanto, uma interpretação restrita do argumento de Downs implica que a opinião pública afetará a distribuição de renda somente em governos democráticos. Porém, mesmo na ausência de democracia, o público pode ser capaz de exercer influência por meios informais e, em particular, mediante a ameaça de desordem. Tocqueville (1969, p. 124) sustentava que a opinião pública era o "poder dominante" tanto nos Estados Unidos como na França, mas que "na América, ela funciona por meio de eleições e decretos, na França, por revoluções". Do mesmo modo, a opinião pode ter um efeito direto sobre ganhos em todas as formas de governo. Mesmo em regimes autoritários, os trabalhadores podem ter alguma decisão sobre o empenho e a eficiência com que trabalham. Assim, os patrões de todas as nações terão um incentivo para prestar atenção às idéias populares sobre eqüidade, embora os efeitos possam ser maiores quando os trabalhadores têm mais liberdade de se organizar.

Influências sobre a opinião

Ao mesmo tempo em que sugerem hipóteses claras sobre os efeitos da opinião pública, os trabalhos anteriores oferecem apenas indicações dispersas quanto às influências sobre a opinião. A hipótese geral mais amplamente discutida é a de que o apoio à igualdade declina com o desenvolvimento econômico. Inglehart (1997), por exemplo, sugere que o apoio ao "programa econômico tradicional da esquerda" declinará com a riqueza, embora sua preocupação principal seja com o apoio à propriedade pública. Triandis (1993) apresenta um argumento semelhante, no qual o desenvolvimento leva a um aumento do individualismo, que está associado com a oposição a impostos e ao Estado do bem-estar. Porém, alguns sociólogos questionaram essas afirmações, argumentando que o efeito da riqueza sobre os valores é indeterminado (GOLDTHORPE e LOCKWOOD, 1963).

Outras hipóteses podem ser inferidas das discussões sobre determinados países. Uma idéia apresentada freqüentemente na literatura sobre o "excepcionalismo americano" é a de que a diversidade étnica reduz o apoio à igualdade econômica, em particular nas classes mais baixas (SOMBART, 1976). A religião também recebeu alguma atenção, em especial no debate sobre a tese de Weber (1958) sobre a afinidade entre o protestantismo e o capitalismo de mercado. É possível ver no argumento de Weber a implicação de que o protestantismo produzirá uma maior aceitação da desigualdade. Outras religiões receberam menos atenção, mas foi sugerido que as tradições confucianas e budistas do leste asiático estão associadas a uma perspectiva "coletivista" em que grandes diferenças de ganhos são consideradas indesejáveis (TRIANDIS, 1993).

A experiência do regime comunista também pode influenciar as atitudes em relação à igualdade. Há indícios de que as atitudes na antiga União Soviética e na Europa Oriental diferem daquelas da Europa Ocidental. Blanchflower e Freeman (1997) encontraram mais apoio à intervenção do governo no mercado de trabalho e na economia nos países ex-comunistas, mas nenhuma diferença clara nas idéias sobre diferenças de salário. Mason (1995, p. 74) fala da "tendência de grande parte das populações pós-comunistas de apoiar ao mesmo tempo o capitalismo e o socialismo; obter o padrão mais alto de vida do primeiro, sem abrir mão da segurança econômica do segundo". A ideologia comunista enfatizava a redução das diferenças de classe, mas apoiava, em geral, uma ligação entre salário e produtividade, como mostrava o amplo uso do trabalho por tarefa. Assim, não há expectativas definidas quanto à direção dos efeitos – tudo o que se pode dizer é que a experiência do regime comunista pode influenciar as atitudes.

Por fim, Marx (1963) sustentou que os sindicatos ajudam a promover a consciência da classe operária. A fim de defender seus interesses, os trabalhadores precisam se unir a uma ampla gama de outros trabalhadores e o igualitarismo é um princípio natural em torno do qual se unir. Até mesmo os críticos de Marx têm concordado freqüentemente que os sindicatos tendem a promover valores igualitários.

Dados

As variáveis centrais desse estudo são desigualdade de renda, opiniões sobre igualdade e renda individual. Desigualdade de renda está envolvida nas hipóteses 1 e 3, opinião em todas as 4 e renda individual na hipótese 2. Essas variáveis serão discutidas em seguida e, mais adiante, as outras variáveis de controle e as possíveis influências sobre a opinião serão discutidas brevemente.

Desigualdade de renda

Apesar das muitas medidas resumo de desigualdade de renda existentes, o índice de Gini é o mais amplamente disponível e, em conseqüência, será utilizado nesta análise. Os dados sobre distribuição de renda são compilados pelo Banco Mundial (WORLD BANK, 2000) de pesquisas realizadas por agências de estatística nacionais. A maioria das estimativas vai do começo a meados dos anos 1990, e algumas são da década anterior. O índice de Gini varia de 19,5, na Eslováquia, a 60,1, no Brasil, sendo que os valores mais altos indicam maior desigualdade. Porém, nenhuma medida-resumo pode representar perfeitamente a desigualdade de renda. Por exemplo, uma redução no índice de Gini pode ocorrer porque as pessoas com renda média ganham às custas tanto dos ricos como dos pobres. Se uma mudança desse tipo deve ser chamada de aumento ou diminuição da desigualdade é uma questão de julgamento individual. Além do índice de Gini, o Banco Mundial (2000) divulga a participação por decil, desse modo, é possível estimar os efeitos da opinião pública sobre as participações de cada grupo. Uma vez que muitas discussões teóricas e normativas sobre a desigualdade se concentraram na posição dos pobres, a participação dos primeiros dois decis é de particular interesse.

Devemos observar que as medidas de desigualdade são baseadas em surveys realizados pelos países individualmente. Assim, algumas diferenças nos valores das variáveis dependentes podem ser conseqüência de métodos e do tipo de dado coletado, e não em razão de diferenças reais na distribuição de renda (WORLD BANK, 2000). Além disso, os indivíduos nem sempre informam suas rendas com exatidão e o tamanho do erro pode diferir, dependendo da eficiência dos órgãos nacionais de estatística e da natureza da economia. Quinze das nações da amostra participam do Estudo de Renda de Luxemburgo (LIS), que "aplica medidas e conceitos consistentes em vários países para obter maior uniformidade nas comparações entre nações" (GOTTSCHALK e SMEEDING, 1997; ver também ATKINSON, RAINWATER e SMEEDING, 1995). É possível dar conta da diferença na qualidade dos dados dando maior peso às observações das nações que fazem parte do LIS.

Opinião

Os dados de opinião sobre igualdade são tirados dos World Values Surveys (WVS), para 1989-95 (INGLEHART et al., 2000). A principal fonte alternativa de dados comparativos de opinião é o International Social Science Programme (ISSP), que produz vários módulos sobre atitudes sobre igualdade e questões relacionadas. Embora o ISSP contenha dados mais ricos sobre opiniões relevantes, o WVS cobre um grupo maior e mais diversificado de países, e inclui cerca de sessenta nações, a maioria do mundo desenvolvido, mas também vários países de média e baixa renda. Na maioria dos casos são usadas amostras aleatórias nacionais mas, em alguns casos, em particular nas nações pobres, foram utilizadas outras amostras, provocando a sobre-representação das populações urbanas e das pessoas instruídas. O WVS contém pesos de amostra que pretendem corrigir essas características e são usados nesta análise. O WVS foi realizado em duas rodadas, uma entre 1990-93 e outra entre 1995-97 e cerca de sessenta países foram incluídos em uma ou ambas as rodadas. As opiniões sobre igualdade parecem ser bastante estáveis ao longo do tempo, portanto, as médias são computadas usando todos os casos disponíveis.

Das perguntas do WVS, as cinco citadas a seguir parecem potencialmente relevantes para a igualdade econômica. As duas primeiras referem-se diretamente à igualdade, enquanto as outras envolvem atitudes em relação ao sistema econômico e a práticas que podem influenciar o grau de desigualdade. Por motivos discutidos adiante, a análise se concentrará principalmente na primeira pergunta:

  1. "Imagine duas secretárias da mesma idade, fazendo praticamente o mesmo trabalho. Uma descobre que a outra ganha consideravelmente mais do que ela. A secretária mais bem paga, porém, é mais rápida, mais eficiente e mais confiável em seu trabalho. Na sua opinião, é justo ou injusto que uma secretária ganhe mais do que a outra?".

  2. Uma escala de dez pontos que representa concordância com a frase: "as rendas deveriam tornar-se mais iguais"

    versus "deveria haver mais incentivos para o esforço individual".

  3. Uma escala de dez pontos para "a propriedade privada dos negócios e da indústria deveria ser aumentada"

    versus "a propriedade estatal dos negócios e da indústria deveria ser aumentada".

  4. Uma escala de dez pontos para "os indivíduos deveriam assumir mais responsabilidade no seu sustento"

    versus "o Estado deveria assumir mais responsabilidade para garantir que todos tenham seu sustento".

  5. Uma escala de dez pontos para "a competição é boa – estimula as pessoas a trabalhar mais e desenvolver novas idéias"

    versus "a competição é ruim – traz à tona o pior das pessoas".

Renda individual

O WVS inclui uma pergunta sobre renda familiar codificada em dez categorias. A definição das categorias difere entre os países e, portanto, é preciso converter essa informação em uma escala padrão a fim de fazer comparações entre nações. Além disso, as respostas à questão não oferecem informações completas sobre renda, uma vez que as pessoas são combinadas em grupos. Ambas as questões podem ser resolvidas com a aplicação do princípio para o tratamento de dados incompletos ou ausentes delineado por Dempster, Laird e Rubin (1977), no qual a informação é suplementada com o uso de predições baseadas nos valores de outras variáveis. Ou seja, dadas duas pessoas cujas rendas caem na mesma categoria, não podemos ter certeza quanto a quem ganha mais, mas podemos fazer uma suposição razoável baseada no gênero, na instrução e em outras características que predizem ganhos. Usando esse princípio, é possível estimar a posição na distribuição de renda nacional aplicando os seguintes procedimentos:

  1. Regressão da medida de renda sobre ocupação, idade, idade ao quadrado, anos de escolaridade e variáveis dicotômicas para homens casados, mulheres casadas e mulheres solteiras.

  2. Os casos foram classificados de baixo a alto dentro de cada país usando a categoria de renda como critério primário e o valor predito no procedimento 1 como critério secundário. Isto é, os valores preditos são usados somente para distinguir entre pessoas da mesma categoria.

  3. A classificação do procedimento 2 foi dividida pelo número de casos na amostra para obter uma estimativa da posição na distribuição de renda. Em cada país, essa variável tem uma distribuição uniforme que vai de zero a um.

Outras variáveis

As variáveis independentes usadas nesta análise estão listadas na Tabela 1. Como discutimos acima, um conjunto significativo de pesquisas sugere que há uma relação não-linear entre desenvolvimento econômico e desigualdade de renda. Depois de algumas experimentações, descobrimos que o logaritmo do PIB e o quadrado desse logaritmo proporcionavam o melhor ajuste, embora os principais resultados não mudem substancialmente quando se usam outras especificações. Weede e Tiefenbach (1981) concluíram que os países comunistas tinham graus mais baixos de desigualdade.

Embora o comunismo continuasse vigente em apenas uma nação desta amostra quando os dados foram coletados – China –, as mudanças na distribuição de renda costumam ser lentas, de tal modo que as experiências de regime comunista poderiam continuar a exercer uma influência.

Democracia é uma variável importante para este estudo, uma vez que a segunda hipótese implica em uma interação entre democracia e opinião. A medida de democracia tem sido objeto de controvérsia. A maioria dos estudos comparativos baseia-se nas medidas da Freedom House (2001) de direitos políticos e liberdades civis, mas várias medidas diferentes foram construídas a partir desses dados. O tratamento do tempo é uma questão particularmente difícil. Parece provável que os efeitos das políticas públicas sobre a distribuição de renda seriam graduais, de modo que a forma de governo do passado teria alguma influência na distribuição atual. Para facilitar a interpretação, construímos uma variável dicotômica em que os países foram contados como "democráticos" somente se mantivessem uma classificação contínua de "livre" entre 1980 e 1990. Embora esse tipo de variável seja fácil de interpretar, em particular quando há interações envolvidas, em princípio, pode ser mais razoável considerar a democracia uma variável contínua (BOLLEN e JACKMAN, 1989). Desse modo, levaremos em consideração também especificações mais detalhadas usando toda a informação das classificações da Freedom House desde 1972.

As três últimas variáveis não são incluídas como influências diretas na distribuição de renda, mas são consideradas influências possíveis sobre as opiniões. Tanto relatos históricos como dados de surveys sugerem que os países têm tradições religiosas dominantes que afetam todas as pessoas, independentemente de suas crenças individuais. Por exemplo, nos Estados Unidos, pessoas de todas as religiões podem ser influenciadas por valores "norte-americanos" derivados originalmente do protestantismo. Seguimos a classificação das tradições religiosas em seis categorias de Inglehart e Baker (2000): católica, protestante, cristã ortodoxa, "confuciana", muçulmana e hindu.

Embora muitos autores tenham sugerido que a heterogeneidade étnica é importante, é difícil medi-la de um modo geral. A medida mais difundida nas pesquisas comparativas foi calculada originalmente por volta de 1960 (TAYLOR e HUDSON, 1972) e é, portanto, obsoleta e não está disponível para várias nações desta amostra. Usamos uma medida menos sofisticada, mas mais recente de Vanhanen (1999), que combina a população nos maiores grupos raciais, religiosos e lingüísticos. Por exemplo, no Canadá, o maior grupo racial (brancos) abrange 96% da população, o maior grupo religioso (cristãos) também abrange 96% e o maior grupo lingüístico (anglófonos) compreende 63%. Um índice simples calculado como a soma desses três componentes produz classificações que correspondem bem a noções intuitivas de heterogeneidade. De acordo com essa medida, as nações mais heterogêneas da amostra são Nigéria e Índia, enquanto as mais homogêneas são Portugal e Japão.

Por fim, as taxas de sindicalização para os trabalhadores da força de trabalho não-agrícola são obtidas da Organização Internacional do Trabalho (ILO, 1993). É difícil comparar as taxas de sindicalização nas nações comunistas ou ex-comunistas com as de outros países. Nos regimes comunistas, essas taxas eram muito altas, mas os sindicatos estavam, em grande medida, sob o controle do governo. Por isso, consideramos as taxas de sindicalização nesses países indefinidas e lhes atribuímos arbitrariamente o valor zero, e incluímos a variável dicotômica sobre o regime comunista sempre que a sindicalização é usada como preditora1 1 Para alguns países, a OIT deu somente limites gerais. Nesses casos, usamos o ponto médio do intervalo. .

Resultados

Diferenças nacionais de opinião

As correlações entre as médias nacionais das cinco opiniões definidas acima estão na Tabela 2. Todas as variáveis estão recodificadas para ter a mesma direção e de tal modo que uma correlação positiva significa que opiniões de esquerda sobre um item acompanham opiniões de esquerda sobre o outro. As correlações para todas as nações da amostra aparecem abaixo da diagonal. As correlações são surpreendentemente fracas para dados em nível nacional e, em alguns casos, são negativas.

A Tabela 3 mostra a classificação de cada país em cada item. Os países pós-comunistas se distinguem nessas classificações, na medida em que as pessoas tendem a apoiar as diferenças de salário e apoiar incentivos em vez de igualdade, além de apoiar a propriedade pública e a responsabilidade do governo. Porém, a posição distintiva desses países não responde pelas correlações baixas. As correlações que excluem os países pós-comunistas (que aparecem acima da diagonal na Tabela 2) não são substancialmente mais altas do que as correlações de toda a amostra. Uma interpretação desse resultado é que as correlações não refletem o mesmo fator subjacente – que não se pode caracterizar os públicos de diferentes nações como simplesmente mais ou menos conservadores em questões econômicas. Uma explicação alternativa é que as correlações baixas refletem diferenças nas formas das questões. As perguntas sobre igualdade, responsabilidade e propriedade pública versus privada referem-se todas à situação existente e, em conseqüência, não oferecem um padrão consistente em todos os países. Por exemplo, uma pessoa na Suécia que diz que as pessoas deveriam assumir mais responsabilidade no seu sustento poderia apoiar um Estado de bem-estar muito amplo pelos padrões americanos. Na verdade, se fossem perfeitamente sensíveis à opinião pública, os governos perseguiriam as políticas desejadas pelo eleitor mediano, isto é, em cada nação, metade do público desejaria ir para a esquerda da política atual e metade gostaria de ir para a direita. Assim, as correlações em nível nacional entre tais questões tenderão a ser mais baixas do que entre perguntas que usam um padrão absoluto.

Parece provável que as duas interpretações têm algo de verdadeiro. Lipset (1963), ao analisar culturas nacionais, argumenta que há várias dimensões diferentes do igualitarismo. Embora existam poucos dados sistemáticos sobre essa questão, Kelley e Evans (1993) apresentam dados que sugerem que os países não podem ser simplesmente classificados como mais ou menos igualitários em termos de opiniões sobre salários justos. Os números que apresentam indicam que as opiniões populares diferem não somente quanto ao tamanho adequado das diferenças de pagamento, mas também sobre quais ocupações deveriam receber salários mais altos. Uma vez que as questões aqui consideradas cobrem uma ampla extensão, não surpreende que não possam ser reduzidas a um único fator. Por outro lado, há também evidências de que as correlações em nível nacional são reduzidas pela forma das perguntas. Quando comparamos indivíduos dentro de países, todas as correlações entre opiniões são positivas – ou seja, as pessoas que estão à esquerda em uma questão tendem a estar à esquerda em todas as outras. A existência de algumas correlações negativas no nível nacional sugere então que há diferenças sistemáticas em pontos de referência. Qualquer que seja a explicação, as fracas associações nas Tabelas 2 e 3 significam que criar um índice de opiniões não seria justificado, e, por isso, consideramos cada uma das variáveis separadamente.

A análise preliminar indicou que as opiniões sobre duas das variáveis – responsabilidade do governo versus individual e igualdade versus incentivos – tinham pouca ou nenhuma conexão com a igualdade de renda. As opiniões sobre propriedade estatal versus privada e as idéias de competição parecem ter alguma associação com igualdade, mas não na direção esperada – países em que as pessoas eram a favor de mais propriedade estatal e não confiavam na competição tinham distribuições de renda mais desiguais. Apenas a questão sobre diferenças de pagamento mostrou algum sinal da associação esperada entre opiniões igualitárias e igualdade. A explicação mais plausível dos resultados para propriedade do governo e competição é que eles refletem a influência da distribuição de renda sobre as opiniões. Ou seja, visões negativas da propriedade privada e competição são, em certa medida, uma reação à desigualdade. Uma vez que a questão sobre diferenças de salário é a única que oferece um padrão absoluto em todas as nações ela será o foco da análise subseqüente.

Como mostra a Tabela 3, as opiniões sobre diferenças de salários são mais igualitárias na Escandinávia e em alguns países do norte da Europa e menos igualitárias nos países ex-comunistas. Porém, há muitas exceções. A mais notável é que dois países ex-comunistas, a República Tcheca e a Eslováquia, são os mais igualitários de todos. Outra surpresa é que as opiniões na Alemanha e na Áustria são quase iguais às nos Estados Unidos, ainda que os dois países europeus tenham um Estado de bem-estar social muito mais amplo. Dos países que não passaram por uma experiência comunista, os Estados Unidos, Canadá e Austrália estão entre os menos igualitários. Essa posição não parece refletir a herança da colonização britânica, pois as opiniões na Grã-Bretanha são consideravelmente mais igualitárias.

Efeitos da opinião sobre a distribuição de renda

As duas primeiras hipóteses – que a opinião pública afeta a distribuição de renda e que as opiniões das pessoas de alta renda têm mais influência – devem ser consideradas em conjunto. Isto é, para decidir se a opinião pública importa, é necessário definir o "público". A prática costumeira de usar a média equivale a supor que a influência sobre a distribuição de renda é igual em todos os níveis de renda. Em princípio, a maneira mais direta de modelar as diferenças de influência seria dividir o público em vários grupos de renda, computar médias para cada um deles e usar todas as médias como variáveis independentes. Então, os coeficientes de regressão poderiam ser interpretados como pesos. Porém, as médias para os diferentes grupos são altamente correlacionadas – ou seja, onde as classes altas são relativamente igualitárias de acordo com padrões internacionais, as classes médias e baixas também tendem a ser relativamente igualitárias. Essa colinearidade torna as estimativas muito instáveis. A abordagem alternativa usada neste estudo é comparar o poder de predição de modelos usando definições diferentes de opinião pública "efetiva". Nossas definições são as opiniões estimadas das pessoas nos vários pontos da distribuição de renda, como por exemplo, o mediano, o 70º percentil, ou o 90º percentil.

As estimativas de opinião em cada ponto na distribuição de renda podem ser obtidas construindo um modelo para a relação entre renda e opiniões. Um ponto de partida natural é estimar a regressão logística da aprovação da desigualdade de pagamento sobre a renda estimada separadamente em cada nação – isto é, cada nação tem um intercepto e uma inclinação diferentes. O exame dos resultados desse modelo sugeriu que uma função linear por partes (piecewise) de renda proporciona um ajuste melhor do que o modelo linear simples. Nesses modelos, há um ponto em que a inclinação pode mudar. Mais precisamente:

log(p/(1-p)=a+b1x+b2(x*); x*=x-x0 se x>x0

x*=0 se x<x0

Neste modelo, 'p' é a probabilidade de concordar que a diferença de salário é justa, 'x' é a posição na distribuição de renda e 'x0' é o ponto de ruptura. Para simplificar, supomos que esse ponto era o mesmo em todos os países. O melhor ajuste foi obtido quando a ruptura ocorria no 75º percentil, ou seja, a relação entre opinião e renda em cada país é descrita por duas inclinações, uma para os percentis entre 0 e 75º e outra para os 75-100º percentis. As implicações desse modelo estão ilustradas na Figura 1, que mostra estimativas para os Estados Unidos, Grã-Bretanha e Japão. Nos EUA, a renda tem um efeito relativamente grande sobre as opiniões nos 75% inferiores da distribuição de renda, mas uma influência relativamente pequena nos 25% superiores. No Japão, o padrão é invertido, com a renda tendo um efeito menor nos 75% inferiores e um grande efeito nos 25% superiores. Por fim, na Grã-Bretanha, a inclinação é mais ou menos a mesma nas duas partes. A maioria das inclinações tem um sinal positivo, indicando que o apoio às diferenças de salário aumentam com a renda, mas há várias estimativas negativas e até algumas que são significativamente menores do que zero. Há uma pequena correlação negativa entre as duas inclinações – países com inclinações maiores do que a média nos 75% inferiores tendem a ter inclinações menores do que a média nos 25% superiores2 2 Também tentamos estimativas empíricas que não pressupõem um modelo. As estimativas empíricas eram médias ponderadas de opiniões em um intervalo determinado da distribuição de renda – por exemplo, opiniões no 70º percentil podem ser estimadas como a média das opiniões entre todas as pessoas nos 65º e 75º percentis. Resultados muito similares foram encontrados, independentemente de que estimativas tenham sido usadas. .


A Tabela 4 mostra estimativas das regressões do índice de Gini sobre medidas alternativas de opinião pública. A primeira coluna segue a prática convencional e usa a média. A segunda usa a proporção estimada de pessoas no 70º percentil que aceitam diferenças de salário. Consideramos opiniões em outros níveis, mas encontramos consistentemente que os melhores ajustes eram obtidos quando usávamos o 70º ou o 80º percentil. O modo costumeiro de permitir um efeito não-linear do desenvolvimento econômico é incluir o PIB per capita e seu quadrado. Porém, tal como Weede e Tiefenbach (1981), encontramos que um ajuste melhor era obtido quando o logaritmo e o quadrado do logaritmo eram incluídos. Uma vez que não há razão teórica para preferir um em detrimento do outro, escolhemos a especificação que produzia o melhor ajuste. O regime comunista e a democracia foram incluídos como controles adicionais3 3 Também consideramos a taxa de sindicalização, mas ela não teve efeito significativo sobre qualquer das medidas de distribuição de renda e, por isso, não foi incluída nesses modelos. .

Tal como a maioria dos outros estudos, concluímos que o desenvolvimento econômico tem um efeito não-monotônico sobre a desigualdade. As estimativas sugerem que a desigualdade tem pico em uma renda anual per capita em torno de US$ 3.000. Tanto o regime comunista como a democracia estão associados à desigualdade mais baixa. O efeito estimado da opinião média é positivo, com um valor p em torno de 0,075. A estimativa para renda no 70º percentil é levemente maior e tem um valor p de 0,02. Em qualquer das formas, os efeitos estimados são suficientemente grandes para possuírem interesse substantivo. A proporção estimada no 70º percentil que aceita diferenças de salário como justas vai de 0,347 na Eslováquia a 0,966 na Armênia. De acordo com as estimativas da Tabela 4, uma mudança de opinião de um extremo ao outro produziria uma diferença de cerca de 10 no índice de Gini. Para tomar dois países que receberam bastante atenção nas pesquisas sobre desigualdade – Estados Unidos e Suécia – as proporções estimadas no 70º percentil que aceitam diferenças de salário são 0,905 e 0,557. Estima-se que essa diferença de opinião produz uma diferença de cerca de 6,5 no índice de Gini, que é mais da metade da diferença real entre as duas nações.

É possível estimar um modelo que inclua opiniões médias e opiniões no 70º percentil como variáveis independentes. Os resultados para esse modelo aparecem na coluna 3. A estimativa para opiniões no 70º percentil é estatisticamente significante, enquanto a estimativa para opiniões médias não é. Um exame mais detalhado sugere que o desempenho superior do 70º percentil não é altamente sensível à composição específica da amostra – não há como fazer com que a média tenha o mesmo bom desempenho deixando de fora um ou dois países.

Como discutimos acima, é provável que os dados sobre distribuição de renda sejam de melhor qualidade em países que participam do LIS. Se assim for, pode-se esperar que a variância do erro será maior entre nações não-participantes. De fato, o exame dos resíduos indicou que a variância dos resíduos era cerca do dobro entre não-participantes. Assim, rodamos novamente os modelos dando aos países do LIS o dobro do peso das outras. Os resultados dessas regressões aparecem nas quarta, quinta e sexta colunas. O uso desses pesos produz pouca alteração nos efeitos estimados da opinião, mas torna os erros padrões levemente menores. Os resultados apresentados oferecem fortes indícios de que a opinião influencia a distribuição de renda e alguns indícios de que as opiniões das pessoas com renda mais alta contam ainda mais.

Para testar a terceira hipótese – que os efeitos da opinião são maiores nas democracias – é necessário acrescentar uma interação entre forma de governo e opinião. A Tabela 5 apresenta os resultados usando várias definições alternativas de democracia.

A primeira coluna usa nossa definição principal, em que países com uma classificação como "livre" pela Freedom House (2001) para todos os anos entre 1980 e 1990 são computados como democráticos. Nessa classificação, os casos mais duvidosos são o Peru, que é considerado democrático; e México, Brasil e Turquia, que são computados como não-democráticos. O sistema de governo desses países mudou substancialmente ao longo do tempo, de tal modo que a extensão ou redução do período considerado pode mudar a sua classificação. Por exemplo, o Peru fica atrás dos outros três em seu escore médio em direitos políticos entre 1972 e 1990 porque teve governos autoritários durante boa parte dos anos 1970. Assim, a segunda coluna usa uma definição mais estrita em que o Peru é contado como não-democrático, enquanto a terceira usa uma definição mais frouxa em que México, Brasil e Turquia aparecem como democráticos. Por fim, o quarto modelo trata a democracia como uma variável contínua. A Freedom House faz uma classificação anual dos direitos políticos que vai de 1 a 7, de tal modo que uma medida contínua de democracia durante o período 1980-90 pode ser construída a partir da soma dos escores anuais. Os valores dessa variável variam de 0 a 66, com os escores mais altos indicando mais democracia. Os três primeiros modelos mostram essencialmente os mesmos resultados – o efeito estimado da democracia é cerca do dobro nas democracias, mas a diferença não é estatisticamente significante. Quando a democracia é tratada como uma variável contínua, as estimativas para o efeito principal e de interação sugerem que o efeito da opinião iria de 15,7 nos países menos democráticos a cerca de 24,0 nos mais democráticos4 4 Chong (2001) encontra evidências de que a democracia tem um efeito não-monotônico – países com níveis moderados de democracia são menos igualitários do que os não-democráticos e os muito democráticos. Ele explica esse resultado sugerindo que graus moderados de democracia aumentam o poder político da classe média alta, enquanto a ampliação da democracia aumenta o poder das classes mais baixas. Fizemos experiências com transformações do escore de democracia, mas não encontramos sinal desse efeito nesta amostra. . Dois dos modelos que usaram definições dicotômicas se ajustam melhor do que o modelo contínuo, enquanto um deles se ajusta pior. Portanto, os resultados não são particularmente sensíveis à definição de democracia e não há ganhos claros com o uso de uma definição contínua.

Infelizmente, os resultados não permitem um julgamento claro sobre a hipótese. Tendo em vista o tamanho pequeno da amostra, os erros-padrão associados com as interações são bem grandes. As estimativas para não-democracias também são sensíveis aos casos da República Tcheca e da Eslováquia, em que tanto opiniões como distribuição de renda são altamente igualitárias. Quando esses casos são retirados, o efeito estimado da opinião em não-democracias se torna negativo, embora não seja significativamente diferente de zero. O efeito estimado em democracias permanece essencialmente inalterado, mas a diferença entre eles é consideravelmente maior e se aproxima da significância estatística.

Mesmo quando todas as nações são incluídas, as diferenças estimadas nos efeitos estimados são suficientemente grandes para ter importância potencial. Nas nações menos igualitárias, onde a proporção que aprova as diferenças de salário é cerca de 0,95, as estimativas da coluna 1 da Tabela 5 implicam que o índice de Gini seria cerca de seis pontos mais baixo nas democracias. Nos países mais igualitários, onde a proporção que aprova é de apenas 0,4, as estimativas implicam que o índice de Gini seria cerca de treze pontos mais baixo. A implicação de que a democracia leva a uma distribuição de renda um pouco mais igualitária, mesmo em países onde a opinião pública não é igualitária, pode parecer paradoxal. Porém, nossa medida de opinião pública refere-se a diferenças de salário relativamente moderadas. Uma pessoa que acredita que é justo que uma secretária ganhe "consideravelmente" mais do que outra pode acreditar que as diferenças de salário entre as ocupações são grandes demais. Assim, mesmo nos países menos igualitários, o público pode ser a favor de alguma equalização das rendas em comparação com os níveis que seriam tipicamente encontrados em governos não-democráticos.

Uma possibilidade teoricamente interessante é que a composição da opinião pública efetiva pode ser diferente entre democracias e outros países. Em particular, a influência política pode estar concentrada nas classes mais altas em países não-democráticos, mas distribuída de modo mais igual nas democracias. Nesse caso, a medida de opinião pública que daria o melhor ajuste seria diferente: por exemplo, a opinião no 80º percentil poderia oferecer o melhor ajuste em nações não-democráticas, enquanto a opinião no 50º ofereceria o melhor ajuste nas democracias. Para avaliar essa possibilidade, estimamos modelos em que a opinião pública efetiva foi estabelecida em diferentes níveis nas democracias e não-democracias. Porém, os melhores ajustes foram obtidos usando opiniões nos 70º e 80º percentis tanto em democracias como nos outros países. Ou seja, a influência sobre a distribuição de renda parece estar concentrada entre pessoas de rendas mais alta, independentemente da forma de governo. Dito de outra forma, pode haver uma diferença em quanto a opinião pública importa, mas não há diferença discernível quanto a de quem é a opinião.

Evidências mais detalhadas dos efeitos da opinião pública podem ser obtidas levando em conta grupos de renda. A Tabela 6 mostra os efeitos da opinião sobre a participação de cada um dos sete grupos, de acordo com dados do Banco Mundial (2000). São apresentadas apenas opiniões estimadas no 70º percentil – os efeitos estimados da opinião média são similares, mas um pouco mais fracos. O mesmo padrão é encontrado tanto nas democracias como nos outros países – a aceitação das diferenças de salário reduz a participação na renda dos três ou quatro quintis mais baixos e aumenta a participação dos dois decis mais altos. Em sentido absoluto, a opinião pública tem seu maior impacto sobre a participação do segundo quintil. Porém, os dois decis mais baixos têm uma participação muito menor na renda total; na média, o decil mais baixo recebe 2,9% da renda total, enquanto o segundo quintil recebe 11,9%. Desse modo, em um sentido relativo, os efeitos da opinião são maiores para os grupos pobres.

Os efeitos estimados da opinião são consistentemente maiores nas democracias, em geral cerca do dobro. Embora nenhuma das diferenças seja estatisticamente significante, a consistência do padrão é notável. As hipóteses sobre os efeitos da opinião podem ser testadas com mais rigor combinando as equações numa única regressão em que cada país fornece sete "casos". Especificamente, é possível estimar um modelo de regressão não-linear em que os efeitos seguem o mesmo padrão em ambos os tipos de países, mas com diferentes magnitudes. Ou seja, se 'i' designa o grupo de renda, os efeitos da opinião são bi nas democracias e tbi nos outros países. O modelo implica que os efeitos da opinião em nações não-democráticas são 't' vezes maiores do que os efeitos em democracias. A hipótese de principal interesse é t=1, ou seja, a opinião tem o mesmo efeito tanto nos países democráticos como nos não-democráticos. Quando o modelo é ajustado, a estimativa de 't' é 0,621, com um erro-padrão de 0,258, significando que os efeitos da opinião são levemente mais da metade maiores em nações não-democráticas. O erro-padrão é suficientemente grande para que a hipótese de efeitos iguais não possa ser rejeitada em níveis convencionais de significância. Portanto, embora haja espaço para dúvidas, as estimativas fortalecem a idéia de que a opinião tem mais efeito nas democracias.

A discussão precedente assume que a opinião influencia a distribuição de renda. Porém, outra possibilidade é que as pessoas tendem a aceitar como justas as condições que observam. Em um estudo transversal, não é possível identificar a direção da causalidade. Contudo, há três argumentos que sugerem que a influência é principalmente da opinião sobre a distribuição de renda, em vez do oposto. Primeiro, o estudo por série temporal de Stimson, Mackuen e Erikson (1995) concluiu que a opinião pública influenciava as políticas públicas mais do que as políticas influenciavam a opinião. Em segundo lugar, este estudo descobriu algumas evidências de que a associação entre opinião e distribuição de renda é mais forte nas democracias. Esse resultado pode ser facilmente compreendido se pensarmos na opinião influenciando a distribuição de renda, mas é mais enigmático se pensarmos que a distribuição de renda influencia as opiniões. A interpretação alternativa sugere que a associação seria mais fraca nas democracias, uma vez que governos e elites têm menos controle sobre a informação e a expressão de opinião. Em terceiro lugar, como mencionamos acima, as atitudes negativas quanto à competição estão associadas à maior desigualdade. Essa associação é difícil de se harmonizar com a idéia de que as pessoas aceitam as condições existentes. Ao contrário, ela sugere que há uma reação contra as condições que são consideradas injustas – as pessoas terão uma visão negativa da competição quando ela produz altos níveis de desigualdade. Levando todos esses pontos em consideração, a idéia de que a opinião influencia a distribuição de renda parece adequar-se mais às evidências do que a idéia de que distribuição de renda influencia a opinião.

Explicando as diferenças nacionais de opinião

A primeira questão que precisa ser enfrentada é: quais opiniões devem ser explicadas? A resposta óbvia seria a média, mas as opiniões no 70º percentil são também de interesse porque apresentam a associação mais forte com a desigualdade de renda real. Há também motivos para examinar as opiniões das pessoas de baixa renda, uma vez que há uma boa quantidade de trabalhos teóricos que tentam explicar a aceitação da desigualdade pelas classes mais baixas (por exemplo, PARKIN, 1971; MOORE, 1978). Além disso, alguns dos fatores cuja importância foi sugerida, como deferência ou fatalismo, não são aplicáveis, ou pelo menos não são relevantes para as classes mais altas. Apenas poucos autores, como Almond (1945) examinaram o problema do apoio da classe alta à igualdade, mas em princípio a questão é certamente de interesse. Portanto, vamos considerar quatro atitudes diferentes: o ponto mais baixo (percentil 0%) da distribuição de renda, a média, o 70º percentil e o ponto mais alto (100º percentil).

A Tabela 7 mostra estimativas de vários modelos de regressão de aprovação média de diferenças de salário. Uma vez que a proporção que aprova essa diferença se aproxima de 1,0 em alguns países, usamos a transformação logit: log(p/(1-p). Sem a transformação, o padrão de estimativas é similar, mas as estatísticas-t são, em geral, um pouco menores. O primeiro modelo inclui todas as variáveis. A variância explicada por toda a regressão é significante, mas o mesmo não acontece com nenhuma das estimativas para variáveis individuais. Esse resultado reflete as altas correlações entre as variáveis independentes. Por exemplo, a tradição religiosa está relacionada com o desenvolvimento econômico, uma vez que países com tradições protestantes e católicas têm PIBs médios substancialmente maiores do que as outras nações. Assim, a partir dessa regressão, podemos concluir que algumas dessas variáveis influenciam as opiniões, mas não podemos especificá-las. A conduta da análise em situações deste tipo é um problema de difícil solução, e não há uma abordagem amplamente aceita. A nossa consiste em remover variáveis com base em uma combinação do tamanho e da significância das estimativas e da força das expectativas teóricas. Por exemplo, a tradição religiosa certamente deve influenciar as opiniões, mas não é possível derivar predições claras a respeito da direção dos efeitos a partir das discussões teóricas existentes. Exceto no que tange à diferença entre catolicismo e protestantismo, seria difícil interpretar qualquer padrão de resultados como sendo de apoio ou contra uma determinada hipótese. Em contraste, a idéia de que a aceitação da desigualdade econômica aumentará com o desenvolvimento econômico foi claramente exposta por vários autores e contestada por outros. Assim, estaremos menos dispostos a remover o desenvolvimento econômico do modelo do que retirar a tradição religiosa.

As estimativas sugerem que os países com tradição católica são mais igualitários do que aqueles com tradições protestante, ortodoxa, muçulmana ou confuciana. A Índia, único país com tradição hindu, é relativamente igualitária. Tendo em vista o pequeno número de países nas categorias não-cristãs, suas posições não podem ser estimadas com precisão. A diferença entre protestantes e católicos está na direção esperada, embora fique aquém da significação estatística. O exame individual dos países mostra diferenças muito grandes dentro das tradições católicas e protestantes. Por exemplo, o grupo protestante inclui vários países em que a aceitação da diferença de salário é relativamente baixa, como a Suécia e a Holanda, e outros em que ela é bem alta, como os Estados Unidos e a Austrália. Em alguns casos, há diferenças notáveis entre países vizinhos da mesma tradição, como Hungria e República Tcheca. Dada a combinação de evidência insuficiente e teoria relativamente pouco desenvolvida, removemos as variáveis dicotômicas de tradição religiosa no segundo modelo. Uma vez mais, nenhuma das variáveis é individualmente significante, mas a regressão como um todo é. Como as estimativas para taxas de sindicalização foram muito pequenas, foram removidas no terceiro modelo e, novamente, nenhuma das estimativas é significativamente diferente de zero. Na quarta coluna, retirou-se a heterogeneidade étnica e a estimativa para o PIB tornou-se estatisticamente significante. Por fim, na quinta coluna, retirou-se o status de comunista e o PIB continuou significante.

Tendo em vista o tamanho pequeno da amostra e as correlações substanciais entre as variáveis independentes, é importante examinar a estabilidade das estimativas nas diferentes especificações. A estimativa para o PIB é negativa em todos os modelos, sugerindo que a aceitação de diferenças de pagamento diminui com o desenvolvimento econômico. O tamanho da estimativa varia substancialmente, aumentando, em geral, quando os outros controles são removidos. O efeito estimado da heterogeneidade é positivo em todos os modelos em que é incluída e não varia muito. A estimativa para o regime comunista é negativa quando as variáveis de tradição religiosa são incluídas, mas muda para positiva quando são removidas. Essa alteração reflete a associação substancial entre tradição religiosa e regime comunista. Especificamente, todos os países codificados como ortodoxos experimentaram regimes comunistas. Assim, a grande estimativa positiva para a tradição ortodoxa na primeira coluna é absorvida no efeito comunista quando a tradição religiosa é removida. Embora não seja possível fazer uma escolha definitiva entre os modelos, a especificação na coluna 3 parece oferecer a melhor combinação entre interpretação e ajuste.

A Tabela 8 mostra os resultados de regressões das opiniões estimadas nos 0º, 70º e 100º percentis da distribuição de renda sobre o log do PIB, heterogeneidade e a experiência de regime comunista. Os efeitos estimados são similares para opiniões nos 0º e 70º percentis, embora sejam um pouco mais fortes para o 0º percentil. As estimativas são também similares àquelas para a aprovação média vistas na tabela anterior. Para as opiniões no 100º percentil, o retrato é bem diferente e, em essência, não estão relacionadas com quaisquer das variáveis consideradas aqui. Essa combinação de resultados tem implicações para as diferenças entre grupos de renda. Primeiro, implica que a distância entre as opiniões dos ricos e as daqueles que estão entre os 70% mais baixos na escala da distribuição de renda aumentará com o desenvolvimento econômico. Isto é, as opiniões de pessoas nos 70% mais baixos tendem a se tornar mais igualitárias, enquanto as das pessoas de alta renda não mudam sistematicamente. Muitos autores têm sustentado que as divisões de classe sobre questões econômicas diminuem com o aumento da riqueza. A razão comumente apresentada para essa idéia é que as preocupações econômicas exercem menos pressão à medida que as pessoas se elevam bem acima do nível mínimo de subsistência. Porém, alguns observadores argumentam que a riqueza leva a um aumento na confiança e um declínio na deferência entre pessoas comuns. Assim, elas se tornam menos inclinadas a aceitar a desigualdade social como justa, ainda que a extensão real da desigualdade seja menor. O resultado aqui apresentado sugere que esse argumento alternativo tem algum mérito. Em segundo lugar, os resultados indicam que as diferenças de opinião entre os ricos e os que estão entre os 70% de menor renda diminuem com a heterogeneidade étnica. Assim, pesquisadores como Sombart (1976) parecem estar corretos ao sugerir que essa heterogeneidade impede o desenvolvimento do radicalismo da classe baixa.

A variação total nas opiniões das pessoas de alta renda parece ser tão grande quanto a variação nas opiniões das pessoas de baixa renda. Ou seja, a ausência de efeitos discerníveis para pessoas de alta renda não reflete uma ausência de variação em suas opiniões. Ao contrário, as diferenças nacionais simplesmente não são explicadas pelas variáveis aqui consideradas5 5 Esse resultado negativo parece ser robusto sob especificações alternativas. Análises adicionais mostraram que a tradição religiosa e a sindicalização não tinham efeito discernível sobre as opiniões dos ricos. Há uma exceção: na Eslováquia, as opiniões no 100º percentil são, na verdade, mais igualitárias do que as opiniões médias. Porém, se este caso for removido, as variáveis independentes ainda deixam de ter efeitos significantes. . É possível que as opiniões das classes altas sejam mais afetadas pelas tradições nacionais transmitidas pela mídia e pelas escolas. Por sua vez, tais tradições podem ser influenciadas por fatores históricos específicos, em vez de pelas variáveis mais estruturais aqui consideradas. De qualquer modo, parece que a tradição de procurar especificamente pelas fontes do radicalismo e do conservadorismo da classe baixa, em vez do radicalismo e do conservadorismo em geral, tem algum mérito.

Discussão e conclusões

Este estudo considerou três hipóteses que foram sugeridas por trabalhos teóricos anteriores. A primeira é que a opinião pública sobre igualdade afeta a distribuição de renda. A segunda, que a opinião de pessoas de renda mais alta importa mais do que a de pessoas de renda baixa. E a terceira, que os efeitos da opinião pública são mais fortes nas democracias. Há fortes evidências que sustentam a primeira hipótese, boas evidências a favor da segunda e algumas evidências a favor da terceira. No nível mais simples, os resultados dão sustentação ao apelo de Burstein (1998) de que os sociólogos precisam levar a opinião pública mais a sério. Como é comum em estudos comparativos, o tamanho da amostra é relativamente pequeno e inclinado na direção dos países mais ricos. Não obstante, as nações aqui consideradas cobrem uma ampla gama em termos de desenvolvimento econômico, história e tradições culturais. Desse modo, os resultados sugerem que a opinião pública afeta a distribuição de renda em muitos países, embora não necessariamente em todos.

Este artigo também se afasta da maioria dos estudos anteriores sobre opinião pública porque abre espaço para a possibilidade de que algumas pessoas exerçam mais influência do que outras. Embora essa possibilidade seja claramente razoável – na verdade, quase uma questão de senso comum – conveniências e limitações de dados fizeram com que ela fosse negligenciada em boa parte das pesquisas. Este estudo não passa de um começo, uma vez que não leva em conta as visões dos partidos, grupos de pressão ou burocratas. Contudo, mostra que os estudos dos efeitos da opinião pública não estão amarrados à pressuposição da influência igual.

Neste artigo, assumimos um ponto de vista distinto ao da abordagem institucional, uma vez que enfoca exclusivamente a opinião interna aos países estudados. Mas acreditamos que estudos futuros deveriam partir do pressuposto de que os fatores doméstico e internacional fazem diferença e tentar mapear suas influências relativas em circunstâncias diferentes.

Os esforços para explicar as diferenças nacionais de opinião produziram resultados sugestivos, mas menos sólidos. A descoberta mais intrigante é que o apoio ao igualitarismo pode aumentar com o desenvolvimento econômico, apesar das numerosas afirmações em contrário. Devemos observar que a questão específica considerada aqui envolve diferenças de salário baseadas em produtividade. A ligação entre salário e produtividade é uma característica central do capitalismo de mercado e figura com proeminência em alguns estudos sobre modernização. Assim, se o apoio às diferenças baseadas na produtividade diminui de fato com o desenvolvimento econômico, seria necessário repensar as idéias dominantes com base em valores modernos. Por outro lado, os resultados para a heterogeneidade étnica dão suporte às concepções convencionais.

Se durante os anos 1950 e 1960, houve muito interesse nas culturas nacionais e a sociologia produziu obras importantes sobre o tema, mais recentemente os sociólogos mostraram menor interesse. Se a opinião pública influencia as condições sociais, como este estudo sugere, essa tradição merece atenção renovada. Da mesma forma, trabalhos recentes sobre políticas e instituições têm enriquecido o estudo da cultura nacional, sugerindo que mudanças culturais refletem amplas mudanças sociais e econômicas. Finalmente, pesquisadores argumentam que as políticas públicas podem ajudar a mudar opiniões. Por exemplo, Korpi e Palme (1998) sustentam que as políticas "universais" do Estado de bem-estar social escandinavo favoreceram um amplo apoio de todas as classes, enquanto as políticas "focalizadas" dos Estados de bem-estar social americano e australiano acabaram por minar o apoio popular, através da diminuição dos gastos. Assim, afirmam que há influências em ambas as direções – a opinião afeta as políticas, mas em um período mais longo, e as políticas influenciam a opinião.

Quando mais dados sobre opinião pública comparativa estiverem disponíveis será possível considerar modelos mais sofisticados desse tipo. Porém, a esta altura, até a observação simples de que a opinião pública tem importância pode enriquecer a sociologia política comparativa.

Recebido para publicação em janeiro de 2005.

Aprovado para publicação em setembro de 2005.

Este artigo foi publicado originalmente em inglês como Working Paper n. 98 pelo CREST -Centre for Research into Elections and Social Trends, University of Oxford, 2002.

Publicação autorizada pelo autor.

Tradução de Pedro Maia Soares.

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  • 1
    Para alguns países, a OIT deu somente limites gerais. Nesses casos, usamos o ponto médio do intervalo.
  • 2
    Também tentamos estimativas empíricas que não pressupõem um modelo. As estimativas empíricas eram médias ponderadas de opiniões em um intervalo determinado da distribuição de renda – por exemplo, opiniões no 70º percentil podem ser estimadas como a média das opiniões entre todas as pessoas nos 65º e 75º percentis. Resultados muito similares foram encontrados, independentemente de que estimativas tenham sido usadas.
  • 3
    Também consideramos a taxa de sindicalização, mas ela não teve efeito significativo sobre qualquer das medidas de distribuição de renda e, por isso, não foi incluída nesses modelos.
  • 4
    Chong (2001) encontra evidências de que a democracia tem um efeito não-monotônico – países com níveis moderados de democracia são menos igualitários do que os não-democráticos e os muito democráticos. Ele explica esse resultado sugerindo que graus moderados de democracia aumentam o poder político da classe média alta, enquanto a ampliação da democracia aumenta o poder das classes mais baixas. Fizemos experiências com transformações do escore de democracia, mas não encontramos sinal desse efeito nesta amostra.
  • 5
    Esse resultado negativo parece ser robusto sob especificações alternativas. Análises adicionais mostraram que a tradição religiosa e a sindicalização não tinham efeito discernível sobre as opiniões dos ricos. Há uma exceção: na Eslováquia, as opiniões no 100º percentil são, na verdade, mais igualitárias do que as opiniões médias. Porém, se este caso for removido, as variáveis independentes ainda deixam de ter efeitos significantes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2005

    Histórico

    • Recebido
      Jan 2005
    • Aceito
      Set 2005
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