Resumos
Introdução:
motoristas profissionais podem estar sujeitos a doenças musculoesqueléticas relacionadas às condições de trabalho.
Objetivo:
estimar a prevalência e identificar fatores associados à dor musculoesquelética na coluna vertebral, nos 12 meses anteriores à pesquisa, referida por motoristas de caminhão.
Métodos:
estudo transversal realizado em 2007 com todos os 460 motoristas do sexo masculino de uma empresa de transportes de carga. Utilizou-se questionário abordando fatores sociodemográficos, ocupacionais e de saúde. Análises de regressão logística univariada e múltipla foram utilizadas para verificar a associação entre o relato de dor musculoesquelética na coluna vertebral e os fatores estudados.
Resultados:
a prevalência de dor musculoesquelética referida foi de 53,5%, sendo mais prevalentes a dor na coluna vertebral (38,5%) e a dor na coluna lombar (28%). Sono de má qualidade, hábito de não cochilar, medo de ser assaltado, morrer, adoecer ou sofrer algum acidente durante o trabalho, e estresse, tensão ou fadiga por desconforto ao dirigir foram fatores associados às dores na coluna vertebral.
Conclusão:
constatou-se alta prevalência de lombalgia associada a estressores externos, como medo de acidentes e roubos, e a fatores ligados diretamente à organização do trabalho, como a ausência de pausas para cochilos e a restrição dos horários de sono, o que leva a sua má qualidade.
trabalho em turno; dor musculoesquelética; dor na coluna vertebral; motoristas de caminhão
Background:
professional drivers can be subject to occupational musculoskeletal problems.
Objective:
to estimate the prevalence of musculoskeletal spine pain among truck drivers and identify the associated factors in a 12 month period prior to the research.
Method:
a cross-sectional study conducted in 2007 involving all 460 male truck drivers from a freight company. Information on sociodemographic, occupational and health factors was collected through a questionnaire. Univariate and multivariate logistic regression analysis were carried out to determine the association between musculoskeletal spine pain and the investigated factors.
Results:
prevalence of musculoskeletal pain was 53.5%, the highest being related to the spine column (38.5%) and the lumbar spine (28%). Factors associated with spine pain were: bad sleeping, tension resulting from fear of being attacked, killed, becoming ill or getting involved in accidents, as well as stress, tension and fatigue caused by discomfort.
Conclusion:
high prevalence of lumbar spine pain in the studied population was associated with external stressors, including fear of accidents and robberies, as well as those directly related to work organization such as fatigue resulting from lack of pauses and restrictions on sleeping hours, which leads to poor sleep quality.
shift work; musculoskeletal pain; spine pain; truck drivers
Introdução
Dor na coluna vertebral, principalmente, na região da coluna lombar (lombalgia), é um sintoma que apresenta etiologia multifatorial, acometendo ambos os sexos (REIS; MORO; CONTIJO, 2003; ALMEIDA et al., 2008REIS, P. F.; MORO, A. R. P.; CONTIJO, L. A. A importância da manutenção de bons níveis de flexibilidade nos trabalhadores que executam suas atividades laborais sentados. Revista Produção Online, Florianópolis, v. 3, n. 3, p. 1676-1971, 2003.), com elevada incidência e prevalência na população economicamente ativa (ANDERSSON, 1981ANDERSSON, G. B. J. Epidemiologic aspects on lowback pain in industry. Spine, Philadelphia, v. 6, n. 1, p. 53-60, 1981.; DEYO, 1998DEYO, R. A. Low-back pain. Scientific American, New York, v. 279, n. 1, p. 48-53, 1998.; ALMEIDA et al., 2008ALMEIDA, I. C. G. B. et al. Prevalência de dor lombar crônica na população da cidade de Salvador. Revista Brasileira de Ortopedia, São Paulo, v. 43, n. 3, p. 96-102, 2008.).
Muitos estudos epidemiológicos apontam um conjunto de causas para as dores musculoesqueléticas como, por exemplo, fatores sociodemográficos (NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH, 1998NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH (NIOSH). Musculoskeletal disorders and workplace factors. 2. ed. Cincinnati: NIOSH, 1998.) atividades repetitivas e desenvolvidas em ambientes inadequados de trabalho, além de características individuais, de estilo de vida e de condições de trabalho, como vibração e jornada extensa de trabalho (BARROS; ALEXANDRE, 2003BARROS, E. N. C.; ALEXANDRE, N. M. C. Cross-cultural adaptation of Nordic musculoskeletal questionnaire. International Nursing Review, Geneva, v. 50, n. 2, p. 101-108, 2003). Fatores como obesidade, morbidades de caráter psíquico e processos inflamatórios da musculatura paravertebral também são citados como causadores de dores musculoesqueléticas (MARRAS, 2000MARRAS, W. S. Occupational low back disorder causation and control. Ergonomics: human factors in work, machine control and equipment design, London, v. 43, n. 1, p. 880-902, 2000.; NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH, 1998NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH (NIOSH). Musculoskeletal disorders and workplace factors. 2. ed. Cincinnati: NIOSH, 1998.). Pode-se dizer que a lombalgia é um problema decorrente de alterações na funcionalidade da coluna lombar, seja congênita ou postural, sendo que o esforço muscular associado com as posturas inadequadas corresponde às principais causas de lombalgia na população (MIRANDA, 2000MIRANDA, E. Bases de Anatomia e Cinesiologia. 2. ed. São Paulo: Sprint, 2000.).
Dentre as manifestações dolorosas que podem comprometer a coluna vertebral, a lombalgia representa uma prevalência média de 23,5% no cenário mundial (DEYO, 1998DEYO, R. A. Low-back pain. Scientific American, New York, v. 279, n. 1, p. 48-53, 1998.). Estima-se que 60% a 80% da população adulta irá apresentar algum episódio de dor na coluna em algum momento da vida, principalmente na região lombar, sendo essa manifestação independente da atividade ocupacional (COX, 2002COX, J. M. Dor lombar: mecanismo, diagnóstico e tratamento. São Paulo: Manole, 2002.; ANDERSSON, 1999______. Epidemiological features of chronic low-back pain. Lancet, London, v. 354, p. 581-585, 1999.; BIERING-SORENSEN, 1983BIERING-SORENSEN, F. A prospective study of low back pain in a general population. Scandinavian Journal Rehabilitation Medicine, Stockholm, v. 15, n. 1, p. 71-79, 1983.). Alguns autores consideram a lombalgia uma importante questão socioeconômica dada a sua elevada prevalência em diversas partes do mundo (JANWANTANAKUL et al., 2011JANWANTANAKUL, P. et al. Development of a risk score for low back pain in office workers - a crosssectional study. BMC Musculoskeletal Disorders, London, v. 1, n. 12, p. 12-23, 2011.; OCARINO et al., 2009OCARINO, J. M. et al. Correlation between a functional performance questionnaire and physical capability tests among patients with low back pain. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 13, n. 4, p. 343-349, 2009.). Em um estudo de revisão de literatura sobre a lombalgia foi encontrada uma prevalência de 5,6% na população geral dos Estados Unidos (EUA), 13,7% na Dinamarca, 19% no Reino Unido e 28,7% no Canadá (LONEY; STRATFORD, 1999LONEY, P.; STRATFORD, P. The prevalence of low back pain in adults: a methodological review of the literature. Physical Therapy, Alexandria, v. 79, n. 4, p. 384-396, 1999.). Estudo realizado no Brasil a prevalência de lombalgia foi de 4,2% em uma área urbana da cidade de Pelotas, localizada no estado do Rio Grande do Sul, e foi verificada sua associação com variáveis sociodemograficas e de estilo de vida, além da relação com atividades físicas pesadas e exercícios repetitivos (SILVA; FASSA; VALLE, 2004SILVA, M. C.; FASSA, A. C. G.; VALLE, N. C. J. Dor lombar crônica em uma população adulta do Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 377-385, 2004.). Entretanto, observa-se uma carência de pesquisas que investiguem a associação dos horários de trabalho no desenvolvimento de dores musculoesqueléticas de trabalhadores em turnos e noturno, principalmente os que trabalham como motoristas profissionais.
A relação dos horários de trabalho com a ocorrência de dores na coluna, principalmente com o horário noturno, ainda é pouco explorada. Estudos realizados acerca desse tema buscam entender a influência do descanso/cochilo para a redução do relato de dores musculoesqueléticas (TAKAHASHI et al., 2009TAKAHASHI, M. et al. Musculoskeletal pain and nightshift naps in nursing home care workers. Occupational Medicine, Oxford, v. 59, n. 3, p. 197-200, 2009.; PEREIRA et al., 2010PEREIRA, L. C. et al. Trabalho noturno: a privação do sono da equipe de enfermagem em uma unidade de pronto atendimento. Ciência et Praxis, Passos, v. 3, n. 6, p. 19-24, 2010.).
Sabe-se que a população de motoristas profissionais apresenta alta prevalência de adoecimentos que podem acometer o aparelho locomotor relacionados com a atividade de trabalho que realizam, pois estão expostos a jornadas longas e limitados prazos de entregas, os quais acabam dificultando a realização de pausas para o descanso (DEMBE; DELBOS; ERICKSON, 2008DEMBE, A. E; DELBOS, R.; ERICKSON, J. B. The effect of occupation and industry on the injury risks from demanding work schedules. Journal of Occupational and Environmental Medicine, Baltimore, v. 50, n. 10, p. 1185-1194, 2008.; TIEMESSEN; HULSHOF; FRINGS-DRESEN, 2008TIEMESSEN, C.T. J.; HULSHOF, M. H. W.; FRINGS-DRESEN, M. H. W. Low back pain in drivers exposed to whole body vibration: analysis of a dose-response pattern. Occupational and Environmental Medicine, London, v. 65, n. 1, p. 667-675, 2008).
Nesse contexto, dada a importância do trabalho em turnos e noturno na sociedade atual e a relevância de dores da coluna vertebral para a saúde pública, o presente estudo tem como objetivo estimar a prevalência e os fatores associados à dor musculoesquelética na coluna vertebral referida por motoristas de caminhão para os 12 meses anteriores à pesquisa.
Material e Método
Foi conduzido um estudo com delineamento transversal, descritivo e quantitativo com toda população masculina de motoristas de caminhão (n = 460) de uma empresa transportadora de cargas que transitam por sete filiais localizadas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Minas Gerais e Paraná. Essas filiais são pontos de apoio para pausas, carregamento ou descarregamento de mercadorias durante o trabalho. Os motoristas pesquisados trabalhavam em duas áreas: os da área de transferência realizavam viagens longas e os da área de distribuição/coleta realizavam viagens apenas no perímetro urbano. As viagens dos motoristas da área de transferência não tinham previsão de horário para serem realizadas, de modo que estes motoristas trabalhavam em diversos horários do dia e da noite, denotando irregularidade de seus horários de trabalho. Os motoristas da área distribuição/ coleta trabalhavam em horário regular e apenas durante o dia. Não houve critério de exclusão, todos os motoristas da empresa participaram do estudo.
Os participantes do estudo foram entrevistados na transportadora entre março e julho de 2007. Para
o levantamento dos dados, os motoristas responde-ram a um questionário sobre questões sociodemográficas, como idade, estado conjugal e nível de escolaridade, e o questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (KUORINKA et al., 1987KUORINKA, I. et al. Standardized Nordic questionnaires for the analyses of musculoskeletal symptoms. Applied Ergonomics, Guildford, v. 18, n. 3 p. 233-237, 1987.).
O questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares, reconhecido internacionalmente como padrão ouro para a mensuração de investigações dos sintomas osteomusculares (PINHEIRO; TRÓCCOLI; CARVALHO, 2002PINHEIRO, F. A.; TRÓCCOLI, B. T.; CARVALHO, C. V. Validação do questionário nórdico de sintomas osteomusculares como medida de morbidade. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 36, n. 3, p. 307-12, 2002.), foi utilizado para investigar a variável dependente (relato de dor musculoesquelética na coluna vertebral nos 12 meses anteriores). Esse instrumento contém um desenho de uma figura humana em posição posterior, com nove regiões divididas em segmentos para permitir que o respondente avalie sintomas de dor na região da coluna cervical, ombros, coluna dorsal, cotovelos, punhos e mãos, coluna lombar, quadril e coxa, joelhos, tornozelos e pés nos 12 meses anteriores. Para este estudo, somente a região da coluna foi analisada (coluna cervical, dorsal e lombar).
Para verificar como o participante avaliava sua qualidade de sono, foi utilizada a questão "Como você classifica a qualidade de seu sono?" extraída do questionário de sono de Pittsburgh (BUYSSE, 1989BUYSSE, D. J. et al. The Pittsburgh sleep Quality Index: a new instrument for psychiatric practice and research. Psychiatry Research, Amsterdam, v. 28, n. 2, p. 193-213, 1989.). As questões sobre a alteração do peso corporal no último ano, dormir ao volante e pressão alta foram extraídas do questionário de Berlim (NETZER et al., 1999NETZER, N. C. et al. Using the Berlin questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Annals of Internal Medicine, Philadelphia, v. 131, n. 7, p. 485-91, 1999.). Não foram utilizados cálculos de escores totais destes instrumentos nessa pesquisa.
O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado a partir dos dados relatados pelos motoristas de sua massa e estatura no questionário de dados sociodemográficos.
Para as variáveis independentes do estudo foram criadas as seguintes categorias dicotomizadas, a saber: horário de trabalho (irregular incluindo horário noturno ou fixo diurno); tabagismo (sim ou não); consumo de bebida alcoólica (sim ou não); Índice de Massa Corporal - IMC (< 25 kg/m2 ou ≥ 25 kg/ m2); aumento do peso corporal no último ano (sim ou não); horas dirigindo em um dia de trabalho (≤ 10 horas ou > 10 horas); percepção da qualidade do sono (ruim ou boa); hábito de cochilar (sim ou não); presença de fatores que provocam estresse, tensão ou fadiga por desconforto ao dirigir o caminhão (sim ou não); fatores que provocam estresse, tensão ou fadiga por jornada extensa de trabalho (sim ou não); fatores que provocam estresse, tensão ou fadiga por impossibilidade de escolher horários, escalas e folgas durante o trabalho (sim ou não); medo de ser assaltado, de morrer enquanto trabalha, de ficar doente devido ao trabalho, ou de sofrer acidente durante o trabalho (sim ou não); material do colchão usado em sua residência (ortopédico e espuma); e tempo de uso do colchão (em anos) em sua residência (até 10 anos e acima de 10 anos). É importante esclarecer, portanto, que os dados provêm de instrumentos subjetivos e não da observação direta dos postos de trabalho.
Após a análise descritiva foi construído um modelo estatístico a partir da regressão logística univariada e múltipla (stepwise backward). Para o modelo de regressão múltiplo foram testadas as variáveis que apresentaram p ≤ 0,20. Em todas as análises realizadas utilizou-se um nível de significância de 5%. Considerando a possibilidade de erro no questionário nórdico, procedeu-se à análise de confiabilidade pelo Coeficiente alfa de Cronbach com confiabilidade satisfatória (alfa de Cronbach = 0,82). Para as análises estatísticas utilizou-se o pa cote estatístico STATA versão 9.0.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, sob protocolo nº. 1537/2007. Os participantes leram e assi naram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo respeitados os pressupostos contidos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
Mais de 36% dos motoristas estavam na faixa etária entre 30 e 39 anos, sendo que a média de idade foi de 39,8 ± 9,8 anos (Tabela 1). A maioria dos motoristas eram casados (80%) e com grau médio de escolaridade (46,7%). O tempo médio de trabalho nessa função foi de 10,8 ± 8,6 anos e 63,5% dos motoristas entrevistados trabalhavam como agregados à empresa. A população apresentou IMC médio de 26,7 ± 4,3 Kg/m2, sendo que 45% dos motoristas foram classificados como tendo sobrepeso e 17,3% como obesos. Em relação às variáveis relacionadas ao trabalho, 64,3% referiu medo de ser assaltado e 50,6% referiu medo de sofrer algum acidente durante o trabalho. O controle rígido para o cumprimento dos horários das viagens foi referido por 22% dos motoristas e a jornada extensa de trabalho por 28,7%.
Características sociodemográficas, nutricionais, de estilo de vida, sono, trabalho e saúde dos motoristas de caminhão de uma empresa transportadora de cargas, Brasil, 2007
A maioria dos motoristas era da área de distribuição/coleta (76,6%). Entre os motoristas da área da transferência, 60,5% trabalhavam em horário irregular (inclusive em horário noturno) e 28% dirigiam mais de 10 horas em um dia de trabalho. A prevalência de dor musculoesquelética referida para os 12 meses anteriores à pesquisa foi de 53,5%, sendo que as maiores prevalências observadas foram: coluna vertebral (38,5%), coluna lombar (28%), coluna dorsal (26,2%) e coluna cervical (14,7%). Mais da metade dos motoristas do horário irregular (60,9%) referiram sentir dor na coluna vertebral nos 12 meses que antecederam a pesquisa e entre os motoristas do turno diurno esse percentual foi de 39,1%. Na análise univariada foram selecionadas para a elaboração do modelo estatístico final as variáveis com p≤0,20 (Tabela 2). No modelo final, os fatores associados às dores musculoesqueléticas na coluna vertebral nos 12 meses anteriores a pesquisa foram o hábito de não cochilar, presença de medo de ser assaltado, morrer, adoecer ou sofrer algum acidente durante o trabalho e estresse, tensão/fadiga por desconforto ao dirigir o caminhão (Tabela 3).
Regressão logística univariada de fatores associados à dor musculoesquelética na região da coluna vertebral relatada por motoristas de caminhão, referente ao ano anterior a pesquisa, Brasil, 2007
Modelo final múltiplo dos fatores associados à dor musculoesquelética na região da coluna vertebral relatada por motoristas de caminhão, referente ao ano anterior a pesquisa, Brasil, 2007
Discussão
Os fatores associados com o relato de dor musculoesquelética na coluna vertebral foram o sono de má qualidade, ausência de pausa/cochilo durante o trabalho, medo de ser assaltado, morrer, adoecer ou sofrer algum acidente durante o trabalho e estresse ou fadiga por desconforto ao dirigir o caminhão.
Na rotina de trabalho dos motoristas há diversas situações que podem levar ao desgaste físico e mental, uma vez que a atenção sustentada é essencial nesta atividade. Além disso, o motorista deve atender aos prazos de entrega e coleta de mercadorias, muitas vezes cumpridos por meio de jornadas excessivas de trabalho. Esses fatores podem ocasionar problemas psíquicos como o estresse, ansiedade, dentre outros (MASSON; MONTEIRO, 2010MASSON, V. A.; MONTEIRO, M. I. Estilo de vida, aspectos de saúde e trabalho de motoristas de caminhão. Revista Brasileira de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 63, n. 4, p. 533-540, 2010.). Vale ressaltar a necessidade de elevado nível de destreza para movimentar a cabeça, coluna vertebral, membros superiores e inferiores, de modo coordenado durante a atividade de condução dos veículos. Em conjunto, todos esses fatores quando associados ao sedentarismo e a realização de movimentos repetitivos podem resultar em serias complicações musculoesqueléticas e presença de dores (HOFFMANN, 2003HOFFMAN, A. L. Qualidade de vida dos motoristas de caminhão usuários do Programa Rodopac: um estudo de caso. 2003. 120 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção)-Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.). Porém, no presente estudo os fatores citados não foram analisados em conjunto com os dados subjetivos, uma vez que não foi realizada uma análise ergonômica do trabalho, conforme citado na metodologia.
Diversos estudos referem que as dores musculoesqueléticas são, particularmente, comuns em motoristas de caminhão (BRÉDER et al., 2006BRÉDER, V. F. et al. Lombalgia e fatores psicossociais em motoristas de ônibus urbano. Fitness & Performance Journal, Rio de Janeiro, v. 5, n. 5, p. 295-299, 2006.), e a queixa de dor na coluna vertebral e nos membros inferiores são referidas por motoristas que dirigem por tempo prolongado (SACCO et al., 2003SACCO, I. C. N. et al. Implicações da antropometria para posturas sentadas em automóvel - estudo de caso. Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 34-42, 2003.). Esta queixa de dor pode estar associada à permanência na posição sentada, às constantes inclinações do tronco, vibrações mecânicas e a contração permanente de determinados grupos musculares para a manutenção da postura sentada (SACCO et al., 2003SACCO, I. C. N. et al. Implicações da antropometria para posturas sentadas em automóvel - estudo de caso. Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 34-42, 2003.; BRÉDER et al., 2006BRÉDER, V. F. et al. Lombalgia e fatores psicossociais em motoristas de ônibus urbano. Fitness & Performance Journal, Rio de Janeiro, v. 5, n. 5, p. 295-299, 2006.). Fatores individuais como idade, sedentarismo, obesidade e variáveis vinculadas aos estressores ambientais durante o trabalho, como as condições das estradas e tráfego intenso, e os estressores organizacionais (tipo de turno e o vínculo de trabalho, por exemplo) também podem estar relacionados com a presença das dores na coluna vertebral (ULHOA et al., 2010ULHOA, M. A. et al. Distúrbios psíquicos menores e condições de trabalho em motoristas de caminhão. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 44, n. 6, p. 1130-1136, 2010.).Estas dores se instalam inicialmente de forma insidiosa e discreta, num processo de fadiga mental e muscular decorrente de microtraumatismos nas estruturas musculares, e no caso dos motoristas de caminhão as dores ocorrem com maior frequência na região da coluna vertebral (BRANDÃO; HORTA; TOMASI, 2005BRANDÃO, A. G.; HORTA, B. L.; TOMASI, E. Sintomas de distúrbios osteomusculares em bancários de Pelotas e região: prevalência e fatores associados. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 8, n. 3, p. 295-305, 2005.). No presente estudo a dor na coluna vertebral foi referida por 60,9% dos motoristas do horário irregular. Miyamoto et al. (2000)MIYAMOTO, M. et al. Epidemiologic study of occupational low back pain in truck drivers. Journal of Nippon Medical School, Tokio, v. 67, n. 3, p. 186-190, 2000. encontraram uma chance três vezes aumentada para queixa de dor na coluna em motoristas profissionais que trabalhavam em turnos.
Os dados encontrados sugerem que trabalhadores submetidos a rotinas irregulares de trabalho, incluindo o turno noturno, apresentam uma maior prevalência para queixa de dor na coluna vertebral em relação aos trabalhadores do turno diurno. A fadiga muscular que se instala de modo mais rápido em trabalhadores noturnos poderia ser uma explicação para a ocorrência de dores. Além disso, a ausência de pausa para a recuperação do sistema musculoesquelético pode desencadear um quadro de dor proveniente da atividade e de seu aspecto organizacional (ROSA; BONNET; COLE, 1998ROSA, R. R.; BONNET, M. H.; COLE, L. L. Work Schedule and task factors in upper-extremity fatigue. Human factors, Iowa, v. 40, n. 1, p. 150-158, 1998.).
Estudos realizados com outras categorias profissionais mostram que os esforços físicos e psíquicos do trabalho noturno aumentam a susceptibilidade a agentes nocivos, levando à fadiga crônica, sofrimento mental e envelhecimento precoce. Sugere-se que esses fatores sejam uma possível causa do comprometimento da coluna (MOZZINI; POLESE; BELTRAME, 2008MOZZINI, C. B.; POLESE, J. C.; BELTRAME, M. R. Prevalência de sintomas osteomusculares em trabalhadores de uma empresa de embalagens metálicas de Passo Fundo/RS. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 21, n. 2, p. 92-97, 2008.; PONTES, 1992PONTES, Z. O trabalho noturno do enfermeiro: busca de significados sobre o repouso antes, durante e após o plantão. Revista Brasileira de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, p. 80-87, 1992.). É importante ressaltar que o desgaste físico e mental decorrente da atividade de trabalho dos motoristas em horários irregulares, noturno e por longas horas pode levar à fadiga acentuada, que muitas vezes não é percebida pelo motorista, ocasionando em falha da atenção e, consequentemente, um aumento do risco de acidentes (SIMOES; CARVALHAIS; MELO, 2005SIMÕES, A.; CARVALHAIS, J.; MELO, R. Estudo da carga de trabalho dos motoristas de transporte rodoviário de passageiros e mercadorias. Departamento de Ergonomia. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade Técnica de Lisboa, 2005.).
No presente estudo, cerca de 30% dos motoristas relataram sono de má qualidade, o que poderia ser explicado, dentre outros fatores, pelo horário irregular e noturno de trabalho. A qualidade ruim de sono observada neste estudo foi associada à queixa de dor musculoesquelética na coluna vertebral nos doze meses que antecederam a pesquisa. A existência de pausas para o repouso com a finalidade de garantir a recuperação funcional das estruturas submetidas a grandes sobrecargas e tensões poderia levar a um sono de boa qualidade na recuperação das estruturas musculoesqueléticas (BATISTA, 1997BATISTA, E. B. Lesões por esforços repetitivos em digitadores de processamento de dados do Banespa. Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 83-91, 1997.). Grande parte da população estudada (81,1%) não cochilava com frequência, ao contrário do esperado, uma vez que 60,1% trabalhavam no horário irregular, quando se espera que o motorista tenha oportunidade para cochilar. O controle rígido para o cumprimento dos horários das viagens referido por 22% dos motoristas e a jornada extensa de trabalho referida por 28,7% pode contribuir para a dificuldade da realização do cochilo ou pausa durante o horário de trabalho. A impossibilidade de parar o veículo para descansar devido ao cumprimento dos horários e prazos para a entrega das cargas é, provavelmente, a maior dificuldade para a realização dos cochilos durante o trabalho, variável associada às dores musculoesqueléticas na coluna vertebral da população estudada.
A associação de fatores como medo e estresse com o relato de dor evidencia a necessidade de se investigar a saúde mental da população estudada. Sugere-se também a realização de estudos que investiguem a hipótese de sono de boa qualidade e realização de cochilos para a redução de queixas de dores nessa população.
Conclusão
Constatou-se alta prevalência de lombalgia na população estudada, associada tanto a estressores externos, como o medo de acidentes e roubos, quanto a fatores ligados diretamente à organização do trabalho, como a ausência de pausas para cochilos e a restrição dos horários de sono, o que leva a sua má qualidade.
Considerando a associação de dor com a inadequada organização do trabalho e sua interferência na vida pessoal e profissional dos motoristas, deve-se ressaltar a necessidade de se implantar estratégias de proteção e promoção da saúde destes trabalhadores. Tais medidas devem passar pela determinação de pausas no trabalho, assim como pela adequada regulamentação dos horários de trabalho dos motoristas.
Agradecimentos
As autoras agradecem o apoio da empresa transportadora pela contribuição na logística do trabalho de campo, assim como aos trabalhadores que participaram como voluntários no estudo.
Referências
- ALMEIDA, I. C. G. B. et al. Prevalência de dor lombar crônica na população da cidade de Salvador. Revista Brasileira de Ortopedia, São Paulo, v. 43, n. 3, p. 96-102, 2008.
- ANDERSSON, G. B. J. Epidemiologic aspects on lowback pain in industry. Spine, Philadelphia, v. 6, n. 1, p. 53-60, 1981.
- ______. Epidemiological features of chronic low-back pain. Lancet, London, v. 354, p. 581-585, 1999.
- BARROS, E. N. C.; ALEXANDRE, N. M. C. Cross-cultural adaptation of Nordic musculoskeletal questionnaire. International Nursing Review, Geneva, v. 50, n. 2, p. 101-108, 2003
- BATISTA, E. B. Lesões por esforços repetitivos em digitadores de processamento de dados do Banespa. Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 83-91, 1997.
- BIERING-SORENSEN, F. A prospective study of low back pain in a general population. Scandinavian Journal Rehabilitation Medicine, Stockholm, v. 15, n. 1, p. 71-79, 1983.
- BRANDÃO, A. G.; HORTA, B. L.; TOMASI, E. Sintomas de distúrbios osteomusculares em bancários de Pelotas e região: prevalência e fatores associados. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 8, n. 3, p. 295-305, 2005.
- BRÉDER, V. F. et al. Lombalgia e fatores psicossociais em motoristas de ônibus urbano. Fitness & Performance Journal, Rio de Janeiro, v. 5, n. 5, p. 295-299, 2006.
- BUYSSE, D. J. et al. The Pittsburgh sleep Quality Index: a new instrument for psychiatric practice and research. Psychiatry Research, Amsterdam, v. 28, n. 2, p. 193-213, 1989.
- COX, J. M. Dor lombar: mecanismo, diagnóstico e tratamento São Paulo: Manole, 2002.
- DEMBE, A. E; DELBOS, R.; ERICKSON, J. B. The effect of occupation and industry on the injury risks from demanding work schedules. Journal of Occupational and Environmental Medicine, Baltimore, v. 50, n. 10, p. 1185-1194, 2008.
- DEYO, R. A. Low-back pain. Scientific American, New York, v. 279, n. 1, p. 48-53, 1998.
- HOFFMAN, A. L. Qualidade de vida dos motoristas de caminhão usuários do Programa Rodopac: um estudo de caso. 2003. 120 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção)-Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.
- JANWANTANAKUL, P. et al. Development of a risk score for low back pain in office workers - a crosssectional study. BMC Musculoskeletal Disorders, London, v. 1, n. 12, p. 12-23, 2011.
- KUORINKA, I. et al. Standardized Nordic questionnaires for the analyses of musculoskeletal symptoms. Applied Ergonomics, Guildford, v. 18, n. 3 p. 233-237, 1987.
- LONEY, P.; STRATFORD, P. The prevalence of low back pain in adults: a methodological review of the literature. Physical Therapy, Alexandria, v. 79, n. 4, p. 384-396, 1999.
- MARRAS, W. S. Occupational low back disorder causation and control. Ergonomics: human factors in work, machine control and equipment design, London, v. 43, n. 1, p. 880-902, 2000.
- MASSON, V. A.; MONTEIRO, M. I. Estilo de vida, aspectos de saúde e trabalho de motoristas de caminhão. Revista Brasileira de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 63, n. 4, p. 533-540, 2010.
- MIRANDA, E. Bases de Anatomia e Cinesiologia. 2. ed. São Paulo: Sprint, 2000.
- MIYAMOTO, M. et al. Epidemiologic study of occupational low back pain in truck drivers. Journal of Nippon Medical School, Tokio, v. 67, n. 3, p. 186-190, 2000.
- MOZZINI, C. B.; POLESE, J. C.; BELTRAME, M. R. Prevalência de sintomas osteomusculares em trabalhadores de uma empresa de embalagens metálicas de Passo Fundo/RS. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 21, n. 2, p. 92-97, 2008.
- NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH (NIOSH). Musculoskeletal disorders and workplace factors. 2. ed. Cincinnati: NIOSH, 1998.
- NETZER, N. C. et al. Using the Berlin questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Annals of Internal Medicine, Philadelphia, v. 131, n. 7, p. 485-91, 1999.
- OCARINO, J. M. et al. Correlation between a functional performance questionnaire and physical capability tests among patients with low back pain. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 13, n. 4, p. 343-349, 2009.
- PEREIRA, L. C. et al. Trabalho noturno: a privação do sono da equipe de enfermagem em uma unidade de pronto atendimento. Ciência et Praxis, Passos, v. 3, n. 6, p. 19-24, 2010.
- PINHEIRO, F. A.; TRÓCCOLI, B. T.; CARVALHO, C. V. Validação do questionário nórdico de sintomas osteomusculares como medida de morbidade. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 36, n. 3, p. 307-12, 2002.
- PONTES, Z. O trabalho noturno do enfermeiro: busca de significados sobre o repouso antes, durante e após o plantão. Revista Brasileira de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, p. 80-87, 1992.
- REIS, P. F.; MORO, A. R. P.; CONTIJO, L. A. A importância da manutenção de bons níveis de flexibilidade nos trabalhadores que executam suas atividades laborais sentados. Revista Produção Online, Florianópolis, v. 3, n. 3, p. 1676-1971, 2003.
- ROSA, R. R.; BONNET, M. H.; COLE, L. L. Work Schedule and task factors in upper-extremity fatigue. Human factors, Iowa, v. 40, n. 1, p. 150-158, 1998.
- SACCO, I. C. N. et al. Implicações da antropometria para posturas sentadas em automóvel - estudo de caso. Revista de Fisioterapia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 34-42, 2003.
- SILVA, M. C.; FASSA, A. C. G.; VALLE, N. C. J. Dor lombar crônica em uma população adulta do Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 377-385, 2004.
- SIMÕES, A.; CARVALHAIS, J.; MELO, R. Estudo da carga de trabalho dos motoristas de transporte rodoviário de passageiros e mercadorias. Departamento de Ergonomia. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade Técnica de Lisboa, 2005.
- TAKAHASHI, M. et al. Musculoskeletal pain and nightshift naps in nursing home care workers. Occupational Medicine, Oxford, v. 59, n. 3, p. 197-200, 2009.
- TIEMESSEN, C.T. J.; HULSHOF, M. H. W.; FRINGS-DRESEN, M. H. W. Low back pain in drivers exposed to whole body vibration: analysis of a dose-response pattern. Occupational and Environmental Medicine, London, v. 65, n. 1, p. 667-675, 2008
- ULHOA, M. A. et al. Distúrbios psíquicos menores e condições de trabalho em motoristas de caminhão. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 44, n. 6, p. 1130-1136, 2010.
-
Contribuições de autoriaLemos, L. C.: participação na concepção do estudo, levantamento e análise dos dados e redação do manuscrito. Marqueze, E. C.: participou do levantamento e redação do manuscrito. Moreno, C. R. C.: coordenou a pesquisa e participou da redação do manuscrito e revisão do texto final.
-
Artigo baseado na dissertação de mestrado de Lucia Castro Lemos intitulada Prevalência de queixas de dores osteomusculares em motoristas de caminhão que trabalham em turnos irregulares, defendida em 2009 na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
-
Pesquisa apresentada no 19th International Symposium on Shiftwork and Working Time, 2009, Veneza.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Jun 2014
Histórico
-
Recebido
17 Abr 2012 -
Revisado
08 Jul 2013 -
Aceito
12 Jul 2013