Resumo
Diferenças de sexo e gênero são elementos importantes para se considerar na pesquisa e na publicação científica. Diversos esforços têm sido empreendidos no meio científico para incorporar as dimensões sexo e gênero em todo o ciclo da pesquisa, especialmente na área da Saúde. As diretrizes sobre Equidade de Sexo e Gênero na Pesquisa (Sex and Gender Equity in Research - SAGER) dedicam-se a guiar autores na preparação dos manuscritos, mas também são úteis para editores e revisores de periódicos, bem como para avaliadores das agências de fomento, buscando promover a integração de sexo e gênero na pesquisa, em diversas disciplinas. Para facilitar a adesão às diretrizes SAGER e encorajar uma abordagem mais sistemática no relato dessas variáveis na pesquisa, foram desenvolvidas duas listas de checagem: uma para estudos com participantes humanos e outra para os demais estudos (ciência aplicada, biologia celular etc.). Esta nota apresenta as versões em português dessas listas e destaca sua relevância para o aprimoramento do relato das pesquisas comunicadas nos periódicos, como prática de integridade científica.
Palavras-chave: sexo; perspectiva de gênero; equidade de gênero; guias como assunto; ética em pesquisa
Abstract
Sex and gender differences are important elements for consideration in scientific research and publishing. Many efforts have been made in scientific research to incorporate the dimensions of sex and gender throughout the research cycle, especially in the Health field. The Sex and Gender Equity in Research (SAGER) guidelines are dedicated to guiding authors in preparing their manuscripts, but are also useful for journal editors and reviewers, as well as for grant reviewers, seeking to promote the integration of sex and gender in research in different disciplines. To facilitate adherence to the SAGER guidelines and encourage a more systematic approach to reporting these variables in research, two checklists were developed: one for studies with human participants, and one for other studies (applied science, cell biology, etc.). This article presents the Portuguese versions of these checklists and highlights their relevance to improving the reporting of research reported in journals, as a practice of scientific integrity.
Keywords: sex; gender perspective; gender equity; guidelines as topic; ethics, research
Introdução
Diferenças de sexo e gênero são importantes na pesquisa e na publicação científica. O termo “sexo” se refere às características biológicas e fisiológicas que distinguem organismos masculinos e femininos. Por sua vez, “gênero” diz respeito aos papéis, comportamentos, identidades e relações de poder que são socialmente construídos e atribuídos a mulheres, homens e pessoas com diversidade de gênero1.
Tanto o sexo quanto o gênero devem ser adequadamente considerados no desenho e na condução dos estudos, assim como na publicação de seus resultados, visando à promoção de uma ciência rigorosa, reprodutível e responsável. Ignorar sexo/gênero na pesquisa pode levar a imprecisões nos resultados, desperdício em pesquisa e dificuldades na generalização das conclusões. Por outro lado, integrar as dimensões de sexo e gênero na pesquisa pode fomentar a descoberta e a inovação2.
A partir da virada do milênio, diversos esforços têm sido empreendidos no meio científico para a incorporação do sexo e do gênero em todo o ciclo da pesquisa, especialmente na área da Saúde, com destaque para as iniciativas das agências internacionais de fomento e da comunidade editorial. Em 2010, o instituto Canadense de Pesquisa em Saúde (Canadian Institutes of Health Research - CIHR) endossou a integração de sexo e gênero na pesquisa, sendo seguido pela Comissão Europeia, em 2014. Por sua vez, em 2016, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (National Institutes of Health - NIH) tornaram obrigatória a inclusão do sexo como variável biológica nas pesquisas3.
As diretrizes SAGER e suas listas de checagem
Em 2016, foram publicadas as diretrizes sobre Equidade de Sexo e Gênero na Pesquisa (Sex and Gender Equity in Research - SAGER)4),(5, elaboradas a partir do trabalho desenvolvido por membros do Comitê de Equidade de Gênero da Associação Europeia de Editores Científicos (Gender Policy Committee of the European Association of Science Editors - GPC-EASE). Essas diretrizes, dedicadas a guiar autores na preparação dos manuscritos, também são úteis para editores e revisores de periódicos, bem como para avaliadores das agências de fomento, que buscam promover a integração das dimensões de sexo e gênero na pesquisa em diversas disciplinas.
Em alinhamento com as diretrizes SAGER, o Comitê Internacional de Editores de Periódicos Médicos (International Committee of Medical Journal Editors - ICMJE)6 passou a recomendar atenção para assegurar o uso correto dos termos sexo e gênero, bem como a descrição do sexo e/ou gênero dos participantes do estudo, do sexo dos animais, células e tecidos, e dos métodos utilizados para determinar o sexo e/ou gênero. Se o estudo foi realizado com uma amostra derivada de uma população exclusiva de um sexo, os autores devem justificar o motivo. Idealmente, em todos os tipos de estudos, deve haver a inclusão de indivíduos de ambos os sexos, com amostras suficientes para possibilitar análises que considerem essa variável, e os artigos devem minimamente conter dados descritivos sobre sexo/gênero e outras variáveis demográficas relevantes.
Contudo, ainda existem barreiras para a incorporação das dimensões de sexo e gênero na pesquisa, bem como na publicação científica. Na pesquisa em Saúde, tais barreiras incluem uso de terminologia inconsistente, dificuldades na aplicação dos conceitos de sexo e gênero, falha em reconhecer o impacto do sexo e do gênero sobre os desfechos, bem como desafios com a coleta de dados e as bases de dados7. Sexo e gênero frequentemente são relatados de forma incompleta ou imprecisa, e o gênero é raramente considerado devido à carência de ferramentas quantitativas para analisar sua influência sobre os desfechos em Saúde8)-(10.
Na área da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, é evidente a necessidade de considerar sexo e gênero como dimensões relevantes na pesquisa. Além da reconhecida divisão do trabalho baseada no gênero, existem diferenças de sexo e gênero na exposição aos riscos ocupacionais, bem como na ocorrência de lesões, incapacidades e mortes no trabalho, tanto entre ocupações como internamente às categorias ocupacionais11),(12. Ainda, a pandemia da COVID-19 veio reforçar esta necessidade diante das evidências de que fatores relacionados ao sexo e ao gênero, bem como interações entre sexo e gênero, são determinantes do risco de mortalidade e de adoecimento entre trabalhadores e trabalhadoras13),(14.
Para facilitar a adesão às diretrizes SAGER e encorajar uma abordagem mais sistemática no relato de sexo e gênero na pesquisa, um grupo de editoras de revistas pertencentes à família The Lancet desenvolveu duas listas de checagem15 com base em outros guias de redação, como o Padrões Consolidados para Relatar Ensaios (Consolidated Standards of Reporting Trials - CONSORT)16. Essas listas foram utilizadas em um estudo piloto conduzido com artigos submetidos às revistas The Lancet Rheumatology, The Lancet Haematology e The Lancet Psychiatry17),(18. Em geral, os autores se mostraram receptivos e dispostos a debater com a equipe editorial sobre a incorporação de dados desagregados por sexo/gênero em seus artigos16.
Autores, revisores e editores podem usar estas listas de checagem, em alinhamento com as melhores práticas na pesquisa e na publicação científica. Esta nota técnica apresenta as versões em português dessas listas. A primeira lista de checagem é indicada para estudos que incluem participantes humanos (Quadro 1), enquanto a segunda deve ser empregada para estudos que não incluem participantes humanos, como aqueles das ciências aplicadas e da biologia celular (Quadro 2). Ambas as listas abrangem uma série de itens a serem relatados em cada uma das seções do artigo e uma coluna em branco para indicar o número da página na qual o item em questão é relatado.
Considerações finais
É papel dos editores científicos, como prática de integridade, encorajar o relato completo e preciso das pesquisas comunicadas nos periódicos. Nesse sentido, diversas revistas científicas endossaram as diretrizes SAGER, assim como o Comitê de Ética na Publicação (Committee on Publication Ethics - COPE)19. Em alinhamento com as melhores práticas na publicação científica, a RBSO passa a endossar as diretrizes SAGER e a incorporar orientação para o uso das listas de checagem nas suas instruções aos autores.
Cumpre destacar que sexo e gênero não são as únicas variáveis demográficas relevantes nos estudos com participantes humanos. Outras variáveis como idade, etnia ou raça/cor da pele, presença de incapacidades, procedência geográfica e situação socioeconômica devem ser consideradas, sempre que pertinente. Desde o desenho do estudo, deve-se prever a consideração dessas variáveis, viabilizar a coleta de dados relevantes, garantir tamanhos de amostra adequados em suas categorias, bem como contemplar sua inclusão nos planos de análise de dados. Todavia, são reconhecidos os desafios para a incorporação das interseccionalidades na pesquisa quantitativa20.
Finalmente, espera-se que o incentivo ao uso das diretrizes SAGER e de suas listas de checagem contribua para divulgar essas ferramentas, aumentar a conscientização sobre o tema, promover o aprimoramento do relato de sexo e gênero nos artigos publicados e fazer com que as pesquisas, de forma geral, sejam desenvolvidas de modo a incorporar as dimensões de sexo e gênero, bem como as interseccionalidades. Tal consideração pode promover a geração de evidências que sejam mais úteis e aplicáveis a populações específicas, a fim de contribuir para o alcance da equidade.
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022