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Você conhece esta síndrome?

Do you know this syndrome?

Resumos

A síndrome de Wells é dermatose inflamatória benigna rara, de curso recorrente, descrita em todas as idades e sem predileção por sexo, de etiologia e patogênese desconhecidas. Embora sua autonomia seja questionada, a síndrome de Wells é entidade distinta cujo diagnóstico se faz pela combinação de quadro clínico marcante, achados histopatológicos típicos quando associados à clínica, e curso característico.

Celulite; Celulite; Eosinofilia


Wells’ syndrome is a rare, benign, recurrent, inflammatory dermatosis affecting all age groups, with no sex predilection. Its etiology and pathogenesis remain unknown. Although its autonomous existence is questioned by some, Wells’ syndrome is a distinct disease entity diagnosed by the combination of a striking clinical picture, typical histological finding when associated to the clinical features, and a characteristic time course.

Cellulitis; Cellulitis; Eosinophilia


SÍNDROME EM QUESTÃO

Você conhece esta síndrome?* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil. Conflito de interesse : Nenhum / Conflict of interest: None

Do you know this syndrome?

Cláudia Márcia Resende SilvaI; Fernanda Assis OttoniII; José de Souza Andrade-FilhoIII; Gil Patrus Mundim PenaIV; João Renato Vianna GontijoV

IMédica do Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil. Mestre em Dermatologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIMédica residente (R2) de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIProfessor de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Patologista do Hospital Felício Rocho – Belo Horizonte (MG), Brasil

IVPatologista do Hospital Felício Rocho – Belo Horizonte (MG), Brasil

VBolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PBIC/CNPq). Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência/Mailing Address Endereço para correspondência /Mailing Address Fernanda Assis Ottoni Rua Alameda Álvaro Celso, 220, apto. 317 Bairro Santa Efigênia 30150260 - Belo Horizonte – MG Tel.: (31) 32489597 E-mail: feottoni@hotmail.com Endereço para correspondência /Mailing Address Fernanda Assis Ottoni Rua Alameda Álvaro Celso, 220, apto. 317 Bairro Santa Efigênia 30150260 - Belo Horizonte – MG Tel.: (31) 32489597 E-mail: feottoni@hotmail.com

RESUMO

A síndrome de Wells é dermatose inflamatória benigna rara, de curso recorrente, descrita em todas as idades e sem predileção por sexo, de etiologia e patogênese desconhecidas. Embora sua autonomia seja questionada, a síndrome de Wells é entidade distinta cujo diagnóstico se faz pela combinação de quadro clínico marcante, achados histopatológicos típicos quando associados à clínica, e curso característico.

Palavras-chave: Celulite; Celulite/diagnóstico; Eosinofilia

ABSTRACT

Wells’ syndrome is a rare, benign, recurrent, inflammatory dermatosis affecting all age groups, with no sex predilection. Its etiology and pathogenesis remain unknown. Although its autonomous existence is questioned by some, Wells’ syndrome is a distinct disease entity diagnosed by the combination of a striking clinical picture, typical histological finding when associated to the clinical features, and a characteristic time course.

Keywords: Cellulitis; Cellulitis/diagnosis; Eosinophilia

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 68 anos, branco, com quadro cutâneo de início súbito há três anos, pruriginoso, constituído por placa eritêmato-violácea na face posterior do antebraço D (Figura 1) e lesões vésicobolhosas, tensas, com conteúdo seroso ou serossangüinolento, nas mãos (Figura 2), pés e abdômen. As mucosas estavam poupadas, o paciente apresentavase afebril e em bom estado geral, não fazendo uso regular de qualquer medicação.



O exame anátomo-patológico revelou edema acentuado da derme superficial e infiltrado dérmico difuso e intenso contendo mononucleares e eosinófilos, sem evidência de vasculite (Figura 3). O mesmo tipo de processo inflamatório estendia-se até o subcutâneo (Figura 4). Presença de focos de material granular, parcialmente eosinofílico, junto a fibras colágenas da derme reticular, configurando "figuras em chama" (Figura 5). A imunofluorescência direta foi inespecífica, com depósitos contínuos e homogêneos de IgM na zona da membrana basal e nas paredes dos vasos da derme papilar.




Os exames laboratoriais revelaram leucocitose (13.800) com eosinofilia relativa e absoluta (12,9%, 1.780). A pesquisa de porfirinas na urina, FAN, anticoagulante lúpico, anticardiolipina foi negativa, e a dosagem de complemento total e frações, normal.

O quadro foi resistente à terapêutica inicial com anti-histamínicos, sulfona e montelucaste sódico e só respondeu à corticoterapia oral (1mg/kg/dia, com redução conforme a melhora clínica, e empregado apenas na vigência das lesões cutâneas). A evolução foi cíclica, com surtos de intensidade, duração e intervalos variáveis. Há seis meses o paciente encontra- se sem lesões.

QUE SÍNDROME É ESTA?

Síndrome de Wells

Em 1971, sob a denominação de "dermatite granulomatosa recorrente com eosinofilia", Wells descreveu quatro pacientes com dermatite aguda pruriginosa caracterizada clinicamente pela presença de placas eritematosas extremamente semelhantes às encontradas na celulite bacteriana.1 Em 1979, Wells e Smith acrescentaram oito novos casos à sua casuística inicial e simplificaram o nome para "celulite eosinofílica". 2 Em homenagem ao autor, o epônimo "síndrome de Wells" passou então a ser empregado.

A síndrome de Wells (SW) é dermatose inflamatória idiopática rara, descrita em todas as idades e sem predileção por sexo. O curso é benigno, recorrente, com os surtos surgindo a intervalos que variam de meses a anos, geralmente com intensidade decrescente até a resolução completa do quadro.3

A apresentação clínica clássica, após curto período prodrômico de ardor e prurido, é constituída por placas eritematosas, únicas ou múltiplas, acometendo qualquer área corporal, com preferência pelas extremidades. Vesículas, bolhas e lesões urticariformes também podem ser encontradas, bem como diferentes tonalidades (violácea, azulada ou acinzentada) nas placas. Essas, ao involuírem, podem dar lugar a alterações atróficas esclerodermia-símiles. É freqüente a eosinofilia periférica. A sintomatologia sistêmica é, em regra, discreta ou ausente.

Os achados histopatológicos são dinâmicos e típicos. Na fase inicial, o edema da derme papilar é intenso, eventualmente com formação de bolha subepidérmica. O difuso infiltrado eosinofílico estende-se até o tecido adiposo. Posteriormente, massas de histiócitos e eosinófilos aderentes aos feixes colágenos formam as chamadas figuras em chama. Na fase resolutiva, os histiócitos se dispõem em paliçada em torno das figuras em chama. A vasculite está consistentemente ausente.4,5

As figuras em chama são sugestivas, porém não patognomônicas, da SW e podem ser encontradas, em número variável, apenas nas fases aguda e subaguda. São também descritas em quadros tão diversos como penfigóide bolhoso, picadas de inseto, eczemas, dermatofitoses, herpes gestacional e escabiose.

A etiologia e a patogênese permanecem obscuras. A proteína básica maior, responsável por 50% do conteúdo dos grânulos dos eosinófilos, é dotada de reconhecida toxicidade contra parasitas e tecidos. Sua ação nas fibras colágenas, a partir da desgranulação dos eosinófilos, poderia ser responsável pela formação das figuras em chama.3 A interleucina 5, responsável pela mobilização dos eosinófilos a partir da medula óssea, apresenta níveis elevados na SW.6

A síndrome tem sido relatada em associação com picadas de inseto, infecções fúngicas, bacterianas virais e parasitárias, distúrbios hematológicos e linfoproliferativos, medicamentos e vacinas. Na maioria dos casos não se consegue detectar o fator desencadeante. 7

Em razão do número tão elevado e diversificado de fatores associados ou desencadeantes, a existência da SW é questionada por alguns autores que advogam a hipótese de um padrão reacional comum a diferentes estímulos. Outros, contudo, defendem sua autonomia nosológica com base na associação de: a) quadro clínico marcante; b) alterações histológicas não patognomônicas, porém diagnósticas quando associadas às manifestações clínicas clássicas; c) curso típico.5 Assim, o simples achado histológico de infiltrado eosinofílico e figuras em chama não é, por si só, suficiente para se estabelecer o diagnóstico, uma vez que pode ser encontrado em outras doenças. A ênfase nos achados histológicos, em detrimento da clínica e da evolução, é possivelmente responsável pelo número excessivo, e eventualmente errôneo, de casos relatados de SW que não perfazem a associação clínico-histológico-evolutiva necessária ao diagnóstico.

Os principais diagnósticos diferenciais incluem celulite bacteriana (CB), síndrome de Churg-Strauss (SCS), síndrome hipereosinofílica (SH) e fasciíte eosinofílica (FE).

A CB apresenta placas eritematosas, dolorosas à palpação, com calor e edema, que respondem prontamente à administração de antibióticos.

A SCS caracteriza-se pela associação de asma, eosinofilia periférica, vasculite, presença de auto-anticorpos P-Anca e granulomas cutâneos e sistêmicos. O prognóstico é resevado. A SW compartilha com a SCS a eosinofilia periférica e tissular e as figuras em chama, porém sem vasculite.

A SH é rara desordem linfoproliferativa, de prognóstico reservado, com produção excessiva de eosinófilos e acometimento multissistêmico. As alterações cutâneas podem ser semelhantes às da SW (pápulas, nódulos ou placas eritematosas, lesões urticariformes e angioedema),8 mas os achados histopatológicos são inespecíficos com ausência de figuras em chama e infiltrado granulomatoso.9

A FE apresenta início agudo e curso prolongado, com as lesões resolvendo-se lentamente ao longo de meses ou anos. O infiltrado eosinofílico é mais profundo, e a associação com artrite é freqüente.

Embora diversas drogas tenham sido relatadas no tratamento da SW (anti-histamínicos, sulfona, griseofulvina, inibidores de leucotrienos, etc), os resultados mais consistentes parecem ser obtidos com os corticoesteróides orais. q

Recebido em 26.11.2007.

Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 28.11.2007.

Suporte financeiro / Financial funding : PBIC/CNPq

  • 1. Wells GC. Recurrent granulomatous dermatitis with eosinophilia. Trans St Johns Hosp Dermatol Soc. 1971;57:46-56.
  • 2. Wells GC, Smith NP. Eosinophilic cellulitis. Br J Dermatol. 1979;100:101-9.
  • 3. Melski JW. Wells'syndrome, insect bites and eosinophils. Dermatologic Clinics. 1990;8:287-93.
  • 4. Moossavi M, Mehregan DR. Wells' syndrome: a clinical and histopathologic review of seven cases. Int J Dermatol. 2003;42:62-7.
  • 5. Aberer W, Konrad K, Wolff K. Wells'syndrome is a distinctive disease entity and not a histologic diag nosis. J Am Acd Dermatol. 1988;18(Pt1):105-14.
  • 6. French LE, Shapiro M, Junkins-Hopkins JM, Wolfe JT, Rook AH. Eosinophilic fasciitis and eosinophilic cellulitis in a patient with abnormal circulating clonal T cells: increased production of interleukin 5 and inhibition by interferon alfa. J Am Acad Dermatol. 2003;49:1170-4.
  • 7. Gilliam AE, Bruckner AL, Howard RM, Lee BP, WuS, Frieden IJ. Bullous "cellulitis" with eosinophilia: case report and review of Wells' syndrome in childhood. Pediatrics. 2005;116:e149-55.
  • 8. Tsuji Y, Kawashima T, Yokota K, Tateishi Y, Kobayashi H, Itoh A, et al. Wells' syndrome as a manifestation of hypereosinophilic syndrome. Br J Dermatol. 2002;147:811-2.
  • 9. Kazmierowski JA, Chusid MJ, Parrillo JE, Fauci AS, Wolf SM. Dermatologic manifestation of hypereosinophilic syndrome. Arch Dermatol. 1978;114:531-5.
  • Endereço para correspondência
    /Mailing Address
    Fernanda Assis Ottoni
    Rua Alameda Álvaro Celso, 220, apto. 317
    Bairro Santa Efigênia
    30150260 - Belo Horizonte – MG
    Tel.: (31) 32489597
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil.
    Conflito de interesse : Nenhum / Conflict of interest: None
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      26 Nov 2007
    • Aceito
      28 Nov 2007
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