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Imunoglobulina intravenosa para tratamento de epidermólise bolhosa adquirida grave refratária a terapia imunossupressora convencional

Resumos

A epidermólise bolhosa adquirida é doença bolhosa subepidérmica crônica e rara. Geralmente, inicia-se na fase adulta, sendo a etiologia desconhecida, embora vinculada à presença de anticorpos contra o colágeno tipo VII. Há formação de bolhas, espontaneamente ou após trauma, podendo causar complicações graves. O tratamento é desapontador e difícil. Além da terapia convencional com corticoides sistêmicos, recentemente, novas modalidades terapêuticas promissoras estão sendo utilizadas, dentre elas, a imunoglobulina intravenosa. Destaca-se, neste relato, o difícil manejo clínico desta doença, e a melhora importante com a imunoglobulina intravenosa.

Epidermólise bolhosa adquirida; Imunoglobulinas intravenosas; Imunossupressores


Acquired bullous epidermolysis is a chronic and rare bullous subepidermal disease. It usually begins in adulthood and its etiology is unknown although it is associated with antibodies against type VII collagen. There are spontaneous and trauma induced formation of blisters that may cause serious complications. Treatment is disappointing and difficult. Apart from conventional therapy with systemic corticosteroid, new therapeutic modalities such as intravenous immunoglobulin are currently being used. This report highlights the extremely difficult clinical management of this rare disease and the important improvement provided by intravenous immunoglobulin.

Acquired bullous epidermolysis; Immunosuppressive agents; Immunoglobulins, intravenous


CASO CLÍNICO

Imunoglobulina intravenosa para tratamento de epidermólise bolhosa adquirida grave refratária a terapia imunossupressora convencional* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - Jundiaí (SP), Brasil.

Carolina Balbi MosqueiraI; Laura de Albuquerque FurlaniII; Augusto Frederico de Paula XavierIII; Paulo Rowilson CunhaIV; Alda Maria Penna GalvãoV

IMédica residente em Dermatologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - Jundiaí (SP), Brasil

IIMédica residente em Dermatologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - Jundiaí (SP), Brasil

IIIMédico residente em Dermatologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - Jundiaí (SP), Brasil

IVProfessor titular do Serviço de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - Jundiaí (SP). Professor livre docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Jundiaí (SP), Brasil

VMédica especialista em Dermatologia - Jundiaí (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paulo Rowilson Cunha Endereço: Isaí Leiner 152 Bairro: Jardim Brasil 13201854 Jundiaí - SP, Brasil Tel.: 11 4521 8459 E-mail: drpaulocunha@bol.com.br

RESUMO

A epidermólise bolhosa adquirida é doença bolhosa subepidérmica crônica e rara. Geralmente, inicia-se na fase adulta, sendo a etiologia desconhecida, embora vinculada à presença de anticorpos contra o colágeno tipo VII. Há formação de bolhas, espontaneamente ou após trauma, podendo causar complicações graves. O tratamento é desapontador e difícil. Além da terapia convencional com corticoides sistêmicos, recentemente, novas modalidades terapêuticas promissoras estão sendo utilizadas, dentre elas, a imunoglobulina intravenosa. Destaca-se, neste relato, o difícil manejo clínico desta doença, e a melhora importante com a imunoglobulina intravenosa.

Palavras-chave: Epidermólise bolhosa adquirida; Imunoglobulinas intravenosas; Imunossupressores

INTRODUÇÃO

A epidermólise bolhosa adquirida (EBA) é doença subepidérmica rara, crônica, que acomete a pele e mucosas e, geralmente, iniciada na vida adulta.1,2 Sua incidência é de 0,2 por milhão de pessoas, sem predileção por raça ou sexo.3 Há associação com o alelo HLA DR2, sugerindo predisposição à EBA nos portadores desse fenótipo, além de haver também maior suscetibilidade ao lúpus bolhoso.4 A etiologia é desconhecida, embora seja vinculada à presença de anticorpos contra o colágeno tipo VII, principal componente estrutural das fibrilas de ancoragem da junção dermo-epidérmica, o que levaria à redução do número de fibrilas de ancoragem.2 Há fragilidade da pele, formando-se bolhas, espontaneamente ou usualmente após traumas. As lesões ocorrem em regiões de apoio ou predispostas ao trauma e resultam em cicatriz com ou sem mílios.1,5 Pode causar complicações graves e estar associada a outras doenças sistêmicas.1 A análise histológica da lesão mostra bolha subepidérmica, com variado infiltrado inflamatório dérmico.1 A EBA é caracterizada, à imunofluorescência direta, pela deposição linear de imunorreagentes (depósitos de IgG e C3), na junção dermo-epidérmica. 1,3 A imunofluorescência indireta do soro do paciente pode demonstrar os anticorpos. Na técnica de salt-split skin são evidenciados autoanticorpos, do lado dérmico, após a clivagem artificial.6

O tratamento é frequentemente desapontador e difícil. 1,7,8 Recentemente, novas modalidades terapêuticas promissoras foram reportadas como: ciclosporina, colchicina, plasmaférese, fotoquimioterapia extracorpórea e, em particular, a imunoglobulina intravenosa (IgIV).1,7,8

RELATO DO CASO

Paciente feminina, 54 anos, há seis anos, queixava- se de aparecimento de bolhas flácidas e tensas, algumas hemorrágicas, outras de conteúdo claro (Figura 1). Ao exame físico, além das bolhas referidas, apresentava erosões nas mucosas oral e conjuntival, associadas a cicatrizes e mílios, sem acometimento ungueal (Figuras 2, 3 e 4).





O exame histopatológico evidenciou bolha subepidérmica e infiltrado linfocitário na derme superior; a imunofluorescência direta demonstrou depósito linear de IgG, IgA e C3, na zona da membrana basal, e a imunofluorescência indireta (salt-split skin) revelou depósito de IgG, no lado dérmico da bolha, confirmando o diagnóstico de EBA (Figura 5).


A paciente foi tratada com prednisona em alta dose (100mg/dia) e talidomida (100 mg/dia), mantendo o quadro que evoluiu com novas lesões, rouquidão, epistaxe e disfagia, além de complicações pela corticoterapia, como hipertensão arterial e diabetes. Apesar da introdução de metotrexato e dapsona, após 4 meses, apresentou insuficiência respiratória por estenose laríngea, necessitando traqueostomia (Figura 6). Em decorrência da refratariedade do caso, optou-se pela imunoglobulina humana intravenosa 400mg/Kg/dia, por cinco dias consecutivos (seis ciclos a intervalo de quatro semanas), com importante melhora clínica.


DISCUSSÃO

A EBA, como pôde ser demonstrada, no caso clínico relatado, é doença potencialmente grave e limitante, cujo tratamento convencional é, muitas vezes, frustrante, com modesto resultado clínico, curtas remissões e muitas recidivas. A localização frequente das lesões em mãos e pés limita muito as atividades diárias dos doentes.1

A terapia convencional apresenta modesto resultado clínico e consiste no uso de corticosteroide sistêmico, em alta dose, a longo prazo, em monoterapia ou em combinação com agentes imunossupressores. 7 Os imunossupressores adjuvantes - como azatioprina, metotrexato e ciclofosfamida - e os anti-inflamatórios - como a dapsona e a talidomida - são usados tanto pelo efeito poupador de corticosteroide, como para tentar induzir a remissão em pacientes, cuja doença é refratária ao corticosteroide isoladamente.

Novas modalidades terapêuticas têm sido usadas em um número limitado de casos: colchicina, ciclosporina, plasmaférese e fotoquimioterapia extracorpórea e IgIV.1

Como a paciente apresentou resposta insatisfatória ao tratamento convencional de corticoterapia, em combinação com talidomida, metotrexato e dapsona, além de desenvolver importantes efeitos colaterais, a terapia com IgIV foi considerada. De acordo com estudos preliminares a IgIV, pode ser de grande benefício no tratamento da EBA.1,7-15

O reagente utilizado na terapia IgIV é um produto preparado, a partir de soros obtidos de 1000 a 15000 doadores por lote.1,7,13 A imunoglobulina age modulando a resposta autoimune, ocorrendo redução do título de anticorpos, além de sua neutralização. 12,13

Os efeitos colaterais mais frequentes associados a essa terapia são: febre; calafrios, rubor; cefaleia; mialgias; náuseas e taquicardia. Podem ocorrer graves efeitos secundários, como: hemólise; neutropenia transitória; insuficiência renal aguda; meningite asséptica e anafilaxia.8 A paciente apresentou apenas discreta sialorreia.

A dose preconizada de IgIV é de 400 mg / kg / dia, durante cinco dias, totalizando em 2g/kg por ciclo, em infusão lenta, de aproximadamente quatro horas. Repete- se novo ciclo a cada quatro a seis semanas. 1,7,8

Após a terapia, a paciente apresentou estabilização do quadro, com diminuição do número de lesões, após traumas mínimos e melhora da cicatrização.

Embora o alto custo da terapia seja um fator limitante, a IgIV mostrou-se uma opção terapêutica viável, eficaz e bem tolerada, com importante melhora da fragilidade cutânea, redução das lesões e melhora na qualidade de vida dos pacientes, devendo, inclusive, ser considerada ao início da doença, antes do surgimento de complicações advindas da própria doença e dos tratamentos.

Recebido em 13.08.2008.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 08.12.2008

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

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  • Endereço para correspondência:
    Paulo Rowilson Cunha
    Endereço: Isaí Leiner 152 Bairro: Jardim Brasil
    13201854 Jundiaí - SP, Brasil
    Tel.: 11 4521 8459
    E-mail:
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    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - Jundiaí (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      13 Ago 2008
    • Aceito
      08 Dez 2008
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