Open-access Ocorrência de ostras perlíferas no Marajó, rio Pará

Resumos

Ostras perlíferas foram encontradas em águas que circundam a parte sul da ilha do Marajó, próxima à confluência dos rios Tocantins e Pará. As conchas das ostras possuem uma camada espessa de conchiolina, que lhes confere qualidades de madrepérola. Um lote de 12 pérolas naturais apresentou as seguintes características: cores variadas do branco rosa ao cinza escuro; tamanhos de 3 a 11 mm; formas esféricas a subesféricas, cilíndricas (algumas cinturadas) a barrocas. Sob irradiação UV de onda longa, duas amostras apresentaram cor azul forte e uma cor azul média. Respectivamente cores azuis mais fracas são obtidas por UV de onda curta. A parte interna da concha da ostra apresenta cor azul fraca, tanto sob irradiação UV de onda longa quanto de onda curta. A superfície externa das pérolas é lisa com brilho nacarado característico, sendo que algumas apresentam um tom metálico dourado. Essa é, provavelmente, a primeira região brasileira mais importante com ocorrência de pérolas naturais atuais, abrindo perspectivas para a produção de pérolas cultivadas em água doce.

Pérola; ostra; Marajó; Amazônia; Tocantins


The occurrence of perliferous freshwater oysters in the southern region of Marajó Island, at the mouth of Amazon River, is reported. The oyster's shell presents a thick layer of conchioline. A set of 12 freshwater pearls present white to dark gray colors with nacarous luster, some with golden metallic hue; sizes from 3 to 11 mm and spheric to cylindrical (with belts) to barroc forms. At long wave UV light, two samples present strong and one presents medium blue color. Paler blue colors are shown at short wave UV light. The inner side of the shell presents pale blue colors at both, long and short wave UV light. This occurrence represents, probably, the first important region in Brazil with natural pearls, opening a perspective for freshwater pearl cultivation.

Perl; oysters; Marajó Island; Amazon Region; Tocantins River


Geologia

Ocorrência de ostras perlíferas no Marajó, rio Pará

Helmut Hohn

Marcondes L. Da Costa

Grupo de mineralogia aplicada

Universidade Federal do Pará (UFPA)

E-mail: mlc@ufpa.br

Resumo

Ostras perlíferas foram encontradas em águas que circundam a parte sul da ilha do Marajó, próxima à confluência dos rios Tocantins e Pará. As conchas das ostras possuem uma camada espessa de conchiolina, que lhes confere qualidades de madrepérola. Um lote de 12 pérolas naturais apresentou as seguintes características: cores variadas do branco rosa ao cinza escuro; tamanhos de 3 a 11 mm; formas esféricas a subesféricas, cilíndricas (algumas cinturadas) a barrocas. Sob irradiação UV de onda longa, duas amostras apresentaram cor azul forte e uma cor azul média. Respectivamente cores azuis mais fracas são obtidas por UV de onda curta. A parte interna da concha da ostra apresenta cor azul fraca, tanto sob irradiação UV de onda longa quanto de onda curta. A superfície externa das pérolas é lisa com brilho nacarado característico, sendo que algumas apresentam um tom metálico dourado. Essa é, provavelmente, a primeira região brasileira mais importante com ocorrência de pérolas naturais atuais, abrindo perspectivas para a produção de pérolas cultivadas em água doce.

Palavras-chave: Pérola, ostra, Marajó, Amazônia, Tocantins

Abstract

The occurrence of perliferous freshwater oysters in the southern region of Marajó Island, at the mouth of Amazon River, is reported. The oyster's shell presents a thick layer of conchioline. A set of 12 freshwater pearls present white to dark gray colors with nacarous luster, some with golden metallic hue; sizes from 3 to 11 mm and spheric to cylindrical (with belts) to barroc forms. At long wave UV light, two samples present strong and one presents medium blue color. Paler blue colors are shown at short wave UV light. The inner side of the shell presents pale blue colors at both, long and short wave UV light. This occurrence represents, probably, the first important region in Brazil with natural pearls, opening a perspective for freshwater pearl cultivation.

Keywords: Perl, oysters, Marajó Island, Amazon Region, Tocantins River

1. Introdução

Sambaquis espalhados pelas margens dos rios que banham a porção sul da ilha do Marajó são testemunhos de que desde épocas pré-cabralinas seus habitantes já conheciam e apreciavam os moluscos dessa região.

Em época moderna, os ribeirinhos mais antigos do rio Maratauíra (município de Abaetetuba/PA) relatam que, quando crianças, brincavam com as contas que podiam ser encontradas nas conchas das ostras que eram colhidas como alimento e como matéria-prima para a confecção de botões e artesanatos vários. As pérolas (contas), porém, em tempo algum, foram valorizadas como tal, tendo sido utilizadas apenas esporadicamente para montagem em jóias fabricadas localmente.

A instalação de um Pólo Joalheiro na cidade de Belém, com apoio maciço do Governo do Estado do Pará, juntamente com um cenário favorável no mercado internacional de pérolas, no qual é observado uma produção insuficiente para atender à demanda, poderá significar o momento oportuno para o conhecimento dessa riqueza gemológica orgânica em plena região amazônica.

Essa é, provavelmente, a primeira manifestação de ostras perlíferas naturais no Brasil. Com um manejo adequado, as pérolas e as conchas provindas dessas ostras poderão vir a constituir importante matéria-prima para utilização em atividades de joalheria e de artesanato.

2.Área de ocorrência

Os estudos preliminares indicaram a presença de ostras perlíferas em águas doces que banham a parte sul da ilha do Marajó, próximo à confluência dos rios Tocantins e Pará (Figura 1). As cidades de Abaetetuba, Cametá e Belém constituem, respectivamente, os centros políticos e econômicos dessa região.

Figura 1
- Localização da área com ostras perlíferas no Marajó, Amazônia.

3. Materiais e métodos

O presente estudo é composto por trabalhos de campo e de laboratório. Os trabalhos de campo constaram da coleta de amostras, além de entrevistas com pescadores e habitantes antigos da região. Os trabalhos de laboratório foram divididos entre a preparação e descrição das amostras coletadas, além de pesquisa bibliográfica e preparação das ilustrações.

4. As ostras

As ostras perlíferas adultas (Figura 2) tipicamente apresentam uma concha com uma forma alongada, em média com 10,5 cm de comprimento.

Figura 2
- Ostra perlífera de água doce do Marajó.

As águas dos rios amazônicos, em geral, são ácidas (pH em torno de 5), o que vem constituir num fator adverso para o desenvolvimento das conchas carbonáticas dos diversos moluscos que os habitam. Ocorrências de rochas calcárias tendem a corrigir essas condições e, por isso, moluscos com as maiores conchas são encontrados em locais onde as águas percorrem esse tipo de terreno, como, por exemplo, os rios Tapajós no Pará, Tacutu em Roraima, Juruá e Purus no Acre.

Colocado esse cenário hidro-geoquímico, estudos posteriores mais aprofundados deverão elucidar como as ostras na região ao sul da ilha do Marajó conseguem desenvolver uma concha tão espessa. Em passado geológico recente, provavelmente a área de ocorrência das ostras tenha recebido maior influência de águas marinhas (oceano Atlântico) estando hoje ainda sob efeitos expressivos das marés.

5. A madrepérola

As conchas das ostras perlíferas estudadas apresentam uma espessura média de 4 mm (Figura 3 ).

Figura 3
- Aspecto da concha em corte. Espessura média 4 mm.

Quando submetida à radiação UV, tanto de onda curta, quanto de onda longa, a parte interior da concha responde com uma cor azul fraca.

Em outras épocas, a concha era utilizada para confeccionar botões de roupas, enfeites em cabos de armas e outros artesanatos vários.

Com o advento dos plásticos, os artigos fabricados com as conchas das ostras foram sendo substituídos e, junto com as pérolas com as quais as crianças brincavam, caíram no esquecimento. Atualmente, uma quantidade muito reduzida de conchas é produzida na região, sendo vendida a R$ 0,25 o quilo pelos pescadores. Os principais compradores são provenientes dos Estados do Ceará e Santa Catarina, onde são utilizadas na produção de bijouterias e artesanato.

6. As pérolas

No âmbito do presente estudo, foi analisado um lote composto por 12 pérolas da coleção da Profa Terezinha L. M. da Silva, apresentadas pela Figura 4. A numeração das amostras (Tabela) segue a ordem de cima para baixo e da esquerda para a direita.

Figura 4
- Lote de pérolas naturais de água doce do Marajó.

As principais características das pérolas do lote analisado estão reunidas na Tabela 1.

Tabela 1
- Propriedades de 12 pérolas naturais de água doce (Marajó/Pará).

7. Considerações finais

No período de 1992 a 1996, o comércio internacional de pérolas movimentou US$ 3,7 bilhões. A produção, nesse mesmo período, porém, não superou US$ 2,5 bilhões (Ladra, 1998). Segundo o autor citado, essa defasagem é devida à diminuição do suprimento de pérolas naturais e ao declínio na produção de pérolas cultivadas, principalmente no Japão, onde ocorreu uma grande mortandade de ostras perlíferas atribuída a vírus, infecções parasitárias e poluição das águas.

No período de 1992 a 1996, as pérolas cultivadas (boa parte em água doce) responderam por aproximadamente 90% do total da produção (Ladra, 1998). Países asiáticos forneceram 96% das pérolas cultivadas não trabalhadas e 78% das pérolas cultivadas trabalhadas.

Projeções indicam para os próximos anos um crescimento considerável na oferta de pérolas cultivadas e um decréscimo acentuado na produção de pérolas naturais. Porém o mercado deverá continuar criando boas oportunidades para investimento nessa área (Ladra, 1998).

No mercado internacional, são ofertadas 2 t de pérolas por ano (Leite, comunicação verbal) divididos entre "pérolas de 3 anos", "pérolas de 6 anos" e "pérolas de 9 anos". Na China são produzidas "pérolas de 8 meses", as quais, porém, são consideradas de qualidade inferior pelos joalheiros. Como referência, uma pérola esférica com 9 mm de diâmetro leva aproximadamente um período de 4 anos para se formar.

A identificação da região do Marajó com potencial para a produção de pérolas naturais e cultivadas é vista com entusiasmo, principalmente se conjugada com o Programa Pólo Joalheiro do Pará. O assunto demanda urgentemente estudos mais aprofundados nas áreas da biologia, geologia e gemologia, podendo vir a constituir uma alternativa econômica em uma região escassa em oportunidades de trabalho.

Agradecimentos

Os autores agradecem sinceramente a todos aqueles que contribuíram para a realização do trabalho, em especial à Universidade Federal do Pará (Projeto 0201/2000 PROINT) ao Dr. Luis G.G. da Silva e à sua esposa Profa. Terezinha L.M. da Silva e ao Prof. Walter Leite (IBGM e Real Gems).

Artigo recebido em 23/02/2001 e aprovado em 02/03/2002.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    Mar 2002

Histórico

  • Aceito
    02 Mar 2002
  • Recebido
    23 Fev 2001
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