Resumos
Transplante autólogo de células tronco é uma das formas de tratamento da amiloidose primária ou AL. Os autores relatam um paciente de 46 anos com hematomas periorbitais bilaterais, macroglossia, em quem, na investigação, se constatou a presença de paraproteínas IgG Kappa no soro. O diagnóstico de amiloidose primária ou AL foi confirmado, e o tratamento proposto com condicionamento com doses altas de Melfalan, seguido de transplante autólogo de células tronco, determinou a remissão completa da doença com desaparecimento de sinais clínicos e ausência do componente monoclonal.
amiloidose; transplante autólogo; melfalan
Autologous stem cell transplant is one of the therapies employed in the treatment of primary amyloidosis or AL. The authors report on a 46-year-old patient with bilateral periorbital hematomas, macroglossia who presented, during the investigation, IgG-Kappa paraprotein in serum. The diagnosis of primary amyloidosis or AL was confirmed and the treatment proposed consisted of high-dose melphalan as conditioning regimen before autologous stem cell transplant, which determined complete remission of the disease, along with the disappearance of clinical signs and absence of the monoclonal component.
amyloidosis; autologous transplantation; melphalan
RELATO DE CASO
Amiloidose AL em um adulto jovem: remissão clínica e laboratorial com transplante autólogo de células tronco
Ricardo Prado GolmiaI; Isabel Clapis BelloII; Eliane RossetoIII; João Carlos Campos GuerraIV; Cristóvão MangueiraV; Morton Aaron ScheinbergVI
IMédico Reumatologista - Reumatologista do Hospital Abreu Sodré-AACD e Hospital Israelita Albert Einstein
IIEnfermeira - Especialista em Pesquisa Clínica
IIIPatologia Clínica - Médica do Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Israelita Albert Einstein
IVMédico Hematologista Laboratório de Analises Clinicas do Hospital Israelita Albert Einstein
VPatologia Clínica - Doutor em Patologia pela Universidade de São Paulo (USP); Diretor Médico Laboratório de Análises Clínicas Hospital Albert Eisntein
VIDoutor em Medicina pela Boston University; Livre-docente em Imunologia pela USP; Clínico e reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein; Diretor científico do Hospital Abreu Sodré - AACD (Unidade Hospitalar Especializada em Doenças Músculo-Esqueléticos)
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ricardo Prado Golmia Av. Profº Ascendino Reis, 724, Bloco C- Pesquisa Clínica - 1º Subsolo São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04027-000 E-mail: ricardogolmia@brturbo.com.br
RESUMO
Transplante autólogo de células tronco é uma das formas de tratamento da amiloidose primária ou AL. Os autores relatam um paciente de 46 anos com hematomas periorbitais bilaterais, macroglossia, em quem, na investigação, se constatou a presença de paraproteínas IgG Kappa no soro. O diagnóstico de amiloidose primária ou AL foi confirmado, e o tratamento proposto com condicionamento com doses altas de Melfalan, seguido de transplante autólogo de células tronco, determinou a remissão completa da doença com desaparecimento de sinais clínicos e ausência do componente monoclonal.
Palavras-chave: amiloidose, transplante autólogo, melfalan.
INTRODUÇÃO
Amiloidose AL é uma doença de deposição nos tecidos de fragmentos de cadeia leve com disposição espacial e tintorial de material fibrilar amiloide.1 A deposição amiloide acomete vários órgãos, com a extensão do depósito e órgão afetado tendo relação com prognóstico pior, por exemplo o envolvimento cardiovascular. A dificuldade terapêutica nestes casos motivou os autores a relatarem os resultados obtidos com o transplante autólogo de células tronco.
Recentemente avaliamos um paciente jovem. Durante 2 anos, seu quadro clínico se compunha de hematomas periorbitais, síndrome do túnel do carpo e presença de proteína monoclonal sérica na eletroforese de proteínas. Após a avaliação identificamos um quadro de amiloidose do tipo AL. O tratamento proposto foi a quimioterapia associada ao transplante autólogo de células tronco.
RELATO DE CASO
M.M.V.F., sexo masculino, 46 anos, nos procurou com queixa de parestesia nas mãos, mialgia, hematomas periorbitais e macroglossia. Esta historia já ocorria há 2 anos sem diagnostico definitivo. Durante nossa avaliação apresentava hematomas periorbitais, macroglossia, sinais sugestivos de síndrome do túnel do carpo em ambas as mãos e dores inespecíficas de natureza muscular.
Na eletroforese de proteínas foi identificado um picomonoclonal na região de gamaglubulinas, correspondendo a 31,3% do total de proteína. Ao observarmos a velocidade de hemossedimentação (VHS) após a 1ª hora, o resultado encontrava-se alterado: 39 mm (valor normal inferior ou igual a 15 mm). Já no hemograma não observamos alterações nos seguintes parâmetros: HB = 13,9 g/dL; HT 41,9%, glóbulos vermelhos 4,91 106 µ/L, leucócitos 9.100 µ/L e contagem de plaquetas 198.000 µ/L. Com relação ao perfil renal, encontramos os seguintes resultados: ureia a 44 mg/dL e creatinina a 1,53 mg/dL. Não foram encontradas alterações no exame parcial de urina (urina I). O paciente apresentou 30 mg/dL na dosagem de IgM (dentro da normalidade), 3,6 g/100 mL na dosagem de IgG monoclonale cadeia leve Kappa no exame de imunofixação de proteína sérica.O exame de ecocardiograma com doppler foi considerado normal.
O mielograma aspirativo realizado apresentou normo celularidade nas séries eritrocítica monocitica e granulocitica com escalonamento maturativo preservado. Na série linfoplasmocitária apresentou 14% de plasmócitos maduros. Submetido à biopsia retal, apresentou material amorfo hialino positivo para material amiloide em colorações especificas. Após 18 meses, o paciente se encontra em remissão completa, sem sinais clínicos e desaparecimento do componente monoclonal.
O paciente recebeu por uma semana consecutiva 0,4 mg de granulokine por via subcutânea seguido de Melfalan em alta dose por via endovenosa , 200 mg/m2. Após o terceiro dia, foi submetido a aféreses para obtenção de células de CD34 positivas (tronco) (Figuras 1 e 2).
DISCUSSÃO
Amiloidose não é uma única doença. O termo hoje é usado genericamente para se referir a qualquer condição patológica onde ocorre a deposição extracelular de proteínas fibrilares com características especiais de birefrigência. A ligação a certos corantes especiais como o vermelho congo ou tioflavina é um denominador comum nas amiloidoses. Existem hoje mais de vinte proteínas com estas características e cada uma delas deve ser vista como uma entidade clínica distinta.
As três formas mais comuns, com apresentação sistêmica de multiorgãos, são a amiloidose de cadeias leves (AL) formada por fibrilas de cadeias kappa e lambda, amiloidose das formas reativas (AA) derivada dos precursores protéicos séricos e a forma hereditária, a partir da mutação de proteínas plasmáticas. Embora a forma de amiloide ligada a doença de Alzheimer deva ser a forma mais prevalente de amiloidose, ela não é mencionada no contexto de doença sistêmica por se tratar de doença localizada em um único órgão.2
Nas formas AA e hereditária de amiloidose seu curso é lento e períodos de sobrevida apresentam considerável variação.3
Na forma AL uma combinação de sintomas afetando rins, coração, sistema gastrointestinal, neurológico, hematológico ou alterações hepáticas fazem parte do quadro clínico.
Antes da década de 1970, em uma série de 42 pacientes, comparou-se 19 deles com amiloidose AL e 23 com amiloidose AA oriundos da Boston University. Aproximadamente dois terços dos pacientes apresentavam Síndrome Nefrótica e comprometimento cardíaco, o último mais frequente na forma de amiloidose AL.4
Em outro estudo, uma revisão de 229 casos de amiloidose AL provenientes da Clinica Mayo, no período de 1970 a 1980, mostrou que um terço dos pacientes apresentava Síndrome Nefrótica, um pouco menos apresentava insuficiência cardíaca e 10% hipotensão ortostática. Aproximadamente metade dos pacientes apresentava neuropatia e síndrome do túnel do carpo.5
Nosso caso ficou sem diagnóstico, apesar da presença de síndrome do túnel do carpo, hematomas periorbitais bilaterais e presença de proteína monoclonal em níveis elevados no sangue periférico. Hematomas periorbitais, como em nosso caso, podem ser a única manifestação isolada por vários anos, conforme ilustrações anteriores.6 A ausência de anemia, lesões ósseas e presença de moderada plasmocitose medular com formas maduras, levou à hipótese de amiloidose comprovada por biopsia retal. Tratando-se de paciente jovem (quarta década da vida) tornou se necessária a comprovação de que não estávamos lidando com algum componente hereditário, que foi feita com a comprovação de amiloidose AL por técnicas imunoquímicas.
O tratamento da amiloidose AL depende em parte da apresentação clínica e comprometimento visceral de órgãos essenciais para a sobrevida.4 Embora a terapêutica convencional com Melfalan e prednisona levem a remissões parciais, a duração dos mesmos depende da intensidade do comprometimento cardíaco, hepático e renal.
O uso de quimioterapia com altas doses de Melfalan e transplante autólogo de células tronco na ausência de comprometimento cardíaco pode provocar remissões prolongadas, às vezes em um tempo superior a 2 anos.
A sobrevida na forma AL, na ausência de comprometimento cardíaco, costuma oscilar em torno de 1 ano com quimioterapia convencional e em torno de 6 meses na situação contrária; o que parece acontecer em nosso caso, pois o paciente tem 24 meses pós-transplante de células tronco.7,8,9
Em suma, apresentamos o caso de um adulto jovem com amiloidose AL onde a terapêutica convencional de primeira linha (Melfalan e prednisona) foi substituída por altas doses de Melfalan seguidas de transplante autólogo de células tronco com resultados bem favoráveis já no segundo ano pós-transplante. Não foram feitos estudos sobre a regressão do material amilóide, pois técnicas cintilográficas com este objetivo não estão disponíveis em nosso meio.
Recebido em 18/02/2010.
Aprovado, após revisão, em 26/08/2010.
Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.
Centro de Pesquisa Clínica Hospital Abreu Sodré- AACD.
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1Scheinberg MA. Current aspects of the etiopathogenesis and therapy of amyloid disease: future trends. Rev Paul Med 1980; 96:108-11.
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2Sanchorawala V. Light-chain (AL) amyloidosis: diagnosis and treatment. Clin J Am Soc Nephrol 2006; 1:1331-41.
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3Gertz MA, Lacy MQ, Dispenzieri A, Hayman SR. Amyloidosis. Best Pract Res Clin Haematol 2005; 18:709-27.
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4Sanchorawala V, Skinner M, Quillen K, Finn KT, Doros G, Seldin DC. Long-term outcome of patients with AL amyloidosis treated with high-dose melphalan and stem-cell transplantation. Blood 2007; 110:3561-3.
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5Scheinberg MA. Another look at serum amyloid protein SAA. Clin Rheumatol 1983; 2:431-3.
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6Passos RH, Pereira A, Neto AC, Ribeiro AF, Kutner J, Hamerschlak N et al Clinical imagine: bilateral black eyes (raccons eyes) in AL amyloidosis. Arthritis Rheum 2006; 54:3724.
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7Perz JB, Rahemtulla A, Giles C, Szydlo RM, Davis J, Gopaul D et al Long-term outcome of high-dose melphalanand autologous stem cell transplantation for AL amyloidosis. Bone Marrow Transplant 2006; 37:937-43.
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8Hawkins PN, Richardson S, MacSweeney JE, King AD, Vigushin DM, Lavender JP et al Scintigraphic quantification and serial monitoring of human visceral amyloid deposits provide evidence for turnover and regression. Q J Med 1993; 86:365-374.
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9Dispenzieri A, Lacy MQ, Katzmann JA, Rajkumar SV, Abraham RS, Hayman SR et al Absolute values of immunoglobulin free light chains are prognostic in patients with primary systemic amyloidosis undergoing peripheral blood stem cell transplantation. Blood 2006; 107:3378-83.
Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Nov 2010 -
Data do Fascículo
Out 2010
Histórico
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Aceito
26 Ago 2010 -
Recebido
18 Fev 2010