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Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico

Resumos

INTRODUÇÃO: O presente estudo é uma análise da possível existência de distúrbios cognitivos associados a fibromialgia (FM), artrite reumatoide (AR) e lúpus eritematoso sistêmico (LES), e da influência das variáveis idade, escolaridade e sintomas psiquiátricos sobre esses distúrbios. MATERIAIS E MÉTODOS: Foram utilizados como amostra três grupos de pacientes, compostos por 13 indivíduos com FM, 13 com AR e 11 com LES, com idades entre 30 e 80 anos, encaminhados pelo Ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB). O desempenho dos participantes da amostra nos testes neuropsicológicos de memória, linguagem, funções executivas e inventário neuropsiquiátrico foi analisado considerando-se os grupos conforme tipo de doença crônica, escolaridade e idade. Também foi realizada a comparação entre os pontos de corte de normalidade cognitiva em amostras populacionais com os desempenhos desses participantes. RESULTADOS: Os dados revelaram presença de distúrbios cognitivos associados às três patologias, porém com diferenças significativas entre os grupos. CONCLUSÃO: As variáveis estudadas (baixa escolaridade e idade elevada) revelaram-se associadas a diversos graus de declínio em diferentes funções cognitivas com os três grupos patológicos. Entretanto, os grupos FM e LES apresentaram médias de sintomas neuropsiquiátricos de ansiedade, irritabilidade e alucinações significativamente maiores que o grupo AR no inventário neuropsiquiátrico.

cognição; doença crônica; fibromialgia; artrite reumatoide; lúpus eritematoso sistêmico


INTRODUCTION: This study assesses the possible existence of cognitive disorder associated with chronic diseases [fibromyalgia (FM), rheumatoid arthritis (RA) and lupus (SLE)], and the influence of the variables age, educational level and psychiatric symptoms on those disorders. MATERIALS AND METHODS: The patients were referred by the Rheumatology Outpatient Clinic of the Hospital Universitário de Brasília (HUB), with ages ranging from 30 to 80 years, and were divided into the following three groups: FM, 13 patients; RA, 13 patients; and SLE, 11 patients. Their performance in the neuropsychological tests of memory, language, executive functions and neuropsychiatric inventory was assessed considering their type of chronic disease, educational level and age. In addition, the cutoff points of cognitive normality of population samples were compared with the patients' performances. RESULTS: The cognitive disorders were shown to be associated with the three diseases studied, but with significant differences between them. CONCLUSION: The variables studied (low educational level and advanced age) were associated with various degrees of impairment in the different cognitive functions in the three pathological groups. However, FM and SLE groups showed significantly higher means of the neuropsychiatric symptoms of anxiety, irritability and hallucinations than the RA group in the neuropsychiatric inventory.

cognition; chronic disease; fibromyalgia; rheumatoid arthritis; systemic lupus erythematosus


ARTIGO ORIGINAL

Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico

Lucylle Fróis de MeloI; Sérgio Leme Da-SilvaII

IMestre em Ciências do Comportamento, Universidade de Brasília - UnB

IIPós-doutorado em Neuropsicologia, Centro de Ciências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN; Doutor em Ciências, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, Professor Adjunto, Instituto de Psicologia - UnB

Correspondência para Correspondência para: Lucylle Fróis de Melo Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências Sul, prédio Minhocão CEP: 70910-900. Brasília, DF, Brasil E-mail: lucyllefrois@gmail.com; leme@unb.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O presente estudo é uma análise da possível existência de distúrbios cognitivos associados a fibromialgia (FM), artrite reumatoide (AR) e lúpus eritematoso sistêmico (LES), e da influência das variáveis idade, escolaridade e sintomas psiquiátricos sobre esses distúrbios.

MATERIAIS E MÉTODOS: Foram utilizados como amostra três grupos de pacientes, compostos por 13 indivíduos com FM, 13 com AR e 11 com LES, com idades entre 30 e 80 anos, encaminhados pelo Ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB). O desempenho dos participantes da amostra nos testes neuropsicológicos de memória, linguagem, funções executivas e inventário neuropsiquiátrico foi analisado considerando-se os grupos conforme tipo de doença crônica, escolaridade e idade. Também foi realizada a comparação entre os pontos de corte de normalidade cognitiva em amostras populacionais com os desempenhos desses participantes.

RESULTADOS: Os dados revelaram presença de distúrbios cognitivos associados às três patologias, porém com diferenças significativas entre os grupos.

CONCLUSÃO: As variáveis estudadas (baixa escolaridade e idade elevada) revelaram-se associadas a diversos graus de declínio em diferentes funções cognitivas com os três grupos patológicos. Entretanto, os grupos FM e LES apresentaram médias de sintomas neuropsiquiátricos de ansiedade, irritabilidade e alucinações significativamente maiores que o grupo AR no inventário neuropsiquiátrico.

Palavras-chave: cognição, doença crônica, fibromialgia, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico.

DOENÇAS DE DOR CRÔNICA E SEUS ASPECTOS COGNITIVOS

Fibromialgia

A fibromialgia (FM) é considerada uma síndrome musculoesquelética de dor crônica e difusa, devido a seu grande número de sintomas. É diagnosticada na presença de dor generalizada durante três meses, em combinação com sensibilidade em 11 ou mais dos 18 pontos sensíveis à palpação das diversas partes do corpo, conforme o American College of Rheumatology.1

A dor na FM é diferente de qualquer outra impressão sensorial, já que caracteriza-se não somente pela dimensão sensório-discriminativa, mas também pelo importante componente afetivo-emocional, constituído pela dimensão afetivo-motivacional da dor.2

Na FM, a atividade do sistema nervoso central é modulada por variáveis psicológicas, que contribuem para o estabelecimento de uma conduta anormal perante a dor, como distorções cognitivas, excessiva atenção a estímulos nocivos, atitudes inadequadas para enfrentamento da dor e labilidade emocional na recordação de experiências dolorosas.2 O sistema nervoso autônomo simpático apresenta-se hiperativo durante todo o tempo, especialmente durante o sono, fase em que muitos neurotransmissores, hormônios e anticorpos são sintetizados ou regulados, como acontece com a serotonina, a substância P, o hormônio de crescimento, o cortisol e outros. Assim, alguns distúrbios metabólicos têm origem nas transições dos estágios do sono não REM, principalmente no estágio 4, que é o último estágio antes do sono REM, fase com grande atividade cerebral,caracterizada pela ocorrência de sonhos e pela consolidação da memória. Pacientes com FM não apresentam danos nos tecidos afetados pela dor, mas sofrem alterações metabólicas, como altas concentrações de substância P no líquido cefalorraquidiano, assim como concentrações reduzidas de neurotransmissores inibidores da dor, provocando alta sensibilidade.3

A cronicidade da doença afeta a qualidade de vida dos pacientes, bem como suas relações sociais, hábitos e rotinas, provocando aumento das anormalidades psicológicas comuns à doença, especialmente em estados de depressão e alterações psiquiátricas.4

Artrite reumatoide

A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória sistêmica crônica, autoimune, que afeta as articulações e associa-se com manifestações sistêmicas como rigidez matinal, fadiga e perda de peso. O envolvimento com outros órgãos reduz a expectativa de vida em cinco a 10 anos. A progressão da doença torna os pacientes incapazes de realizar atividades da vida diária.5,6

Pacientes com AR podem apresentar alterações cognitivas decorrentes da própria doença ou da condição de dor crônica. A depressão é fator constantemente presente nesse processo, comprometendo a qualidade de vida do paciente. Nos estágios iniciais da doença também ocorrem sintomas de ansiedade.7 Entretanto, a personalidade prévia e o estresse social são os dois aspectos mais importantes em relação ao surgimento de alterações psicológicas na AR.8

As alterações psicológicas também se desenvolvem quando correlacionadas ao comprometimento físico. No entanto, o tratamento com fármacos não surte efeito sobre os quadros psiquiátricos, quando então são necessários outros recursos.8

Lúpus eritematoso sistêmico

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença crônica de causa desconhecida. Ela envolve processos autoimunes e inflamatórios de forma multissistêmica, que atingem frequentemente o sistema nervoso central, periférico e autônomo, podendo gerar comprometimentos neurológicos, síndromes neuropsiquiátricas e psicofuncionais, como convulsões, cefaleia, síndrome orgânica cerebral e psicose. O comprometimento neurológico pode ocorrer simultaneamente a outros sintomas ou após o início da doença.9-11

O LES pode ser decorrente de dano imunológico ou de diversas manifestações sistêmicas. Nesse sentido, a literatura vem divulgando consensos entre a comunidade científica quanto à etiologia multifatorial da doença, sugerindo como causa fatores hormonais, genéticos, infecciosos, ambientais e psicológicos.9-12 Porém, muitos pesquisadores associam o agravamento do LES primeiramente a fatores psicológicos.11-13

O diagnóstico de LES deve ser realizado tendo como base ao menos quatro de 11 critérios: eritema malar, lesão discoide, fotossensibilidade, úlceras orais e nasais, artrite, serosite, comprometimento renal, alterações neurológicas, alterações hematológicas, alterações imunológicas e anticorpos nucleares.14

Pesquisadores observaram incidência de 75% de alterações cognitivas, ansiedade e depressão no LES.9 Para esses pesquisadores, as alterações cognitivas não se revelaram diferentes entre os pacientes ao se comparar variáveis relacionadas a gênero, raça, tempo de doença, atividade da doença ou quaisquer manifestações clínicas. Também não foi identificada relação de distúrbios cognitivos com medicamentos utilizados pelos pacientes.

O objetivo do presente estudo foi investigar a existência de distúrbios cognitivos associados à presença de FM, LES e AR, por meio da aplicação de testes neuropsicológicos, tendo como parâmetro de normalidade os pontos de corte de consenso clínico. Os desempenhos cognitivos foram analisados considerando-se a influência das variáveis idade, escolaridade e sintomas psiquiátricos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Esta pesquisa constituiu-se como um estudo-piloto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília sob o nº 20/2010.

A coleta de dados foi realizada no Hospital Universitário de Brasília, da Universidade de Brasília (HUB/UnB), com os pacientes encaminhados pelo Ambulatório de Reumatologia que se submeteram voluntariamente ao estudo, após esclarecimentos sobre o teor da pesquisa e depois de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participaram da pesquisa 37 pacientes divididos em três grupos, compostos por 13 pacientes com FM, outros 13 com AR e 11 pacientes portadores de LES, com idades Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico entre 30 e 80 anos. Apenas um paciente era do gênero masculino. A escolaridade variou entre um e 12 anos de estudo.

Foram utilizados como instrumentos de avaliação neuropsicológica o Miniexame do Estado Mental (MEEM),15 os subtestes Dígito ordem Direta (DD) e ordem Inversa (DI) e Memória Lógica I (ML-I) e II (ML-II) da Escala de Memória Wechsler (EMW),16 o subteste Semelhanças (SEM) da Escala de Inteligência Adulta Wechsler (EIAWIII),17 os testes de Fluência de Linguagem Verbal Fonêmica (FLV-Fo) e Semântica - categorias animais (FLV-SeAn) e frutas (FLV-SeFr)18 -, o Teste do Desenho do Relógio (TDR),19 o Teste dos 5 Pontos (T5P)20 e o inventário neuropsiquiátrico (IN).21

A possibilidade de associação entre doenças de dor crônica (FM, AR e LES) e distúrbios cognitivos foi verificada pela correlação entre o desempenho dos pacientes nos testes neuropsicológicos aplicados e os pontos de corte considerados normais nesses testes, divulgados na literatura. Também analisou-se a associação dos distúrbios cognitivos com as variáveis idade, escolaridade, sintomas psiquiátricos e tempo de doença.

Análise estatística

A análise dos dados foi realizada por meio de estatística robusta, que é o conjunto de técnicas empregadas para atenuar o efeito dos pontos fora da curva e que preserva a forma de distribuição mais aderente aos dados empíricos. Wilcox22 afirma que as médias dos dados podem ser distorcidas pelos valores fora da curva, não refletindo a acurácia do valor central dos dados. Assim, o autor recomenda o uso da mediana, que é uma forma extrema da média aparada, na qual descarta-se qualquer valor acima ou abaixo do ponto fixo em 20% e obtém-se o valor central dos dados originais com maior acurácia. Seguindo essa linha, utilizamos a técnica de Keselman,23 na qual primeiro os escores dos dados são colocados em ordem crescente, e 20% dos dados menores e maiores são removidos. Em seguida, os escores restantes são remanejados de forma a substituir aqueles anteriormente descartados. É o que se chama de escores aparados. A análise de variância dos escores aparados foi calculada utilizando os seguintes testes: a) teste de Kruskal-Wallis, método não paramétrico empregado para testar a igualdade de medianas da população com mais de dois grupos, tendo por objetivo obter uma análise sobre a existência de diferenças entre as medianas das amostras dos três grupos de enfermidades (FM, LES, AR) em relação aos desempenhos cognitivos, além de analisar a influência da idade e da escolaridade quanto à presença de sintomas psiquiátricos; b) teste de Mann-Whitney, utilizado para avaliar se duas amostras independentes provêm da mesma distribuição - nesse sentido, avaliamos todos os pacientes, organizados em amostras de dois grupos, de acordo com as seguintes variáveis: idade (adultos jovens, até 49 anos, e adultos idosos, até 80 anos), escolaridade (baixa escolaridade, com até cinco anos de estudo, e média-alta escolaridade, com pelo menos seis anos de estudo) e tempo de doença (descoberta recente, enfermidade com até três anos; e descoberta tardia, enfermidade com mais de quatro anos).

RESULTADOS

A análise não paramétrica de Kruskal-Wallis revelou que há diferenças significativas entre os grupos de doenças crônicas. A mesma apontou que o grupo de pacientes com FM apresentou, em relação aos demais grupos, reduzido desempenho nos subtestes ML-I da EMW [(K = 7,73) *P < 0,05], SEM da EIAW-III [(K = 22,94) *P < 0,05], FLV-SeAn [(K = 5,98) *P < 0,05] e DI da EMW [(K = 11,02) *P < 0,05] e aumento na taxa de erros de perseverações no T5P [K = 9,41 *P < 0,05].

O grupo de pacientes com AR apresentou reduzido desempenho em relação aos outros grupos nos seguintes subtestes: TDR [(K = 16,43) *P < 0,05], FLV-Fo [(K = 7,12) *P < 0,05] e T5P [(K = 9,16) *P < 0,05]. Os grupos FM e AR apresentaram desempenho abaixo do ponto de corte esperado nos subtestes ML-I da EMW, FLV-Fo, FLV-SeAn, FLV-SeFr e T5P, conforme a Tabela 1.

Por outro lado, o grupo LES apresentou os melhores desempenhos nos subtestes ML-I e DI da EMW, SEM da EIAW-III, TDR, FLV-Fo, FLV-SeAn, FLV-SeFr e T5P. Entretanto, em relação aos pontos de corte que representam normalidade de desempenho cognitivo, o grupo LES esteve abaixo da faixa esperada nos subtestes FLV-Fo, FLV-SeAn, FLV-SeFr. Além disso, os grupos LES e FM apresentaram índices de frequência de sintomas significativamente superiores ao grupo AR em relação à alucinação [(K = 8,14) *P < 0,01] e à irritabilidade [(K = 7,36) *P < 0,02], assim como em relação aos níveis de intensidade de sintomas, no qual a ansiedade [(K = 6,04) *P < 0,05] apresentou-se significativamente elevada em ambos os grupos, conforme Tabela 1.

Os demais sintomas psiquiátricos (desilusão, agitação, disforia, euforia, apatia, desinibição e atividade motora aberrante) não se apresentaram diferentes entre os grupos patológicos em relação à intensidade ou à frequência.

Também foi realizada análise não paramétrica para avaliar se as enfermidades estudadas diferenciavam-se em relação à média de idade e aos anos de estudo. Assim, o teste de Kruskal-Wallis revelou que AR, FM e LES não se diferenciavam quanto aos anos de estudo. Quanto à idade, porém, o grupo LES diferenciou-se significativamente dos demais [(K = 20,28) *P < 0,05], possivelmente por ser um grupo com média de idade menor (Tabela 2).

A análise não paramétrica de Mann-Whitney revelou diferença significativa de desempenho entre os grupos divididos conforme a idade nos subtestes MEEM [(Z = -2,13) *P < 0,05], ML-I da EMW [(Z = -2,14) *P < 0,05], ML-II da EMW [(Z = -2,29) *P < 0,05], TDR [(Z = -3,24) *P < 0,05], FLV-Fo [(Z = -2,63) *P < 0,05], FLV-SeAn [(Z = -2,49) *P < 0,05] e T5P [(Z = -2,51) *P < 0,05]. Em todos eles os jovens apresentaram melhor desempenho (Tabela 3).

O teste de Mann-Whitney apontou diferenças significativas entre os grupos com baixa e média-alta escolaridade nos seguintes subtestes: MEEM [(Z = -2,36) *P < 0,05]; ML-I da EMW [(Z = -1,99) *P < 0,05]; ML-II da EMW [(Z = -2,03) *P < 0,05]; SEM da EIAW-III [(Z = -2,10) *P < 0,05]; TDR [(Z = -2,13) *P < 0,05]; FLV-Fo [(Z = -2,36) *P < 0,05]; FLV-SeAn [(Z = -1,98) *P < 0,05]; FLV-SeFr [(Z = 1,99) *P < 0,05] e T5P [(Z = -2,26) *P < 0,05].

Todos esses resultados indicaram que nos subtestes houve desempenho significativamente reduzido no grupo de escolaridade baixa, conforme revela a Tabela 4.

Por último, em se tratando do tempo de descoberta da enfermidade, o teste de Mann-Whitney não encontrou diferença significativa nos desempenhos cognitivos em testes neuropsicológicos, quando consideramos os pacientes divididos em grupos de descoberta de doenças de dor crônica recente e tardia (*P > 0,05).

DISCUSSÃO

Os resultados confirmam a existência de distúrbios cognitivos associados a FM, LES e AR. Foi possível observar que os pacientes com AR obtiveram desempenho reduzido nos testes que avaliam as esferas cognitivas referentes à apraxia vísuo-construtiva (TDR e FLV-Fo), ou seja, habilidade de construir um desenho a partir de uma referência visual de memória e produção de fluência de linguagem verbal fonêmica. Podemos concluir que esses pacientes apresentam alterações cognitivas apráxicas, possivelmente em função da correlação entre o desenvolvimento do comprometimento físico e motor da doença e os prejuízos cognitivos observados nessa enfermidade. Já a redução da fluência de linguagem verbal fonêmica observada nesses pacientes possivelmente está relacionada ao estresse social presente na AR.8

Os pacientes com FM, por outro lado, apresentaram prejuízos em testes que avaliam a memória operacional (ML-I, FLV-SeAn, SEM e DI), bem como erros de perseveração no T5P, que também dizem respeito à dificuldade de função executiva. A literatura já demonstrou que pacientes com FM apresentam diminuição da concentração e perda da memória,24 e que esses prejuízos cognitivos da atenção estão diretamente ligados aos déficits de memória operacional e de função executiva.25

Os pacientes com LES apresentaram os melhores desempenhos comparados aos outros dois grupos. Entretanto, o grupo LES apresentou desempenho abaixo do ponto de corte de normalidade cognitiva nos testes de fluência de linguagem verbal fonêmica e semântica (FLV-Fo, FLV-SeAn e FLV-SeFr), além de configurar significativamente como o grupo com maior taxa indicadora de alteração psiquiátrica (ansiedade, irritabilidade e alucinação). Pesquisas com pacientes com LES indicam que 75% deles apresentam quadros de deterioração cognitiva associados a estados de alterações psiquiátricas, como depressão, ansiedade e irritabilidade.9,11

Analisando ainda os tipos de doenças crônicas, verificamos que elas não se diferenciaram quanto ao nível de escolaridade. Entretanto, quanto à idade, o grupo LES diferenciou-se significativamente dos demais grupos por apresentar menor média de idade. Em relação aos aspectos cognitivos, os idosos normais, comparados aos jovens, apresentam uma leve e generalizada lentidão, além de perda de precisão,26,27 o que pode ter influenciado nos resultados encontrados neste estudo, favorecendo o grupo LES em relação aos grupos AR e FM nesse aspecto.

Ao analisarmos ainda as faixas etárias, sem levar em consideração os tipos de doenças crônicas, os adultos jovens apresentaram melhor desempenho em todos os testes em relação aos adultos idosos. Nesse sentido, a literatura confirma o baixo desempenho cognitivo em pessoas mais velhas desprovidas de enfermidades, sugerindo que esse declínio em idosos seja decorrente primariamente do envelhecimento, caracterizando declínio normal do funcionamento dos processos básicos de memória. Quando as atividades de vida diária do idoso decaem junto com o desempenho cognitivo, porém, é suposto tratar-se de uma entidade nosológica.26,27

Os dados relacionados à influência da escolaridade encontrados neste estudo revelaram reduzido desempenho cognitivo principalmente na esfera da memória operacional no grupo de baixa escolaridade, sugerindo que os testes de memória muitas vezes podem ser dependentes do nível educacional.25

Os desempenhos coincidentes abaixo dos pontos de corte de normalidade cognitiva nos testes de fluência de linguagem verbal fonêmica e semântica apresentados pelos grupos FM e LES possivelmente estão associados aos altos níveis de intensidade e frequência dos estados psiquiátricos de alucinação, irritabilidade e ansiedade informados no IN desses dois grupos - principalmente pelo grupo LES, que mostrou a maior taxa indicadora de presença desses estados. Esses dados vão ao encontro de estudos que apontam que pacientes com alterações psiquiátricas demonstram dificuldades fortemente relacionadas a prejuízos funcionais que incidem no desempenho acadêmico, na produtividade, no trabalho e nos relacionamentos sociais, familiares e afetivos.28 Tais dificuldades funcionais associadas à ansiedade ocorrem de forma similar em outras doenças, como na demência, por exemplo, potencializando o comprometimento de participação ou o engajamento em atividades essenciais da vida social cotidiana, levando à queda de desempenho em tarefas que envolvam atenção, psicomotricidade, memória verbal e não verbal, compreensão, funções executivas, fluência verbal e planejamento.29

Segundo pesquisas, o aumento das disfunções cognitivas no LES não apresenta relação com o tempo de instalação da doença crônica reumatológica,30 o que confirma nossos resultados relacionados com tempo da doença e sua influência nos desempenhos dos pacientes nos testes cognitivos.

Em pacientes com FM, a liberação aumentada da substância P é influenciada pelos baixos níveis de serotonina e pela presença do sono não reparador ou superficial. Esses pacientes podem apresentar níveis de substância P até três vezes maiores que em indivíduos normais.31 É importante ressaltar que as vias serotoninérgicas ascendentes, coincidentemente as de níveis reduzidos em pacientes com FM, projetam-se para as áreas da rafe e daí para o tálamo e áreas inervadas pelo feixe prosencefálico medial, com destaque para o hipocampo - áreas essas de importante relevância para o armazenamento das memórias operacionais e de longo prazo.32

Vários estudos demonstram que a substância P possui efeitos diversos com relação à aprendizagem de ratos33 e peixes,34 variando de efeito facilitador, quando aplicada imediatamente ou até três dias após treino de aquisição de aprendizado, ou sem efeito sobre a consolidação da memória, quando aplicada a partir do quarto dia de treino.35 Diante dessas informações, podemos supor que os prejuízos de memória operacional e das funções executivas encontrados em pacientes com FM neste estudo estejam de alguma forma relacionados aos níveis reduzidos de serotonina nessa enfermidade.

Recentemente, um consenso publicado revelou a importância de programas de reabilitação que fazem uso da terapia cognitivo-comportamental, visando à melhora das doenças de dor crônica como a FM e o LES.36

É grande a relevância de estudos neuropsicológicos sobre as doenças de dor crônica e suas disfunções cognitivas, já que o conhecimento aprofundado sobre os aspectos cognitivos de uma determinada enfermidade traz consigo pistas efetivas para a construção de programas de reabilitação.37,38 A estimulação cognitiva é algo possível em função da plasticidade cerebral, e a reabilitação com exercícios cognitivos pode modular processos plásticos no cérebro, influenciando positivamente a organização funcional de conexões neurais envolvidas na memória.37,38 Enfim, é por meio da estimulação cognitiva em programas de reabilitação que podemos amenizar os prejuízos cognitivos encontrados e, por conseguinte, promover melhor qualidade de vida ou até mesmo prevenir o agravamento dos prejuízos cognitivos e emocionais que vêm sendo identificados em pacientes com AR, FM e LES.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Dr. Rodrigo Aires, do Ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília, pelo encaminhamento dos pacientes. Ao Prof. Ms. Danilo Assis Pereira, do Instituto Brasileiro de Neuropsicologia - IBNeuro, pelas sugestões na análise estatística. E à Profª Gianna Lanz, pela revisão do texto.

Recebido em 30/09/2010.

Aprovado, após revisão, em 14/12/2011.

Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.

Suporte Financeiro: CAPES.

Comitê de Ética: FS-UnB 020/10.

Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília - UnB.

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  • Correspondência para:

    Lucylle Fróis de Melo
    Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências Sul, prédio Minhocão
    CEP: 70910-900. Brasília, DF, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      30 Set 2010
    • Aceito
      14 Dez 2011
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