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L'éducation du point de vue des enfants: un peu blessés au fond du coeur

RESENHAS

Sandra Maria Cavalcanti Rebel

Mestranda em educação Universidade Federal Fluminense

MONTANDON, Cléopâtre & OSIEK, Françoise (colaboradora). L'éducation du point de vue des enfants: un peu blessés au fond du coeur. Paris: Editions L'Harmattan, 1997.

Considerados todos os fatores intervenientes, são diversificadas as pesquisas que se desenvolvem na área da educação. Concentram-se, sobretudo, no que se refere à educação escolar, sendo a escola, como é, a instituição a qual compete, especificamente, a transmissão do saber. Contudo, poucos iniciaram reflexões e estudos a partir de certos dados básicos que, ao que tudo indica, podem ter relevante influência em todo o processo educativo: a visão que a própria criança tem das relações criança/educação,criança/escola e criança/família.

O tema atraiu a professora Cléopâtre Montandon que, como resultado da pesquisa realizada com crianças de 10 e 11 anos em Genebra, Suíça, expõe suas conclusões sobre a matéria na obra intitulada L'éducation du point de vue des enfants: un peu blessés au fond du coeur (em português, A educação sob o ponto de vista das crianças: um pouco magoadas no fundo do coração).

Montandon chama a atenção do leitor para a análise que a criança é capaz de fazer sobre o processo educativo, mostrando, a partir de seus próprios relatos, a consciência que tem sobre o que lhe é proposto ou imposto pelos diferentes agentes educativos. E, ao transcrever suas respostas às questões apresentadas na pesquisa, a autora respeita suas idéias e emoções, bem como a linguagem que as traduz. Descreve como as crianças se situam em face dos diversos procedimentos e ações que lhes são proporcionadas pelos adultos. Destaca não só o que aproxima ou distingue as experiências dessas crianças como também os tipos de relações que elas constróem na escola e na família, no decorrer do processo educativo.

Já no prefácio pode-se observar a contribuição da pesquisa, que ressalta a importância de se conhecer o sentido que as crianças atribuem a sua educação. De acordo com a autora, é de grande relevância considerar as visões dos alunos, as idéias das crianças, suas opiniões e sentimentos, para que sejam compreendidas suas experiências relativas à educação. Aqui, Montandon dá destaque à concepção que o adulto tem da infância. Os adultos, normalmente, tendem a desconsiderar o discurso da criança, observando-a como ser bastante familiar, o que equivale a dizer, um ser com o qual se desenvolve um relacionamento sempre íntimo. Em sua convivência com a criança, o adulto pensa que a conhece suficientemente. Entretanto, esse conhecimento é incompleto, enganador e superficial. Além disso, enfatiza a pesquisadora, o adulto procura entender as experiências da criança utilizando-se como parâmetro modelos próprios de pessoas adultas. Muitas vezes, em decorrência dessa postura, ele classifica como infantilidade a maneira menos séria e muito espontânea da criança se expressar. Pensa estar incompleto tudo o que ela diz, emprestando pouca credibilidade as suas palavras, ao seu discurso e aos seus sentimentos, tendo em vista a pouca capacidade de reflexão que, segundo ele, caracteriza a infância. Montandon ressalta que, além de desconhecer e de desvalorizar o ponto de vista infantil, ignorar a concepção da criança sobre a realidade social é suprimir um dado fundamental para a compreensão de suas experiências. Isto porque esse conhecimento fornece, indubitavelmente, complementos valiosos para a melhor compreensão do papel que as crianças podem assumir nas suas interações educativas e do papel que elas próprias atribuem a sua educação.

No primeiro capítulo, a autora situa a sua pesquisa no campo sociológico e expõe a metodologia utilizada. Destaca que o interesse pelo estudo da infância é recente, identificando fatores que provocaram maior destaque para essa fase do desenvolvimento humano. Chama a atenção para um aspecto que possibilita a todos os educadores uma reflexão sobre sua concepção da infância e sobre sua maneira de se relacionar com a criança: ela é ativa em seu processo de socialização, pois tem a capacidade de interiorizar o que lhe é proposto ou imposto pelos agentes de sua educação. Assim, a construção social da sua identidade é resultado das representações e emoções nela suscitadas pela educação recebida.

Os capítulos seguintes do livro são baseados nos discursos das crianças, principais protagonistas da pesquisa.

No segundo capítulo, as crianças retratam sua relação com a educação. São levadas a falar, através da metodologia utilizada pela autora, sobre a concepção que têm da educação, sobre o papel dos "agentes de socialização" e sobre as instituições educativas. As palavras das crianças, em seu conjunto, fornecem uma visão muito completa dos diferentes componentes da educação. A escola e a família são as duas instituições educativas que estão sempre presentes em seus relatos. São encorajadas a falar de suas escolas e de suas famílias, mostrando as visões que construíram e os sentimentos que desenvolveram nesses campos.

O terceiro capítulo é dedicado à autoridade nas relações da educação. A sociedade atribui à família e à escola o papel de educar as novas gerações. Os pais e os professores são os primeiros responsáveis por essa educação. Montandon explora, ainda, o ponto de vista da criança sobre as práticas e os meios educativos dos adultos. A autora preocupa-se com as emoções e os comportamentos que essas práticas provocam, de acordo com o que verbalizam as crianças. Mais uma vez, é ressaltado que os adultos não se preocupam com as idéias que a criança possa ter sobre suas maneiras de agir. É matéria de reflexão o que pensam as crianças sobre o papel dos pais, as expectativas que elas possuem com relação a eles, seus métodos educativos e o exercício da autoridade na família. Montandon faz ponderações interessantes, a partir dos métodos educativos de preferência das crianças, métodos, por excelência, de controle. Quanto as suas principais expectativas com relação aos seus pais, observa a autora que elas esperam, antes de tudo, que eles as amem, as apóiem sempre e que lhes garantam um suporte emocional diante das dificuldades, tendo tempo suficiente para lhes dar atenção. Verifica-se que a dimensão afetiva é a mais destacada com relação à educação familiar. As crianças em família sentem-se mais supervisionadas que ouvidas e o que mais querem é falar. Estão bastante marcadas pelo controle em sua experiência educativa no lar. Montandon descreve a seguir a imagem que as crianças fazem dos seus professores. As situações relatadas mostram que a atitude pedagógica apreciada é aquela que combina um jogo sutil de exigências e estímulos, destacando-se as qualidades humanas, didáticas e pedagógicas que esperam de um professor, chegando a estabelecer hierarquia de valores. A autora observa que, em seus discursos, as crianças apresentam argumentações, que demonstram, claramente, o que esperam de um professor. Ela observa, também, a imagem do mau professor originada das descrições das crianças. A ausência das qualidades pedagógicas é citada. Entretanto, as crianças não suportam a severidade excessiva de alguns professores, que castigam por qualquer motivo, que não permitem um espaço de liberdade ou que não toleram nenhuma falha de comportamento. Montandon preocupa-se com o que pensam e sentem as crianças diante dessa autoridade dos mestres. Ressalta a importância da sensibilidade do docente em perceber as emoções do aluno nos diversos momentos e saber lidar com elas. A experiência vivida com relação à autoridade suscita novas emoções e estimula a imaginação das crianças sobre o plano das condutas. Na família e na escola, elas usam estratégias diversas para infringir a autoridade, mesmo que se sintam, freqüentemente, obrigadas a obedecer. A idéia que elas têm de autoridade é essencialmente pragmática. Em contraposição, mesmo que pareça um paradoxo, elas elegem o castigo como método correto para coibir-lhes os abusos. Montandon faz uma análise das emoções desencadeadas nas crianças a partir das práticas dos pais e dos professores e afirma que as crianças têm bom conhecimento dos fenômenos emocionais, o que se pode notar nas referências que fazem a sua vida emocional quando relatam experiências vividas no lar e na escola.

No quarto capítulo, Montandon dirige sua atenção para o que as crianças pensam sobre os conteúdos do ensino e da educação em geral. Destaca que os professores, os pais, os adultos enfim, pensam saber o que é necessário transmitir-lhes ou agem como se soubessem. As crianças, porém, não têm a oportunidade de falar sobre a sua visão a respeito dos saberes que lhes são passados pela família e pela escola.

No quinto capítulo, a autora analisa a relação do aluno com os projetos futuros no que tange à escolha da profissão que a criança abraçará. Em seguida, aborda, sempre de acordo com as respostas dos alunos, o sistema de avaliação. Concordam com a atribuição de notas ao seu rendimento, porque elas servem de parâmetro para a medida exata do seu aproveitamento escolar, permitindo-lhes emprestar maior ou menor ênfase a seus estudos, conforme seja a nota boa ou má.

No sexto capítulo, prossegue a autora discorrendo sobre a construção da identidade da criança diante da realidade exterior, abordando desde a importância que ela dá ao tempo livre, ao papel da televisão até a possibilidade da auto-educação.

No sétimo capítulo, a autora preocupa-se em analisar a relação que as crianças têm com o saber. Varia suas observações em função da origem social e do rendimento escolar do aluno. Identifica fatores que determinam a relação que a criança constrói com o saber. Estuda as diferenças de expectativas da criança com respeito à escola e aos professores, em função do tipo de relação que possui com o saber.

Montandon, no último capítulo de seu livro, reafirma: as crianças têm muito o que dizer sobre as práticas dos pais e dos professores. Conclui: crianças que vivem no século XX reclamam de seus pais apoio afetivo, amor, compreensão, tudo isto com dose de humor. De seus professores esperam gentileza, disponibilidade, escuta, compreensão, sem esquecer, também, do humor. As crianças possuem outras expectativas, além das qualidades expressivas. Expectativas mais utilitárias que demonstram o seu senso de realidade, como, por exemplo, apoio aos trabalhos escolares por parte dos pais, ou a capacidade de ensinar bem, por parte dos professores. A autora sublinha novamente que pais e professores, diante das exigências da vida, parecem preocupar-se muito com o funcionamento da classe ou com os trabalhos que as crianças devem desenvolver para ter sucesso. Os adultos, mesmo reconhecendo as dimensões afetivas no processo educativo, não cuidam disso todos os dias.

Em anexo, a autora apresenta os tipos de entrevistas realizadas, descrevendo as perguntas sempre diante de situações contextualizadas.

O trabalho realizado por Montandon é de grande interesse. Primeiramente, porque ela dá voz à criança, centro do processo educativo, concebendo-a como participante ativa desse processo, uma vez que a criança interioriza o que está sendo proposto, questionando, criando representações mentais e emocionais a partir do que está vivendo. Dessa forma, fica evidente a necessidade de ela ser mais ouvida e mais compreendida.

Em segundo lugar, porque a obra estimula mudança de concepção com relação à infância. Ao ler os discursos das crianças, podemos perceber a utilização de valiosos argumentos usados para justificar ações e pensamentos. Em face disso, será possível ao adulto rever, se for o caso, percepções enganadoras e incompletas, como diz Montandon. A pesquisa estimula mudança nos procedimentos dos educadores a partir do momento que passem a considerar a criança como ativa no processo educativo. Em vez de uma postura unilateral, o adulto poderá esforçar-se para valorizar os pensamentos e sentimentos da criança, procurando colocar-se no lugar delas e não educar de maneira distante e apática.

Por último, porque o livro nos mostra a importância da dimensão afetiva na educação. As próprias crianças estão apontando para a valorização dessa dimensão. No cotidiano complexo que todos vivem, devido às necessidades sociais e econômicas que são impostas aos pais e professores, as crianças reclamam pelo afeto, pela compreensão e pela disponibilidade das pessoas que as educam. Este é um aspecto que deve ser ponto de reflexão de todos aqueles que educam.

Estes e outros motivos fazem da obra referência importante no campo educacional. A leitura do livro propicia conhecimento mais íntimo do comportamento infantil. Convém repetir, aqui, o reduzido número de trabalhos de educação que consideram o ponto de vista do educando como objeto de reflexão. Cabe a nós, educadores, defensores de uma prática pedagógica dialógica, desenvolvermos estudos sobre o porquê desse distanciamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 2001
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