EDITORIAL
Durante o ano de 1999, foram muitas e de diferentes matizes as discussões acerca do final do século (?) ou do milênio (?). Talvez por conta de tantos discursos controversos não tenhamos percebido o tempo passar, e hoje, sem polêmica, de fato estamos vivendo o final do milênio e o do século XX.
Mas, se por um lado essa questão é de relativa importância, pois como já afirmamos no editorial anterior essa cronologia é seguida apenas por uma parte da humanidade (aproximadamente 30%), por outro lado parece-nos que este é um momento interessante para avaliarmos o trajeto já percorrido. E neste olhar para trás, na nossa volta, é inevitável a perplexidade. Já conseguimos "vencer os monstros do oceano", como diria Bertolt Brecht. E mais, já conseguimos sair do planeta Terra e temos planos para, futuramente, promover viagens espaciais. Porém, ainda não conseguimos liberar o Homem da crueldade da fome ou evitar a morte de crianças provocada pela "inofensiva" diarréia.
Mas, ao exemplificar apenas com situações radicais, podemos deixar passar despercebidas as situações intermediárias que, em geral, não têm sido motivo de júbilo ou satisfação. Veja-se, por exemplo, a violência de toda ordem, atingindo a tudo e a todos indistintamente; a disseminação epidêmica do narcotráfico e, como corolário, a degeneração (biológica e social) do Homem. Enfim, construímos uma tecnologia que nos levou "por mares nunca dantes navegados", e com a mesma habilidade estamos esgarçando o tecido social e, nesse processo, implodindo as instituições constituídas, sem planos coletivos de reconstrução. Parece-nos que temos em mãos a Caixa de Pandora. Um verdadeiro presente de grego1. Sem ouvir a voz da razão, e deixando-nos guiar apenas pela vontade particular de cada um de nós, estamos, enquanto sociedade constituída, disseminando muita dor e muito desespero ao ser humano, apesar dos recursos, inimagináveis em outras épocas, que temos para evitá-los.
Nos limites da nossa possibilidade, Psicologia em Estudo, através de seus autores, tem entre suas metas contribuir para este tão necessário debate sobre os avanços, os obstáculos e os retrocessos no "caminhar da humanidade".
Cada autor, à sua maneira, vem abordando aspectos que, se cuidadosamente observados, com certeza podem auxiliar na árdua tarefa coletiva de correção dos rumos da sociedade. E este número não foge à regra. Assim, temos Jacques André com seu artigo O privilégio. As duas teorias freudianas do originário social faz uma análise da obra intitulada Totem e Tabu, de autoria de um dos revolucionários do pensamento contemporâneo: o velho e controvertido mestre Sigmundo Freud. Ainda no campo da discussão teórica, Rodrigo Sanches Peres, Elizabethe Cristina Borsonello e Wiliam Siqueira Peres recorrem a Machado de Assis, outro grande mestre, desta vez da literatura brasileira, para nos oferecerem o artigo A esquizoanálise e a produção da subjetividade. Considerações praticas e teóricas. E Adriano Rodrigues Mansanera e Lúcia Cecília da Silva nos apresentam o resultado de pesquisa A Influência das idéias higienistas no desenvolvimento da Psicologia no Brasil. Abordando temas mais recentes mas que tratam de problemas deveras antigos, temos os artigos Desenho da política dos direitos da criança e do adolescente, de Ailton José Morelli, Eliana Silvestre e Telma Maranho Gomes; Reforma psiquiátrica: um grande desafio, de autoria de Ernei de Souza; e Um olhar para mulheres idosas: relato de uma experiência de intervenção, de Marly Lamb, Meyre Eiras de Barros Pinto e Jeanette Monteiro De Cnop. E com o auxílio da psicanálise, Ocimar Aparecido Dacome, através de seu artigo Resistência ao trabalho interdisciplinar: uma possível interpretação, levanta algumas hipóteses sobre as dificuldades para a consolidação de uma equipe constituída de profissionais de diferentes especialidades.
Estas são dificuldades que, sob outra perspectiva, devem ser as mesmas que não nos possibilitam perceber que as transformações histórico-sociais não se fazem pelo desejo de cada indivíduo tomado isoladamente. E se temos a caixa de Pandora nas mãos, não necessariamente precisamos abri-la. Abrindo-a, temos necessidade de recuperarmos a inteligência que há entre nós. Em outra palavras, a voz da razão, da sensatez, que pode arrancar a esperança do jarro de Pandora.
Maria Lucia Boarini
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Mar 2011 -
Data do Fascículo
Mar 2000