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A inserção de adolescentes no mercado de trabalho através de uma ONG

The inclusion of adolescents of lower classes in the job market through an ONG

Resumos

Este artigo analisa a inserção de adolescentes entre 16 e 17 anos no mercado de trabalho através de uma ONG e discute as relações que eles mantêm com a família, com o trabalho e com a escola. A amostra é constituída por dez adolescentes de famílias de classes populares de Sertãozinho-SP, sendo cinco do sexo masculino e cinco do sexo feminino, cursando o ensino médio em escola pública. A análise dos dados, coletados através de entrevistas com os adolescentes, mostra a importância da ONG em sua formação profissional, na freqüência à escola e como mediadora na defesa de seus direitos, enquanto trabalhadores e cidadãos.

adolescentes; trabalho; ONG


This article analyzes the inclusion of 16 to 17-year-old adolescents in the work market by a non-governmental organization. It also discusses the kind of relationship they have with their families, work and school. The sample consisted of ten adolescents from low income class families living in Sertãozinho-SP. The subjects were 5 male and 5 female attending a public secondary school. Data were collected through interviews with the adolescents and their analysis evaluated the importance of the non-governmental organization in their professional education, school attendance and as a mediator in the defense of their rights as workers and citizens.

adolescents; work; ONG


ARTIGOS

A inserção de adolescentes no mercado de trabalho através de uma ONG1 1 Pesquisa realizada com apoio da Fapesp.

The inclusion of adolescents of lower classes in the job market through an ONG

Rosemeire Maria GuimarãesI; Geraldo RomanelliII

IMestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP

IIUniversidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Flamboyant, 94, Vila Carmem 03280-110, São Paulo-SP E-mail rosemag90@hotmail.com

RESUMO

Este artigo analisa a inserção de adolescentes entre 16 e 17 anos no mercado de trabalho através de uma ONG e discute as relações que eles mantêm com a família, com o trabalho e com a escola. A amostra é constituída por dez adolescentes de famílias de classes populares de Sertãozinho-SP, sendo cinco do sexo masculino e cinco do sexo feminino, cursando o ensino médio em escola pública. A análise dos dados, coletados através de entrevistas com os adolescentes, mostra a importância da ONG em sua formação profissional, na freqüência à escola e como mediadora na defesa de seus direitos, enquanto trabalhadores e cidadãos.

Palavras-chave: adolescentes, trabalho, ONG.

ABSTRACT

This article analyzes the inclusion of 16 to 17-year-old adolescents in the work market by a non-governmental organization. It also discusses the kind of relationship they have with their families, work and school. The sample consisted of ten adolescents from low income class families living in Sertãozinho-SP. The subjects were 5 male and 5 female attending a public secondary school. Data were collected through interviews with the adolescents and their analysis evaluated the importance of the non-governmental organization in their professional education, school attendance and as a mediator in the defense of their rights as workers and citizens.

Key words: adolescents, work, ONG.

INTRODUÇÃO

O trabalho de crianças e de adolescentes tem sido objeto de estudos que tratam do tema com enfoques teóricos distintos, os quais têm suscitado indagações em função das conseqüências que o trabalho acarreta no desenvolvimento psicológico e intelectual e na escolarização de crianças e adolescentes. Alguns estudos, dentre os quais os de Alvim e Valladares, 1988; Gomes, 1998; Passetti, 1991, discutiram e analisaram a legislação acerca do trabalho na infância e na adolescência até sua regulamentação atual com a criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

O ECA, lei federal de 13 de julho de 1990, criou condições para assegurar à criança e ao adolescente o cumprimento dos direitos presentes na Constituição de 1988, procurando defendê-los da exploração nas relações de trabalho. Para isso, entre outras medidas, o ECA estabeleceu distinção entre faixas etárias, levando em conta as diferentes fases de desenvolvimento. Considera criança quem tem até 12 anos incompletos e adolescentes, aqueles entre 12 e 18 anos. De acordo com o ECA, crianças e adolescentes são cidadãos e sujeitos de direito em fase de desenvolvimento e, por isso, não têm condições de fazer valer plenamente seus direitos ou a própria sobrevivência, necessitando da proteção da família e do Estado.

Essa proteção, que inclui a regulamentação da entrada no mercado de trabalho a partir de 16 anos, baseia-se:

num conjunto de regras e no estabelecimento de condições em que adolescentes podem trabalhar, tais como idade, horário de trabalho condizente com a possibilidade de freqüência à escola, assim como proibições quanto a trabalhos considerados insalubres e ao horário noturno, ambos tidos como prejudiciais ao crescimento e à saúde deste trabalhador (Alvim, 2001, p. 216).

Ao lado das medidas que regulamentam a inclusão de crianças e adolescentes no mercado de trabalho é importante considerar as condições sociais e econômicas em que vivem as famílias, tal como é apontado em pesquisa realizada pela Fundação SEADE, que ressalta a

necessidade de compreender melhor as condições efetivas em que vivem as famílias, instância em que especialmente se concretiza o exercício de direitos da população com menos de 18 anos (Seade, 1993, p. 3).

Nesse sentido, alguns estudos mostram como o trabalho de crianças e adolescentes é importante para ampliar os rendimentos dos pais e para assegurar a sobrevivência da família (Bilac, 1978; Fausto Neto 1982; Machado Neto, 1979 e 1980), bem como para impedir que os filhos fiquem ociosos “na rua” e para evitar seu envolvimento com o mundo da marginalidade, que envolve a possibilidade de consumo e de tráfico de drogas (Alves-Mazzotti, 2002; Alvim, 2001; Dauster, 1992). Por outro lado, o trabalho pode propiciar o amadurecimento psicológico e intelectual dos adolescentes (Mauro, 1995) e atuar como forma de socialização, que pode complementar a ação da escola (Dauster, 1992; Spósito, 1994). Além disso, a condição de produtor de rendimentos não resulta apenas da situação de pobreza, mas a busca por emprego está associada ao desejo de conquista de autonomia e de liberdade e também de consumo de bens que os pais não podem proporcionar (Cervini & Burger, 1991; Dauster, 1992; Madeira & Bercovich, 1992). Esses estudos indicam, portanto, que há diferentes motivações para o ingresso de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.

Não obstante, se o trabalho de crianças e adolescentes é, em certos casos, necessário para a sobrevivência de famílias das classes populares — mesmo quando resulta de outras motivações — não pode ser dissociado das conseqüências negativas que acarreta (Alvim, 2001; Gomes, 1998; Machado Neto, 1979; Seade, 1993). Dessa forma, o controle das condições em que ocorre o trabalho de crianças e adolescentes é tarefa relevante que tem sido assumida por algumas ONGs.

Este trabalho apresenta e discute dados de pesquisa sobre o trabalho de adolescentes acima de 16 anos, pertencentes a famílias de classes populares, e o modo de atuação de uma ONG na inclusão desse tipo de trabalhador no mercado formal de trabalho.

FAMÍLIAS DE CLASSES POPULARES E O TRABALHO DE FILHOS ADOLESCENTES

A família constitui instituição relevante no processo de reprodução social, que inclui a reprodução biológica e a tarefa de socialização, mediante a qual normas, valores e representações que organizam e dão sentido à vida social são transmitidos aos filhos.

Para realizar esse processo de reprodução, a família configura-se como grupo de convivência organizado por elementos culturais, no qual os interesses individuais de cada um de seus integrantes se conjugam com o interesse coletivo da unidade doméstica como um todo (Romanelli, 1995; Saraceno, 1997).

Enquanto grupo de convivência, a família organiza o consumo de bens materiais graças à cooperação econômica de seus componentes, que ocorre mediante a contribuição de ingressos monetários e também por meio da produção de valores de uso. A produção desses valores inclui tarefas domésticas, em geral realizadas por mulheres, as quais abrangem atividades como preparo de alimento, cuidados com as crianças, com a moradia e com a indumentária etc. (Durham, 1980).

Mas a família é grupo onde também se consomem bens simbólicos, isto é, representações diversas, pois é na unidade doméstica que “se concentram informações sobre a sociedade e onde se elabora a interpretação dessas informações” (Durham, 1980, p. 210).

Por isso, a vida doméstica não é meramente instância de reposição do instituído, mas configura-se como espaço de reelaboração das representações sobre a esfera pública, e envolve o modo como os indivíduos interpretam, dentre outros, o universo do trabalho, da política, do sistema educacional, da religião, do lazer. A convivência entre os integrantes da família é um processo de recriação tanto de representações quanto de formas de relacionamento e de busca de novas estratégias de sobrevivência para enfrentar dificuldades, como ocorre com famílias de classes populares.

Essas classes podem ser consideradas como constituídas pela população pobre dos centros urbanos, que vive em condições financeiras precárias, decorrentes da reduzida qualificação ocupacional e da baixa escolaridade de seus integrantes, que têm acesso limitado aos serviços públicos, como educação e saúde. (Romanelli, 1997)

A importância do rendimento do trabalho dos filhos para assegurar o consumo de bens e serviços necessários à sobrevivência e reprodução do grupo doméstico foi documentada em estudos sobre as classes populares (Bilac, 1978; Fausto Neto, 1982; Macedo, 1979; Machado Neto, 1979 e 1980). Esses estudos também apontam a importância que as famílias das classes populares atribuem à escolarização dos filhos, a qual resulta da representação que pais e filhos fazem da escola e do mercado de trabalho. Isto é, a possibilidade de se conseguir emprego e melhores colocações no interior das empresas está associada, nas representações da família, ao acesso ao ensino público — fundamental e médio — o que é considerado pelos integrantes da unidade doméstica como um direito social que o Estado tem obrigação de garantir a todo cidadão.

É nesse quadro de experiências vividas pelas famílias de classes populares que se pode situar a relação dos adolescentes — enquanto estudantes e trabalhadores, isto é, co-provedores do consumo doméstico — com o sistema de ensino e com o mercado de trabalho.

Como os antropólogos já demonstraram (Benedict, 1965), a adolescência não é vivida de um único modo em todas as sociedades. Embora não haja uniformidade quanto aos limites etários que delimitam a adolescência, ela é situada entre 12 e 18 anos, de acordo com o ECA, e entre 10 e 19 anos, como sugere a OMS — Organização Mundial de Saúde — (1975). A oscilação nesses limites deve-se ao fato de que o critério etário não pode ser tomado isoladamente para caracterizar essa fase, já que:

...nós sabemos hoje que as idades da vida, embora ancoradas no desenvolvimento bio-psíquico dos indivíduos, não são fenômeno puramente natural, mas social e histórico, datado, portanto, e inseparável do lento processo de constituição da modernidade, do ponto de vista do que ela implicou em termos de ação voluntária sobre os costumes e os comportamentos (Peralva, 1997, p. 15).

Deixando de lado o critério exclusivo da idade, pode-se considerar essa fase a partir da emergência de novas formas de sociabilidade dos adolescentes com diferentes esferas da vida social, quando passam a viver sentimentos conflitantes e procuram autonomia e independência diante dos pais e dos adultos e amparo no grupo de pares.

Nesse processo, caracterizado como um período de revisão, autocrítica e transformação, de vital importância para o desenvolvimento da personalidade (Coleman, 1979), o adolescente, lentamente, constrói sua identidade e, de simples espectador, assume postura mais questionadora e ativa em relação aos diferentes contextos sociais de que participa.

Nas sociedades capitalistas ocidentais a adolescência constitui uma fase de transição conturbada, que tende a prolongar-se, inclusive nos países economicamente mais desenvolvidos (Unesco, 1981). No Brasil, onde a desigualdade social convive com a diversidade cultural, a adolescência apresenta características específicas, que variam de acordo com a camada ou classe social, com o gênero, com o período histórico e com a cultura em que o adolescente está inserido (Alves-Mazzotti, 2002).

Para Blos (1962, conforme citado por Coleman, 1979), os adolescentes precisam viver experiências com iguais e, por isso, o grupo de pares pode suprir necessidades afetivas e de apoio. Nesses grupos, que são criados no bairro, na escola, no trabalho, em clubes, o adolescente pode experimentar emoções, além de estimulação, empatia, sensação de pertencimento, identificação, que são essenciais para seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, convivendo com pares, o adolescente adquire conhecimentos que nem sempre a família pode proporcionar e que se referem a novas formas de vivências dessa fase, sobretudo aquelas relacionadas à sexualidade.

Desse modo, a convivência no grupo de pares é importante para o adolescente aprender formas de sociabilidade próprias de sua idade, de seu gênero e de sua condição social, as quais irão nortear seu processo de busca de autonomia e de independência.

O adolescente brasileiro passa pelo processo de amadurecimento e de construção da identidade com dificuldade, pois em uma sociedade em intenso processo de transformação, valores tradicionais e renovadores convivem lado a lado, o que tende a dificultar sua transição para uma nova fase.

Nas famílias de classes populares, é na adolescência, se não desde a infância (Mauro, 1995), que os filhos são inseridos no mercado de trabalho, em função das dificuldades financeiras da família.

No ambiente de trabalho, apesar de estar submetido ao controle que os superiores exercem sobre suas atividades laborais, o adolescente também tem a oportunidade de conviver com iguais, isto é, com pares, e aprende a ordenar suas formas de sociabilidade e suas representações, o que amplia suas experiências e contribui para o processo de amadurecimento psicológico e intelectual. Com o trabalho remunerado, o adolescente conquista mais autonomia e, conseqüentemente, maior liberdade diante da autoridade dos pais ou responsáveis.

Todavia, “...o processo de profissionalização não pode impedir o jovem de estudar e, principalmente, não pode impedi-lo de construir um projeto de vida” (Vicente, 1994, p. 57).

OBJETIVO

O objetivo deste artigo é examinar como se dá a inclusão de adolescentes de famílias de classes populares no mercado de trabalho através da ADOT (Associação de Assistência e Proteção ao Trabalhador Adolescente) — uma organização não governamental — de Sertãozinho, no Estado de São Paulo, e as relações que esses adolescentes mantêm com a família, com o trabalho e com a escola.

O UNIVERSO DA PESQUISA

Os sujeitos que participaram da pesquisa foram dez adolescentes de famílias de classes populares, sendo cinco do sexo masculino e cinco do sexo feminino, na faixa etária entre 16 e 17 anos, inseridos no mercado de trabalho e cursando o ensino médio em escola pública, residentes em Sertãozinho e participantes de um projeto da ADOT, que visa conseguir emprego para adolescentes de ambos os sexos.

Os adolescentes foram selecionados a partir de uma relação fornecida por dirigentes da ADOT, que continha os nomes daqueles que faziam parte do programa dessa ONG. Em seguida, procedeu-se a um sorteio aleatório de dez adolescentes, com os quais se entrou em contato em suas residências. Como alguns não se dispuseram a participar da pesquisa, novos nomes foram selecionados de modo aleatório até se conseguir o total de adolescentes que foram entrevistados.

METODOLOGIA

No primeiro contato com os sujeitos (rapport), foi-lhes informado o objetivo da pesquisa e a duração média das entrevistas, e solicitou-se-lhes permissão para gravação daquelas Os adolescentes também foram esclarecidos acerca da natureza confidencial dos dados e de que não seriam identificados. Por isso, são fictícios os nomes dos sujeitos que aparecem junto aos depoimentos citados no item “Resultados e discussão”.

Inicialmente foi aplicado um pré-teste com a finalidade de se avaliar a adequação do roteiro de entrevista. Após a aplicação do pré-teste, o roteiro foi alterado para se alcançar o objetivo proposto. Procedeu-se, então, à realização das entrevistas, feitas nas casas dos adolescentes, com exceção de um informante que preferiu conceder a entrevista em casa de uma tia.

As entrevistas seguiram um roteiro semi-estruturado e foram gravadas e transcritas integralmente. O roteiro era composto por uma ficha de identificação referente a dados pessoais dos sujeitos e era seguido de questões relacionadas aos seguintes itens: relações com a família, com o trabalho, com a escola e com a ADOT.

Além das entrevistas, observações sobre o bairro onde os sujeitos residem, sobre sua moradia e sobre o modo como transcorreu a entrevista foram registradas em um diário de campo.

O MUNICÍPIO DE SERTÃOZINHO

Para situar o contexto social onde vivem os adolescentes apresentam-se alguns dados sobre a cidade de Sertãozinho-SP.

Sua população, em 1999, era de 92.657 habitantes (Seade, 2000). Fica a cerca de 305km da capital do estado e a 20 quilômetros de Ribeirão Preto, pólo comercial e de serviços de uma região composta por 16 municípios (Sebrae, 1995).

O desenvolvimento da cidade, fundada em meados de 1877, foi marcado por três momentos fundamentais, que determinaram a formação e a evolução de suas estruturas econômica, política, social e cultural, a saber: o ciclo do café, a formação da economia agroindustrial do açúcar e a instalação do Programa Nacional do Álcool — Proálcool.

A produção do café e da cana-de-açúcar destinava-se à exportação e à formação do capital agrário e agroindustrial e o Proálcool foi criado objetivando a substituição das importações de petróleo (Bezerra, 1998; Volpe, 1999).

Como o município foi fundado no período áureo da expansão do café, tornou-se rapidamente um dos pólos de produção e exportação desse produto, o que acarretou a expansão dos latifúndios e o declínio das pequenas propriedades. Com a decadência da cafeicultura, devido à crise na economia internacional em 1929, os fazendeiros retornaram à policultura, voltada para o mercado interno. Alguns latifúndios foram subdivididos e vendidos a colonos, o que acarretou a reformulação da estrutura fundiária da região, onde surgiram pequenos e médios proprietários de terra (Bezerra, 1998).

Quando a economia internacional retomou seu crescimento após a Segunda Guerra Mundial, o açúcar adquiriu destaque entre os produtos alimentícios, o que favoreceu o crescimento da agroindústria açucareira, que já vinha se desenvolvendo devido ao declínio do café. Os incentivos governamentais à cultura canavieira beneficiaram os grandes proprietários de terras e a monocultura voltou a predominar no município; só que, desta vez, a lavoura da cana-de-açúcar passou a comandar a economia agrária (Bezerra, 1998). Os pequenos proprietários de terra foram absorvidos ou subjugados pelos interesses do capital agroindustrial em poder dos usineiros, que se impuseram como categoria político-econômica nova e poderosa tanto no campo quanto na cidade (Volpe, 1999).

Diferentemente da produção do café, a agroindústria açucareira é mais complexa, pois exige diversidade de mão-de-obra, composta de agricultores e de operários. Com isso, foram criadas novas relações trabalhistas, já que, ao lado da mão-de-obra não qualificada para plantio e corte da cana, havia necessidade de profissionais qualificados e de especialistas para o trabalho nas usinas (Bezerra, 1998).

Aos antigos trabalhadores residentes nas fazendas somaram-se os bóias-frias, em boa parte migrantes originários de cidades vizinhas e até mesmo de outros estados (Bezerra, 1998; Silva, 1999; Volpe, 1999). Junto com essa categoria de trabalhadores surge também a figura do empreiteiro de mão-de-obra, ou seja, o “gato”, intermediário entre o usineiro e o trabalhador, que exerce o controle da disciplina e da produtividade desses trabalhadores.

Em razão das novas características da produção agrícola, criou-se também em Sertãozinho um setor industrial ligado à agroindústria açucareira, voltado para produção e reparo de máquinas e equipamentos para clientes tanto de outros municípios e estados, quanto de outros países. A ampliação do setor industrial acarretou aumento da urbanização, devido ao deslocamento da população rural para a cidade.

A partir da crise mundial do petróleo na década de 1970, o governo federal criou o Proálcool, com o objetivo de incrementar a produção nacional de álcool e de diminuir a importação de petróleo. Nessa nova fase da economia da cidade, ocorreu maior oferta de emprego e também melhoria da qualidade de vida, a qual não beneficiou do mesmo modo o conjunto da população, pois os trabalhadores das classes populares continuaram a viver em condições precárias (Bezerra, 1998).

Simultaneamente, a atuação do PT (Partido dos Trabalhadores) também começou a influir na mobilização política dos operários e surgiram grupos ligados ao partido que impulsionaram a criação das comissões de fábrica nas empresas metalúrgicas. Além dessa mobilização dos trabalhadores, outra forma de envolvimento político da população ocorreu com a criação e proliferação das associações de moradores de bairros, especialmente nos conjuntos habitacionais.

Assim, diversos setores da sociedade se uniram em grupos e buscaram melhoria na qualidade de vida, discutindo os problemas sociais locais. Para isso, reuniões, debates, assembléias conjuntas, dentre outros tipos de encontros, foram realizados.

Em 1990, os efeitos do Plano Collor agravaram as condições de vida dos sertanezinos e dos brasileiros. Entre as conseqüências negativas desse plano destacam-se: a orientação política neoliberal, a modernização produtiva, visando à redução de custos das empresas, a integração do país no processo de globalização, a privatização de empresas estatais, a profunda recessão econômica, que desencadeou demissões e redução de salários dos trabalhadores, e o seqüestro e congelamento de aplicações financeiras (Alves, 1996).

Como decorrência desse plano ocorreram demissões em massa de trabalhadores e o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sertãozinho buscou o apoio do Movimento MP (Ministério Público) Democrático para a contenção de demissões e promoção da negociação e do entendimento entre trabalhadores e empresários. Esse Movimento surgiu em Ribeirão Preto com um grupo de 50 promotores e estendeu sua atuação até Sertãozinho. Nesse momento, surge a idéia da criação de um “Pacto Social” na cidade (Volpe, 1999).

A ADOT (ASSOCIAÇÃO DE ASSISTÊNCIA E PROTEÇÃO AO ADOLESCENTE TRABALHADOR)

No período de dezembro de 1990 a junho de 1992, Sertãozinho viveu a experiência de um “Pacto Social”, quando se estabeleceu um processo de diálogo e negociação entre representantes do empresariado e dos trabalhadores, com a participação da comunidade através de algumas entidades sociais, sob a mediação do Movimento MP Democrático. O objetivo era tomar medidas práticas, emergenciais e cooperativas, de contenção aos efeitos que o Plano Collor vinha causando na economia local (Volpe, 1999).

Um dos itens do “Pacto Social” propunha evitar a exploração do trabalho infanto-juvenil, sobretudo na lavoura canavieira. Surgiu, assim, a idéia da criação de uma entidade, a ADOT, com o objetivo de avaliar as condições desse tipo de trabalho. Criada em 22 de outubro de 1991, a ADOT é uma Organização Não Governamental (ONG) que vem desenvolvendo seu trabalho junto a adolescentes das classes populares com o objetivo de dar-lhes formação técnico-profissional, orientação educacional, cultural e esportiva, defender seus direitos trabalhistas e previdenciários e controlar suas relações no trabalho, em conformidade com as disposições do ECA.

Uma das formas de atuação da ADOT tem sido a participação nas fiscalizações realizadas pelo Movimento MP Democrático, por sindicatos e pelo Ministério do Trabalho e Emprego em locais impróprios ao trabalho de adolescentes, principalmente em canaviais, já que se trata de trabalho perigoso, insalubre e penoso. Os adolescentes retirados do trabalho de corte da cana são encaminhados à ADOT, que tem a função de orientá-los, reencaminhá-los à escola e inseri-los em trabalho adequado a sua condição.

Junto a desgastes físicos que afetam o trabalhador da lavoura de cana-de-açúcar, provocados pela exposição a agrotóxicos e intoxicação, pelos efeitos negativos de mudanças climáticas, por acidentes de trabalho etc., o corte da cana exige uma seqüência ritmada de movimentos corporais que acaba por debilitar mais ainda a saúde, já que esses movimentos são repetitivos, monótonos e automatizados (Alessi & Navarro, 1997). A realização diária dessas atividades também pode provocar lesões irreversíveis e

doenças, com conseqüências negativas sobre o desenvolvimento físico, psicológico e social dos adolescentes.

O número de adolescentes que trabalha em canaviais vem diminuindo desde a safra de 1994. Nesta data, de 37.421 empregados no corte da cana, 5% eram adolescentes. Em 1995, a porcentagem caiu para 2,5% do total da força de trabalho contratada, que era de 33.385 trabalhadores. Já durante a safra do ano seguinte, a quantidade de adolescentes nessas atividades foi estatisticamente irrelevante, e em 1997 e 1998 nenhum deles foi encontrado trabalhando nos canaviais da região de Ribeirão Preto (Volpe, 1999).

Como a luta contra o trabalho de crianças e adolescentes no corte da cana está sendo bem-sucedida, o novo desafio que se impõe à ADOT refere-se ao trabalho urbano dos adolescentes e a sua escolarização. Num momento em que a escolaridade é condição indispensável para o ingresso no mercado de trabalho e para o exercício da cidadania, a ADOT procura oferecer formação técnico-profissional e orientação educacional para poder inserir adolescentes de ambos os sexos no mercado de trabalho. Essa preocupação com a escolarização dos adolescentes torna-se mais relevante quando se considera que entre alunos das classes populares registram-se os mais elevados índices tanto de analfabetismo quanto de reprovação e evasão escolares (Zago, 2000).

Para fazer face a essa situação a ADOT oferece os seguintes programas: Programa de Formação para a Cidadania, Qualificação, Proteção e Inserção do Adolescente no Mercado de Trabalho; Brasil Criança Cidadã e Fala Brasil.

O primeiro programa promove cursos de treinamento e qualificação técnica para capacitar os adolescentes a ingressarem no mercado de trabalho através de convênio com a Escola Técnica Federal de São Paulo (ETFSP), localizada em Sertãozinho. Esse programa oferece os seguintes cursos: Formação da Cidadania, Datilografia, Computação, Desenho, Processamento de Dados, Língua Portuguesa, Secretariado, Eletrônica, Eletricidade e Torneiro Mecânico. O segundo programa recebe subsídio do Governo Federal e tem como meta oferecer reforço escolar e complementação à educação formal com atividades artísticas como artes plásticas, jogos, teatro, música, dança etc., a crianças de 7 a 12 anos que tenham dificuldade de acompanhamento e/ou que estejam evadidas das escolas. Já o programa Fala Brasil dá prioridade a adolescentes de 14 a 17 anos e onze meses saídos do corte da cana-de-açúcar, proporcionando-lhes treinamento profissional, acesso a cursos — como Radiodifusão, Preparação para a Cidadania, Dicção Vocal, Educação Física, Língua Portuguesa — , mediante o fornecimento de bolsas escolares, além da implantação de atividades para melhorar a renda familiar (Volpe, 1999).

Os adolescentes tornam-se candidatos ao mercado de trabalho após terem passado pelo primeiro programa da ADOT, que, através do setor de Serviço Social, entra em contato com as empresas para expor o programa da entidade, as disposições do ECA e as condições de trabalho. O Serviço Social também leva em conta o desejo do candidato e seu perfil, que precisa ser adequado para o desempenho da função oferecida pela empresa (Volpe, 1999).

A empresa que os emprega mantém um contrato de prestação de serviço com a ADOT, segundo o qual a primeira pagará mensalmente à segunda um salário-mínimo, a ser repassado ao adolescente, além de arcar com todos os encargos sociais e com o pagamento de 10% de um salário-mínimo para a manutenção da ONG. O contrato ainda estipula que os adolescentes serão submetidos a exame médico antes da admissão na empresa, terão registro em carteira de trabalho, direitos previdenciários garantidos e seguro de vida (Volpe, 1999).

O Serviço Social tem ainda outras atribuições. Entra em contato com empresas para abertura de novas vagas para seu público, desenvolve trabalho junto às escolas através de palestras, participa de fóruns regionais com o intuito da erradicação do trabalho infantil e na formação de Conselhos Municipais; e também serve de canal de veiculação de informações sobre o ECA para os adolescentes, para seus familiares e para o empresariado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados apresentados a seguir têm como objetivo apreender as motivações dos adolescentes para ingressarem no mercado de trabalho, as relações que eles mantêm com o trabalho e com a escola e as formas de atuação da ADOT.

Dos dez adolescentes estudados, seis começaram a trabalhar com 15 anos de idade, dois com 14 anos e outros dois com 16 anos. É importante esclarecer que o ingresso no mercado de trabalho antes de 16 anos foi feito por iniciativa dos adolescentes, sem a mediação da ADOT.

A idade de ingresso em atividades produtoras de rendimento, por volta de 15 anos, coincide com dados de outras pesquisas sobre famílias das classes populares (Alvim, 2001; Bilac, 1978; Fausto Neto, 1982; Macedo, 1979) e corresponde, de modo geral, ao término do ensino fundamental e à entrada no ensino médio. Nessas famílias, essa fase de transição no plano escolar tende a funcionar como divisor que marca o início de nova etapa na relação entre pais e filhos. Os genitores das classes populares acreditam ter cumprido a obrigação de oferecer aos filhos o máximo de escolaridade possível, mantendo-os, enquanto podiam, apenas como estudantes, durante o ensino fundamental. A partir dessa idade, os filhos devem começar a trabalhar para arcarem com gastos pessoais e, eventualmente, para contribuírem com as despesas domésticas. A continuidade da escolarização, com a entrada no ensino médio, que os pais incentivam, fica a cargo dos próprios filhos, que devem conciliá-la com o trabalho (Romanelli, 2000).

A integração no sistema produtivo nessa faixa etária está associada às condições financeiras da família, que impelem os filhos a produzirem rendimentos, seja para contribuir diretamente com os gastos domésticos, seja para cobrir suas despesas pessoais.

Em primeiro lugar, a necessidade de contribuírem para o orçamento doméstico é premente em algumas famílias, o que transparece em algumas falas, como na de Jorge: “Ai... eu acho que comecei a trabalhar por necessidade”, e na de Helena: “Ah, comecei mais porque eu precisava, preciso, né”.

Os rendimentos desses adolescentes, em parte destinados ao consumo da família, os convertem em co-responsáveis pela sobrevivência do grupo doméstico, sobretudo quando o pai está desempregado, o que fragiliza a situação financeira familiar, tornando mais instável a convivência doméstica.

Em outros casos, a colaboração financeira dos filhos não é tão urgente, mas a busca de trabalho está associada ao anseio de conquistar autonomia financeira e ao desejo de consumir bens revestidos de valor simbólico, como roupas, calçados e mesmo atividades de lazer que os pais não podem suprir.

“Ah, muito assim é porque eu queria ter o meu dinheiro assim... queria ser... ter independência... queria sair, tinha que pedir dinheiro pro meu pai... pai não tem, eu não posso ir... então eu queria ter o meu dinheiro, né... “ (Gabriel)

“Ah... pra ter seu próprio dinheiro, comprar suas próprias coisas, não ter de depender assim... da sua mãe e do seu pai... (...) por isso que eu quis começar a trabalhar”. (Laila)

A contribuição para a renda doméstica ocorre também através do salário indireto, como é o caso de Paula, que concorre a sorteio de cesta básica todo mês:

“(...) porque lá onde eu trabalho, além do salário que a ADOT me paga, eu concorro todo mês a uma cesta básica. É... se não falta do trabalho tal... cumprir o horário certinho. Então, é... esse mês só que eu não peguei porque eu fiquei doente, tive que faltar um dia, mas os outros meses, o ano inteiro...consegui a cesta básica” .

Mesmo trabalhando fora, as adolescentes ajudam no serviço doméstico, ainda que seja nos fins de semana. “Aqui? Eu limpo casa, às vezes eu passo roupa pra minha mãe... faço tudo aqui também” (Laila). A ajuda dos rapazes nas tarefas domésticas é menor e inclui alguns itens, como recolher o lixo e colocá-lo para fora, lavar o quintal ou arrumar o próprio quarto.

O fato de as adolescentes auxiliarem suas mães, ou mesmo substituírem-nas nas tarefas domésticas — como preparo da alimentação, cuidados com irmãos menores e outras atividades ligadas ao contexto familiar — leva-as à procura de empregos associados a essas tarefas, em especial no setor informal, portanto, sem direitos trabalhistas, como babás ou empregadas domésticas. Desse modo, a identidade de gênero feminina, construída — como a masculina — sobretudo na família, está vinculada à realização de trabalhos domésticos e é reposta no âmbito das relações de trabalho.

O caso de Laila corrobora os estudos sobre educação para o trabalho segundo o gênero (Lavinas, 1997; Machado Neto, 1980), pois seu primeiro emprego foi como babá, conseguido por intermédio da mãe, que é doméstica.

É importante ressaltar que os afazeres realizados em casa juntam-se ao trabalho e às tarefas escolares, reduzindo o tempo livre dos adolescentes para atividades de lazer. Mais ainda, a produção de valores de uso pelos filhos contribui para reduzir os gastos domésticos e para diminuir o trabalho das mães e constitui uma estratégia de sobrevivência presente em famílias das classes populares (Agier, 1990; Fausto Neto, 1982).

Mas além da necessidade financeira imediata, outra motivação para entrar no mercado de trabalho é dada pelo exemplo dos irmãos que já trabalham. Nesse caso, manifesta-se o desejo de conquistar uma posição de autonomia e de responsabilidade semelhante à dos irmãos e de equiparar-se a eles, já que são independentes dos pais e colaboradores das despesas familiares. É o que ocorre com Fernando, que toma a iniciativa de procurar emprego:

“Bom, eu tinha vontade de trabalhar porque eu não gostava de ficar em casa sem fazer nada. Primeira coisa quando eu estava em casa, eu falava: 'Nossa! Em casa aqui, só eu que não trabalho'. Aí eu falei: 'Não. Vou atrás de emprego.'. Fui lá e coloquei o meu nome na ADOT. Fui atrás, né... Aí eu falei: 'Bom, né... agora dá pra eu ajudar em casa, pra ter o meu dinheiro pra comprar roupa também, né...' eu fui atrás de trabalhar... porque eu também não gostava de ficar parado...”

Não obstante, é necessário considerar que o ingresso dos adolescentes no mercado de trabalho não se dá apenas por causa da necessidade de prestar ajuda financeira à família, mas resulta também do significado simbólico positivo atribuído ao trabalho, que se opõe ao ócio, como aparece na fala de Fernando, transcrita acima. De fato, as famílias das classes populares socializam os filhos para considerarem o trabalho como algo natural, isto é, algo que faz parte da rotina da existência (Dauster, 1992; Romanelli, 1997).

As atividades exercidas pelos adolescentes concentram-se basicamente no setor de serviços. Quatro sujeitos do sexo feminino desempenham a função de recepcionista e outra exerce função manual, como montadora de placas. Dentre os adolescentes do sexo masculino, quatro também encontram-se no setor de serviços: um é office-boy, um é ajudante de projetista, outro é analista de sistemas e o quarto trabalha no setor de vendas. Apenas um, montador elétrico, é trabalhador manual.

A relação com o trabalho é considerada satisfatória em alguns aspectos, pois os sujeitos afirmam que são respeitados e gostam das tarefas que desempenham. Mas, por outro lado, declaram-se insatisfeitos com o valor da remuneração, que é de um salário-mínimo, como é o caso de Beatriz, que contribui para os gastos familiares e tem dificuldade para cobrir as despesas pessoais:

“(...) agora que o pai está desempregado, não, né... a gente não tira para os gastos pessoais , porque a gente só ganha um salário, cada uma. Então não tem como tirar”.

Quanto às funções que desempenham, somente Valquíria, que é montadora de placas, declara-se insatisfeita:

“(...) é um trabalho... muito repetitivo (...) eu não gosto... muito... que nem... em questão de montar placa, não é ruim... mas no caso, é uma profissão assim... você sabe que nunca vai subir na vida, você não vai aprender nada... só vai aprender ali...”

Para que o adolescente seja integrado ao programa da ADOT, é necessário estar matriculado e freqüentando escola regularmente, já que a idéia básica de profissionalização contida no ECA é que ela se dará integrada ao sistema de educação, para formar o técnico e o cidadão.

Semestralmente as escolas enviam à assistente social da ADOT um controle da freqüência escolar e das notas dos alunos. Também as empresas que contratam os adolescentes contam com um funcionário que acompanha o desempenho e a conduta dos mesmos no trabalho e transmite esses dados à ADOT.

Todos os adolescentes declaram que estão muito satisfeitos com a atuação da ADOT e concordam que a manutenção do emprego esteja ligada à freqüência escolar. O aspecto positivo da ONG é expresso por todos e um deles chega a considerá-la como segunda casa.

“A ADOT é... como uma segunda casa pra mim, porque foi lá que eu consegui emprego, né... Se não fosse eles abrir esse caminho... as vezes, né... porque agora de menor é difícil eles pegar pra trabalhar, né... em outro lugar... se não fosse eles... não sei... as vezes... poderia até trabalhar mas, não sei... lá eles ajudam muito as pessoas... os menores... uma casa boa.” (Fernando)

De fato, os adolescentes procuram a ADOT , em primeiro lugar, com o intuito de obter colocação no mercado de trabalho e, em segundo lugar, buscando qualificação profissional.

Ao completarem 18 anos, cessa o contrato dos adolescentes com a ADOT e com a empresa onde trabalham. Mas, como acontece em 80% dos casos (Volpe, 1999), eles podem ser readmitidos diretamente pela empresa e, às vezes, conseguem um salário maior. Por isso, quando atingem essa idade, os entrevistados sentem medo de perder o emprego, já que a empresa pode decidir contratar outro adolescente pelo valor de um salário-mínimo ao invés de negociar um salário maior com eles, como consta do depoimento a seguir:

“Aí, eles costumam falar um mês, uma semana antes... depende deles mesmo. (...) Ah! A gente fica preocupada né?, porque... já acostumei lá, com o pessoal, tal... aí você fica naquela...” (Paula)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de o ECA ter regulamentado o trabalho infanto-juvenil e da atuação de ONGs, do Ministério Público e de Conselhos Tutelares dedicados a aplicar a legislação do ECA contra a exploração desse tipo de atividade, o ingresso precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho, sobretudo no setor informal, continua presente na sociedade brasileira. Mesmo dispondo-se de instrumentos legais para controlar esse tipo de trabalho, são grandes as dificuldades para pôr em prática essas determinações (Alves-Mazzotti, 2002; Alvim, 2001).

As condições de pobreza de famílias das classes populares não justificam o trabalho antes dos 16 anos, a não ser nos casos previstos pela lei — como o de aprendiz — mas que são também bastante difíceis de serem controlados (Alvim, 2001). A raiz do problema não está no fato de as famílias, muitas vezes, estimularem — ou até exigirem — que seus filhos comecem a trabalhar abaixo da idade determinada pelo ECA. De fato, a questão fundamental não reside no plano microestrutural da vida doméstica, mas situa-se na esfera macroestrutural da distribuição desigual da renda, que coloca inúmeras famílias abaixo da linha de pobreza.

Não obstante, mesmo para adolescentes acima de 16 anos — idade mínima para o exercício do trabalho — há limites estabelecidos pelo ECA e cabe às ONGs, juntamente com outras entidades, exercer vigilância sobre o trabalho desses adolescentes para assegurar que tenham seus direitos garantidos.

Para os adolescentes estudados, o trabalho pode ser motivo de “amadurecimento precoce”, principalmente devido às responsabilidades da atividade laboral, da busca por independência, que também acarreta autonomia em suas decisões, e, sobretudo, pelo fato de se tornarem co-provedores das despesas familiares.

A expansão das ONGs nos anos 1990 fez com que estas se tornassem quase que substitutas dos movimentos sociais da década anterior (Gohn, 1997). Na América Latina, particularmente no Brasil, nas últimas três décadas as ONGs vêm lutando de inúmeras formas pela defesa da cidadania (Scherer-Warren, 1999).

É nesse sentido que a atuação da ADOT contribui para evitar a exploração do trabalho dos adolescentes e, ao mesmo tempo, a exigência de freqüência à escola, necessária para a manutenção do emprego, bem como os cursos oferecidos por essa ONG podem ampliar a qualificação dos adolescentes e a consciência dos direitos que têm em relação à educação e ao trabalho, contribuindo para o exercício da cidadania.

Recebido em 24/04/2002

Revisado em 10/10/2002

Aceito em 30/10/2002

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    Pesquisa realizada com apoio da Fapesp.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      30 Out 2002
    • Revisado
      10 Out 2002
    • Recebido
      24 Abr 2002
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