Open-access Tratamento cirúrgico da cifose patológica

Resumos

Foram estudados 13 pacientes com cifose patológica de diferentes etiologias (Doença de Scheuermann, espondilite anquilosante, congênita, tuberculose vertebral, sequela de laminectomia e síndrome de Morquio), que foram submetidos ao tratamento cirúrgico. A cifose pré-operatória variou de 75 a 100 graus (média 73,3 graus) e a média dos valores após o tratamento cirúrgico foi de 42,3 graus. O tipo de tratamento realizado estava relacionado com as características da cifose (raio longo ou curto, flexibilidade e magnitude), e são apresentadas as diferentes técnicas e filosofia de tratamento dos autores para o tratamento cirúrgico dessa modalidade de deformidade vertebral.

Deformidade vertebral; Cifose vertebral; Tratamento cirúrgico da cifose


Thirteen patients with pathologic kyphosis from different ethiologies (Scheuermann's disease, ankylosing spondilitis, congenital, vertebral tuberculosis, post laminectomy and Morquio's syndrome) who underwent surgical treatment were studied. Preoperative kyphosis ranged from 75° to 100° (average 73.3°) and postoperatively averaged 42.3°. The treatment performed was based on kyphosis characteristics (long or short radius, flexibility, magnitude). The different techniques are presented as well as authors' philosophy for surgical treatment of this kind of vertebral deformity.

Spinal deformity; Kyphosis; Surgical treatment


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da cifose patológica

Helton Luiz Aparecido DefinoI; Andrés Edgard Rodriguez-FuentesII; Flávio P. PiolaIII

IProfessor Associado

IIProfessor Doutor

IIIMédico Adido

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP Av. Bandeirantes, 3900 Ribeirão Preto - SP - Brasil - Cep: 14049-900 Fone: (16) 602-3000 E-mail - hladefin@fmrp.usp.br

RESUMO

Foram estudados 13 pacientes com cifose patológica de diferentes etiologias (Doença de Scheuermann, espondilite anquilosante, congênita, tuberculose vertebral, sequela de laminectomia e síndrome de Morquio), que foram submetidos ao tratamento cirúrgico.

A cifose pré-operatória variou de 75 a 100 graus (média 73,3 graus) e a média dos valores após o tratamento cirúrgico foi de 42,3 graus.

O tipo de tratamento realizado estava relacionado com as características da cifose (raio longo ou curto, flexibilidade e magnitude), e são apresentadas as diferentes técnicas e filosofia de tratamento dos autores para o tratamento cirúrgico dessa modalidade de deformidade vertebral.

Descritores: Deformidade vertebral; Cifose vertebral; Tratamento cirúrgico da cifose

INTRODUÇÃO

A coluna vertebral apresenta 4 curvaturas no plano sagital (lordose cervical, cifose torácica, lordose lombar e cifose sacro-coccígea), que são balanceadas e cuja presença tem sido interpretada sob o ponto de vista biomecânico, como possuindo o objetivo de aumentar a resistência mecânica da coluna vertebral, aumentar a sua capacidade de absorção de choques e também a sua flexibilidade(1,3).

Existe muita controvérsia com relação aos limites da normalidade das curvas sagitais da coluna lombar. Na coluna torácica os valores acima de 50 a 55 graus são considerados como deformidade cifótica, e na coluna cervical ou lombar, qualquer curvatura de angulação dorsal pode ser considerada como cifose patológica.(2,4,9)

A etiologia da cifose patológica abrange um grande número de doenças (congênitas, distúrbios do crescimento, trauma, tumores, processos infecciosos, degenerativas ou iatrogênicas) que alteram a biomecânica da coluna vertebral nas suas funções básicas. (Figura 1). Os elementos da parte anterior da coluna vertebral (corpo vertebral e disco intervertebral) resistem às forças de compressão, e os elementos posteriores (lâmina, articulações, ligamentos supra e interespinhoso) resistem às forças de tração. A deformidade cifótica ocorre quando a coluna vertebral é incapaz de resistir a uma ou ambas as forças (compressão ou tração)(10,11).


O tratamento da cifose patológica é cirúrgico, com exceção da Doença de Scheuermann com valores angulares abaixo de 70 a 75 graus, que apresenta bons resultados com o tratamento conservador(6). O tipo de tratamento cirúrgico empregado no tratamento da cifose patológica está intimamente relacionado às características biomecânicas e morfopatológicas da deformidade, e também à presença de compressão das estruturas nervosas, existindo muitas opções técnicas para resolver esse problema(5,6).

O objetivo desse trabalho é apresentar os resultados do tratamento cirúrgico da cifose patológica de diferentes etiologias, com base em parâmetros clínicos e radiológicos de avaliação, e ilustrar os métodos de tratamento cirúrgico que temos utilizado.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram avaliados 13 pacientes que apresentavam cifose patológica de diferentes etiologias e que foram submetidos ao tratamento cirúrgico no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.

As características gerais dos pacientes estão ilustradas na (Tabela 1). A cifose patológica era devido à Doença de Scheuermann em 5 pacientes, espondilite anquilosante em 3, congênita em 2, tuberculose vertebral em 1, seqüela de lâminectomia para remoção de tumor de origem neural em 1, e Síndrome de Mórquio em 1 paciente.A idade dos pacientes variou de 9 a 60 anos (média 24 anos), e 6 eram do sexo masculino e 7 do sexo feminino.A deformidade estavalocalizada na coluna torácica em 3 pacientes e na coluna tóraco-lombar em 10 pacientes.

O grau de cifose pré-operatória variou de 75 a 100 graus (média 73,3 graus) no grupo de pacientes estudados. Na coluna torácica a cifose variou de 75 a 100 graus e na coluna tóraco-lombar de 45 a 88 graus. A deformidade era rígida em 4 pacientes e flexível nos outros 9. Dois pacientes apresentavam déficit neurológico (paresia de membros inferiores acompanhada de sinais de liberação piramidal)(Figura 4).




O tipo de tratamento realizado estava relacionado com as características da cifose (raio longo ou curto, flexibilidade e magnitude). Nas curvas de raio longo e flexíveis era inicialmente realizada a instrumentação e artrodese posterior, seguida de artrodese anterior, enquanto que nas curvas de raio longo e rígidas, inicialmente era realizada a liberação e artrodese anterior, seguida da instrumentação e artrodese posterior(Figura 1). Nos pacientes portadores de espondilitite anquilosante foi realizada a osteotomia posterior uni ou multisegmentar, seguida de fixação e artrodes posterior (Figura 2). A osteotomia posterior acompanhada de fixação e artrodese, segundo a técnica(7), foi realizada em 1 paciente com doença de Scheuermann. (Figura 3)

Nas curvas de raio curto com cifose angular e rígida, inicialmente era realizada a liberação anterior e descompressão das estruturas nervosas quando necessário, seguida da artrodese anterior e posterior, tendo sido realizada a fixação posterior quando as condições do tecido ósseo permitia.

Nas curvas rígidas e nas quais havia a intenção da correção angular, o tratamento era realizado em 3 etapas, tendo sido iniciado pela liberação posterior, seguido da liberação e artrodese anterior, e fixação e artrodese posterior. (Figuras 4 e 5)


A instrumentação posterior foi utilizada em 11 pacientes, tendo sido utilizado sistema de parafusos pediculares (sistema USIS) em 6 pacientes; sistema de ganchos e parafusos pediculares (Cotrel-Dubousset) em 5 pacientes. Em 2 pacientes não foi utilizado sistema de fixação, tendo sido realizada somente a artrodese anterior em 1 paciente e descompressão e artrodese anterior associada com artrodese posterior no outro paciente.

A artrodese anterior foi realizada em 6 pacientes, tendo sido utilizado enxerto córtico-esponjoso em 4 pacientes e da fíbula em 3.

No período pós-operatório 4 pacientes não utilizaram imobilização, 8 utilizaram colete gessado e 1 paciente colete de Jewett, por um período que variou de 3 a 9 meses (média 4,7 meses).

Os principais parâmetros avaliados nesse grupo de pacientes estudados foram à correção radiográfica da deformidade e a sua manutenção durante o seguimento dos pacientes, a integração do enxerto ósseo, a melhora do quadro neurológico e a melhora do aspecto estético.

RESULTADOS

Os pacientes foram seguidos por um período que variou de 12 a 36 meses (média 23,5 meses).

A correção radiográfica da deformidade ocorreu em 11 dos 13 pacientes, e a cifose média no pré-operatório que era de 73,3 graus, passou para 42,3 graus no pós-operatório. A correção da cifose não foi observada em um paciente portador de Síndrome de Morquio em que foi realizada somente a artrodese anterior e em outro paciente que apresentava compressão medular e foi realizada a descompressão anterior, associada a artrodese posterior sem instrumentação, devido às condições do tecido ósseo . Nos demais pacientes foi observado importante correção da deformidade, que estava diretamente relacionada à flexibilidade da deformidade, liberação dos tecidos envolvidos na deformidade e instrumentação do segmento vertebral envolvido (Figuras 6 e 7).A manutenção da correção da deformidade tem sido observada nos pacientes, e perda de cerca de 5 graus foi observada em 4 pacientes, sem apresentar qualquer repercussão no resultado do tratamento.



Foi observado remissão do déficit neurológico após a descompressão do canal vertebral nos 2 pacientes que apresentavam paresia dos membros inferiores acompanhada de sinais de liberação piramidal.

As complicações observadas foram infecção superficial em 1 paciente, infecção profunda em 1 paciente, quebra de parafuso pedicular em 1 paciente, soltura dos implantes e perda da correção em 1 paciente (Figura 2) e dor no local da retirada do enxerto ósseo do ilíaco em 2 pacientes.

Após a realização do tratamento cirúrgico os pacientes eram capazes de exercer suas atividades profissionais de modo pleno, e a limitação funcional que foi observada em alguns, estava relacionada à doença de base co-mo a espondilite anquilosante ou síndrome de Morquio. Nos demais, após o tratamento cirúrgico os pacientes realizavam suas atividades profissionais, e existia uma satisfação com relação à correção da deformidade.

DISCUSSÃO

Esse estudo é composto por um grupo heterogêneo de pacientes portadores de cifose, e foi nosso objetivo principal apresentar alguns aspectos dessa modalidade de deformidade da coluna vertebral, associada à nossa filosofia atual de tratamento, que está diretamente relacionada às variáveis presentes nessa deformidade, como a flexibilidade, raio da curva e presença de déficit neurológico.

A cifose patológica é a expressão clínica e radiográfica de um grupo heterogêneo de doenças que atingem a coluna vertebral, e devido à falha da capacidade de suporte da porção anterior da coluna vertebral ou perda da resistência dos elementos posteriores aos esforços de tração, que podem ocorrer isoladamente ou em conjunto, resultam em deformidade progressiva da coluna vertebral, acompanhada algumas vezes de déficit neurológico pela compressão dos tecidos nervosos no interior do canal vertebral. À medida que a cifose progride, o eixo de suporte do peso do corpo desloca-se anteriormente, aumentando a tendência de progressão da cifose, e formando um círculo vicioso, que pode ser somente interrompido com a restauração do equilíbrio sagital da coluna vertebral.(1,8)

A compreensão do conceito do equilíbrio sagital da coluna vertebral e dos aspectos biomecânicos presentes nesse tipo de deformidade são fundamentais na elaboração do seu tratamento, que deve ainda considerar a "personalidade" da cifose, analisando a sua magnitude, raio, flexibilidade e presença de compressão das estruturas nervosas adjacentes.(5,6,10)

O maior grupo de pacientes nessa série, e também de nossa experiência com o tratamento cirúrgico, é representado pela cifose presente na doença de Scheuermann, cujo conceito de tratamento cirúrgico clássico recomenda a liberação das estruturas anteriores e colocação de enxerto entre os corpos vertebrais, associado a artrodese e instrumentação posterior, que permite a correção da deformidade em níveis altamente satisfatórios, como relatado pela literatura e observado em nossos pacientes.(5,6) Nessa modalidade de cifose o tratamento inovador relatado nos últimos anos é o descrito(7), que preconizam somente a abordagem poste-rior da deformidade, obtendo a correção da deformidade por meio da osteotomia posterior em vários níveis da coluna vertebral, associado à instrumentação e artrodese posterior. Essa técnica não é muito difundida em nosso meio, e apesar de nossa limitada experiência com a mesma, ela nos parece promissora, e acreditamos que sua grande vantagem consiste na realização de um procedimento único, sem a necessidade da abertura do tórax, ainda que esse procedimento possa ser realizado por via endoscópica no momento.

Nos pacientes portadores de espondilite anquilosante percebemos na literatura atual a tendência da realização de osteotomia de subtração em um único nível vertebral(5,6), porém a realização de osteotomias múltiplas tem alcançado resultados muito satisfatórios em nossos pacientes, e temos preferido esse tipo de osteotomia nas situações em que os discos intervertebrais não estão anquilosados, reservando a indicação da osteotomia de subtração com ressecção do pedículo vertebral para as situações nas quais os discos intervertebrais estão anquilosados.

O desenvolvimento de novos sistemas de fixação vertebral tem possibilitado a melhor correção e manuseio da deformidade cifótica, desde que a natureza do tecido ósseo e outras variáveis relacionadas à rigidez da deformidade permitam a sua aplicação. Em algumas situações é possível a obtenção de correção da deformidade por meio da liberação posterior prévia, o que resulta na realização de 3 tempos cirúrgicos, como ilustrado no paciente da (Figura 4) . A adoção dessa conduta depende da filosofia de tratamento do cirurgião e do objetivo a ser alcançado no tratamento. Acreditamos que seja válida a realização de um tratamento mais complexo para a obtenção de melhores resultados estéticos, mas devemos reconhecer as situações nas quais a correção da deformidade pode aumentar a morbidade e o risco do tratamento, na qual o tratamento realizado deve ser realizado com o objetivo principal de recuperação do déficit neurológico e bloqueio da progressão da deformidade.

Com a disponibilidade dos novos sistemas de fixação, técnicas cirúrgicas, anestésicas e utilização do potencial evocado durante a cirurgia, os limites da correção e objetivos do tratamento estarão muito relacionados com a filosofia de tratamento e domínio das técnicas de correção, e somente os resultados a longo prazo com o emprego dessas técnicas permitiram a confirmação das melhores opções de tratamento dessa modalidade de deformidade vertebral.

Trabalho recebido em 25/02/2000. Aprovado em 27/11/2001

*Trabalho realizado no Departamento de Biomecânica, Reabilitação e Medicina do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.

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  • Endereço para correspondência
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2002

    Histórico

    • Recebido
      25 Fev 2000
    • Aceito
      27 Nov 2001
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