Resumos
No momento, as medicações aprovadas para tratamento da osteoporose agem reduzindo a taxa de perda óssea e diminuindo a reabsorção óssea. A teriparatida é um fragmento recombinante sintético de 34 aminoácidos do hormônio paratireóide humano. A teriparatida se liga ao receptor de PTH da proteína G e estimula a formação e a ação dos osteoblastos, que são as células responsáveis pela formação dos ossos. Assim, a principal diferença entre o tratamento da osteoporose com teriparatida e o tratamento anti-reabsorção é que a teriparatida promove o crescimento de osso novo. Em estudos pré-clínicos, o uso intermitente de PTH foi associado com um aumento significativo da massa óssea gradeada em diversos locais. A exposição intermitente ao PTH durante 4 a 6 semanas em modelos de animais ovariectomizados leva a um aumento da espessura do osso gradeado. Há estudos clínicos que mostram que a teriparatida aumenta significativamente a densidade óssea e diminui a incidência de fraturas osteoporóticas vertebrais e não-vertebrais nas mulheres com osteoporose pós-menopáusica e têm risco alto de fratura, e aumenta a densidade óssea nos homens com osteoporose, tanto hipogonádica como idiopática. A teriparatida é dada por injeção subcutânea diária e foi associada com um mínimo de efeitos colaterais, além de não apresentar interações medicamentosas. Sendo assim, a teriparatida surge como uma abordagem completamente nova no tratamento da osteoporose, estimulando diretamente a formação do osso.
Hormônio paratireóide; Teriparatida; Osteoporose
Medications currently approved for treatment of osteoporosis act by slowing the rate of bone loss and decreasing bone resorption. Teriparatide is a synthetic recombinant 34-amino-acid fragment of human parathyroid hormone. Teriparatide binds to the G protein PTH receptor and stimulates the action of osteoblasts, which are the cells responsible for bone formation. Thus the main difference between teriparatide and antiresorptive therapy for osteoporosis is that the former promotes the growth of new bone. In preclinical studies intermittent PTH has been associated with a significant increase in cancellous bone mass at several sites. Intermitent exposure to PTH for 4-6 weeks in ovariectomized animal models leads to increased cancelous bone thickness. Clinical trials have shown that teriparatide significantly increases bone density and reduces the incidence of vertebral and non-vertebral osteoporotic fractures in women with postmenopausal osteoporosis at high risk of fractures and increases bone density in men with either hypogonadal or idiopathic osteoporosis. It is administrated daily via subcutaneous injection, and has been associated with minimal side effects and no reported drug interactions. Therefore, teriparatide emerges as a completely new approach in the treatment of osteoporosis, directly stimulating new bone formation.
Parathyroid hormones; Teriparatide; Osteoporosis
ARTIGO DE REVISÃO
Teriparatida (PTH[1-34]rh): Uma nova perspectiva no tratamento da osteoporose
Juliana Helena Abreu de OliveiraI; Oswaldo Luís BraccoI; Marcia KayathI; Roberto GuarnieroII
IEndocrinologistas, Pesquisadores Clínicos
IIProfessor Associado do IOT-FMUSP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Roberto Guarniero Rua João Moura 627 Pinheiros - CEP 05412-911 Tel. / Fax: 3062051 - São Paulo, SP
RESUMO
No momento, as medicações aprovadas para tratamento da osteoporose agem reduzindo a taxa de perda óssea e diminuindo a reabsorção óssea. A teriparatida é um fragmento recombinante sintético de 34 aminoácidos do hormônio paratireóide humano. A teriparatida se liga ao receptor de PTH da proteína G e estimula a formação e a ação dos osteoblastos, que são as células responsáveis pela formação dos ossos. Assim, a principal diferença entre o tratamento da osteoporose com teriparatida e o tratamento anti-reabsorção é que a teriparatida promove o crescimento de osso novo. Em estudos pré-clínicos, o uso intermitente de PTH foi associado com um aumento significativo da massa óssea gradeada em diversos locais. A exposição intermitente ao PTH durante 4 a 6 semanas em modelos de animais ovariectomizados leva a um aumento da espessura do osso gradeado. Há estudos clínicos que mostram que a teriparatida aumenta significativamente a densidade óssea e diminui a incidência de fraturas osteoporóticas vertebrais e não-vertebrais nas mulheres com osteoporose pós-menopáusica e têm risco alto de fratura, e aumenta a densidade óssea nos homens com osteoporose, tanto hipogonádica como idiopática. A teriparatida é dada por injeção subcutânea diária e foi associada com um mínimo de efeitos colaterais, além de não apresentar interações medicamentosas. Sendo assim, a teriparatida surge como uma abordagem completamente nova no tratamento da osteoporose, estimulando diretamente a formação do osso.
Descritores: Hormônio paratireóide, Teriparatida, Osteoporose
INTRODUÇÃO
A osteoporose é uma doença crônica e progressiva, que se caracteriza por baixa massa óssea e deterioração da microarquitetura, com conseqüente redução da força óssea e maior susceptibilidade a fraturas. Assim, o tratamento ideal da osteoporose deveria ser aquele que levasse à formação de tecido ósseo, melhorasse a microarquitetura, restaurando a força óssea e conseqüentemente reduzindo o risco de fraturas.
Os medicamentos disponíveis até o momento para o tratamento da osteoporose são os anti-reabsortivos, que agem inibindo a perda óssea mediada pelos osteoclastos, reduzindo a remodelação óssea, possibilitando o ganho de densidade mineral óssea através de mineralização secundária(24). A teriparatida (PTH [1-34]rh) é um polipeptídeo sintético, obtido por técnica de DNA recombinante, que contém os aminoácidos 1 a 34 da região amino-terminal do hormônio das paratiróides (PTH) humano. Os primeiros 34 aminoácidos da molécula completa de 84 aminoácidos do PTH endógeno (PTH 1-84) são responsáveis pela sua ação biológica(26). Portanto, a teriparatida é idêntica à fração biologicamente ativa do PTH (1-84) endógeno e, administrada de forma intermitente, estimula a formação de tecido ósseo, melhora a microarquiterura óssea, o que aumenta a força óssea e leva a uma redução do risco de fraturas(26).
Fisiologia do PTH
O PTH é o principal regulador da homeostase do cálcio em mamíferos. O PTH responde de forma dinâmica às alterações da calcemia através de receptores na superfície celular das células principais das paratiróides sensíveis às variações do cálcio sérico. Elevações da calcemia inibem a liberação de PTH, enquanto reduções da calcemia levam a um aumento na liberação de PTH pelas glândulas paratiróides. Além de mobilizar o cálcio do tecido ósseo para o espaço extra-celular, o PTH atua nos rins, aumentando a atividade da enzima 1 a-hidroxilase e os níveis séricos de (1,25) dihidroxi-vitamina D, o que facilita a absorção de cálcio através do trato gastrointestinal. O PTH atua também nos túbulos renais otimizando a reabsorção de cálcio. Portanto, o PTH é o principal responsável pela manutenção dos níveis séricos de cálcio.
Ação dos Anti-reabsortivos e da Teriparatida na Remodelação Óssea
O esqueleto humano é constantemente renovado pela ação conjunta dos osteoclastos e osteoblastos, tipos celulares especializados que se originam de progenitores da medula óssea. Os osteoblastos são responsáveis pela formação e os osteoclastos pela reabsorção óssea. Os medicamentos disponíveis atualmente para prevenção e tratamento da osteoporose são agentes anti-reabsortivos, que atuam inibindo a perda óssea mediada pelos osteoclastos. Os anti-reabsortivos (estrógenos, raloxifeno, bisfosfonatos, calcitonina) suprimem a remodelação óssea, como demonstrado pela redução dos marcadores bioquímicos de formação e reabsorção óssea(25). O aumento da densidade mineral óssea observado com o uso destes medicamentos ocorre pela redução do espaço de remodelação e prolongamento da duração do tempo de mineralização, com conseqüente aumento da mineralização secundária. Diferentemente, a teriparatida atua estimulando a formação óssea, via estímulo à ação e formação dos osteoblastos, promovendo aumento da força óssea pela formação de tecido ósseo novo, com conseqüente redução do risco de fraturas(26,27).
PTH como estimulador da formação óssea
O hiperparatiroidismo (HPP) primário é definido classicamente como uma doença que cursa com perda óssea severa e elevação sérica persistente do PTH. Neste modelo clínico, observa-se que o PTH, quando produzido em excesso e de forma contínua, promove perda óssea e aumento do risco de fraturas(9). No entanto, observações em pacientes com HPP sugerem que o PTH não só leve à perda óssea, mas também à formação óssea. Mesmo no HPP, o conteúdo ósseo da coluna vertebral apresenta-se relativamente preservado, em comparação ao conteúdo ósseo do esqueleto axial, sugerindo uma ação do PTH de proteção do osso trabecular(22). Estudos histomorfométricos de biópsias ósseas obtidas da crista ilíaca de pacientes com HPP demonstraram que, mesmo na condição de hipersecreção de PTH, haveria um estímulo da formação óssea, mediado pelo PTH, demonstrado pela preservação relativa do osso trabecular nesta condição(21). Quando mulheres com HPP são comparadas a mulheres normais pareadas para idade, o volume ósseo trabecular é igual ou maior naquelas com hiperparatiroidismo primário(20). Portanto, dados obtidos a partir do HPP sugeriam que o PTH também exercia ação estimuladora da formação óssea.
Demonstrou-se posteriormente que a forma de administração do PTH poderia influenciar sua ação biológica. Administrado de forma contínua levaria à perda óssea, enquanto que a administração intermitente do hormônio promoveria um estímulo à formação óssea, com melhora da microarquitetura e conseqüente aumento da massa óssea, reduzindo assim o risco de fraturas(7).
Mecanismo de Ação
A teriparatida liga-se com afinidade semelhante à do PTH endógeno ao receptor ligado à proteína G(2). A teriparatida estimula a ação dos osteoblastos, que são as células responsáveis pela formação óssea, aumentando assim a formação de osso novo(8). Existem evidências de que este estímulo ocorra através da inibição da apoptose destas células e pelo estímulo à passagem de pré-osteoblastos a osteoblastos, aumentando o número de osteoblastos(8).
Farmacocinética
A teriparatida injetada via subcutânea na dose de 20 mg/dia atinge rapidamente a circulação, atingindo pico em 30 minutos. Após o pico, há uma rápida redução dos níveis séricos, que se tornam indetectáveis em cerca de três horas(12). A injeção pode ser realizada na parede abdominal ou na coxa. A teriparatida é eliminada rapidamente, não havendo acúmulo do medicamento no organismo com o passar do tratamento(4).
Ação no Osso
Estudos de administração intermitente de PTH em animais demonstraram um aumento significante da massa óssea trabecular em vários locais, sem perda de osso cortical ao longo do tempo(6). O aumento da massa óssea obtido com a administração intermitente de PTH foi evidenciado em ratos, macacos, cachorros e coelhos(1,3,6). A exposição intermitente de animais ooforectomizados ao PTH por cerca de 4 a 6 semanas promoveu um aumento da espessura do osso trabecular em vários locais, sem mudança no número de trabéculas. Notou-se aumento da massa óssea trabecular e da força óssea, mesmo na ausência de estrógeno(30). A força mecânica no fêmur e vértebras também aumenta após administração intermitente de PTH(19). Além disso, demonstrou-se recentemente que o tratamento de fraturas em ratos com dose baixa de PTH, de forma intermitente, aumenta a formação do calo ósseo através da estimulação precoce de células progenitoras, aumento das proteínas da matriz óssea, e aumento da osteoblastogênese na fase de remodelação do calo ósseo, o que fortalece o conceito de que o PTH atue favoravelmente no processo de reparo ósseo(16).
Apesar de efeito predominante no osso trabecular, em estudo recente, demonstrou-se que a administração de PTH por 36 semanas em ratas ooforectomizadas levou a um aumento da formação de osso cortical, especialmente na superfície endocortical(10).
ESTUDOS CLÍNICOS
Mulheres na pós-menopausa
O primeiro estudo clínico controlado utilizando PTH foi realizado em 1976, por Reeve et al.(23), que trataram quatro mulheres com PTH (1-34) por 6-24 meses. Neste estudo foi observado um aumento da remodelação óssea, com predomínio da formação sobre a reabsorção(23). Recentemente, Neer et al.(17) realizaram estudo clínico randomizado, duplo-cego e controlado com placebo, para avaliar a ação da teriparatida PTH [1-34]) no tratamento da osteoporose severa na pós-menopausa. Foram incluídas 1637 mulheres, com o objetivo de se avaliar a ação da teriparatida sobre o risco de novas fraturas. As pacientes foram divididas em três grupos: Placebo, teriparatida 20 µg e 40 µg/dia por via subcutânea. As pacientes foram tratadas em média por 18 meses. Os resultados evidenciaram um aumento de massa óssea significante, com cerca de 10% a 13% de incremento na densidade mineral óssea na coluna vertebral e de 3 a 5% no quadril com 20 e 40 µg/dia, respectivamente. Houve redução significante de 65% no risco de fraturas vertebrais e adicionalmente de 53% para fraturas não-vertebrais no grupo em 20 µg (Figura 1). Observou-se também redução de 90% no risco de fraturas moderadas e severas no mesmo grupo em relação ao placebo com a dose de 20 µg (Figura 2)(17). Os autores concluíram que a teriparatida reduz de forma significante o risco de fraturas em mulheres na pós-menopausa com osteoporose severa. Este benefício clínico reflete sua capacidade de estimular a formação óssea e promover melhora na microarquitetura óssea(5). Além disso, demonstrou-se que os resultados de ganho de densidade mineral óssea e redução do risco de fraturas observados neste estudo ocorreram independentemente de idade, presença de fraturas prévias e densidade mineral óssea no início do estudo, mostrando que as ações da teriparatida não dependem de tais fatores(15).
Com o objetivo de coletar dados de segurança e eficácia da teriparatida 20 µg após parada do tratamento, foi realizado o Estudo de Acompanhamento. Pacientes que haviam participado dos estudos clínicos foram observados por aproximadamente 30 meses após suspensão do tratamento com teriparatida. As fraturas vertebrais foram avaliadas após uma mediana de 18 meses, e o risco de novas fraturas vertebrais foi significantemente mais baixo nos pacientes que haviam recebido teriparatida 20 µg, em comparação com o grupo de havia recebido placebo(14). Os dados do estudo de acompanhamento mostraram uma redução significante do risco de fraturas não vertebrais após uma mediana de acompanhamento de 30 meses(13). Estes dados fornecem evidências de que haja redução contínua do risco de fraturas mesmo após o finalização do tratamento com teriparatida.
Homens
O primeiro estudo clínico utilizando PTH em homens com osteoporose idiopática foi realizado por Kurland et al.(11). Foram estudados 23 homens com osteoporose idiopática para os quais foram administradas,por via subcutânea, 20 µg por dia de teriparatida ou placebo, por um período de 18 meses. Evidenciou-se um ganho de densidade mineral óssea na coluna vertebral no grupo em uso de PTH, e ausência de resposta no grupo placebo(11). A eficácia e a segurança da Teriparatida foram avaliadas em um estudo multicêntrico realizado por Orwoll et al.(18) onde foram avaliados 437 homens com osteoporose idiopática e secundária a hipogonadismo nas doses de 20 e 40 ?g/dia. Observou-se aumento significante na densidade mineral óssea da coluna vertebral e colo de fêmur, principalmente na dose de 20 µg/dia, após uma mediana de tratamento de 11 meses(18). A resposta à teriparatida ocorreu independentemente da presença ou não de hipogonadismo(18).
Segurança
A maioria das pacientes em uso de teriparatida no estudo publicado por Neer não apresentaram elevação significativa da calcemia. Entretanto, 11% das pacientes apresentaram elevação transitória do cálcio sérico dentro do limite da normalidade, e 3% apresentaram hipercalcemia detectada por mais de uma vez, sendo as medidas realizadas até 6 horas após a injeção(17). Medidas realizadas previamente às próximas injeções não detectaram elevações do cálcio sérico nos grupos de tratamento com teriparatida. Não houve aumento na formação de litíase renal. Os principais eventos adversos encontrados nos estudos clínicos com a teriparatida foram hipercalcemia (3%), e câimbras (6%). Suspensão do tratamento por eventos adversos ocorreu em 6 % das pacientes, sendo este valor semelhante ao placebo(17).
Os estudos com Teriparatida foram suspensos em 1998, quando foi evidenciado aumento do número de osteossarcomas em estudos de toxicologia com esta medicação em ratos Fisher 344(29). No entanto, a avaliação criteriosa dos dados observados em ratos sugeriu que estes não poderiam ser extrapolados para humanos por algumas razões: o esqueleto dos ratos cresce, diferentemente dos humanos, de forma contínua por toda a vida; há uma resposta exagerada do esqueleto do rato à teriparatida; neste trabalho, onde se evidenciou aumento de osteossarcomas, os animais receberam o medicamento por todo o seu período de vida; tempo de tratamento muito diferente do preconizado que seja utilizado em humanos, que corresponde a um curto período (18 meses). Além disso, as doses utilizadas foram 3-30 vezes maiores que as doses utilizadas em humanos. No HPP, situação em que há uma elevação constante dos níveis de PTH, não há uma associação entre o aumento do PTH sérico e maior risco de osteossarcoma(28). Além disso, em estudos utilizando macacos, em que estes receberam tratamento de 5 µg/kg/dia de teriparatida por via subcutânea por 18 meses não se observou a presença de osteossarcomas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Teriparatida é uma nova terapia no tratamento da osteoporose severa, pois apresenta um mecanismo de ação distinto das medicações atualmente disponíveis. A teriparatida aumenta a densidade mineral óssea de forma significante, melhora a microarquitetura óssea, reduz o risco de fraturas vertebrais e não-vertebrais em mulheres com alto risco para fraturas. Mostrou-se também eficaz no tratamento da osteoporose em homens, com ou sem hipogonadismo. Portanto, a teriparatida surge como uma nova perspectiva no tratamento da osteoporose, que passa a basear-se na formação de tecido ósseo.
Trabalho recebido em 19/03/2003
Aprovado em 29/05/2003
Trabalho realizado na Divisão Médica/Pesquisa Clínica Eli Lilly do Brasil
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Fev 2004 -
Data do Fascículo
Ago 2003
Histórico
-
Aceito
29 Maio 2003 -
Recebido
19 Mar 2003