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Saúde da Família: atenção Primária na Amazônia

RESENHAS BOOK REVIEWS

Adriano Maia dos Santos

Instituto Multidisciplinar em Saúde, Universidade Federal da Bahia

Couto RCS, Marin RA, organizadoras. Saúde da Família: Atenção Primária na Amazônia. Belém: NAEA-UFPA; 2009.

Atenção Básica é a denominação brasileira para a Atenção Primária à Saúde (APS), denominada assim para diferenciar-se de propostas internacionais que reduziram o potencial da APS a uma cesta básica de serviços. Nesse sentido, a Atenção Básica está em sinergia com uma APS forte, apontada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como aquela que supõe a universalidade dos cuidados, a coordenação dos demais níveis de atenção, ancorada na integralidade à saúde1. Assim, a Atenção Básica é uma formulação que responde aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), utilizando tecnologias de alta complexidade e baixa densidade, como serviço preferencial de primeiro contato para a população.

A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) elegeu a Saúde da Família como estratégia de reorientação do modelo de Atenção à Saúde em todo o território nacional2. Desde a implantação da Saúde da Família, em 1994, houve grande expansão no número de equipes, sendo que em setembro de 2010 a cobertura, segundo o Ministério da Saúde, chegou a 99,4 milhões de pessoas, com 31.500 equipes implantadas3. Contudo, para além da expansão, questões de qualidade permanecem no debate, ao lado de problemas ligados à própria natureza de um programa público universal que almeja a equidade.

Uma discussão premente centra-se na qualificação dos trabalhadores da saúde para que possam desenvolver todas as competências necessárias para a produção do cuidado, numa dimensão da Atenção à Saúde que ambiciona resolver cerca de 80% dos problemas de saúde apresentados pelos usuários. Tocados por esse dilema e desafio, a Universidade Federal do Pará, com fomento do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde, promoveu o II Curso de Especialização em Saúde da Família (CESF), buscando contemplar profissionais atuantes nas equipes de Saúde da Família.

O resultado dos trabalhos desenvolvidos durante o curso resultou no livro Saúde da Família: Atenção Primária na Amazônia, composto por quatro capítulos distribuídos em 272 páginas, que debatem a Educação em Saúde (capítulo 1), a Promoção à Saúde (capítulo 2), a Atenção Integral à Saúde (capítulo 3) e a Situação de Saúde (capítulo 4), tendo as realidades singulares das cidades paraenses como cenários de pesquisa. Essa especificidade é o grande trunfo da publicação organizada por Couto e Marin, pois recupera o protagonismo dos trabalhadores da saúde, valorizando suas experiências, reafirmando o papel dos processos educativos problematizadores, produzindo, destarte, textos que emergem das indagações de sujeitos na micropolítica do trabalho em saúde nas equipes de Saúde da Família.

Nesse ritmo, o capítulo I expõe questões relacionadas à Educação Permanente em Saúde, defendendo essa política de qualificação dos processos de trabalho para produção do cuidado. Analisa o papel do Agente Comunitário de Saúde, numa equipe de Saúde da Família de Santa Isabel do Pará, relacionado às ações educativas em saúde bucal após uma capacitação. Focando, ainda, na saúde bucal, o terceiro texto do capítulo analisa o perfil dos cirurgiões-dentistas que trabalham na Saúde da Família da região metropolitana de Belém, revelando a ausência de uma política de gestão do trabalho.

Os textos que compõem o capítulo 2 focalizam a dimensão materno-infantil. Para tanto, os autores abordam aspectos epidemiológicos relacionados à triagem neonatal registrados pela Saúde da Família de Águas Lindas, em Belém, analisam a vigilância do desenvolvimento de crianças menores de dois anos, numa equipe de saúde de Ananindeua; além disso, realizam uma comparação entre prevalências de gravidezes na adolescência em áreas cobertas e descobertas pela Saúde da Família, em São Félix do Xingu. Este último texto chama a atenção pelas características do município com 84.213 km² de extensão (maior que muitos estados brasileiros) e a complexidade para a Saúde da Família lidar com questões que atravessam distintos campos sociais. Tamanhas peculiaridades territoriais nos municípios da Região Norte levaram o Ministério da Saúde a publicar a Portaria nº 2.191, de 3 de agosto de 2010, que institui critérios diferenciados com vistas à implantação, ao financiamento e manutenção da Estratégia de Saúde da Família para as populações ribeirinhas na Amazônia Legal e em Mato Grosso do Sul, podendo optar pelos seguintes arranjos: (1) Unidades de Saúde da Família Fluviais; e (2) Equipes de Saúde da Família para Populações Ribeirinhas4.

O capítulo III, composto por quatro investigações, aborda a potência do acolhimento como dispositivo para mudança das práticas, partindo de reflexões de experiências nacionais. Discute, ainda, a situação de pessoas internadas, num hospital da região metropolitana de Belém, com hipertensão e diabetes, buscando compreender o papel da APS nos cuidados crônicos. Trata, também, da questão da hanseníase em relação ao perfil clínico-epidemiológico de usuários acompanhados na Saúde da Família no município de Terra Alta e analisam casos do agravo em indivíduos com até 14 anos em bairros e distritos de Belém.

No último capítulo, os autores investigam questões particulares em algumas áreas cobertas por Saúde da Família, utilizando dados secundários. Para tanto, selecionam alguns indicadores do Sistema de Informação da Atenção Básica para analisarem a situação de saúde de uma comunidade na Ilha de Trambioca, município de Barcarena, após implantação da Saúde da Família, apontando avanços e desafios "que merecem uma atenção especial por parte da equipe de saúde e dos gestores locais" (p. 234). Discutem o perfil epidemiológico de adultos hipertensos, no município de Santa Isabel do Pará; por fim, analisam os procedimentos de prevenção e promoção realizados por equipe de saúde bucal na comunidade de Areial, no município de Terra Alta.

Sem dúvida, há um grande número de produções que tratam da Saúde da Família, gerando uma profusão de publicações de distintas naturezas; portanto, nesse aspecto, o livro analisado não traz novidades. Todavia, ao divulgar produções de um curso lato sensu, resultado de produções que abarcam o contexto de municípios do Norte do país, retratando distintos panoramas que vão da capital e região metropolitana a pequenos municípios, comunidades e unidades de saúde, a obra cumpre o dever público de socializar e colocar em evidência os resultados obtidos em pesquisas.

Tal aposta, por sua vez, apresenta alguns percalços, mas que não chegam a comprometer a produção coletiva. Os textos elencados para a composição do livro demonstram algumas fragilidades e deslizes teóricos que merecem revisão para próxima edição, mas, para além do rigor metodológico, sua força emerge da ousadia de apreender um conjunto de questões pertinentes a uma região territorial gigantesca, que, por sua vez, requer soluções que vão além dos manuais e portarias, ou seja, reclamam por respostas que emanem dos sujeitos que engendram esses territórios e que imprimem, com seu trabalho, as reais possibilidades de avanços.

O livro, nessa ótica, merece ser divulgado como aporte para repensar estratégias que ampliem a potência da APS nesses lugares, chamando a atenção dos formuladores de políticas e stakeholders para os insistentes problemas na organização da Atenção à Saúde, mesmo com a implantação da Saúde da Família, que, nesse caso, têm sido recorrentes nos quatro cantos do Brasil.

Os textos são curtos e de fácil leitura, podendo ser saboreados em qualquer ordem, sem comprometimento dos enredos. Os resultados analisados compõem um mosaico que remete à imagem da Saúde da Família fragmentada, posto que, a cada novo texto, aparecem os problemas que esgarçam o frágil tecido das práticas coordenadas pela APS. Por fim, a coletânea de textos instiga-nos a continuarmos mobilizados para encontrar alternativas competentes que revertam os enredos desoladores compostos por velhos e novos problemas. Talvez o grande trunfo de obras dessa natureza resida na destreza despretensiosa de nos afetar, de nos tirar da zona de conforto e provocar novos questionamentos.

  • 1
    World Health Organization (WHO). Primary Health Care: now more than ever. The World Health Report 2008 Geneva: WHO; 2008.
  • 2. Brasil. Portaria nş 648/GM, de 28 de março de 2006. Política Nacional de Atenção Básica. Diário Oficial da União 2006; 29 mar.
  • 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica Brasília: DAB/SAS/MS; 2010. [acessado 2010 dez. 16]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br
  • 4. Brasil. Ministério da Saúde. SAS. Portaria nº 2.191, de 3 de agosto de 2010 Brasília: DAB/SAS/MS; 2010. [acessado 2010 dez. 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt2191_03_08_2010.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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