RESENHAS BOOK REVIEWS
Pamela Siegel; Nelson Filice de Barros
Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas
Pinell P. Análise Sociológica das Políticas de Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011.
A presente coletânea reúne artigos que são frutos de estudos realizados por Patrice Pinell no período de 1981 a 1996, sobre a gênese das políticas de saúde na França. O livro está constituído de sete artigos, sendo dois deles, o primeiro e o quinto, escritos com a participação de Sylvia Brossat e de Markos Zafiropoulos, ambos sociólogos franceses.
Médico, sociólogo, diretor da unidade U158 do Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm) e aluno de Pierre Bourdieu, Pinell discorre sobre as lutas contra o câncer e o HIV/Aids, a escala métrica da Inteligência, a toxicomania e a infância anormal, o processo de especialização no campo médico e algumas reflexões sobre os flagelos sociais.
Nos capítulos primeiro e segundo, intitulados "O Nascimento das Políticas para o Câncer na França" e "As Políticas para o Câncer e o Sistema de Saúde Francês: a 'grande medicina' desafia a concepção e organização da prática médica", Pinell reúne o material de uma pesquisa efetuada entre 1985 e 1991, que resultou em um livro (Naissance d'um Fléau: la lutte contre le cancer em France), publicado em 1992. Nestes capítulos, o autor trabalha a construção social do câncer como um flagelo social e analisa a criação da Liga Francesa contra o Câncer durante a Primeira Guerra Mundial. Foi a partir da existência desta Liga que o governo francês decidiu implementar a primeira política de luta contra o câncer, estabelecendo uma rede de centros especializados no diagnóstico e tratamento da doença.
Segundo Pinell, foi no período das entre guerras que alguns setores da medicina, da ciência e de segmentos filantrópicos da sociedade francesa contribuíram para criar o movimento contra o câncer, fundando uma nova especialidade, a cancerologia. Na França, são criados os Centros Anticancer (CACs), em 1925, onde os pacientes cancerosos pobres e curáveis eram atendidos. Alguns Centros particulares atendiam aos pacientes pagantes, e aqueles considerados incuráveis eram enviados para asilos, ocasionando, assim, uma enorme desigualdade no tratamento oncológico, fato que desencadeou uma reforma do sistema de atendimento médico.
O capítulo terceiro, intitulado "Uma Epidemia Política: a luta contra a Aids na França", foi retirado do livro Une Épidemie Politique: la lutte contre le sida en France (1981-1996). O autor se interessa pela história da organização AIDES, desde sua criação até suas crises, e pelas associações que surgem dela: ARCAT-SIDA; Santé et Paisir Gai; Méres-Enfants e Sida Info Service. Pinell utiliza a noção de espaço social para analisar a atuação dos agentes envolvidos na organização da luta contra a Aids e o processo de medicalização desta doença.
"A Invenção da Escala Métrica da Inteligência" é o título do quarto capítulo. O texto expõe um tensionamento entre duas abordagens, com resultados inconclusivos. De um lado, consta o ponto de vista da lógica interna, referente à perspectiva cognitiva, filosófica e epistemológica das ideias. Do outro, estão os estudos baseados na perspectiva social, inseridos num contexto político-cultural. Pinell procura mostrar neste texto que a invenção da escala métrica da inteligência (EMI) humana foi o resultado de um processo social, culminando nos valores indicados por Binet. Pinell ilustra como Binet garantiu o ensino especializado aos alunos "anormais", criando a partir daí um projeto pedagógico inovador e um 'Guia para a admissão das crianças anormais nas classes de aperfeiçoamento', classificando os anormais em aqueles aptos para o asilo ou para a escola. A partir daí, Binet, depois de procurar soluções para o estudo experimental da inteligência na psiquiatria, antropometria e grafologia, elabora a escala, a qual incluiu uma espécie de tabela de conhecimentos vinculada a diferentes graus de leitura, que permite operar uma hierarquia das diversas inteligências equivalentes a uma medida. A EMI encontrou um terreno fértil nos Estados Unidos do pós-guerra sendo aplicado na seleção dos candidatos à imigração.
No quinto capítulo, cujo título é "Drogas, Desclassificação e Estratégias de Desqualificação", Pinell e Zafiropoulos ilustram os diversos discursos no campo da toxicomania, identificando muito bem o fato de a linha divisória entre o consumo de produtos lícitos e ilícitos ser o produto de uma decisão arbitrária, que os especialistas tentam fundamentar juridicamente. Os autores descrevem as implicações das práticas sociais underground dos anos 1970 e a contestação expressa nas lutas políticas e sindicais da época, com a constituição do vândalo e do drogado estigmatizados. Reproduzem um artigo publicado no Le Monde, em 6 de fevereiro de 1980, por Christian Colombani, intitulado "Ficou Triste", do qual transcrevemos a fala de um ex-viciado:
"Não têm [os toxicômanos] mais tanta fantasia em relação ao produto, temos a impressão de que não querem mais se desligar. Só pensam no trabalho, na reinserção social, 'de casa para o trabalho, do trabalho para a droga', o prazer do pico não existe mais, eles tomam qualquer coisa. A droga ficou triste."
A seguir, os autores descrevem as leis relativas "às medidas sanitárias de luta contra a toxicomania e à repressão ao tráfico e ao uso ilícito de substâncias venenosas" e encerram o capítulo com a afirmação de que o "jogo jogado" no território de consumo das drogas depende de como cada grupo consumidor é situado socialmente. A escolha das drogas é feita por mimetismo ou pelo desejo de se distinguir.
O capítulo seis trata do campo médico e do processo de especialização. Pinell afirma que a especialização é fruto de um processo de diferenciação das atividades médicas que se iniciou há muitos séculos e continua ocorrendo. Ele identifica as seguintes três fases no processo de especialização, na França: 1) a primeira fase começa em 1795 e marca as disputas em torno da própria definição da medicina clínica, em que médicos, professores e cirurgiões se opõem ao reconhecimento das especialidades clínicas na Faculdade de Medicina; 2) A partir de 1870, a especialização se afirma como uma força dominante, mas a sua prática não está sujeita ao controle ainda, criando tensões concernentes à regulação do exercício das especialidades; 3) Após 1940, as especialidades são oficialmente reconhecidas.
No último capítulo, "Algumas Reflexões sobre as Políticas de Luta contra os Flagelos Sociais", Pinell explica a forma em que procurou analisar a intervenção do Estado toda vez que uma lei foi adotada como uma resposta social contra uma doença ou flagelo. O seu Quadro I intitulado "Gênese das Políticas" é exemplar e muito útil para rastrear as principais Políticas de Saúde, vinculando-as às preocupações sociais, ao espaço especializado e aos novos atores especializados e instituições. O quadro é acompanhado de oito proposições em que são explicitadas a gênese, a evolução e a aplicação de cada Política de Saúde. As quatro categorias abordadas no quadro são: a) a Política de saúde e a data em que foi sancionada; b) as preocupações sociais que giram em torno dessa Política; c) o espaço especializado que configura o campo de ação resultante da aplicação da Política e d) os novos atores especializados e as instituições, que diz respeito às categorias profissionais atuantes na área.
O livro é bem escrito e a forma como os autores desenvolvem a análise dos temas fazendo referências a Bourdieu, Elias e Foucault, oferece um bom cenário das Políticas de Saúde na França. Além disso, constitui uma matriz teórica aplicável às Políticas Públicas de Saúde em qualquer contexto.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Maio 2012 -
Data do Fascículo
Maio 2012