Resumos
Analisar o perfil de saúde e nutricional dos usuários do Sistema Único de Saúde ingressantes em uma Academia da Cidade, de Belo Horizonte, Minas Gerais durante triênio. Estudo transversal com usuários > 20 anos. Coletaram-se dados sociodemográficos, de saúde, hábitos e consumo alimentar, e antropometria. Realizado testes Kolmogorov-Smirnov, ANOVA, Kruskal-Wallis, Qui-Quadrado e Exato de Fisher. Observou-se elevada prevalência de indivíduos hipertensos (41,6%), com excesso de peso (70,6%) e riscos metabólicos associados à obesidade (67,6%). Cerca de 40% dos ingressantes apresentavam de 1 a 3 doenças crônicas e mais de 65% utilizavam medicamentos diariamente. Houve inadequação no consumo diário de frutas e hortaliças (75,3%), gordura aparente da carne (72,4%) e bebidas açucaradas (54,2%). Apresentavam baixa escolaridade e renda, além de inadequações alimentares e elevadas prevalências de HAS, excesso de peso e riscos metabólicos o que sugere a busca, dos usuários, pelo serviço de promoção da saúde para o tratamento de doenças. O que ilustra a percepção curativista demonstrando ainda a escassez de iniciativas de cuidado à saúde na população. Denota-se a necessidade de se rever as ações nos diferentes níveis de atenção à saúde, visando promover maior integralidade do cuidado prestado.
Antropometria; Consumo alimentar; Promoção da saúde; Serviços de saúdesil
This is an analysis of the health and nutritional profile of users of the Unified Health System admitted to a City Academy in Belo Horizonte, Minas Gerais during a triennium. It is a cross-sectional study with users> 20 years and socio-demographic characteristics, health habits, food intake and anthropometrics were gathered. Kolmogorov-Smirnov tests, ANOVA, Kruskal-Wallis test, chi-square and Fisher exact test were applied. There was a high prevalence of hypertensive subjects (41.6%), overweight (70.6%) and metabolic risks associated with obesity (67.6%). About 40% of entrants had 1-3 chronic diseases and over 65% used medication daily. There was an imbalance in daily consumption of fruits and vegetables (75.3%), fatty meat (72.4%) and sweetened drinks (54.2%). They had low education and income, and inadequate eating habits and high prevalence of hypertension, overweight and metabolic risks associated with obesity, which suggests users seeking health care services for treatment of diseases. This illustrates the perceived quest for cure, further demonstrating the lack of healthcare initiatives in the population. This reveals the need to review the actions at different levels of health care, to promote greater comprehensiveness of care provided.
Anthropometrics; Food consumption; Health promotion; Health services
ARTIGO ARTICLE
Academia da Cidade: um serviço de promoção da saúde na rede assistencial do Sistema Único de Saúde
City Academy: a health promotion service in the healthcare network of the Unified Health System
Bruna Vieira de Lima CostaI; Raquel de Deus MendonçaI; Luana Caroline dos SantosI; Sérgio Viana PeixotoII; Marília AlvesII; Aline Cristine Souza LopesI
IDepartamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais. Av Prof Alfredo Balena190/420, Santa Efigênia. 30130-100 Belo Horizonte MG. brunavlc@hotmail.com
IIDepartamento de Enfermagem Aplicada, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
RESUMO
Analisar o perfil de saúde e nutricional dos usuários do Sistema Único de Saúde ingressantes em uma Academia da Cidade, de Belo Horizonte, Minas Gerais durante triênio. Estudo transversal com usuários > 20 anos. Coletaram-se dados sociodemográficos, de saúde, hábitos e consumo alimentar, e antropometria. Realizado testes Kolmogorov-Smirnov, ANOVA, Kruskal-Wallis, Qui-Quadrado e Exato de Fisher. Observou-se elevada prevalência de indivíduos hipertensos (41,6%), com excesso de peso (70,6%) e riscos metabólicos associados à obesidade (67,6%). Cerca de 40% dos ingressantes apresentavam de 1 a 3 doenças crônicas e mais de 65% utilizavam medicamentos diariamente. Houve inadequação no consumo diário de frutas e hortaliças (75,3%), gordura aparente da carne (72,4%) e bebidas açucaradas (54,2%). Apresentavam baixa escolaridade e renda, além de inadequações alimentares e elevadas prevalências de HAS, excesso de peso e riscos metabólicos o que sugere a busca, dos usuários, pelo serviço de promoção da saúde para o tratamento de doenças. O que ilustra a percepção curativista demonstrando ainda a escassez de iniciativas de cuidado à saúde na população. Denota-se a necessidade de se rever as ações nos diferentes níveis de atenção à saúde, visando promover maior integralidade do cuidado prestado.
Palavras-chave: Antropometria, Consumo alimentar, Promoção da saúde, Serviços de saúdesil
ABSTRACT
This is an analysis of the health and nutritional profile of users of the Unified Health System admitted to a City Academy in Belo Horizonte, Minas Gerais during a triennium. It is a cross-sectional study with users> 20 years and socio-demographic characteristics, health habits, food intake and anthropometrics were gathered. Kolmogorov-Smirnov tests, ANOVA, Kruskal-Wallis test, chi-square and Fisher exact test were applied. There was a high prevalence of hypertensive subjects (41.6%), overweight (70.6%) and metabolic risks associated with obesity (67.6%). About 40% of entrants had 1-3 chronic diseases and over 65% used medication daily. There was an imbalance in daily consumption of fruits and vegetables (75.3%), fatty meat (72.4%) and sweetened drinks (54.2%). They had low education and income, and inadequate eating habits and high prevalence of hypertension, overweight and metabolic risks associated with obesity, which suggests users seeking health care services for treatment of diseases. This illustrates the perceived quest for cure, further demonstrating the lack of healthcare initiatives in the population. This reveals the need to review the actions at different levels of health care, to promote greater comprehensiveness of care provided.
Key words: Anthropometrics, Food consumption, Health promotion, Health services
Introdução
As desigualdades sociais interferem na qualidade de vida e na saúde dos indivíduos, podendo estar presentes no ambiente em que as pessoas trabalham e vivem, bem como nas situações vivenciadas durante os ciclos de vida. Dependendo da natureza desses ambientes, diferentes grupos sociais terão experiências distintas relativas às condições materiais, apoio psicossocial e opções comportamentais, que as tornarão mais ou menos vulneráveis a situações de saúde1.
Nos 20 anos iniciais do Sistema Único de Saúde (SUS), em que se priorizaram ações biomédicas, individuais e curativas, pôde-se ter um melhor reconhecimento sobre a interação dos fatores individuais, como alimentação e atividade física, e fatores sociais e estruturais, como pobreza e prestação de serviços, na determinação dos padrões de saúde e doença2. Dentre estes determinantes tem-se o reconhecimento da relevância epidemiológica do sedentarismo3. No entanto, pessoas menos favorecidas geralmente são acometidas por doenças cujo tratamento depende de acesso aos serviços de saúde, sempre dificultado, o que determina a necessidade, do poder público, de se criar estrategicamente equipamentos de saúde para solucionar os problemas da população.
Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda aos serviços públicos de saúde o desenvolvimento de reformas estruturais que garantam comunidades mais saudáveis, integrando ações de saúde pública na Atenção Primária, capazes de atuar nas desigualdades1. Para isto, propõe-se que a promoção da saúde seja exercida nos espaços onde as pessoas vivem, trabalham, estudam e se divertem, buscando a construção de um município saudável.
Seguindo esta recomendação, em Belo Horizonte, foi criado, em 2002, o Programa BH-Cidadania, com o objetivo de promover a inclusão social de famílias em situação de elevada vulnerabilidade social e pessoal4. O Projeto BH-Mais-Saudável, implantado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) em parceria com outras secretarias e Universidade, apresenta, dentre os três eixos prioritários, o de Núcleos de Atividade Física, no qual estão inseridas as Academias da Cidade5.
As Academias da Cidade foram criadas a partir da concepção de integralidade da atenção à saúde, ampliando as estratégias de atendimento à população usuária do SUS no que diz respeito às ações de promoção da saúde6. Implantadas, em 2006, apresentam o objetivo de propiciar melhoria da qualidade de vida da população por meio de ações integradas de incentivo à prática de atividade física e da alimentação saudável. A inserção ao serviço se dá por demanda espontânea ou por encaminhamentos realizados pelas Equipes de Saúde da Família (ESF) da Unidade Básica de Saúde de referência5.
Ademais, se assemelha às Academias da Saúde, modelo proposto pelo Ministério da Saúde, no âmbito da Política Nacional de Atenção Básica, em 20117.
Observa-se, neste contexto, a necessidade de privilegiar a investigação das condições de saúde dos indivíduos no âmbito dos serviços de saúde, objetivando gerar informações que possam propiciar ações mais adequadas às necessidades da população em diferentes níveis de atenção, principalmente ao considerar as situações de vulnerabilidade social. Como o serviço das Academias da Cidade é relativamente novo e passível de ajustes torna-se necessária avaliação sistemática do perfil do usuário que a procura para se avaliar e redirecionar a prática do atendimento no serviço. Assim, este estudo teve como objetivo analisar o perfil de saúde e nutricional dos usuários do SUS ingressantes em uma Academia da Cidade da região Leste de Belo Horizonte, Minas Gerais, nos anos de 2008 a 2010.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal com obtenção dos dados por fonte secundária, cujas informações foram coletadas no banco de dados do projeto de pesquisa "Desenvolvimento de Intervenções Nutricionais realizadas nas Academias da Cidade pertencentes ao Projeto BH Saúde Belo Horizonte-MG".
A Academia da Cidade em estudo foi inaugurada em 2006 e constitui referência para todos os moradores da região Leste de Belo Horizonte, um das nove regiões administrativas do município. Está localizada em uma área de elevada vulnerabilidade social (IVS = 0,77) e baixo índice de qualidade de vida urbana (0,38 a 0,42). Destaca-se que o IVS é uma medida que associa diferentes variáveis socioeconômicas e de ambiente num indicador sintético para avaliar as características de grupos populacionais8.
Os participantes do estudo foram todos os usuários com 20 ou mais anos de idade, ingressantes na Academia da Cidade predominantemente por demanda espontânea e, em alguns casos, por encaminhamento das Equipes de Saúde da Família, entre janeiro de 2008 e dezembro de 2010.
Os dados foram coletados no momento do ingresso dos usuários ao serviço por meio da aplicação de um protocolo de avaliação das condições socioeconômicas e demográficas, do perfil de saúde e nutricional, incluindo-se análise do consumo alimentar e antropometria9.
Os dados sociodemográficos e econômicos avaliados foram: sexo, idade, renda per capita e escolaridade em anos.
O perfil de saúde dos usuários foi investigado tendo em vista a presença de doenças e agravos não transmissíveis (DANT) autorreferidas, como diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica (HAS), uso de medicamentos/suplementos, autopercepção de saúde, e tentativa de redução de peso nos últimos seis meses. Com referência às DANT, foram adotados critérios similares aos utilizados por pesquisa nacional10, sendo o número de doença contabilizado pela soma das doenças referidas. O uso de serviços de saúde foi avaliado pelo número de consultas médicas e internações realizadas nos últimos 12 meses.
Para a identificação do perfil alimentar, os usuários foram questionados quanto aos seus hábitos alimentares e a frequência de consumo de alimentos, sendo analisados neste estudo a ingestão de pele de frango e gordura aparente da carne, o consumo de frutas e hortaliças, tipo de leite consumido, ingestão de bebidas açucaradas e de feijão. A frequência do consumo de alimentos foi investigada pela aplicação de Questionário de Frequência Alimentar qualitativo, referente aos últimos seis meses, composto por uma lista de 30 alimentos9.
Para a avaliação do consumo alimentar utilizaram-se as recomendações preconizadas pelo Guia Alimentar para a População Brasileira11, sendo considerada adequada, a ingestão de cinco ou mais porções ao dia de frutas e hortaliças; 1 porção ao dia de feijão; e ingestão menor ou igual a duas porções semanais de bebidas açucaradas (refrigerante comum e suco em pó com açúcar).
A avaliação antropométrica constou da aferição do peso, estatura, e circunferências da cintura (CC) e do quadril (CQ) de acordo com as técnicas preconizadas pela OMS12. A partir das duas primeiras medidas obteve-se o índice de massa corporal [IMC=(peso(kg)/altura(m)²], enquanto a CC e CQ possibilitaram o cálculo da razão cintura/quadril [RCQ=CC(cm)/CQ(cm)].
A classificação do estado nutricional, a partir do IMC, foi realizada de acordo com os pontos de corte da OMS12 para adultos e do Nutrition Screening Initiative13 para os idosos. Devido às diferenças de classificação do estado nutricional entre as faixas etárias, os graus de desnutrição I a III entre adultos foram agrupados em baixo peso, enquanto o sobrepeso somado aos graus de obesidade de I a III denotaram o excesso de peso.
A CC e a RCQ foram classificadas utilizando os critérios preconizados pela OMS14.
Os dados foram analisados com auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences versão 19.0, adotando-se nível de significância de 5,0% (p < 0,05).
Realizou-se análise descritiva e avaliação do comportamento de distribuição das variáveis por meio do teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov. Adicionalmente, aplicaram-se testes ANOVA para comparação de médias e Kruskal-Wallis para comparação de medianas, além do Qui-Quadrado ou Exato de Fisher para comparação das proporções.
Os resultados estão apresentados sob a forma de média e desvio-padrão para as variáveis que apresentaram distribuição normal e na forma de mediana e Percentis (P25; P75) para as demais.
Quanto às questões éticas, o estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, conforme os preceitos estabelecidos pela Resolução n°196/9615 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
O triênio avaliado refere-se ao período compreendido entre o segundo e o quarto ano de funcionamento do serviço. Neste período observou-se o ingresso de 560 indivíduos, sendo que 29,8% entraram em 2008, 37,0% e 33,2% em 2009 e 2010, respectivamente. Os ingressantes eram em sua maioria mulheres (89,6%), com idade média de 48,7 ± 13,1 anos.
Com relação às condições socioeconômicas, nota-se que a renda per capita sempre esteve abaixo do salário mínimo do ano corrente (p < 0,001), mas apresentou incremento com o avançar dos anos, assim como a escolaridade (p = 0,02) (Tabela 1).
No tocante às condições de saúde verificou-se que aproximadamente 54,0% apresentavam de 1 a 3 doenças e agravos não transmissíveis (DANT), sendo que 41,6% relataram diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e 9,3% diabetes mellitus. Ademais, 68,4% declararam uso diário de medicamentos.
Quanto ao uso de serviços de saúde, 54,4% relataram realizar mais de três consultas médicas no ano anterior. Já sobre as internações hospitalares no mesmo período, observou-se menor frequência entre os ingressantes do segundo ano (p = 0,039). Contrastando com este perfil, aproximadamente 70,0% percebiam sua saúde como muito boa ou boa e, somente 2,0% a relataram como ruim ou muito ruim (Tabela 2).
Adicionalmente, a maioria dos ingressantes (70,6%) apresentava excesso de peso, sendo identificado o aumento da razão cintura/quadril (p = 0,026) ao longo do triênio. Tentativas de emagrecimento nos seis meses anteriores ao ingresso no serviço foram citadas por cerca 50,0% dos participantes (Tabela 2).
No que se refere ao perfil alimentar, verificou-se que a maioria dos ingressantes apresentava consumo inadequado de frutas e hortaliças (75,3%), de bebidas açucaradas (55,0%) e de gordura aparente da carne (72,4%), no entanto, ao longo do triênio observou-se redução deste hábito (p < 0,001). Ademais, a maioria dos ingressantes (76,4%) ingeria leite do tipo integral (Tabela 3).
Discussão
Os ingressantes na Academia da Cidade eram em sua maioria mulheres, com baixa escolaridade e renda, apresentando importantes inadequações alimentares e elevadas prevalências de HAS, excesso de peso e riscos metabólicos associados à obesidade, perfil contrastante com o que se espera de um serviço de promoção da saúde.
A predominância do sexo feminino também foi observada em outros estudos realizados em Academias da Cidade16. Isto se deve provavelmente às mulheres serem mais presentes nos serviços de saúde em virtude de maior autocuidado e disponibilidade de tempo17. Entretanto, iniciativas como a Política Nacional de Saúde do Homem objetivam romper com esta barreira, buscando maior aproximação do sexo masculino com os serviços de saúde18.
O excesso de peso identificado entre os participantes pode ser considerado um importante problema de saúde, atingindo mais da metade dos entrevistados, valor bastante superior ao encontrado em estudo nacional10. No cenário internacional também se observa a ocorrência do sobrepeso e da obesidade, mas em menor proporção19,20.
Associado a esta alta taxa de excesso de peso detectou-se elevada prevalência de HAS, cerca de duas vezes superior ao observado em estudos epidemiológicos brasileiros10. Outra DANT de relevância detectada foi o diabetes mellitus (DM), atualmente, considerado uma epidemia mundial. No Brasil 6,3% e 23,3% dos indivíduos com 18 ou mais anos referiram apresentar DM e HAS, respectivamente, valores bastante inferiores aos encontrados neste estudo10.
Ademais, ao avaliar a razão cintura/quadril (RCQ) percebeu-se o ingresso de indivíduos com maiores indicadores de risco de doenças cardiovasculares ao longo do triênio avaliado. O estudo de Hotchkiss e Leyland21, com uma amostra representativa da população Escocesa, também observou um aumento na prevalência dos indivíduos com maior risco desta doença ao longo dos anos de análise 1995, 1998 e 2003. No entanto, o resultado do estudo foi inferior ao encontrado no estudo de Amer et al.22, com usuários do programa Estratégia Saúde da Família, no qual 84% dos indivíduos apresentaram RCQ elevada, observando 2,5 vezes mais chances destes indivíduos apresentarem sobrepeso.
Este resultado revela uma possível progressão negativa das condições de saúde dos usuários ao ingressarem no serviço, sugerindo uma maior procura por atenção à saúde na esperança de se identificar os problemas e a forma de curá-los ou melhorá-los23.
Por outro lado, as elevadas prevalências de excesso de peso, HAS, diabetes mellitus e risco para doenças cardiovasculares entre os ingressantes do serviço pode se relacionar ao próprio local de estudo. A Academia da Cidade constitui serviço de referência para a prática de exercício físico e orientação nutricional do Sistema Único de Saúde (SUS) de Belo Horizonte, recebendo encaminhamentos das Equipes de Saúde da Família para o atendimento de pacientes que necessitam de redução do peso e controle de DANT. Entretanto, na Academia em estudo o acesso dos usuários ao serviço é realizado predominantemente por demanda espontânea. Tal fato corrobora a hipótese de que indivíduos procuram serviços de saúde mediante situações de doença, sendo ainda escassas as iniciativas de cuidado à saúde na população. Esta percepção curativista, por vezes, encontrada entre os usuários do SUS, possivelmente reflete o modelo biomédico ainda praticado nos serviços de saúde, apesar dos avanços nos últimos 20 anos24.
Apesar destas elevadas prevalências de doenças e uso de medicamentos, observou-se que aproximadamente 30% classificaram sua saúde como regular, ruim e muito ruim. No entanto, pondera-se que esse indicador está fortemente correlacionado com medidas objetivas de morbidade e de uso de serviços, constituindo importante preditor de mortalidade10.
Outro importante condicionante da morbimortalidade por DANT durante a vida é o padrão alimentar. Desigualdades sociais têm imposto um padrão de alimentação inadequado aos sujeitos. As dificuldades em se adquirir alimentos com baixa densidade energética e alta qualidade nutricional, como frutas e hortaliças, tem propiciado o aumento do consumo de alimentos mais baratos e calóricos, e também prejudiciais à saúde25.
Este fato pode ser percebido ao analisar o baixo consumo de frutas e hortaliças (F&H) entre os ingressantes do serviço, similar aos dados nacionais10 e a estudos nacionais e internacionais realizados por Ferreira e Magalhães25 e Cohen et al.26, respectivamente. Pondera-se, no entanto, que o consumo deste grupo alimentar é fortemente influenciado pela renda, a qual se apresentou insuficiente neste estudo, diminuição de seu preço e aumento do preço de outros alimentos27.
No que se refere à ingestão de alimentos com alta densidade calórica, como aqueles ricos em gorduras, o tipo de leite mais ingerido pela maioria dos entrevistados foi o integral, sendo a ingestão da gordura aparente da carne inadequada em grande parte dos ingressantes. As frequência destes hábitos foram superiores aos valores encontrados em estudo nacional (56,4% e 34,2%, respectivamente)10.
Diante deste perfil apresentado pelos ingressantes durante os três anos de ingresso na Academia da Cidade questiona-se se um serviço de promoção da saúde conseguirá produzir resultados satisfatórios, haja vista que a maioria de seus usuários necessita de uma atenção voltada para o controle de DANT.
Locais de promoção da saúde, como as Academias da Cidade, devem incorporar medidas que não se direcionam a uma determinada enfermidade ou desordem, mas objetivam propiciar saúde e bem estar. Portanto, o objetivo da promoção da saúde, enquanto um processo que possibilita os indivíduos e as coletividades a aumentarem o controle sobre os determinantes de saúde pode estar desvirtuado diante de próprias dificuldades de sustentabilidade do serviço revelada pela predominância de indivíduos doentes. E, desta forma, impossibilitar a concretização da proposta de Cidades Saudáveis com práticas de educação à saúde, conforme proposto pelo município.
Neste sentido a saúde no município de Belo Horizonte, assim como no Brasil, busca configurar-se na lógica da promoção da saúde, objetivando a integralidade da assistência prestada ao usuário, família e comunidade. A integralidade da assistência é o alicerce para se alcançar uma melhor qualidade das ações e serviços voltados para a promoção da saúde, prevenção, recuperação e reabilitação. Por esta razão, as várias instâncias do SUS devem cumprir um papel indutor no sentido de provocar mudanças e colocar em prática os princípios doutrinários deste sistema, principalmente na Atenção Primária à Saúde28.
Por conseguinte, observa-se a necessidade de reorganização da rede básica de saúde para o atendimento dos indivíduos, conforme suas necessidades. A complexidade dos problemas no âmbito da saúde demanda reflexões significativas com objetivo de se determinar alternativas coerentes com seu enfrentamento, principalmente diante dos novos cenários vivenciados com o avanço das DANT29.
Na relação entre os níveis de atenção um componente importante é a instituição de redes integradas e regionalizadas com definição de linhas de cuidado baseadas na demanda e necessidade do usuário, o que caracteriza uma das interfaces da integralidade28. Desta forma, torna-se possível delimitar melhor as responsabilidades que cabem a cada serviço, possibilitando uma melhor articulação, entre as redes e os setores, e maior atuação sob os determinantes de saúde30. Denota-se, portanto, a necessidade de uma reestruturação da atuação das Unidades Básicas de Saúde no contexto de prevenção e tratamento das DANT, visando que a Academia da Cidade, enquanto serviço de promoção da saúde possa atingir os objetivos almejados.
Ressalta-se que, apesar de não apresentar inferência externa, estudos como esses são importantes por demonstrarem o perfil de pessoas que ingressam em Serviços de Promoção, suscitando a crítica sobre a construção da promoção saúde no âmbito dos serviços de saúde. Os resultados revelaram que o serviço tem recebido elevado percentual de indivíduos com DANT, e, portanto, o seu objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos, construindo a possibilidade de modos mais saudáveis de vida pode não estar sendo plenamente atingido, haja vista a necessidade prioritária de se recuperar a saúde dos usuários.
Conclusão
Constataram-se elevadas prevalências de DANT, bastante superiores aos valores encontrados na população brasileira, sugerindo a busca dos usuários pelo serviço para a recuperação da saúde mediante a prática de exercícios físicos e orientação nutricional. Portanto, reforça-se a importância de se rever as ações de saúde direcionadas para o controle e a prevenção das DANT no âmbito dos serviços, visando assegurar uma maior integralidade e efetividade do cuidado prestado, segundo as necessidades dos usuários, famílias e comunidades, nos diferentes níveis de atenção de saúde.
Colaboradores
BVL Costa trabalhou no delineamento do estudo, na interpretação dos dados e redação do artigo; RD Mendonça trabalhou no delineamento do estudo, na análise e interpretação dos dados e redação do artigo; LC Santos participou do delineamento do estudo e revisão do manuscrito; SV Peixoto participou da análise e interpretação dos dados; M Alves contribuiu com a revisão e redação do artigo; ACS Lopes participou do delineamento do estudo, na análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito.
Artigo apresentado em 05/03/2012
Aprovado em 10/04/2012
Versão final apresentada em 17/04/2012
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Abr 2013 -
Data do Fascículo
Jan 2013
Histórico
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Recebido
05 Mar 2012 -
Aceito
10 Abr 2012