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Fatores associados ao custo das internações hospitalares por doenças sensíveis à Atenção Primária no Sistema Único de Saúde

Factors associated with the cost of hospitalization for diseases sensitive to Primary Care in the Unified Health System

Resumo

O objetivo deste artigo é identificar os fatores associados aos custos das internações hospitalares por Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP) no Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de um estudo transversal, analítico, com amostras aleatórias de hospitalizações no SUS, ao longo de dois anos. Foram avaliadas a distribuição dos custos e a duração de 414 internações segundo sexo, faixa etária e CSAP. O alto custo teve uma prevalência de 37,8% e esteve associado à idade superior a 40 anos, não casados, renda menor que 1,5 salários mínimos, internação superior a sete dias e internação na unidade de tratamento intensivo (UTI). O período médio das internações foi de 9,35 dias e o custo médio de R$ 3.606,09. A internação do jovem teve um custo/dia de R$ 207,08, enquanto os idosos tiveram um custo/dia de R$ 399,53. Os homens tiveram maior prevalência de internações e foram responsáveis pelo maior custo médio de internação. Foram prevalentes as doenças cardíacas, as pulmonares e as cerebrovasculares, sendo que as cardíacas foram responsáveis pelo maior custo de internação. Esses resultados apontam a urgente necessidade de fortalecimento da Atenção Primária à Saúde, com monitorização constante dessas doenças, visto que os recursos disponíveis deveriam ser suficientes para tratá-las, sem que haja a necessidade de internação hospitalar e gastos desnecessários.

Palavras-chave:
Atenção Primária à Saúde; Custos hospitalares; hospitalização

Abstract

The scope of this article is to identify the factors associated with the costs of hospital admissions for Conditions Sensitive to Primary Care (CSPC) in the Unified Health System (SUS). It involved a cross-sectional, analytical study with random samples of hospitalizations in the SUS over the period of two years. The distribution of costs and the duration of 414 hospitalizations were evaluated according to sex, age group and CSPC. The high cost had a prevalence of 37.8% and was associated with being over 40 years of age and unmarried, with an income below 1.5 minimum wages, hospitalization longer than 7 days and admission to the ICU. The average period of hospitalizations was 9.35 days, and the average cost was R$3,606.09. The hospitalization of youths had a cost/day of R$207.08, while for the elderly the cost/day was R$399.53. Men had a higher prevalence of hospitalizations and were responsible for the elevated average cost of hospitalization. Cardiac, pulmonary, and cerebrovascular diseases were prevalent, and cardiac diseases were responsible for the highest cost of hospitalization. These results point to the urgent need to bolster Primary Health Care, with constant monitoring of these diseases, thereby ensuring that available resources are sufficient to treat them, without the need for hospitalization and unnecessary expenses.

Key words:
Primary Health Care; Hospital costs; Hospitalization

Introdução

As Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) representam hospitalizações potencialmente evitáveis, e compõem um conjunto de patologias que, se tratadas e acompanhadas de forma efetiva e oportuna na Atenção Primária à Saúde (APS) não resultariam em hospitalização11 Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Costa MFL, Macinko J, Mendonça CS, Mendonça CS, Oliveira VB, Sampaio LFR, Simoni C, Turci MA. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAPBrasil). Cad Saude Publica 2009; 25(6):1337-1349.. Em princípio, as internações hospitalares são multifatoriais. Além da presença da morbidade, os fatores individuais e determinantes externos como a disponibilidade de leitos e o acesso aos serviços de saúde influenciam nas taxas de hospitalização22 Morimoto T, Costa JSD. Internações por condições sensíveis à atenção primária, gastos com saúde e Estratégia Saúde da Família: uma análise de tendência. Cien Saude Colet 2017; 22(3):891-900..

O conhecimento sobre as ICSAP permite inferências sobre a qualidade e efetividade da atenção primária, fornecendo dados para o planejamento de estratégias que visem a prevenção de desperdício de recursos em programas inefetivos22 Morimoto T, Costa JSD. Internações por condições sensíveis à atenção primária, gastos com saúde e Estratégia Saúde da Família: uma análise de tendência. Cien Saude Colet 2017; 22(3):891-900.,33 Botelho JF, Portela MC. Risco de interpretação falaciosa das internações por condições sensíveis à atenção primária em contextos locais, Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil, 2006-2011. Cad Saude Publica 2017; 33(3):e00050915.. Conhecer essas enfermidades e identificar os custos decorrentes de suas internações pode colaborar para a adoção de medidas capazes de minimizar as hospitalizações desnecessárias22 Morimoto T, Costa JSD. Internações por condições sensíveis à atenção primária, gastos com saúde e Estratégia Saúde da Família: uma análise de tendência. Cien Saude Colet 2017; 22(3):891-900..

O financiamento desses custos e de todo o sistema de saúde é um problema presente em toda a história do Sistema Único de Saúde (SUS). O gasto público brasileiro em saúde sempre foi insuficiente para garantir uma saúde pública de qualidade44 Mendes A. A longa batalha pelo financiamento do SUS. Saude Soc 2013;22(4): 987-990.,55 Costa JSD, Morimoto T. Análise descritiva dos gastos com internações por condições sensíveis à atenção primária. Cad Saude Colet 2019; 27 (3):295-300.. Na APS foi percebida uma expressiva redução na proporção dos gastos de ICSAP em relação aos gastos totais do SUS com internações, entre os anos 2000-2013. Essa redução pode decorrer da consolidação da atenção primária, dado o aumento da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) no país66 Capucci P. Financiamento para atenção básica à saúde no Brasil: avanços e desafios. J Manag Prim Heal Care 2014; 5 (1):127-128.,77 Souza DK, Peixoto SV. Estudo descritivo da evolução dos gastos com internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária no Brasil, 2000-2013. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(2):285-294.. Estudos regionais demonstraram que o total gasto com ICSAP variou entre 17% e 18,49% do total gasto com internações por causas gerais e até 2,96% das despesas totais com saúde, entre 2003 e 201255 Costa JSD, Morimoto T. Análise descritiva dos gastos com internações por condições sensíveis à atenção primária. Cad Saude Colet 2019; 27 (3):295-300.,88 Ferreira JBB, Borges MJG, Santos LL, Forster AC. Internações por condições sensíveis à atenção primária à saúde em uma região de saúde paulista, 2008 a 2010. Epidemiol Serv Saude 2014; 23(1):45-56..

Um maior investimento na APS poderia gerar melhora nesses resultados e, consequentemente, a redução das ICSAP. Com a redução da ocupação de leitos por essas causas, aumenta-se a disponibilidade de leitos para internação por outras condições e contribui para a redução dos gastos com internações55 Costa JSD, Morimoto T. Análise descritiva dos gastos com internações por condições sensíveis à atenção primária. Cad Saude Colet 2019; 27 (3):295-300..

Apesar do impacto financeiro dessas hospitali zações e da sua importância para o sistema público de saúde, estudos referentes a esses custos ainda são incipientes na lite ratura brasileira. Avaliar os fatores associados a esses custos, o impacto deles sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a maneira como eles estão disseminados em relação às características da população pode colaborar no direcionamento de ações mais efetivas pela APS99 Homar JC, Matutano CC. La evaluación de la atención primaria y las hospitalizaciones por ambulatory care sensitive conditions: marco conceptual. Aten Primaria 2003; 31(1):61-65..

A organização do sistema de saúde também pode ser beneficiada com estudos que discutem a utilização adequada e racional dos níveis de atenção. A produção de informações sobre os custos de ICSAP pode contribuir para a melhor alocação dos recursos, já que internações evitáveis oneram o orçamento público da saúde e desperdiçam os recursos que poderiam ser uti lizados para o custeio de outras ações em saúde1010 Pinto JEP, Costa LQ, Oliveira SMA, Medina MG, Aquino R, Silva MGC. Tendência dos gastos e das internações por condições sensíveis à Atenção Primária em menores de cinco anos na Bahia, Brasil. Cien Saude Colet 2018; 23(12):4331-4338..

Dada a importância dessa identificação, este estudo teve o objetivo de identificar os fatores associados aos custos das internações hospitalares por condições sensíveis à Atenção Primária no Sistema Único de Saúde.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, analítico, baseado em inquérito de morbidade hospitalar. O estudo teve como alvo os pacientes e as respectivas internações hospitalares realizadas ao longo de um período de dois anos, nos quatro principais hospitais de uma cidade do norte de Minas Gerais, que é referência para toda macrorregião de saúde.

A amostra foi por conglomerados, considerando cada unidade hospitalar como um cluster. Para o sorteio dos participantes foi considerada a representação proporcional da população de cada cluster, no total da amostra a ser definida.

Para a definição do total de elementos amostrais foi considerado como universo amostral 76.096 possíveis internações hospitalares ao longo de doze meses nos hospitais selecionados para o estudo, o que representa a média aritmética das saídas hospitalares registradas pelas instituições avaliadas durante os últimos dois anos que antecederam a coleta de dados. A margem de erro foi de 4%, o nível de confiança de 95% e a prevalência estimada de 35%, considerando as taxas de internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária em outros estudos nacionais. O valor encontrado foi multiplicado por fator de correção para o efeito do desenho de 1,5 e acrescido de 20% para eventuais perdas. Assim, o número mínimo de internações hospitalares a serem avaliadas foi de 976.

Um estudo piloto foi realizado nas quatro instituições hospitalares, a fim de testar as questões utilizadas. A equipe de entrevistadores para o trabalho de campo foi constituída por duas estudantes da graduação do curso de enfermagem e foi especialmente treinada para os procedimentos.

A coleta ocorreu ao longo de uma semana em cada unidade hospitalar e com uma semana de intervalo entre eles, durante 24 meses. Foram incluídos na pesquisa todos os pacientes acima de 18 anos, internados pelo SUS, nas últimas 24 horas que antecederam o momento da coleta, com um diagnóstico principal de condição sensível à atenção primária, segundo a Lista Brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária1111 Brasil. Portaria nº 221, de 17 de abril de 2008. Publica a lista brasileira de internações por condições sensíveis à atenção primária. Brasília: Diário Oficial da União 2008; 18 abr.. Foram excluídos aqueles pacientes que, em função da sua condição, não pôde responder ao questionário e não tivesse acompanhante que o fizesse.

Após identificação de todas as internações realizadas nas 24h que antecederam a coleta, o diagnóstico principal da internação era identificado no prontuário. Uma vez considerado para o estudo e obtido o consentimento formal, o participante e/ou acompanhante respondia ao questionário semiestruturado elaborado pelos autores e a internação era acompanhada até seu desfecho final.

Após encerramento da internação o prontuário era novamente avaliado, a fim de coletar dados referentes ao período de internação e desfecho da mesma. Após o processamento administrativo e a liberação dos documentos relacionados à conta hospitalar, foram coletados os dados referentes ao custo direto da internação por paciente (valor do serviço profissional, valor do serviço hospitalar, valor da diária de acompanhantes, valor UTI) por meio do Relatório “Autorização de Internação Hospitalar” (AIH), disponibilizado pelo Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME) das instituições.

Para identificação dos fatores associados às internações de alto custo foi utilizada análise de regressão logística com abordagem hierarquizada. No contexto do presente trabalho, o alto custo hospitalar foi considerado para os valores do último quartil, para todas as internações. O modelo teórico foi formado por três blocos de variáveis, considerando todas as associações com nível de significância até 20% (p<0,20), conforme Figura 1.

Figura 1
Modelo hierarquizado para análise múltipla de fatores associadas ao alto curso hospitalar das ICSAP.

Para o modelo final permaneceram apenas as associações estatisticamente significantes até o nível de 5% (p<0,05).

Os dados obtidos foram lançados e organizados em planilha eletrônica. Para o tratamento estatístico destes dados, foi utilizado o software IBM SPSS versão 22 para Windows.

O projeto do estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa devidamente reconhecido e pelos Centros de Ensino e Pesquisa dos hospitais envolvidos. Todos os participantes foram entrevistados após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e todos os preceitos éticos referentes à condução de pesquisa envolvendo seres humanos foram respeitados.

Resultados

Entre o período considerado neste estudo, foram acompanhadas 1.208 internações, das quais 414 foram internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária, no âmbito do SUS. Dessas internações, 231 (55,8%) corresponderam ao sexo masculino.

O período médio de todas as internações foi de 9,35 dias e o custo médio de R$ 3.606,09, correspondendo a R$ 385,68 o custo/dia das internações.

Os idosos representaram 65,7% da amostra total, sendo que os acima de 80 anos totalizaram 20,3% da população geral. O custo médio das internações, assim como a taxa média de permanência aumentou gradualmente até os 79 anos. Já os idosos acima de 80 anos apresentaram menores taxas no custo e na duração da internação do que os idosos mais jovens. O público mais jovem teve um custo diário de R$ 207,08, enquanto os idosos entre 60-79 anos tiveram um custo/dia de R$ 399,53 (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição de custos de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária, segundo sexo e faixa etária em um município do Norte de Minas Gerais, 2017/2019.

Entre os gêneros, houve uma maior prevalência de internações no sexo masculino (55,8%). Os homens também foram responsáveis pela maior taxa de permanência (9,45) e pelo maior custo médio de internação (R$ 3.865,04). Já as mulheres corresponderam a 44,2% de todas as internações e apresentaram uma média de permanência de 9,22 dias (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta a distribuição de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária para homens, segundo os principais grupos de causas, permanência hospitalar e custos. Percebe-se que quase metade dos homens (48,1%) internou com insuficiência cardíaca e que a maior prevalência de internações foi entre os idosos de 60-79 anos de idade (52,1%). As condições respiratórias, além de apresentarem uma importante prevalência (13%), foram responsáveis pela maior média de permanência entre os homens (10,73).

Tabela 2
Distribuição de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária para homens, segundo principais grupos de causas, permanência hospitalar e custos em um município do Norte de Minas Gerais, 2017/2019.

Apesar da menor prevalência entre as patologias, as condições urogenitais foram responsáveis pelo maior custo-médio de internação na faixa etária mais jovem (R$ 7.409,00). A insuficiência cardíaca foi responsável pelo maior custo médio de internação (R$ 5.411,24) e pela maior razão custo/dia (R$ 564,84). Como na população geral, os homens entre 60-79 anos obtiveram o maior custo (R$ 4164,26) (Tabela 2).

Resultados semelhantes foram encontrados entre as mulheres. Quase metade das mulheres foi internada com insuficiência cardíaca (47,5%) e a maior prevalência de internações também foi entre as idosas de 60-79 anos de idade (37,7%). As doenças pulmonares foram responsáveis pela maior média de permanência entre as mulheres (11,61), seguido das morbidades do sistema cardíaco (9,52) (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária para mulheres, segundo principais grupos de causas, permanência hospitalar e custos em um município do Norte de Minas Gerais, 2017/2019.

As idosas apresentaram internações mais longas. As mulheres entre 60-79 anos de idade ficaram, em média, 10,48 dias internadas e as acima de 80 anos permaneceram internadas por 9,60 dias. A insuficiência cardíaca foi responsável pelo maior custo médio de internação e pelo maior custo-dia (R$ 455,46). Considerando todas as faixas etárias, as mulheres entre 40-59 anos de idade apresentaram maior custo-dia (R$ 440,12) (Tabela 3).

A Tabela 4 expressa a associação das variáveis investigadas com o alto custo da internação hospitalar (≥ R$ 4.179,00), trazendo em destaque o resultado para aquelas variáveis aptas à análise multivariada, por meio de regressão de Poisson. O percentual de ICSAP que apresentaram alto custo foi de 37,8%.

Tabela 4
Associação entre variáveis individuais e custo das internações por condições sensíveis à atenção primária, no âmbito do SUS, 2017/2019.

Considerando a associação entre as variáveis e o alto custo da internação (Tabela 4), observou-se que a idade superior a 40 anos, o “não casado”, a renda menor que 1,5 salários mínimos, a internação superior a 7 dias e a internação na UTI apresentaram associação estatisticamente significante após ajuste multivariado.

Discussão

Os resultados deste estudo permitiram verificar que uma elevada proporção de ICSAP apresentam custos hospitalares elevados. Assim, gastos com ICSAP devem ser interpretados como possibilidades de economias no sistema de saúde e/ou melhoria da alocação dos recursos1010 Pinto JEP, Costa LQ, Oliveira SMA, Medina MG, Aquino R, Silva MGC. Tendência dos gastos e das internações por condições sensíveis à Atenção Primária em menores de cinco anos na Bahia, Brasil. Cien Saude Colet 2018; 23(12):4331-4338.. Esses gastos evitáveis ganham proporções ainda maiores considerando que o SUS apresenta deficiências na oferta de recursos públicos para a saúde da população, por não ter uma receita estável e adequada às suas necessidades1212 Paim, J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. J Lancet 2011; 377(9779):1778-1797.. Deve-se destacar ainda que os custos aqui relacionados se referem somente aos gastos hospitalares, não refletindo o custo social para o paciente e nem os custos indiretos decorrentes da hospitalização.

A idade avançada é um dos principais fatores relacionados às internações hospitalares por doenças sensíveis à Atenção Primária. Representando 65,7% da amostra total, os idosos também foram responsáveis pelo maior custo de internação. Esses resultados são semelhantes a vários outros estudos, confirmando a importância desses fatores77 Souza DK, Peixoto SV. Estudo descritivo da evolução dos gastos com internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária no Brasil, 2000-2013. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(2):285-294.,1313 Berenstein CK, Wajnman S. Efeitos da estrutura etária nos gastos com internação no Sistema Único de Saúde: uma análise de decomposição para duas áreas metropolitanas brasileiras. Cad Saude Publica 2008; 24(10):2301-2313..

Além de possuírem alta prevalência, a internação de idosos envolve um maior tempo de permanência no hospital, tratamentos mais complexos, maiores recursos materiais e humanos e até mesmo outras complicações de saúde1313 Berenstein CK, Wajnman S. Efeitos da estrutura etária nos gastos com internação no Sistema Único de Saúde: uma análise de decomposição para duas áreas metropolitanas brasileiras. Cad Saude Publica 2008; 24(10):2301-2313.,1414 Santos JR, Barros MD. Idosos do Município do Recife, Estado de Pernambuco, Brasil: uma análise da morbimortalidade hospitalar. Epidemiol Serv Saude 2008; 17(3): 177-186.. Estudo transversal que avaliou os gastos relacionados a hospitalizações de idosos no Brasil observou que a razão entre os valores pagos por internações hospitalares e a população aumenta gradualmente com a idade e que os gastos com a população idosa masculina são oito vezes maiores do que na população jovem masculina1515 Silveira RE, Santos AS, Sousa MC, Monteiro TS. Gastos relacionados a hospitalizações de idosos no Brasil: perspectivas de uma década. Einstein 2013; 11(4): 514-520.. Em menor proporção, o presente estudo detectou um custo mais oneroso na população idosa masculina, quando comparado à população adulta masculina.

Grande parte dos altos gastos em idosos hospitalizados provém do uso intensivo de tecnologia. Porém, alguns autores discutem que os “idosos mais velhos” são tratados com menor agressividade e com menor uso de tecnologias e, por isso, possuem hospitalizações menos dispendiosas. Além disso, há uma maior probabilidade de um indivíduo mais velho morrer, o que diminui o tempo de internação1616 Sheiner L. The effects of technology on the age distribution of health spending: a cross-country perspective. Fin Econom Discus Series 2007. [cited 2019 Set 08]. Available from: https://ideas.repec.org/p/fip/fedgfe/2004-14.html
https://ideas.repec.org/p/fip/fedgfe/200...
,1717 Miller T. Increasing longevity and Medicare expenditures. Demography 2001; 38:215-226.. Essa realidade também foi encontrada no presente trabalho, em ambos os sexos. Os custos com as internações foram crescentes até a idade de 79 anos, após essa faixa etária houve uma redução no custo médio da internação e também no número de diárias.

Com o envelhecimento populacional, medidas preventivas e tecnologias que visem à redução dos gastos são imprescindíveis1313 Berenstein CK, Wajnman S. Efeitos da estrutura etária nos gastos com internação no Sistema Único de Saúde: uma análise de decomposição para duas áreas metropolitanas brasileiras. Cad Saude Publica 2008; 24(10):2301-2313.. Importante também otimizar medidas que contribuam para a melhora global nas condições de vida do idoso, visando evitar o aparecimento de doenças, muitas vezes preveníveis, que implicam gastos onerosos ao SUS1818 Piuvezam G, Freitas MR, Costa JV, Freitas PA, Cardoso PMO, Medeiros ACM, Campos RO, Mesquita GXB. Fatores associados ao custo das internações hospitalares por doenças infecciosas em idosos em hospital de referência na cidade do Natal, Rio Grande do Norte. Cad Saude Colet 2015; 23(1):63-68.. O sistema público de saúde deve ser capaz de atender a esses idosos de forma integral, inclusive com a adoção de medidas alternativas como a internação domiciliar, a fim de evitar as internações e suas complicações1313 Berenstein CK, Wajnman S. Efeitos da estrutura etária nos gastos com internação no Sistema Único de Saúde: uma análise de decomposição para duas áreas metropolitanas brasileiras. Cad Saude Publica 2008; 24(10):2301-2313.,1919 Jobim EFC, Souza VO, Cabrera MAS. Causas de hospitalização de idosos em dois hospitais gerais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Acta Scientiarum Health Sci 2010; 32(1):79-83.. Além disso, é de suma importância a implementação de programas de saúde que promovam a saúde como um todo e previnam certas patologias resultantes de um estilo de vida inadequado2020 Souza MFM, Malta DC, França EB, Barreto ML. Transição da saúde e da doença no Brasil e nas Unidades Federadas durante os 30 anos do Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6): 1737-1750..

Os sistemas com maior impacto no risco de uma hospitalização por condição prevenível são os sistemas respiratório e circulatório2121 Dantas I, Santana R, Sarmento J, Aguiar P. The impact of multiple chronic diseases on hospitalizations for ambulatory care sensitive conditions. BMC Health Serv Res 2016; 16:348.. A insuficiência cardíaca foi a causa mais prevalente de ICSAP, seguida das doenças pulmonares, doenças cerebrovasculares e infecções no rim e trato urinário. A alta prevalência da insuficiência cardíaca e doenças pulmonares e dos seus custos são confirmados por outros estudos33 Botelho JF, Portela MC. Risco de interpretação falaciosa das internações por condições sensíveis à atenção primária em contextos locais, Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil, 2006-2011. Cad Saude Publica 2017; 33(3):e00050915.,1919 Jobim EFC, Souza VO, Cabrera MAS. Causas de hospitalização de idosos em dois hospitais gerais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Acta Scientiarum Health Sci 2010; 32(1):79-83.. Exceção para esse perfil foi a infecção no rim e trato urinário, com o maior custo médio para a faixa etária mais jovem. No ano 2000 essa infecção foi responsável pela maior proporção de gastos entre jovens de 5 a 19 anos, superando inclusive as pneumonias bacterianas que apresentaram alta prevalência77 Souza DK, Peixoto SV. Estudo descritivo da evolução dos gastos com internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária no Brasil, 2000-2013. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(2):285-294..

A insuficiência cardíaca é um importante problema de saúde, considerada como uma nova epidemia com elevada mortalidade. No Brasil, a patologia apresenta elevadas taxas de reinternação hospitalar e de mortalidade intra-hospitalar, com 50 mil óbitos/ano por complicações2222 Albuquerque DC, Neto JDS, Bacal F, Rohde LEP, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, Almeida DR. I Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca - Aspectos Clínicos, Qualidade Assistencial e Desfechos Hospitalares. BREATHE: Características, Indicadores e Desfechos. Arq Bras Cardiol 2015; 104(6):433-442.. Esse fato destaca a necessidade de maior capacitação dos profissionais da APS, de modo a assegurar melhores condições de manejo dos pacientes com cardiopatia e evitar internações que sejam potencialmente evitáveis.

Um importante aspecto levantado pelo estudo BREATHE sobre a abordagem ao paciente com insuficiência cardíaca é que somente metade dos pacientes é orientada quanto ao correto uso da medicação e somente 43% recebem informações acerca das complicações2222 Albuquerque DC, Neto JDS, Bacal F, Rohde LEP, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, Almeida DR. I Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca - Aspectos Clínicos, Qualidade Assistencial e Desfechos Hospitalares. BREATHE: Características, Indicadores e Desfechos. Arq Bras Cardiol 2015; 104(6):433-442.. Estudo que avaliou os custos diretos e indiretos do tratamento ambulatorial e hospitalar da insuficiência cardíaca em uma cidade do Rio de Janeiro levantou que a estimativa do custo por paciente internado foi de R$ 4.033,62 e entre os custos indiretos chamou a atenção o alto custo dos medicamentos financiados pelo próprio paciente2323 Araújo DV, Tavares LR, Veríssimo R, Ferraz MB, Mesquita ET. Custo da Insuficiência Cardíaca no Sistema Único de Saúde. Arq Bras Cardiol 2005; 84(5):422-427..

Não foi objetivo desse estudo avaliar os custos indiretos das internações, mas é importante destacar a sua importância. O alto custo das medicações pode colaborar para a descontinuidade do tratamento, levando à repetidas internações hospitalares2323 Araújo DV, Tavares LR, Veríssimo R, Ferraz MB, Mesquita ET. Custo da Insuficiência Cardíaca no Sistema Único de Saúde. Arq Bras Cardiol 2005; 84(5):422-427.. Este achado revela a necessidade de implementação de política de facilitação do acesso aos medicamentos de uso crônico no SUS, sob risco de onerar, ainda mais, o sistema, com hospitalizações decorrentes da falta de medicamentos ambulatoriais1212 Paim, J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. J Lancet 2011; 377(9779):1778-1797.,2222 Albuquerque DC, Neto JDS, Bacal F, Rohde LEP, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, Almeida DR. I Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca - Aspectos Clínicos, Qualidade Assistencial e Desfechos Hospitalares. BREATHE: Características, Indicadores e Desfechos. Arq Bras Cardiol 2015; 104(6):433-442.. Além disso, a aposentadoria precoce e o absenteísmo resultantes das complicações da patologia também possuem grande responsabilidade nos custos indiretos2222 Albuquerque DC, Neto JDS, Bacal F, Rohde LEP, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, Almeida DR. I Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca - Aspectos Clínicos, Qualidade Assistencial e Desfechos Hospitalares. BREATHE: Características, Indicadores e Desfechos. Arq Bras Cardiol 2015; 104(6):433-442..

Os gastos com internações por doenças pulmonares também merecem destaque, pois representam quase 15% das internações hospitalares e a maior média de permanência entre os grupos de patologias. Importante ressaltar que muitas das doenças pulmonares são tratadas na atenção primária, sem necessidade de internação hospitalar2424 Elias E, Magajewski F. A Atenção Primária à Saúde no sul de Santa Catarina: uma análise das internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial, no período de 1999 a 2004. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(4):633-647.. Esses resultados levam a questionamentos sobre a efetividade da atenção primária. Muitas das patologias que levaram à internação são doenças crônicas passíveis de acompanhamento ambulatorial, que exigem tratamento adequado e continuidade do cuidado para a prevenção de internações33 Botelho JF, Portela MC. Risco de interpretação falaciosa das internações por condições sensíveis à atenção primária em contextos locais, Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil, 2006-2011. Cad Saude Publica 2017; 33(3):e00050915.,1919 Jobim EFC, Souza VO, Cabrera MAS. Causas de hospitalização de idosos em dois hospitais gerais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Acta Scientiarum Health Sci 2010; 32(1):79-83.. Para melhorar essa realidade é imprescindível conhecer as necessidades de saúde da população e fornecer ferramentas para enfrentamento desses problemas de saúde2020 Souza MFM, Malta DC, França EB, Barreto ML. Transição da saúde e da doença no Brasil e nas Unidades Federadas durante os 30 anos do Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6): 1737-1750..

Na análise multivariada, percebeu-se que a idade acima de 40 anos é um importante fator para internações hospitalares com alto custo. Apesar de a maior prevalência estar presente na faixa etária acima de 60 anos, é necessário salientar que os adultos acima de 40 anos já apresentam maior probabilidade de internações por condições sensíveis. São escassos os trabalhos que avaliam a morbidade e a internação hospitalar de adultos, a maioria deles utiliza a faixa etária acima de 60 anos como referência. De qualquer modo, é importante considerar que os adultos representam o maior número de usuários do SUS, o que influencia diretamente nos custos contabilizados1515 Silveira RE, Santos AS, Sousa MC, Monteiro TS. Gastos relacionados a hospitalizações de idosos no Brasil: perspectivas de uma década. Einstein 2013; 11(4): 514-520..

Estudo que identificou os fatores associados às admissões hospitalares no Brasil, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1998 (PNAD/1998) verificou que a cada aumento de um ano na idade, há o aumento de um por cento na chance de internação hospitalar2525 Castro SM, Travassos C, Carvalho MS. Fatores associados às internações hospitalares no Brasil. Cien Saude Colet 2002; 7(4):795-811.. Além disso, a presença de patologia crônica nos adultos contribui de forma significativa para as internações. As doenças cardiovasculares, por exemplo, que respondem pela maior parte das internações nos grupos etários acima dos 40 anos, apresentam um significativo acréscimo nas taxas de internação conforme o aumento da idade2020 Souza MFM, Malta DC, França EB, Barreto ML. Transição da saúde e da doença no Brasil e nas Unidades Federadas durante os 30 anos do Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(6): 1737-1750.,2626 Santos MAS, Oliveira MM, Andrade SSCA, Nunes ML, Malta DC, Moura L. Tendências da morbidade hospitalar por doenças crônicas não transmissíveis no Brasil, 2002 a 2012. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):389-398.,2727 Skinner HG, Coffey R, Jones J, Heslin KC, Moy E. The effects of multiple chronic conditions on hospitalization costs and utilization for ambulatory care sensitive conditions in the United States: a nationally representative cross-sectional study. BMC Health Serv Res 2016; 16:77..

O envelhecimento da população exerce um papel fundamental sobre as patologias e sobre o aumento dos gastos hospitalares2828 Reis CS, Noronha K, Wajnman S. Envelhecimento populacional e gastos com internação do SUS: uma análise realizada para o Brasil entre 2000 e 2010. Rev Bras Estud Popul 2016; 33(3):591-612.. No Brasil, estima-se que em 2020 teremos 13 milhões de idosos. Em 2060 eles representarão um terço da população brasileira. A sobrecarga no sistema de saúde será inevitável já que, em função da fragilidade, eles utilizam os serviços de saúde em uma proporção expressivamente maior do que as demais faixas etárias2929 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de indicadores sociais : uma análise das condições de vida da população brasileira: 2018. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Rio de Janeiro: IBGE; 2018..

O estado civil também esteve associado às internações de alto custo. Estudos que discorrem sobre a influência do estado civil nas ICSAP ou sobre os custos hospitalares são escassos. Foram encontradas poucas pesquisas que investigaram essa variável e nenhum deles encontrou associação estatisticamente significante3030 Fernandes VBL, Caldeira AP, Faria AA, Rodrigues Neto JF. Internações sensíveis na atenção primária como indicador de avaliação da Estratégia Saúde da Família. Rev Saude Publica 2009; 43(6):928-936.,3131 Souza LA, Rafael RMR, Moura ATMS, Neto M. Relações entre a atenção primária e as internações por condições sensíveis em um hospital universitário. Rev Gaucha Enferm 2018; 39:e2017-0067.. Isso provavelmente se justifica pelo fato de a maioria dos estudos utilizarem dados secundários na avaliação das internações e dos seus custos2,7,15. Neste estudo observou-se que a união estável é um fator protetor para internações hospitalares de alto custo. Sabe-se que as mulheres são mais propensas a obter cuidados de saúde formais e os homens, quando casados, também procuram mais por serviços de saúde3232 Parslow R, Jorm A, Christensen H, Jacomb P, Rodgers B. Gender differences in factors affecting use of health services: an analysis of a community study of midle-aged and older Australians. Soc Sci Med 2004; 59(10):21219.. Essa maior prevenção pode ser responsável por internações hospitalares menos complexas e consequentemente menos dispendiosas contudo, mais investigações são necessárias.

A renda foi outra importante variável associada ao alto custo. A baixa renda já havia sido associada ao alto custo hospitalar há mais de 10 anos, em portadores insuficiência cardíaca2323 Araújo DV, Tavares LR, Veríssimo R, Ferraz MB, Mesquita ET. Custo da Insuficiência Cardíaca no Sistema Único de Saúde. Arq Bras Cardiol 2005; 84(5):422-427.. As condições socioeconômicas precárias possuem importante influência sobre as condições de saúde de uma população. Os grupos menos favorecidos economicamente possuem menos acesso aos serviços disponíveis e limitada capacidade de autofinanciar os recursos necessários para o tratamento2323 Araújo DV, Tavares LR, Veríssimo R, Ferraz MB, Mesquita ET. Custo da Insuficiência Cardíaca no Sistema Único de Saúde. Arq Bras Cardiol 2005; 84(5):422-427.,3333 Barreto ML. Desigualdades em Saúde: uma perspectiva global. Cien Saude Colet 2017; 22(7):2097-2108.. Com isso, eles também apresentam maior prevalência de certas doenças e, pelo acesso dificultado, só conseguem o atendimento quando a sua situação de saúde é mais séria1313 Berenstein CK, Wajnman S. Efeitos da estrutura etária nos gastos com internação no Sistema Único de Saúde: uma análise de decomposição para duas áreas metropolitanas brasileiras. Cad Saude Publica 2008; 24(10):2301-2313.. Estudo realizado no Canadá demostrou que as ICSAP estiveram associadas à baixa satisfação com a vida e a magnitude dessa relação foi maior para aqueles mais desfavorecidos economicamente, evidenciando mais uma vez a influência da renda nessas internações3434 Prophetis E, Goel V, Watson T, Rosella LC. Relationship between life satisfaction and preventable hospitalisations: a population-based cohort study in Ontario, Canada. BMJ Open 2020; 10:e032837.. Com a hospitalização, há um “efeito compensatório” das desigualdades no uso de serviços de saúde2525 Castro SM, Travassos C, Carvalho MS. Fatores associados às internações hospitalares no Brasil. Cien Saude Colet 2002; 7(4):795-811..

Em relação aos aspectos diretamente ligados à internação hospitalar, encontrou-se nesse estudo que a utilização do serviço de UTI e a duração da internação superior a sete dias estavam associadas aos altos custos das internações. É notório que as internações hospitalares que utilizam tecnologia de alta complexidade possuem maiores gastos3535 Huguenin FM, Pinheiro RS, Almeida RMVR, Infantosi AFC. Caracterização dos padrões de variação dos cuidados de saúde a partir dos gastos com internações por infarto agudo do miocárdio no sistema único de saúde. Rev Bras Epidemiol 2016; 19(2):229-242.. O uso da UTI está intimamente ligado à maior média de permanência, já que esses pacientes dependem de cuidados mais complexos e mais demorados, resultando em um maior custo de tratamento quando comparado a outros pacientes3636 Peixoto SV, Giatti L, Alfradique ML, Costa MFL. Custo das internações hospitalares entre idosos brasileiros no âmbito do Sistema Único de Saúde. Epidemiol Serv Saude 2004; 13(4):239-244..

A duração da internação hospitalar acima de sete dias é muita elevada e provavelmente está associada à uma atenção primária ineficaz3737 Ribeiro JM. Desenvolvimento do SUS e racionamento de serviços hospitalares. Cien Saude Colet 2009; 14(3):771-782.. Espera-se que esse nível de atenção produza efeitos benéficos na melhoria da qualidade do sistema de saúde como um todo e na saúde dos indivíduos. Essa atuação efetiva poderia solucionar os problemas relacionados às condições sensíveis e “liberar” a atenção hospitalar para as condições mais complexas3838 Rodrigues MM, Alvarez AM, Rauch KC. Tendência das internações e da mortalidade de idosos por condições sensíveis à atenção primária. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190010..

Outro fator que influencia a duração da internação é também a ineficiência nos recursos hospitalares. Nessa pesquisa, as doenças cardiovasculares representaram uma expressiva parcela das internações, e a literatura destaca que muitas delas necessitam de intervenção específica3737 Ribeiro JM. Desenvolvimento do SUS e racionamento de serviços hospitalares. Cien Saude Colet 2009; 14(3):771-782.. Muitos hospitais apresentam dificuldades para atender toda essa demanda, em função da falta de equipamentos e recursos humanos, resultando em uma internação mais prolongada3838 Rodrigues MM, Alvarez AM, Rauch KC. Tendência das internações e da mortalidade de idosos por condições sensíveis à atenção primária. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190010..

Como limitações desse trabalho, podem ser citados fatores limitantes relacionados à interpretação das tendências dessas internações. Entre eles a existência de diferentes listas de internações por condições sensíveis à atenção primária e a ausência de informações relacionadas às outras causas de hospitalizações, o que dificulta a comparação de resultados e a análise dessas internações. Outra limitação foi a ausência de avaliação dos custos indiretos. Ao longo do trabalho percebeu-se a importância e a influência desse custo principalmente sobre o paciente e familiar. Também teria sido válida a avaliação das internações do serviço de autogestão. A análise de ambos os sistemas poderia fornecer importantes dados comparativos sobre o financiamento das internações e também sobre a qualidade do serviço prestado.

Conclusão

Os resultados encontrados nesta pesquisa, como a alta prevalência das internações de pacientes idosos e das doenças do aparelho cardiovascular e respiratório, confirmam achados de outros estudos. Essas condições também foram as principais responsáveis pelo custo médio das internações hospitalares (R$ 3.865,04). Ressalta-se que as variáveis idade superior a 40 anos, “não casado”, renda menor que 1,5 salários mínimos, internação superior a sete dias e internação na UTI estiveram associadas ao alto custo da internação.

Esses resultados levam a reflexões acerca da qualidade da atenção primária. É imperioso o fortalecimento da APS no Brasil, com ações voltadas para a melhoria dos determinantes sociais de saúde. Além disso, doenças sensíveis à atenção primária devem ser constantemente monitoradas, visto que a expansão da ESF e os recursos disponíveis nesse nível de atenção são suficientes para tratá-las, sem que haja a necessidade de internação hospitalar e gastos desnecessários. Uma APS resolutiva pode gerar melhores condições de saúde para a população e também contribuir para a gestão eficiente dos recursos públicos.

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Editado por

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2020
  • Aceito
    20 Maio 2021
  • Publicado
    22 Maio 2021
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