Open-access ESTUDAR - ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM PERIÓDICOS BRASILEIROS

Estudiar - Análisis de la producción científica en periódicos brasileños

RESUMO

Estudar é um comportamento essencial para todos os alunos, pois, potencialmente, permite aprender qualquer conteúdo. O presente estudo teve como objetivo analisar a produção da comunidade científica, divulgada em periódicos brasileiros, sobre o estudar. Nas bases de dados SciELO e PePSIC foram inseridas palavras de busca, que resultou em 82 estudos selecionados. As informações obtidas dizem respeito aos autores, instituições, área de conhecimento, abordagem teórica e tipo de pesquisa. Dentre os resultados, destacam-se: crescimento das publicações a partir de 2004; predomínio de poucos grupos de pesquisa; pouca participação da área da Educação; dominância da Psicologia Cognitiva; predomínio de pesquisas descritivas; utilização de instrumentos padronizados; predomínio do Ensino Superior e utilização da sala de aula como setting. Discute-se sobre a necessidade de mais pesquisas de intervenção, além da maior participação dos professores que deveriam ser os principais participantes envolvidos nas pesquisas.

Palavras-chave: hábitos de estudos; estratégias da aprendizagem; autorregulação

RESUMEN

Estudiar es un comportamiento esencial a todos los alumnos, pues, potencialmente, permite aprender cualquier contenido. En el presente estudio se tuvo como objetivo analizar la producción de la comunidad científica, relatada en periódicos brasileños, sobre el estudiar. Se utilizaron palabras de búsqueda, que se insirió en los bancos de datos de SciELO y PePSIC, se seleccionaron 82 estudios. Se obtuvo, entre otras, informaciones sobre autores, instituciones, área de conocimiento, abordaje teórico, tipo de investigación. Entre los resultados, se destacan: crecimiento de las publicaciones a partir de 2004; predominio de pocos grupos de investigación; poca participación del área de la Educación; dominancia de la Psicología Cognitiva; predominio de investigaciones descriptivas; utilización de instrumentos normatizados; predominio de la Enseñanza Universitaria y utilización de la sala de clase como setting. Se discute sobre la necesidad de más intervención, además de más participación de los profesores que deberían ser los principales participantes involucrados en las investigaciones.

Palabras clave: hábitos de estudio; estrategias de aprendizaje; autorregulación

ABSTRACT

Studying is an essential behavior for all students, as it potentially allows them to learn any content. This study aimed to analyze the production of the scientific community, published in Brazilian journals, about studying. Search words were inserted in the SciELO and PePSIC databases, which resulted in 82 selected studies. The information obtained concerns the authors, institutions, area of ​​knowledge, theoretical approach, and type of research. Among the results, the following stand out: an increase in the number of publications since 2004; predominance of few research groups; little participation from the Education area; predominance of Cognitive Psychology; predominance of descriptive research; use of standardized instruments; predominance of Higher Education and the use of the classroom as a setting. It discusses the need for more intervention research, in addition to the greater participation of teachers who should be the main participants involved in the research.

Keywords: study habits; learning strategies; self-regulation

INTRODUÇÃO

O contexto acadêmico típico da maioria das escolas brasileiras compõe-se de um ciclo com três momentos: (1) as aulas, nas quais a exposição de conteúdos pelos professores é usual; (2) estudo individual; (3) avaliação (normalmente, envolvendo provas escritas). Nesse contexto, pressupõe-se que o aluno seja capaz de realizar estudo individual - demandado por parte dos professores, pais e/ou responsáveis - para entrar em contato, obter informações e/ou trabalhar com os materiais acadêmicos (livros, apostilas e cadernos, contendo textos e exercícios). Destaca-se, pois, o grau de importância que o estudar tem nesse contexto.

O estudar é uma grande conquista, pois o aluno que sabe estudar acaba se tornando o professor de si mesmo e pode aprender, potencialmente, qualquer conteúdo (Velasco, 2016). Entretanto, apesar de sua destacada importância nos meios de comunicação e nos livros disponíveis em livrarias (e.g., Castro, 2015), o estudar tem sido sistematicamente ignorado pelas escolas, na educação formal, como discutimos a seguir, tendo tal fato múltiplas causas (Pergher, Colombini, Chamati, Figueiredo, & Camargo, 2012; Velasco, 2016).

Segue a síntese de algumas delas, segundo Cortegoso e Botomé (2002) e Velasco (2016): (a) os professores, usualmente, são ensinados apenas a expor o conteúdo e a checar o que foi aprendido em sua exposição, oferecendo exercícios, textos, slides, vídeos, entre outros recursos; em outras palavras, não foi ensinado a estudar, ou seja, não houve o ensino de ações em relação a esses materiais oferecidos; (b) no currículo formal, nenhuma disciplina se reserva ao ensino do estudar; (c) despreparo das próprias escolas; (d) equívocos relacionados à natureza do estudar, tais como: crença de que o modo de estudar de cada aluno é uma característica intrínseca (ou inata) de cada pessoa, pouco ou nada sujeita à ação do ambiente e que a escola se limita a oferecer oportunidades para os alunos apenas exercitarem esse “estudar“.

A partir da posição dos autores, verifica-se que o estudar não é alvo do ensino formal e Figueiral (2015) oferece um complemento crítico ao focalizar o modo como o estudar aparece ao longo da educação formal brasileira.

A autora relata que o aluno percorre três estágios de escolarização: da alfabetização ao final do quinto ano; do sexto ano até o final do nono ano; Ensino Médio. Na primeira fase, o aluno é percebido como um aluno amador, havendo a presença constante e próxima de tutores/auxiliares e da professora, planejando e monitorando as tarefas (foco na aquisição e consolidação da leitura, escrita e ensino da Matemática). Do sexto ano em diante, muitos professores esperam que o aluno já saiba se organizar minimamente e a estudar, não havendo mais a supervisão e a proteção de tutores/auxiliares; usualmente, não é mais o professor que se direciona até o aluno para orientar e, sim, o próprio aluno direciona-se ao professor, precisando identificar previamente suas dúvidas. Já na terceira fase, espera-se que o aluno tenha posição ativa, sabendo estudar de forma autônoma um grande volume de conteúdos para o vestibular, desaparecendo qualquer apoio externo. Pelo exposto por Figueiral (2015), o estudar, se ensinado, o é apenas no início da escolarização, sendo pouco enfatizado posteriormente.

Sendo assim, pode-se considerar que alguns alunos podem ter aprendido a estudar a partir desse processo escolar ou por outros meios ou sozinhos; todavia, uma parte considerável não aprende a estudar, aumentando a probabilidade de se tornar marginalizada no processo escolar formal. Na melhor das hipóteses, parte é direcionada para contingências extraescolares que focam esse aprendizado (atendimento extraconsultório, terapia de consultório, psicopedagogia, fonoaudiologia, entre outros serviços), conforme atesta a literatura sobre o grande número de encaminhamentos de crianças e adolescentes com queixas relacionadas à dificuldade de estudar (cf. Marçal & Silva, 2006; Velasco, 2016).

Tendo em vista a importância do estudar, na vida acadêmica dos alunos, questionou-se: que características tem a produção científica brasileira sobre o estudar?

Os estudos que avaliam a produção científica de uma área são importantes, pois podem indicar aspectos a serem desenvolvidos ou que precisam ser revistos; demonstrar como uma disciplina caminhou e que futuro terá a partir disso; resolver dilemas, apontando como pode ser essa caminhada; descrever aspectos culturais, políticos, econômicos, intelectuais, sociais e pessoais que podem influenciar a metodologia, concepções e valores de uma disciplina; legitimar ou defender práticas atuais, mostrando as consistências com as bases da disciplina; tecer críticas às práticas atuais (Coleman, 1995; Botelho, Cunha, & Macedo, 2011).

Considerando-se a importância dos estudos de revisão, procurou-se localizar estudos que tivessem como foco avaliar a produção científica sobre o estudar, sendo localizado em um periódico internacional o estudo de Rosário et al. (2014), que abordou o conceito de auto regulação da aprendizagem.

Rosário et al. (2014) realizaram uma revisão da literatura produzida entre os anos de 2001 e 2011, tendo selecionado 28 resumos de estudos brasileiros e internacionais. Os autores verificaram que: houve aumento de publicações sobre o tema a partir de 2006; constataram que 38% das publicações abarcaram a revisão do conceito de auto regulação por meio de diversas abordagens teóricas; 36% focaram a promoção da auto regulação (estratégias e técnicas de aprendizagem - mapas conceituais, por exemplo; efeitos dos programas aplicados de auto regulação - mudança de motivação, observação da eficácia, percepção dos docentes e ampliação de programas educacionais); 14% trataram da evolução dos processos de auto regulação, porém, com pouca “clarificação“ do conceito, sendo a definição mais comum Oa atividade do sujeito como agente de sua própria aprendizagem” (p. 793); nenhum estudo experimental foi encontrado; os estudos quase-experimentais apresentaram instrumentos não-validados e com poucos dados psicométricos sólidos.

Os autores indicaram a necessidade de mais trabalhos em âmbito educativo, focando o ensino dessas habilidades para professores com intervenções em sala de aula; necessidade de trabalhar suas percepções em relação às estratégias ensinadas e a de produzir estudos com metodologias mais complexas (i.e., medidas repetidas, estudos multiníveis, estudos transculturais), avaliando o efeito de diferentes estratégias educativas em sala de aula.

Tendo sido verificada escassez de revisões da produção científica a respeito do estudar, com ausência de estudos com foco específico nos artigos publicados em periódicos brasileiros, e considerando-se a relevância desse repertório para a vida acadêmica dos alunos dos diferentes níveis de ensino, foi realizada a presente pesquisa, com o objetivo de analisar a produção nacional sobre o estudar.

MÉTODO

Seleção dos documentos

Os documentos selecionados foram resumos de artigos publicados em periódicos nacionais online. Essa seleção deu-se a partir da consulta à home page das seguintes bases de dados: Portais SciELO e PePSIC, consideradas como as bases representativas de publicações do Brasil. A busca nesses portais indexadores de revistas nacionais foi iniciada no dia 08/05/2016 e finalizada no dia 17/03/2017; não se estabeleceu limite temporal do material a ser selecionado, tendo em vista localizar o maior número possível de documentos sobre o estudar.

Os termos utilizados foram: “estudar“, “comportamento de estudar“, “comportamento de estudo“, “hábito de estudar“, “hábito de estudo“, “comportamento acadêmico“, “repertório acadêmico“, “repertório de estudo“, “repertório de estudar”, “autogoverno”, “autogoverno intelectual“, “método de estudar“, “método de estudo“, “habilidade de estudar“, “habilidade de estudo“, “habilidade acadêmica“, “técnica de estudo“, “técnica de estudar“ - e todas as variações relacionadas ao plural de cada palavra. Além dessa estratégia, cruzamentos foram realizados: “autogoverno“ X “estudar“, “autogoverno“ X “estudo“, “aprender“ X “aprender“, “aprender” X “estudar”, “aprender” X “estudo”, “ensinar” X “estudar”, “ensinar” X “estudo”, “atitude” X “estudar”, “atitude” X “estudo“ - e todas as variações relacionadas ao plural de cada palavra.

Os títulos de todas as publicações obtidas foram lidos, bem como as publicações cujos títulos estavam de acordo com os objetivos da pesquisa selecionadas e suas respectivas palavras-chaves lidas. A partir da consulta às palavras-chave das publicações selecionadas, novos termos foram incorporados, sendo eles: “estratégia de estudar“, “estratégia de estudo“, “estratégia de aprender“, “estratégia de aprendizagem“, “técnicas de aprender“, “técnicas de aprendizagem“, “hábito de aprender“, “comportamento de aprender“, “método de aprender“, “habilidade de aprender“, “aprendizagem autorregulada“, “autorregulação da aprendizagem“ - e todas as variações relacionadas ao plural de cada palavra. Outros cruzamentos também foram realizados: “comportamento“ X “aprendizagem“, “autogoverno“ X “aprender“, “autogoverno“ X “aprendizagem“, “método“ X “aprendizagem“, “aprender“ X “aprendizagem“, “ensinar“ X “aprender“, “ensinar“ X “aprendizagem”, “atitude” X “aprender“, “atitude“ X “aprendizagem“- e todas as variações relacionadas ao plural de cada palavra. Utilizando-se esses novos termos, a busca nas bases de dados SciELO e PePSIC foi completada.

Ao todo 872 resumos de publicações sob a forma de artigos foram obtidos em formado PDF. Os resumos repetidos foram excluídos, permanecendo 412. Os títulos, resumos e palavras-chave dos 412 foram lidos com o objetivo de selecionar os documentos para a análise, no presente trabalho.

Excluíram-se resumos que, apesar de citar, não tinham como foco o estudar, pois priorizavam outros temas como desempenho acadêmico, aspectos emocionais e motivacionais, formação de professores, alfabetização, entre outros, ou mencionavam estratégias de aprendizagem no trabalho, por pesquisadores, por exemplo. A seleção dos resumos que abordavam o estudar, ou seja, que teorizavam sobre, descreviam características, ensinavam e/ou detalhavam o estudar, reuniu um total de 82 publicações.

A partir da leitura dos resumos, retiraram-se as seguintes informações: Ano, Autor, Filiação, Revista, Área de estudo, Abordagem teórica e Tipos de pesquisa. Quanto aos tipos de pesquisa, baseando-se nos estudos de Andery, Micheletto e Sério (2000), Gianfaldoni e Moroz (2002), Luna (2002) e Andery (2010), foram identificadas pesquisas descritiva (produz conhecimentos sobre eventos, procedimentos e técnicas, sem manipulação de variáveis), correlacional (tem por foco identificar/mensurar a relação entre variáveis, com uso de parâmetros estatísticos e sem que haja a intervenção do pesquisador; experimental (tem por foco o estudo de relação entre variáveis, com manipulação de 6 por parte do pesquisador, com controle de grupo ou de sujeito único), intervenção não-experimental (tem como foco intervir para produzir mudanças em indivíduos, grupos, instituições, sem controle experimental), conceitual (pesquisas que apresentam reflexões sobre o estudar, sendo denominada conceitual teórica, se reflete sobre os conceitos e pressupostos teóricos; conceitual metodológica, se focaliza procedimentos metodológicos, conceitual histórica, se trata da evolução/desenvolvimento dos conceitos e pressupostos teóricos). Além disso, identificaram-se os Instrumentos de coleta dos dados, os Participantes e sua Escolaridade e o Setting.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considerando-se os 10 primeiros anos (1993 a 2003), da primeira publicação brasileira, pode-se afirmar que houve escassez de publicações (seis ao todo). Tal dado pode estar relacionado com o próprio recorte do estudo, visto que se concentrou na localização de artigos em portais online, havendo a possibilidade de existir produção científica offline, principalmente referentes à década de 90 e anteriores.

Verificou-se, a partir de 2004, um crescimento no número de publicações (média de 6,33 publicações por ano), indicando que o estudar passou a ser focalizado sistematicamente pela comunidade científica. Se comparados os resultados de 2001 a 2011 com os obtidos por Rosário et al. (2014), verifica-se que a produção encontrada no presente trabalho é maior. Rosário et al. (2014), nesse período de 11 anos, encontraram 28 artigos, enquanto no presente trabalho foram localizados 53. Tais resultados podem estar relacionados à maior variação de termos de busca (i.e., estudar, estudo, comportamento de estudar, além dos termos relacionados à autorregulação da aprendizagem), já que no estudo de Rosário et al. (2014) o objetivo foi realizar uma revisão sobre autorregulação da aprendizagem, conceito que no presente estudo foi relacionado ao estudar, a partir do exposto por Coser (2009; 2013).

Quanto aos autores que mais produziram, Evely Boruchovitch foi quem mais contribuiu, com 19 publicações sobre o estudar (com e sem coautorias). Dois autores - Elis Regina da Costa (orientanda de Boruchovitch) e Leandro da Silva Almeida - apresentaram cinco publicações (com e sem coautorias) e três autores - Silvia Regina de Souza, Ana Lúcia Cortegoso e Acácia Aparecida Angeli dos Santos - tiveram quatro publicações.

A Tabela 1, a seguir, apresenta uma síntese dos resultados dos demais aspectos analisados.

Table 1
Synthesis of results.

Como pode ser observado na Tabela 1, a Universidade Estadual de Campinas produziu o maior número de publicações (27%), seguida pela Universidade Estadual de Londrina com 17% das publicações. Interessante verificar a participação estrangeira, nas publicações em periódicos nacionais, com a presença da Universidade do Minho (11%). Sendo assim, verifica-se que na produção sobre o estudar destacam-se seis autores e duas universidades, sendo que quase um terço da produção sobre o estudar teve a contribuição de uma pesquisadora e sua orientanda, evidenciando-se a forte presença de um grupo de pesquisa específico: o da Universidade Estadual de Campinas.

Em relação aos periódicos que mais publicaram, observou-se dispersão dos artigos por um número grande de periódicos (foram identificados 16 periódicos). Os periódicos com maior publicação foram de Psicologia, quais sejam: Revista Psicologia Escolar e Educacional (16%), Revista Psicologia: Reflexão e Crítica (8%) e Revista Avaliação Psicológica (8%).

Referente às áreas de estudo mencionadas, observou-se o predomínio da área de Psicologia (84%), tendo a Educação apresentado apenas 8,4% das menções.

Os resultados mostraram, portanto, que há maior ênfase por parte da área de Psicologia do que da Educação, o que vai ao encontro do salientado por Pergher et al. (2012) e Velasco (2016): o estudar tem sido ignorado tanto pelas próprias escolas como pelos próprios pesquisadores da área de Educação. Em outras palavras, embora haja livros que façam referência ao estudar, há escassez de pesquisas, na área da educação, que tenham como objeto de estudo o estudar.

Mesmo que se leve em conta a inter-relação existente entre Psicologia e Educação, há que se considerar que os professores podem não ter acesso a periódicos de Psicologia, dificultando a propagação e divulgação dos conhecimentos obtidos, a partir de pesquisas, para a prática cotidiana nas escolas brasileiras. Com isso, permanece o “desconhecimento“ em massa sobre o estudar, o que reforça práticas e equívocos relacionados à própria natureza do estudar (Cortegoso & Botomé, 2002; Velasco, 2016).

Quanto às abordagens da Psicologia, constatou-se que há preponderância da Psicologia Cognitiva (80,5% dos trabalhos); a abordagem Behaviorista Radical aparece, em seguida, como base teórica dos trabalhos, porém com pouca produção (14,6%).

Focalizando os tipos de pesquisa, na Tabela 1, verifica-se forte presença de pesquisas conceituais (34% das produções), sejam teóricas (19%) sejam metodológicas (15%), descritivas (23%) e correlacionais (23%), que somadas representam em torno de 80% das publicações. Fica evidente a baixa participação de pesquisas com intervenção, experimental e não experimental, pois perfazem 20% da produção. Constatou-se, pois, que a grande maioria das publicações se refere a estudos que não têm como objetivo intervir para ensinar o participante a estudar.

Considera-se que os estudos teóricos são importantes, visto que a falta de consistência teórico-conceitual-metodológica pode gerar falta de precisão nos demais tipos de pesquisa, particularmente nas pesquisas de intervenção, como salientado por Fidalgo (2016). Além disso, os estudos que focam na elaboração/adaptação de instrumentos padronizados são importantes para uma maior padronização nas medidas, e acúmulo de evidências de resultados das pesquisas de intervenção. Destacada a importância desses estudos, os dados obtidos são preocupantes, pois verificou-se que há mais discussão/reflexão em relação ao estudar do que aplicação, na área da Psicologia e, especialmente, na área da Educação.

O risco de apenas discutir teoricamente, sem aplicar/ensinar, pode ser o de tornar a Educação uma área especialmente reflexiva/teórica, que pouco tem a oferecer em termos de evidências de intervenção e de modelos para que os professores possam ensinar o comportamento de estudar em sala de aula ou para pais e outros profissionais ajudarem, respectivamente, seus filhos e pacientes (Zanotto, 2000; Henklain & Carmo, 2013). Uma das possíveis consequências pode ser a propagação de equívocos e ideias incorretas a respeito do estudar (Cortegoso & Botomé, 2002; Velasco, 2016).

Há que se considerar, ainda, que a própria aplicação/intervenção pode contribuir para elucidar questões e levantar aspectos para as discussões teóricas e melhor definição a respeito do comportamento de estudar, buscando-se uma articulação intensiva entre os mais variados tipos de pesquisa, conforme enfatizado por Fidalgo (2016).

Dentre as pesquisas que declararam a utilização de instrumentos de coleta de dados, foram feitas ao todo 111 menções a tais instrumentos. Constatou-se que quase metade das referências foi para instrumentos padronizados (43%), formados por escalas, testes e inventários. Outros instrumentos foram menos utilizados, como questionário (16%), documento (14%) e observação (13%).

Pormenorizando os instrumentos padronizados, verificou-se que houve primazia da Escala de Estratégias de Aprendizagem. No entanto, outros instrumentos foram citados de uma a três vezes (Inventário de Estratégias de Estudo e Aprendizagem, Escala de Competências de Estudo, Escala de Avaliação da Estratégia de Pedir Ajuda no Contexto Escolar, Escala de Engajamento Escolar, entre outros), indicando diversidade na utilização de instrumentos padronizados.

Considerando a variedade de instrumentos utilizados, provavelmente relacionados à concepção adotada, evidencia-se que o estudar está sendo medido, inferido e relacionado a uma série de variáveis (i.e., aspectos emocionais, o comportamento de pedir ajuda, motivação, processos cognitivos, desempenho acadêmico, entre outros).

Tendo como referência as pesquisas que contaram com participantes, verificou-se que os mais frequentemente citados (78,9% das menções) foram alunos, sejam crianças, adolescentes ou adultos. A menção a professores foi baixa (10,5%), tanto quanto a menção a demais participantes. Em relação à escolaridade (nem sempre informada) foram mais frequentes participantes do Ensino Superior (48,7%), sendo bem menos frequentes os do Ensino Fundamental (23,7%). Referente ao setting, há predomínio de pesquisas realizadas em sala de aula (68,4%).

A aproximação ao contexto escolar foi evidenciada ao se focalizar o setting; apesar de predominantemente da área da Psicologia, as pesquisas foram realizadas no ambiente natural de aprendizagem da educação formal, com inserção dos pesquisadores nesse contexto. No entanto, a pouca realização de pesquisas com participação do Ensino Fundamental é preocupante, pois, segundo Figueiral (2015), os alunos precisam receber mais auxílio em relação ao comportamento de estudar principalmente até o quinto ano, visto que, conforme destaca o autor, serão cobrados em termos de autonomia e proficiência nos estudos, a partir do 6º ano do Ensino Fundamental e especialmente no Ensino Médio.

O predomínio de alunos (crianças, adolescentes e adultos), em detrimento de pais e professores, como participantes, pode indicar que o foco está colocado nos próprios estudantes, vistos como responsáveis pelo estudar e, frequentemente, pelas dificuldades/ausência desse comportamento complexo, ignorando-se os agentes importantes para o ensino desse repertório.

Compartilha-se com a afirmação de Gonçalves (2017) de que o professor deveria ser o principal envolvido nas pesquisas, já que ele realiza toda a condução do ensino e avaliação do estudar na sala de aula. Como mencionado, os professores, usualmente, são ensinados apenas a expor o conteúdo e a checar o que foi aprendido por meio de sua exposição, usando exercícios, textos, slides, vídeos, dentre outros recursos (Cortegoso & Botomé, 2002; Figueiral, 2015; Velasco, 2016), sem ensinar o aluno a estudar.

Além da importância dos professores, os pais também precisariam ser participantes dos estudos; conforme defendem Hübner (1999), Cooper, Lindsay e Nye (2000), Ferreira e Marturano (2002) e Sampaio, Souza e Costa (2004), o envolvimento dos pais tem efeito direto e positivo no tempo que as crianças despendem fazendo tarefas acadêmicas/estudando em casa e, consequentemente, no sucesso e fracasso escolar.

Hübner (1999) pontua que a atuação dos pais sobre o comportamento de estudar dos filhos é um dos fatores que influi no sucesso ou fracasso escolar. No caso das famílias em que predominam padrões que se denominou “pró-saber” (providenciam recursos, apoio e instrumentos para o “estudar”) a influência é positiva; no caso das famílias em que predominam padrões que se denominou “anti-saber” (utilizam principalmente controle coercitivo para lidar com os comportamentos de estudar dos filhos), ao contrário, as influências são negativas.

Concordando com essa dupla possibilidade, Cooper, Lindsay e Nye (2000) concluem que não é qualquer participação dos pais, assim como a dos professores, que possibilita um efeito positivo sobre o estudar, e sim práticas que se utilizam de procedimentos não-aversivos.

CONCLUSÃO

As pesquisas sobre o estudar ainda estão concentradas em poucos grupos de pesquisa/pesquisadores. Tais pesquisadores, em sua maioria, utilizam, como base, a abordagem da Psicologia Cognitiva, indicando-se a necessidade de maior pluralidade de abordagens, o que promoveria maior debate sobre o tema. Quanto aos periódicos, a predominância da área de Psicologia indica a necessidade de que sejam publicados estudos na área da Educação, facilitando o acesso de professores e profissionais que atuam diretamente com o ensino/intervenção sobre o estudar nas escolas brasileiras.

A comunidade científica brasileira realiza diferentes tipos de estudo - conceitual, descritivo e correlacional - sobre o estudar, havendo pouca ênfase nas intervenções que ensinam os participantes a estudar; há, pois, possibilidade para pesquisadores se utilizarem, de maneira fértil, dos resultados e discussões já realizadas inclusive fazendo uso de instrumentos já validados, na realização de novos estudos, especialmente com foco no ensino do estudar.

Além disso, sugere-se que tais intervenções priorizem os professores, que deveriam ser os principais agentes e responsáveis pelo ensino do estudar desde o ensino básico, possibilitando que eles mesmos aprendam a estudar e, assim, tanto ensinem seus alunos quanto orientem o desenvolvimento/manutenção desse comportamento junto aos pais/responsáveis.

O maior número de pesquisas sobre o estudar, especialmente as intervenções experimentais para o ensino/intervenção, colocará em pauta um dos comportamentos mais comentados e exigidos por parte dos professores, pais e/ou responsáveis da área da Educação, direcionando o olhar do educador não apenas para livros de autoajuda e/ou reportagens e, sim, para trabalhos qualificados pela Ciência que possam embasar/orientar as políticas educacionais do Brasil.

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  • 1
    Trabalho parcialmente financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq sob forma de bolsa-mestrado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2019
  • Aceito
    04 Mar 2020
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