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Avaliação da qualidade dos serviços prestados pelos Centros de Especialidades Odontológicas: visão dos usuários

Evaluation of quality of the services offered at the CEOs: users' side

Resumos

O estudo teve como objetivo avaliar a qualidade dos serviços ofertados nos Centros de Especializações Odontológicas (CEOs) em Pernambuco, Brasil, na perspectiva da satisfação dos usuários. Trata-se de um estudo analítico, quantitativo, de caráter avaliativo, segundo o modelo Donabediano referente ao resultado. As entrevistas foram realizadas por meio da agregação de formulários previamente validados. A amostra foi composta pelos usuários presentes na sala de espera de cada CEO que tivessem sido submetidos a procedimento clínico ao menos uma vez, totalizando 156 usuários. A análise dos dados foi realizada por intermédio do programa estatístico SPSS, versão 13.0, em uma etapa descritiva e outra analítica. Na análise estatística foi utilizado o teste do χ2 de Pearson. Para todas as análises foi levado em consideração o nível de significância de 5%. Constatou-se que os usuários estão satisfeitos com a qualidade dos serviços prestados nos CEOs de Pernambuco. As variáveis "autopercepção de saúde" e "tipo de serviço" apresentaram associação positiva e estatisticamente significante com uma maior satisfação dos usuários, sendo esta maior entre os indivíduos que consideraram sua saúde bucal ruim e que frequentaram o Programa Saúde da Família (PSF).

satisfação do paciente; avaliação de serviços de saúde; qualidade da assistência à saúde; saúde bucal


The research has the purpose of analyzing the quality of the services offered at the CEO in Pernambuco, Brazil, in the perspective of the users' satisfaction. It is about an analytical/quantitative study with evaluative measures according to Donabedian's model referring to the result. The interviews were done through the junction of forms previously validated. The exposition was composed of the users who were present in the waiting room of every CEO that had submitted to the clinical procedure at least once, making a total of 156 users. The data analysis was checked at the statistical program SPSS, 13.0 version, in a descriptive and analytical step. In the statistical analysis, Pearson's χ2 was used. A level of 5% significance was taken into consideration for all the analysis. It was testified that the users had demonstrated satisfaction with the quality of the service rendered at the CEO in Pernambuco. The ideas of "self-perception of health" and "type of service" have been considered both positively and statistically significant with a clear satisfaction from the users, especially the ones who used to go regularly to the PSF and consider the oral health service bad.

patient satisfaction; health services evaluation; quality of health care; oral health


INTRODUÇÃO

Historicamente, a prática odontológica no Brasil esteve voltada para o setor privado. A esfera pública, que até os anos 1950 limitava-se à regulação da prática profissional, progressivamente passou a oferecer assistência odontológica apenas para os escolares, enquanto o restante da população ficava excluído e dependente de serviços meramente curativos e mutiladores. Por aproximadamente cinquenta anos a população brasileira esteve desassistida no que se refere às ações e aos serviços públicos odontológicos1Narvai PC. Saúde bucal coletiva: Caminhos da odontologia sanitária à bucalidade. Rev Saúde Pública. 2006;40(nº esp.):141-7..

Em 1998, foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD)2Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Acesso e utilização de serviços de saúde: PNAD 1998. Rio de Janeiro: IBGE; 2000., demonstrando que 29,6 milhões de brasileiros nunca tinham ido ao cirurgião-dentista, ou seja, 19,5% da população3Brasil. Ministério da Saúde. Programa de Saúde da Família: Equipes de Saúde Bucal/Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.. A partir desses resultados, somados a um conjunto de determinantes, gerou-se um forte impulso, em 2004, para a criação da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), que tem como meta ampliar e melhorar a saúde bucal da população brasileira.

Com a instituição da PNSB houve uma significativa expansão das Equipes de Saúde Bucal (ESBs) na Estratégia Saúde da Família (ESF), assim como a implantação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), visto que existia uma nítida desproporção entre a oferta de procedimentos odontológicos básicos e especializados, segundo os dados do Sistema de Informação Ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS) do ano de 2003, nos quais os procedimentos especializados correspondiam a não mais do que 3,5% do total de procedimentos clínicos odontológicos4Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004..

Os CEOs são serviços de atenção secundária, cuja proposta é constituída em unidades de referência para a Atenção Básica, integrados ao processo de planejamento loco-regional, que devem ofertar, minimamente, as especialidades de periodontia, endodontia, atendimento a portadores de necessidades especiais, diagnóstico bucal e cirurgia oral menor5Ministério da Saúde. Portaria nº 599. Define a implantação de especialidades odontológicas (CEO) e de laboratórios regionais de próteses dentárias (LRPDs) e estabelece critérios, normas e requisitos para seu credenciamento. Diário Oficial da União 2006; 24 mar.. Esses serviços se tornaram uma importante estratégia para a garantia de um atendimento integral na esfera da saúde bucal6Figueiredo N, Goes PSA. Construção da atenção secundária em saúde bucal: um estudo sobre os Centros de Especialidades Odontológicas em Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(2):259-67..

Para Hartz7Hartz ZMA. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um "sistema sem muros". Cad Saúde Pública. 2004;20(Supl. 2):331-6., integração significa, teoricamente, coordenação e cooperação entre provedores dos serviços assistenciais para a criação de um autêntico sistema de saúde. Contudo, na prática, ainda são poucas as iniciativas de monitoramento e avaliação sistemática das ações e dos serviços de saúde.

Desse modo, a avaliação das ações dos serviços de saúde constitui-se em um instrumento de extrema valia para diagnosticar uma realidade, a fim de nela intervir para que os diferentes serviços de saúde cumpram padrões mínimos de qualidade8Pisco LA. A avaliação como instrumento de mudança. Ciênc Saude Coletiva. 2006;11(3):566-8..

Uma entre várias maneiras de se avaliar os serviços de saúde é por intermédio da visão dos usuários. A partir do final da década de 1970, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos da América (EUA), vários movimentos deram aos pacientes um novo lugar na avaliação dos serviços de saúde. Aos poucos, o termo "satisfação do usuário" passou a denominar um conjunto amplo e heterogêneo de pesquisas, com o objetivo de saber a opinião dos usuários de serviços de um modo geral, assim como nas pesquisas de avaliação em saúde9Vaistman J, Andrade GRB. Satisfação e responsividade: formas de medir a qualidade a qualidade e a humanização da assistência à saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(3):599-613..

Os estudos de satisfação na perspectiva dos usuários em serviços de saúde começaram a ser desenvolvidos no Brasil no início da década de 1990, com o advento da implantação do SUS, a partir da introdução da participação social nos processos de planejamento e avaliação dos serviços de saúde1010 Esperidião MA, Trad LAB. Avaliação da satisfação de usuários: considerações teórico-conceituais. Cad Saúde Pública. 2006;22:1267-76..

Desde então, alguns estudos têm demonstrado a confiabilidade dos inquéritos de satisfação, em que fornecem informações essenciais para completar e equilibrar a qualidade dos serviços1111 Fitzpatrick R. Surveys of patient satisfaction: IS-Important general considerations. BMJ. 1991;302(6781):887-9.

12 Carr-Hill RA. The measurement of patient satisfaction. J Public Health. 1992;14(3):236-49.
- 1313 Cohen G, Forbes J, Garraway M. Can different patient survey methods yield consistent results? Comparison of three surveys. BMJ. 1996;313:841-4..

Diversos conceitos e abordagens sobre esse tema são encontrados na literatura. Para Kloetzel et al.1414 Kloetzel K, Bertoni AM, Irazoqui MC, Campos VPG, Santos RN. Controle de qualidade em atenção primária à saúde. A satisfação do usuário. Cad Saúde Pública. 1998;14(3):623-8., essas avaliações podem prever comportamentos futuros dos usuários, assim como podem conferir o grau de adesão dos pacientes aos tratamentos, o que consiste em fator de extrema importância para a obtenção de sucesso clínico. Assim, todas as pesquisas no âmbito da satisfação do usuário devem propiciar aperfeiçoamento no cotidiano dos serviços, além de avanços significativos para a gestão dos serviços de saúde1515 Esperidião M, Trad LAB. Avaliação da satisfação de usuários. Ciênc Saude Coletiva. 2005;10(Supl.):303-12..

O termo satisfação diz respeito ao atendimento dos desejos, das necessidades e das expectativas dos usuários que fazem parte de uma comunidade, com a intenção de que todas essas questões sejam de fato atendidas e traduzidas em ofertas de ações e serviços1616 Emmi DT, Barroso RFF. Avaliação das ações de saúde bucal no Programa Saúde da Família no distrito de Mosqueiro, Pará. Ciênc Saude Colet. 2008;13(1):35-41., ou seja, tal sentimento traz um julgamento sobre as características dos serviços e, portanto, sobre sua qualidade1717 Favaro P, Ferris LE. Program evaluation with limited fiscal and human resources. Cad Saúde Pública. 1991;11(3):425-38..

Segundo Machado, a medida de satisfação do usuário é uma avaliação pessoal dos cuidados e serviços de saúde que são dispensados, e sua importância no quesito da avaliação não deve ser ignorada1818 Machado NP, Nogueira LT. Avaliação da satisfação dos usuários de serviços de Fisioterapia. Rev Bras Fisioter. 2008;12(5):401-8..

Desse modo, as pesquisas avaliativas na visão dos usuários constituem-se como um instrumento de grande importância para diagnosticar uma realidade, a fim de nela intervir para que os diferentes serviços de saúde ofereçam assistência de qualidade. Cabe ainda ressaltar que os CEOs são serviços estratégicos para o desenvolvimento da PNSB.

O estudo teve como objetivo avaliar a qualidade dos serviços ofertados nos CEOs em Pernambuco na perspectiva da satisfação dos usuários.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo analítico, quantitativo, de caráter avaliativo, segundo o modelo Donabediano referente ao resultado. O referencial teórico sistêmico proposto pelo autor - a tríade estrutura, processo e resultado - reflete exatamente a essência da qualidade da atenção à saúde e contribui para corrigir o curso do programa ou projeto ainda em andamento1919 Donabedian A. Criteria, norms and standards of quality: What do they mean? Am J Public Health. 1981;71(4):409-412.

20 Donabedian A. The quality care. How can it be asseded? JAMA. 1988;260:1743-8.
- 2121 Donabedian A. "The Seven Pillars of Quality". Arch Pathol Lab Med. 1990;114:1115-8..

Foram realizadas entrevistas por meio da agregação de formulários previamente validados: Questionário de Avaliação dos Serviços de Saúde Bucal (QASSAB)2222 Fernandes LMAG. Validação de um instrumento para avaliação da satisfação dos usuários, com os serviços públicos de saúde bucal - QASSaB [Tese]. Camaragibe (PE): Faculdade de Odontologia de Pernambuco; 2002. , 2323 Goes PSA, Watt RG, Hardy R, Sheiham A. Impacts of dental pain on daily activities of adolescents aged 14-15 years and their families. Acta Odontol Scand. 2008;66:7-12., dados sobre a autopercepção de saúde bucal, dados socioeconômicos e demandas aos serviços de saúde bucal por meio da PNAD-20032424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Acesso e utilização de serviços de saúde: PNAD 2003. Rio de Janeiro: IBGE; 2005..

O QASSAB baseia-se no modelo de avaliação da qualidade proposto por Donabedian2121 Donabedian A. "The Seven Pillars of Quality". Arch Pathol Lab Med. 1990;114:1115-8., composto por 24 questões, abrangendo 10 dimensões da qualidade:

  1. Disponibilidade dos serviços;

  2. Resolutividade;

  3. Ambiente físico do serviço-limpeza;

  4. Relações humanas (Relações com outros profissionais de saúde);

  5. Relações humanas (Relação dentista/paciente);

  6. Qualidade técnico-científica dos equipamentos;

  7. Eficiência;

  8. Eficácia;

  9. Equidade;

  10. Aceitabilidade.

Os dados foram coletados em 30 CEOs de Pernambuco, credenciados até 31 de dezembro de 2007, no período de junho a julho de 2009, representando o universo total dos serviços em funcionamento naquele período. Um estudo piloto foi realizado em quatro serviços, com o objetivo de treinar os entrevistadores e avaliar a adequação do instrumento de pesquisa.

A amostra foi composta pelos usuários presentes, na sala de espera de cada CEO, que tivessem sido submetidos a procedimento clínico ao menos uma vez, sendo entrevistados, no máximo, 10 pacientes. No entanto, quando o número foi superior a este, a escolha dos entrevistados foi feita por sorteio, totalizando 156 usuários.

A análise dos dados foi realizada com o auxílio do programa estatístico SPSS, versão 13.0, tendo ocorrido em duas etapas: uma descritiva e uma analítica. Foram realizadas as distribuições de frequência das variáveis quantitativas e, quando apropriado, foram calculadas as medidas de tendência central, dispersão e proporções. Para testar a associação entre a variável dependente e as variáveis independentes deste estudo, foi utilizado o teste do χ2. Em todas as análises foi considerado como significante o nível de 5%.

Considerações éticas

A pesquisa foi submetida à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco (UPE), obtendo parecer favorável para o desenvolvimento do estudo, sob o registro CAEE: 3840.0.097.000-08. Todos os indivíduos que participaram do estudo assinaram um Termo de Consentimento livre e Esclarecido, com base na Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

No presente estudo verificou-se que dos 156 entrevistados, uma parte expressiva foi do sexo feminino. Quanto ao nível de escolaridade, a amostra foi constituída por um percentual significativo de indivíduos com menos de sete anos de estudo - 1º grau incompleto - e o resultado demonstrou que ainda existe uma elevada taxa de analfabetismo. Com relação aos indicadores socioeconômicos de renda, observou-se que mais da metade da amostra é composta por indivíduos sem renda mensal e que quase 40% da amostra possuíam renda inferior a um salário mínimo (Tabela 1).

Tabela 1.
Frequência e percentual das variáveis independentes (sexo, idade, residência/local de moradia, estado marital, renda do respondente, renda familiar, casa/tipo de moradia, escolaridade) de Centro de Especialidades Odontológicas de Pernambuco, Brasil, 2009

Quando perguntados pela saúde dos dentes e da boca, ou seja, os dados referentes à autopercepção de saúde bucal, mais da metade dos indivíduos respondeu que a saúde bucal estava comprometida, isto é, apresentava-se "mais ou menos" ou "ruim" (58,45%). Em relação à satisfação com a aparência dos dentes, um percentual elevado considerou-a de "aceitável" a "insatisfeita" (52,0%). Sentir dor de dente alguma vez na vida respondeu pela quase totalidade dos entrevistados (91%), tendo uma parte expressiva destes sentido dor nos últimos 6 meses (38,5%). O grau de severidade desta dor variou entre "estressante" a "horrível" para mais de 63,2% da amostra (Tabela 2).

Tabela 2.
Frequência, percentual e valor p das variáveis independentes (sexo, idade categorizada pela mediana, escolaridade, cobertura de Programa Saúde da Família, tipo de serviço, dor nos últimos 6 meses, autopercepção de saúde, renda do respondente categorizada, renda familiar categorizada) em relação ao Questionário de Avaliação dos Serviços de Saúde Bucal obtido nos Centros de Especialidades Odontológicas de Pernambuco, Brasil, 2009

Com o objetivo de conhecer a frequência com que estão sendo utilizados os serviços públicos de saúde bucal e quais os tipos de serviços mais utilizados pelos usuários do CEO, os dados demonstraram que a maioria (77,5%) dos entrevistados visitou o dentista no último ano, e entre aqueles que utilizaram o serviço de saúde bucal o local mais frequentado (80,8%) foi o PSF.

Quanto às dimensões que avaliam o grau de satisfação dos usuários dos CEOs de Pernambuco, serão destacadas aquelas que tiveram mais influência para uma maior satisfação dos usuários. Na dimensão disponibilidade dos serviços, verificou-se que 45,5% dos entrevistados consideraram a obtenção de vaga ou ficha fácil. No que se refere à resolutividade, 55,1% dos indivíduos responderam que o seu problema foi "muito bem resolvido" (Tabela 3).

Tabela 3.
Avaliação da qualidade dos Centros de Especialidades Odontológicas de Pernambuco, Brasil, 2009, segundo as dimensões da qualidade propostas por Donabedian e adaptadas por Fernandes

Os CEOs foram bem avaliados com relação ao ambiente físico. Para 67,3% dos indivíduos, a limpeza do consultório/clínica foi considerada "boa". De um modo geral, as dimensões das relações humanas - "Profissionais de saúde/usuários e Cirurgião-dentista/Usuário das unidades estudadas" - foram bem avaliadas. Para 50% dos entrevistados, a atenção recebida de outros profissionais (médicos, enfermeiros, assistentes sociais) foi avaliada como "boa". Esse percentual aumenta para 53,2%, quando perguntados sobre a atenção dada pelos cirurgiões-dentistas (Tabela 3).

Os equipamentos dos CEOs de Pernambuco avaliados, dimensão da "Qualidade técnico-científica", foram considerados modernos por 67,9% dos usuários. Na dimensão da eficiência, para a maior parte dos entrevistados (71,8%), "valeu a pena" ter utilizado os serviços de saúde bucal, mesmo diante de todas as dificuldades/barreiras que eles possam ter enfrentado para acessar o serviço - acesso, transporte, alimentação, etc. (Tabela 3).

Na dimensão da eficácia do tratamento recebido, para a quase totalidade dos entrevistados (98%), os dentistas "sempre" estavam fazendo uso, no momento da consulta, dos equipamentos de proteção individual (EPIs). No que diz respeito à dimensão da equidade no atendimento recebido, em que foi indagado ao usuário se existia diferença no atendimento das necessidades de saúde bucal comparando os serviços públicos com os privados, verificou-se que 48,6% deles responderam que essas necessidades foram "igualmente atendidas". E, por fim, a dimensão da "Aceitabilidade", na qual se observou que para 63,4% dos usuários os dentistas "sempre me explica tudo" sobre o tratamento mais adequado (Tabela 3).

Após a construção da variável dicotômica (pouco satisfeito e muito satisfeito), a partir das dimensões do QASSAB, verificou-se que a "autopercepção de saúde" e o "tipo de serviço" foram significativamente associados com a satisfação dos usuários, sendo esta maior em indivíduos que consideraram sua saúde bucal ruim (p<0,001) e frequentaram o PSF (p<0,001) (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Diante dos resultados explicitados acima, constatou-se que os usuários estão satisfeitos com a qualidade dos serviços prestados nos CEOs de Pernambuco. As variáveis "autopercepção de saúde" e "tipo de serviço" apresentaram associação positiva e estatisticamente significante com uma maior satisfação dos usuários, sendo esta maior entre os indivíduos que consideraram sua saúde bucal ruim e que frequentaram o PSF.

A autopercepção de saúde é uma importante ferramenta de análise da saúde de uma população, uma vez que é por meio desta que o indivíduo se conscientiza sobre a busca por tratamento e se empenha para que o problema seja resolvido da melhor forma possível. Ou seja, é verificado que há maior adesão e engajamento dos indivíduos inseridos no tratamento2525 Lima-Costa MF, Loiola-Filho AI. Fatores associados ao uso e á satisfação com os serviços de saúde entre usuários do Sistema Único de Saúde na região metropolitana de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Epidemiol Serv Saúde. 2008;17(4):247-57.. O achado deste estudo pode indicar que os serviços investigados estão respondendo de forma resolutiva aos problemas de saúde bucal que levaram os indivíduos a buscar os serviços odontológicos especializados.

O elevado número de indivíduos que, na presente pesquisa, utilizaram os serviços odontológicos públicos em menos de um ano pode estar relacionado a uma adequada oferta e ao funcionamento da rede dos serviços públicos odontológicos no Estado de Pernambuco. Esse dado pode apontar para um adequado estabelecimento do processo de referência e contrarreferência, haja vista que esses indivíduos frequentaram, na sua maioria, o PSF e, posteriormente, foram referenciados para os serviços especializados, indicando uma continuidade no processo do cuidado na atenção de saúde bucal.

No entendimento de Uchimura e Bosi2626 Uchimura KY, Bosi MLM. Qualidade e subjetividade na avaliação de programas e serviços de saúde. Cad Saúde Pública. 2002;18:1561-9., a continuidade do cuidado em saúde é uma das variáveis importantes para a avaliação da qualidade, pois refere-se ao tratamento dentro de uma perspectiva integral, em que o paciente recebe os serviços em sequência e intervalos apropriados. Na mesma direção, Mendes2727 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saude Coletiva. 2010;15(5):2297-305. argumenta que, na literatura internacional, existem evidências de que as redes de atenção à saúde podem melhorar a qualidade dos serviços e dos resultados sanitários, reduzir os custos dos sistemas de atenção à saúde e, por fim, garantir a satisfação dos usuários.

No que diz respeito aos dados socioeconômicos do presente estudo - que revelou uma população de baixa renda e com pouca escolaridade -, estes sugeriram uma equidade no acesso aos serviços odontológicos especializados, haja vista o seu favorecimento à classe social menos privilegiada. Essa questão é de grande importância para esses indivíduos, que durante anos, até a implantação da PNSB, em 2004, estiveram excluídos da atenção à saúde bucal e, principalmente, de procedimentos especializados nesse âmbito da atenção.

Indiscutivelmente, os dados demonstram que houve um significativo avanço na prestação de cuidado especializado no setor público. Em decorrência da implantação dos CEOs, houve um aumento de 400% nos procedimentos especializados: em 2003, eles equivaliam a 3,5% do total de procedimentos realizados em saúde bucal; em 2008, esse percentual aumentou para 11,5%. Atualmente, existem 853 CEOs implantados em todo o Brasil; em 2004, existiam apenas 100 serviços2828 Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação de Saúde Bucal, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. [cited 2011 Aug 07]. Available from: http://dab.saude.gov.br/CNSB/
http://dab.saude.gov.br/CNSB/...
.

Sobre a dimensão disponibilidade dos serviços, particularmente, a obtenção de vaga é considerada uma condição importante para a utilização dos serviços de saúde e para a avaliação que os usuários fazem dos referidos serviços. Frenk2929 Frenk J. El concepto y la medición de accesibilidad. Salud Pública Méx. 1985;27(5):438-53. coloca que a demora para a obtenção do atendimento é um obstáculo para a utilização dos serviços, assim como é um ponto importante a ser considerado nas avaliações de serviços de saúde.

Os dados do presente estudo sugerem que os serviços estão, de fato, sendo resolutivos. Em outros estudos3030 Carnut L, Figueiredo N, Goes PSA. Avaliação do nível de satisfação dos usuários das urgências odontológicas da cidade do Recife. Rev Bras Pesqui Saúde. 2008;10:10-5.

31 Oliveira SR, Magalhães BG, Gaspar GS, Rocha RACP, Goes PSA. Avaliação do grau de satisfação dos usuários de saúde da Estratégia de Saúde da Família. Rev Bras Pesqui Saúde. 2009;11(4):34-8.
- 3232 Lima ACS, Cabral ED, Vasconcelos MMVBA. Satisfação dos usuários assistidos nos Centros de Especialidades Odontológicas do Município do Recife, Pernambuco. Cad Saúde Pública. 2010;26(5):991-1002. que também avaliaram essa dimensão em serviços públicos odontológicos foi encontrado um grande percentual de indivíduos que afirmaram ter resolvido o problema de saúde bucal e estar satisfeitos com o tratamento odontológico recebido.

No quesito das relações humanas, pode-se inferir que os usuários dos CEOs estão satisfeitos nessa dimensão. De acordo com Gilbert et al.3333 Gilbert RG, Nicholls JAF, Roslows S. A mensuração da satisfação dos clientes do setor público. Rev Serviço Público. 2000;51(3):26-40., a maneira pela qual um prestador de serviços trata um usuário é a base da satisfação. Em direção oposta, um mau atendimento no momento da consulta proporciona uma relação fria e desumanizada, provocando o desinteresse por parte do usuário. Esse tratamento vai repercutir diretamente na satisfação dos usuários; portanto, esta depende do tipo de acolhimento que cada indivíduo recebeu na unidade de saúde3434 Ramos DD, Lima MADS. Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003;19(1):27-34.. É possível perceber, portanto, não apenas a valorização de mãos habilidosas e tecnologia de alta complexidade, mas também de mãos carinhosas e sensíveis às reais necessidades dos indivíduos3535 Backes DS, Koerich MS, Rodrigues ACRL, Drago LC, Klock P, Erdmann AL. O que os usuários pensam e falam do Sistema Único de Saúde? Uma análise dos significados à luz da carta dos direitos dos usuários. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(3):903-10..

Na dimensão da eficiência, para a quase totalidade dos entrevistados, "valeu a pena" ou "valeu muito a pena" ter utilizado os serviços de saúde bucal, mesmo diante de todas as dificuldades/barreiras que eles possam ter enfrentado para acessar o serviço. Essa dimensão se constituiu em um importante indicador de qualidade, pois indica que tais serviços são eficientes, assim como sugere a importância e o valor que esses serviços têm para a população no processo de cuidado em saúde. Por se tratarem de um serviço do nível secundário da atenção, os CEOs requerem uma maior incorporação de equipamentos, insumos e materiais odontológicos, assim como de profissionais mais especializados em determinados problemas de saúde bucal; sendo assim, os tratamentos realizados nesses serviços são, de maneira geral, dispendiosos e inacessíveis para a maior parte dos brasileiros no que se refere ao âmbito privado.

Outro achado importante diz respeito à dimensão da equidade no atendimento recebido. Apesar de as respostas terem sido equivalentes, o percentual de entrevistados que afirmaram que as necessidades de saúde bucal estão sendo igualmente atendidas ao compararem os serviços públicos com os privados pode ser considerado, sim, como uma avaliação positiva; visto que culturalmente, e principalmente por influência da grande mídia, que tem como protagonista o interesse do capital, os serviços públicos são desqualificados e aviltados a todo instante, por sua vez, o setor privado é enaltecido e supervalorizado.

A mídia tem exercido um importante papel na sociedade no tocante às cobranças de melhorias dos serviços de saúde; contudo, a atenção despendida aos problemas do sistema não tem sido equivalente aos pontos positivos e às conquistas do SUS. Tal situação é, em grande parte, resultante de orientação ideológica neoliberal, uma postura privatista que considera que o público não funciona3636 Lavor A, Dominguez B, Machado K. O SUS que não se vê. Radis Comunicação em Saúde. 2011;104(8):9-18..

De forma semelhante, Souza3737 Souza EM. A satisfação dos idosos com os serviços de saúde: um estudo de prevalência e de fatores associados em Taguatinga, Distrito Federal [dissertação]. Brasília: Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília; 1997., ainda na década de 1990, já questionava a forma negativa como a mídia desqualificava o setor público de saúde:

No Brasil, habitualmente, os diversos conjuntos da mídia propagam uma idéia de serviço público desprovido de qualidade. Essa difusão muitas vezes é feita de forma explícita e agressiva (p. 57).

Esperidião e Trad1515 Esperidião M, Trad LAB. Avaliação da satisfação de usuários. Ciênc Saude Coletiva. 2005;10(Supl.):303-12. realizaram uma revisão de literatura e verificaram que alguns autores apontam que a mídia, sob o aspecto de formadora de opinião pública, pode ser identificada como uma fonte de viés nas avaliações de satisfação dos usuários. No entanto, explicam as autoras, tal fenômeno deveria influenciar os resultados dos estudos de satisfação de modo a produzir insatisfação, mas maioria das pesquisas aponta o contrário.

Em estudos que avaliaram a satisfação dos usuários que utilizaram o instrumento do QASSAB2323 Goes PSA, Watt RG, Hardy R, Sheiham A. Impacts of dental pain on daily activities of adolescents aged 14-15 years and their families. Acta Odontol Scand. 2008;66:7-12. demonstrou-se que a maioria dos usuários está satisfeita com os serviços oferecidos em diferentes níveis de atenção3131 Oliveira SR, Magalhães BG, Gaspar GS, Rocha RACP, Goes PSA. Avaliação do grau de satisfação dos usuários de saúde da Estratégia de Saúde da Família. Rev Bras Pesqui Saúde. 2009;11(4):34-8.

32 Lima ACS, Cabral ED, Vasconcelos MMVBA. Satisfação dos usuários assistidos nos Centros de Especialidades Odontológicas do Município do Recife, Pernambuco. Cad Saúde Pública. 2010;26(5):991-1002.
- 3333 Gilbert RG, Nicholls JAF, Roslows S. A mensuração da satisfação dos clientes do setor público. Rev Serviço Público. 2000;51(3):26-40. , 3838 Rocha RACP, Goes PSA. Comparação do acesso aos serviços de saúde bucal em áreas cobertas e não cobertas pela Estratégia Saúde da Família em Campina Grande, Paraíba, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(12):2871-80.. Nesses estudos, observou-se, por um lado, que a satisfação dos usuários esteve mais relacionada à maneira como eles são tratados do que com os aspectos técnicos da assistência propriamente ditos. Por outro, a satisfação esteve associada à resolutividade do problema de saúde bucal que os motivou a buscar o serviço.

É necessário considerar, porém, os limites inerentes a estudos baseados na percepção do usuário, cujo olhar deve ser complementar ao conhecimento técnico. Por se tratar de uma avaliação subjetiva, esta habita o espaço das vivências, das emoções, do sentimento2626 Uchimura KY, Bosi MLM. Qualidade e subjetividade na avaliação de programas e serviços de saúde. Cad Saúde Pública. 2002;18:1561-9.. De forma oportuna, Sitzia e Wood3939 Sitzia J, Wood N. Patient satisfaction: a review of issues and concepts. Soc Sci Med. 1997;45:1829-43. explicam que o aspecto subjetivo, particularmente o da expectativa, é uma questão relevante a ser considerada que pode trazer implicações para esse tipo de avaliação. Os pacientes podem ter aprendido a diminuir as suas expectativas quanto aos serviços, e uma boa avaliação de um serviço pode ser fruto de uma baixa capacidade crítica dos usuários. O contrário também pode acontecer, ou seja, uma avaliação mais baixa pode ser feita por pacientes com alto grau de exigência.

Outro tipo de viés identificado nesse tipo de avaliação é o viés de gratidão (gratitude bias), pois, pelo simples fato de terem a garantia da prestação dos serviços, os usuários ficam satisfeitos1515 Esperidião M, Trad LAB. Avaliação da satisfação de usuários. Ciênc Saude Coletiva. 2005;10(Supl.):303-12.. Vaistman e Andrade9Vaistman J, Andrade GRB. Satisfação e responsividade: formas de medir a qualidade a qualidade e a humanização da assistência à saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(3):599-613. esclarecem que, em contextos muito desiguais, para certos segmentos da população, a dificuldade usual de conseguir atendimento resulta em baixa expectativa. O simples fato de ser atendido já pode produzir satisfação. Destarte, é importante compreender a forma de avaliação e entendimento que o usuário tem sobre o SUS, seja como um direito ou como favor, e assim, com todos os atores sociais, construir uma ferramenta de transformação da sociedade3535 Backes DS, Koerich MS, Rodrigues ACRL, Drago LC, Klock P, Erdmann AL. O que os usuários pensam e falam do Sistema Único de Saúde? Uma análise dos significados à luz da carta dos direitos dos usuários. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(3):903-10..

Um último comentário deve ser ressaltado. Esperidião e Trad1010 Esperidião MA, Trad LAB. Avaliação da satisfação de usuários: considerações teórico-conceituais. Cad Saúde Pública. 2006;22:1267-76. argumentam que existem algumas dificuldades em definir a satisfação; assim, muitos estudos buscaram estudar a relação entre a satisfação e as variáveis que a determinam. Apesar do esforço dessas investigações, ainda se sabe pouco sobre a natureza ou o número de fatores que influenciam a satisfação.

Desse modo, esses vieses podem ter tido alguma influência na boa avaliação que os usuários fizeram desses serviços. No entanto, esse tipo de avaliação não deve ser desconsiderado, pois é uma medida de qualidade do atendimento prestado pelos serviços de saúde. Indiscutivelmente, as avaliações de serviços de saúde servem para melhorar o desempenho dos prestadores de serviço e objetivam melhorar o ambiente do trabalho, proporcionando, consequentemente, a satisfação dos seus usuários.

O processo avaliativo de serviços de saúde, contudo, não pode ser considerado um fim em si mesmo, mas um momento em que um julgamento explícito é elaborado, e, a partir daí, desencadeia um movimento de transformação na busca pela melhoria da qualidade do atendimento.

CONCLUSÃO

A qualidade das ações oferecidas nos CEOs de Pernambuco foi avaliada positivamente pelos usuários.

No presente estudo, houve uma associação estatisticamente significante entre os usuários que avaliaram negativamente a sua saúde bucal e que frequentaram o PSF. Assim, estes dados sugerem que os CEOs estão, de fato, resolvendo adequadamente as necessidades de saúde dos seus usuários.

A relevância deste estudo justifica-se pela escassez de pesquisas sobre a avaliação de serviços de saúde bucal na atenção secundária no Brasil e, sobretudo, pelo fato de a satisfação do usuário constituir-se como um instrumento de avaliação da qualidade do atendimento recebido, além de permitir a efetiva participação da comunidade na avaliação dos serviços de saúde.

AGRADECIMENTOS

Aos coordenadores municipais de saúde bucal de Pernambuco, por todo apoio e suporte, elementos fundamentais para que a pesquisa fosse realizada, e a todos os cirurgiões-dentistas que colaboraram para o processo do estudo.

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  • Trabalho realizado nos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) de Pernambuco - Recife (PE), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2013
  • Aceito
    16 Fev 2015
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