Resumo
Introdução Na Atenção Primária à Saúde, o acesso pode ser compreendido como o fato de oportunizar diversas alternativas para adentrar aos serviços de saúde.
Objetivo Avaliar o acesso aos serviços de atenção primária à saúde do Sistema Único de Saúde/SUS, identificando a presença de um conjunto proposto de elementos importantes na rede de serviços do município estudado percebidos e relatados pelos usuários.
Método Pesquisa de método dedutivo realizada por meio de um estudo quantitativo de base populacional, com levantamento de dados através de um inquérito realizado em uma amostra de usuários do SUS em três Gerências Distritais da cidade de Porto Alegre/RS, sobre o acesso aos serviços de Atenção Primária no SUS.
Resultados A brevidade para ser consultado após agendamento, o atendimento por demanda espontânea e a adscrição do domicílio foram os elementos mais importantes para caracterizar um adequado/bom acesso. Entretanto, apenas 18,8% do conjunto de elementos que caracterizam um bom acesso foi relatado pelos referidos usuários.
Conclusão Com o desenvolvimento deste estudo, foi possível visualizar de forma mais adequada as características que devem ser mantidas, priorizadas e/ou melhoradas no que se refere ao acesso aos serviços de saúde de uma cidade de grande porte.
Palavras-chave: acesso aos serviços de saúde; Atenção Primária à Saúde; saúde pública; uso de serviços de saúde
Abstract
Background In Primary Health Care, access can be understood as enabling alternatives to obtain health services.
Objective Analyze access to primary health care services in the Unified Health System (Acronym in Portuguese is SUS), to identify a proposed set of important characteristics in the service network of the city studied through users report.
Method Deductive research, performed through a population-based quantitative study, with data collection through a survey conducted in a sample of SUS users, in three administrative districts in Porto Alegre/RS on access to primary care services in the SUS.
Results The waiting time after scheduling, service by spontaneous demand and the domicile ascription were the most important elements to characterize good access. However, only 18.8% of the elements that characterize good access was reported by the users.
Conclusion This study allowed a better visualization of the characteristics that should be maintained, prioritized and improved regarding access to health services in a big city.
Keywords: health services accessibility; Primary Health Care; public health; use of health services
INTRODUÇÃO
Segundo a Política Nacional de Atenção Básica/PNAB, a atenção primária no Brasil caracteriza-se por desenvolver descentralização da prestação do serviço ofertando acesso o mais próximo da vida das pessoas. Acontece orientada pelos princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da integralidade do cuidado e tem como diretrizes a responsabilização, a humanização, a equidade e a participação social1.
Apesar de a Constituição de 1988 assegurar a saúde enquanto direito universal a ser garantido pelo Estado, a despeito dos avanços conquistados, ainda persiste a desigualdade de acesso ao Sistema Único de Saúde/SUS. A Carta da 11ª Conferência Nacional de Saúde também reitera que todo cidadão tem direito a receber tratamento adequado, de forma a resolver suas necessidades de saúde, ressaltando a importância de oferecer atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação2.
A palavra acesso significa “entrada, ingresso; possibilidade de chegar, aproximação; possibilidade de alcançar algo”. Ao relacionar essa definição com os serviços de saúde, pode ser entendida como “porta de entrada”, bem como o local de acolhimento do usuário no momento em que necessitar de atendimento e durante o seu percurso dentro do sistema, buscando resolver suas necessidades3.
Na Atenção Primária à Saúde/APS, o acesso pode estar relacionado com as várias alternativas de adentrar aos serviços de saúde, associadas com a localização da unidade de saúde, a disponibilidade de horários e os dias em que a unidade atende, bem como a possibilidade de atendimento a consultas não agendadas, e a percepção que a população tem em relação a estes aspectos do acesso4. Mais de duas décadas após a implementação do SUS e, apesar de avanços alcançados, sobretudo, à ampliação da oferta de serviços da rede básica de saúde, o acesso a esses serviços de saúde ainda constitui um desafio, como visto em um estudo realizado em um município da região metropolitana de Belo Horizonte/BH, o qual reiterou a presença de dificuldades de entrada do indivíduo no serviço (acolhimento, marcação de consulta e barreiras geográficas) até a resolução completa da sua necessidade (fluxo de referência e contrarreferência)5.
Para a conquista de um serviço voltado para as necessidades da população, é indispensável a contribuição de todos os envolvidos no processo de trabalho a fim de dividir responsabilidades e compromissos, para permitir o estabelecimento dessa prática. Deste modo, o processo de trabalho é constituído por tecnologias, um saber que se utiliza de recursos materiais e não materiais na produção dos serviços de saúde. Tais recursos desenvolvem-se durante as práticas de trabalho na APS e devem incluir diversas tecnologias de maneira adequada, conforme as necessidades de saúde6. Para tanto, as tecnologias constituem uma parte do processo de produção da saúde, incluindo saberes, equipamentos e máquinas, resultando em ações e serviços de saúde necessários para promover melhores condições de vida para o usuário e a comunidade. Destas tecnologias, aquelas conceituadas como leves envolvem as relações com o vínculo, a tomada de decisões, o acesso e o acolhimento e a organização do processo de trabalho7. Dessa forma, é importante salientar que, ao se trabalhar com a tecnologia das relações durante o atendimento, o acesso é uma das primeiras ações a ser desenvolvida por toda a equipe no momento de receber o usuário na unidade de saúde.
A prática do acolhimento incentiva o acesso e beneficia o processo de trabalho nos cenários dos serviços de saúde e possibilita o estabelecimento de um vínculo entre usuários, trabalhadores e gestores. Nesse sentido, o acolhimento ultrapassa a porta de entrada das unidades de saúde, estando presente em todo o percurso do processo de saúde, atendendo à demanda diária da unidade de saúde, culminando na resolutividade de problemas menos complexos ou, quando necessário, encaminhando para outros serviços8.
O acesso é considerado essencial para o alcance da qualidade nos serviços de Saúde. Entretanto, no Brasil, o quesito acesso tem sido reportado na literatura como uma das maiores dificuldades relacionada ao serviço de saúde9. Esses problemas de acesso podem estar associados a questões do atendimento ou a barreiras organizacionais e geográficas10. Fatores associados à acessibilidade sócio-organizacional refere-se a questões estruturais, de funcionamento, dos serviços que interferem na relação destes com os usuários (tempo de espera para o atendimento) e geográfica (distância da casa ao serviço, locomoção, custo da viagem) são características essenciais para alcançar a qualidade na APS11.
Em meio a todos esses pressupostos, o objeto de pesquisa delimita-se com a mensuração do acesso, na perspectiva do conceito de acesso construído na literatura, percebido e relatado pelo usuário do SUS. Assim, é importante conhecer e compreender elementos relatados por quem utiliza o serviço e que influenciam o acesso e a utilização dos serviços de saúde, a fim de identificar razões para possíveis diferenças na procura, na satisfação com o cuidado recebido. Assim, o presente estudo tem como objetivo avaliar o acesso aos serviços de atenção primária à saúde do SUS, identificando a presença de um conjunto proposto de elementos/características importantes na rede de serviços do município relatados pelos usuários.
MÉTODO
Esta é uma pesquisa de método dedutivo, realizada por meio de um estudo quantitativo de base populacional, com levantamento de dados por meio de um inquérito domiciliar realizado em uma amostra de usuários do SUS em três Gerências Distritais/GD da cidade de Porto Alegre/RS, no período de setembro de 2016 a maio de 2017, sobre o acesso aos serviços de Atenção Primária no SUS. A amostra de estudo foi calculada respeitando-se o número da população do município, 42,4% - atributo acesso em Porto Alegre – PCATool12,13 bem como 1,5 Deff - resguardando precisão (20% eventuais recusas) e aplicação de filtros no banco de dados (Figura 1).
Fluxograma da amostra para usuários de todo tipo de assistência disponibilizada na APS no SUS. Porto Alegre, 2017. GD-Gerência Distrital; SUS- Sistema Único de Saúde
Os filtros aplicados referem-se às respostas positivas para perguntas feitas durante o inquérito e que permitiram a análise dos dados com usuários que utilizavam todos os serviços disponibilizados nas unidades básicas de saúde das gerências estudadas. Tais filtros foram: Filtro 1 “O(A) senhor(a) utiliza unidades básicas de saúde da região em que reside? Respostas Sim ou Não; e o Filtro 2 “O(A) senhor(a) busca todo tipo de atendimento disponível na unidade de saúde (usuário que chamamos de clássicos para este estudo)?” Sim, todos ou Não, apenas para vacinação.
As Gerências Distritais/GD utilizadas para o cálculo amostral são as mais representativas em número populacional bem como na oferta de serviços básicos na rede do município. Tais GD contêm em sua rede de serviços Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Saúde da Família, Centros de Especialidades, Serviços Especializados Ambulatoriais e Substitutivos, equipes de atenção domiciliar e hospitais14. As referidas gerências ficam em regiões geográficas distantes umas das outras, porém a oferta de serviços e as características epidemiológicas são semelhantes.
A coleta de dados aconteceu por entrevistadores treinados e calibrados para operar a ferramenta Open Data Kit Collect/ODK-Collect em um tablet contendo o questionário construído especificamente para a pesquisa. O questionário era composto, dentre inúmeras variáveis, por proxies da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD15 e Pesquisa Nacional de Saúde/PNS16. Os dados coletados foram enviados para o banco de dados via internet.
Para análise inicial dos dados, foi realizada uma análise descritiva de variáveis sociodemográficas: Sexo, Faixa etária categorizada de acordo com IBGE17 (18-39=1, 40-59=2, 60 ou mais=3), Escolaridade recategorizada de acordo com a distribuição amostral (até 4 anos de estudo=1, além de 4 anos de estudo=2), Situação conjugal (com companheiro(a)=1 e sem=2) e Cor/Raça autodeclarada, com possibilidade de resposta branca=1 e outra=2. O trabalho remunerado com possibilidades de resposta 1=sim e 2=não. As variáveis características do modelo de assistência dos serviços foram: em qual área de abrangência da gerência o usuário reside com possibilidades de resposta: Restinga-Extremo Sul/RES, Partenon-Lomba do Pinheiro/PLP e Centro; e o cadastramento da residência do usuário do SUS pela Estratégia de Saúde da Família tinha como respostas possíveis 1=Sim e 2=Não.
A construção do desfecho composto do estudo, o qual se caracteriza como um construto, aconteceu segundo um arcabouço teórico, presente na literatura, que apresenta um conjunto de características importantes para se ter um acesso de qualidade (Figura 2). Dito de outra forma, o presente estudo traz o conceito de construto na condição de uma sustentação teórica confirmada pelo relato da presença de certos elementos que a literatura traz sobre o acesso adequado e esperado. Deste modo, os dados sobre elementos importantes para um acesso de boa qualidade foram coletados por meio de perguntas aos usuários representativas de tais aspectos. A escuta qualificada foi perguntada ao usuário como: “Existe profissional que disponibiliza tempo para te escutar no acolhimento?” – Sim ou Não. O acesso por demanda espontânea teve como pergunta: “Na última vez que procurou a unidade foi atendido no momento em que foi até a unidade?” - Sim ou Não. O acesso facilitado ao agendamento foi perguntado: “O(A) senhor(a) consegue marcar suas consultas por telefone?” Sim ou Não. A brevidade para ser consultado foi perguntada: “Após o agendamento, o(a) senhor(a) é atendido(a) em menos de um mês? Sim ou Não. O acesso a serviços de saúde bucal foi levantado por meio da pergunta: “A unidade de saúde que o(a) senhor(a) utiliza tem serviços odontológicos?” Sim ou Não. A presença de turno estendido esteve representado pela pergunta: “A unidade de saúde que o(a) senhor(a) utiliza fica aberta pelo menos algumas noites de dias úteis além das 18:00 horas? Sim ou Não. O acesso ao diagnóstico de doenças crônicas na APS foi perguntado como: “Algum médico da unidade que o(a) senhor(a) utiliza já deu o diagnóstico de alguma doença crônica, física ou mental, ou doença de longa duração (de mais de 6 meses de duração) ao(à) senhor(a)? Sim ou Não. Após a observação da prevalência de respostas Sim para estas variáveis, o desfecho foi construído agrupando-se tais variáveis com respostas positivas, caracterizando assim a boa qualidade do acesso na percepção dos usuários do SUS na AB.
Quadro teórico para fundamentar a análise da qualidade do acesso na perspectiva do usuário. Porto Alegre, 2018
Os dados foram analisados por meio da associação entre o desfecho composto e as variáveis de estudo segundo associações apresentadas pelo teste de Qui-quadrado, com o valor para rejeição de associação de p<0,05 (IC95%). Os dados foram analisados no software Statistical Package for the Social Sciences/SPSS v.24 (Chicago: SPSS Inc.). Análises das frequências absolutas e relativas foram calculadas. O teste do Qui-quadrado, foi utilizado para avaliar diferenças nas variáveis estudadas e, quando este violou seus pressupostos, utilizou-se o Teste Exato de Fischer, ambos com nível de 0,05% de significância. Regressão de Poisson com variância robusta foi utilizada para cálculo de Razões de Prevalência (RP) brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. No modelo ajustado, incluem-se variáveis teoricamente relevantes com p-valor <0,10. A significância estatística dos índices das razões de prevalência foi avaliada pelo teste de Wald.
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre com número de parecer 1.670.384 e, também, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS com número de parecer 1.716.586.
RESULTADOS
No presente estudo, 65,0% dos participantes eram usuários dos serviços básicos de saúde ofertados em Unidades de Saúde do SUS de Porto Alegre/RS e, destes, 72,6% utilizavam os serviços para acessar qualquer cuidado em saúde não sendo usuário restrito à vacinação. O estudo compreende estes como sendo usuários clássicos da atenção primária; dito de outra forma, aqueles usuários que acessam todos os serviços disponíveis nas Unidades Básicas de Saúde. Como características sociodemográficas, observou-se uma maior prevalência de usuárias do sexo feminino (67,3%), cor branca (63,4%), e maior representatividade de usuários na faixa etária acima dos 60 anos (45,5%). Usuários sem companheiros, por serem viúvos, separados ou solteiros, representavam 55,4% da amostra, bem como 71,3% dos usuários possuíam mais de 4 anos de estudo e 57,4% declararam que não possuíam nenhuma renda no momento da entrevista. Em relação às variáveis relativas aos serviços de saúde, 73,3% tinham suas casas cadastradas pelos serviços de atenção primária do território, sendo que 42,6% residiam na gerência distrital Centro, 30,7% na gerência Partenon-Lomba do Pinheiro/PLP e 25,7% na gerência Restinga-Extremo Sul/RES.
Ao observar a prevalência de cada um dos elementos que caracterizam um bom acesso aos serviços, observou-se que: a Brevidade para ser consultado após agendamento (60,4%), o atendimento por demanda espontânea (90,1%), bem como a adscrição do domicílio (73,3%) foram os elementos mais prevalentes (Tabela 1). Porém, quando se somam as possibilidades de respostas positivas às variáveis que compõem o desfecho, a prevalência de desfecho positivo foi de apenas 18,8%. Ao correlacionar o desfecho com as variáveis exploratórias sociodemográficas, houve associação estatisticamente significante com o fato de não ter companheiro (p=0,045) e não ter trabalho remunerado (p=0,045) como questões que estão associadas ao conjunto de variáveis positivas ao acesso (Tabela 2). Ao correlacionar o desfecho com as variáveis exploratórias de características do serviço, não foi identificada nenhuma associação (Tabela 3).
Prevalência de elementos essenciais para um bom acesso aos serviços de atenção primária. Porto Alegre, 2018
Associação do desfecho com variáveis exploratórias característica da rede do município. Porto Alegre, 2018
Diante das prevalências das referidas variáveis destaca-se, após cálculo de razão de prevalências bruta, que usuários com mais de quarenta anos (RP=0,65; IC95%=0,44-0,96) – (RP=0,51; IC95%=0,35-0,73) e sem remuneração (RP=0,66; IC95%=0,47-0,91) são os que apresentam maior probabilidade de serem diagnosticados com alguma doença crônica na atenção primária. Além deste aspecto, os usuários das gerências RES e PLP têm acesso mais qualificado quando se trata de turnos estendidos de atendimento (Tabela 4). Em relação às razões de prevalência ajustada para as variáveis que compõem o desfecho em estudo, observou-se que usuários da rede de atenção primária da gerência PLP têm mais probabilidade de ter acesso qualificado na questão de agendamento facilitado por telefone (RP=1,34; IC95%=1,01-1,80) (Tabela 5).
Razões de Prevalência Brutas para as variáveis que compõem o desfecho em estudo. Porto Alegre, 2018
Razões de Prevalência Ajustada para as variáveis que compõem o desfecho em estudo. Porto Alegre, 2018
DISCUSSÃO
O presente estudo mostra-se como original, pois apresenta um conjunto de elementos para um acesso de qualidade relatados e percebidos por usuários que vivem as realidades para acessar o SUS. Este conjunto de elementos fundamentados na literatura e perguntados aos usuários apresenta-se como um construto para se identificar a qualidade do acesso aos serviços da atenção primária em um município de grande porte como a cidade de Porto Alegre/RS. Os usuários participantes deste estudo mostram-se com características sociodemográficas semelhantes aos usuários dos serviços de Atenção Primária à Saúde/APS no Brasil18.
A literatura tem mostrado que o acesso é concebido de forma nem sempre positiva devido à existência de barreiras aos usuários, como filas para marcação de consulta, demora no atendimento, baixa resolutividade e falta de informação sobre a disponibilidade de certos serviços4,19,20. Tais aspectos podem levar a população a buscar outros serviços. O desconhecimento dos direitos dos próprios usuários e a incipiente organização da rede de serviços explicam, de certa forma, a percepção do usuário apontando para a necessidade de reorganização do serviço e da rede, como porta de entrada do sistema, bem como a necessidade de desenvolver estratégias para a superação dessas barreiras4,19.
A visão dos usuários acerca da atenção prestada nos serviços de saúde é fundamental para avaliar a sua qualidade. O presente estudo aponta que, dentre os elementos essenciais para um bom acesso aos serviços de saúde da APS, destaca-se que a brevidade na consulta após o agendamento, o atendimento por demanda espontânea e a adscrição do domicílio foram as características mais prevalentes percebidas positivamente e relatadas pelos usuários da APS caracterizando suas relevâncias no desfecho. Independentemente do modelo de assistência, bem como a complexidade do cuidado, a brevidade em ser atendido está diretamente associada a um bom acesso aos serviços de saúde na perspectiva dos usuários21.
A comunicação entre serviço e usuário por meio dos trabalhos dos Agentes Comunitários de Saúde da Estratégia de Saúde da Família/ESF mostra-se como fundamental para qualificação do acesso21,22. A comunicação com o usuário também foi elucidada no presente estudo. O agendamento por telefone, o atendimento em turno estendido e a escuta qualificada/acolhimento foram considerados pelos usuários de forma não tão prevalentes, mesmo que os usuários das gerências PLP e RES tenham acesso mais qualificado a turnos estendidos de atendimento/terceiro turno. O agendamento por telefone é uma variável importante para facilitar o acesso, porém esta modalidade de agendamento ainda não é uma realidade no serviço público no Brasil23,24,25. Alguns estudos apontam que o acesso por demanda espontânea e horário estendido de atendimento desenvolvem-se de acordo com as características dos municípios e seus modelos de atenção em saúde, e a ESF mostra-se como promotora de acesso e consequente cuidado longitudinal da população do território sob a adscrição dos serviços de saúde26,27.
Outro aspecto importante para qualificação do acesso é o fato de ser consultado em um curto espaço de tempo após o agendamento. Observa-se a qualidade do acesso neste contexto na cidade de Porto Alegre, em relação ao agendamento das consultas para um prazo menor que 1 mês e, também, para consultas no mesmo dia em que o usuário procura o atendimento (demanda espontânea). O atendimento em curto prazo é um elemento de suma importância para qualificação do acesso aos serviços de saúde, porém a insatisfação de usuários em relação a este contexto mostra a necessidade de melhorias neste atributo da atenção primária no Brasil28,29.
Existe uma relação muito importante que engloba o acesso aos serviços da APS e os usuários que trabalham atuando em jornadas diurnas de atividades e são remunerados. Esses usuários têm maior dificuldade de acesso ao serviço, pois, na maioria das vezes, o horário de atendimento das unidades de saúde coincide com o seu horário de trabalho. Para essas pessoas, é extremamente importante o acesso aos turnos estendidos de atendimento nessas unidades, uma vez que a restrição do horário de funcionamento e a indisponibilidade de horários alternativos podem acarretar a necessidade do usuário em procurar por outros serviços, incluindo outros níveis de atenção. Não foi encontrado na literatura nenhum estudo com tais perspectivas.
Quando se refere à escuta qualificada e acolhimento, espera-se que os trabalhadores da saúde acolham os usuários, reconhecendo-os pelo nome e se interessando pelas questões subjetivas apresentadas por eles na ida ao serviço de saúde. Quando o usuário é acolhido pela unidade de saúde, tendo seu atendimento garantido, conquista-se uma importante etapa na adesão do tratamento e resolução dos problemas de saúde30. Desta maneira, questões subjetivas de empatia e identificação do usuário com os serviços compõem o complexo processo que é o acesso aos serviços de saúde.
Os achados deste estudo demonstram que, dos elementos essenciais para um bom acesso aos serviços de saúde da APS, a brevidade na consulta após o agendamento, o atendimento por demanda espontânea e a adscrição do domicílio foram as características mais prevalentes percebidas e relatadas pelos usuários da APS em Porto Alegre, o que mostra a importância deles no acesso aos serviços de atenção primária. O atendimento em curto prazo e por demanda espontânea relatado como positivo neste estudo diverge da literatura que coloca esses atributos como ainda necessitando de melhorias no Brasil.
Mesmo com a limitação de ser um estudo locorregional, com algumas recusas de atendimento dos pesquisadores, e de ser um estudo transversal não permitindo afirmativas de causalidade, acredita-se que o objetivo proposto pelo presente estudo foi atingido e importantes resultados foram alcançados para nortear o olhar dos gestores municipais para a importância de questões envolvendo o aceso à atenção primária. O relato do usuário foi fundamental para a avaliação e compreensão do acesso e qualidade dos serviços de saúde, uma vez que a percepção daqueles que acessam diariamente esses serviços é a forma mais adequada de se obter resultados reais. A partir da perspectiva do usuário, foi possível identificar quais são as dificuldades para acessar os serviços e permitir visualizar de forma mais nítida as características que devem ser mantidas, priorizadas e/ou melhoradas no que se refere ao acesso aos serviços de saúde de uma cidade como Porto Alegre.
Recomenda-se que o município realize outros levantamentos como este, nas demais gerências distritais a fim de qualificar o acesso e verificar os elementos que necessitam de maior atenção e mudanças. Existem muitas questões a serem estudadas e muitos caminhos a serem percorridos no que se refere ao acesso aos serviços de saúde da APS, pois ainda se convive com uma realidade desigual de acesso e este se constitui como um grande desafio relacionado ao serviço de saúde.
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Como citar: Nied MM, Bulgarelli PT, Rech RS, Buno CS, Santos CM, Bulgarelli AF. Elementos da Atenção Primária para compreender o acesso aos serviços do SUS diante do autorrelato do usuário. Cad Saúde Colet, 2020; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202028030434
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Trabalho realizado nos serviços de Atenção Primária na cidade de Porto Alegre (RS), Brasil.
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Fonte de financiamento: Centro de Pesquisa em Odontologia Social/CPOS-UFRGS (Apoio gestão e financeiro).
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Ago 2020 -
Data do Fascículo
Jul-Set 2020
Histórico
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Recebido
07 Set 2018 -
Aceito
24 Ago 2019