Resumos
Este texto procura discutir a evolução das normas nacionais e internacionais que regulamentam o acesso aos recursos genéticos e a repartição de benefícios dele decorrente. É delineado um panorama com os principais pontos de conflito, as lacunas na legislação e as iniciativas já existentes para resolvê-los, ressaltando o papel de destaque do Brasil.
Biodiversidade; Bioprospecção; recursos genéticos; repartição de benefícios
This report discusses the evolution of national and international rules which control the access to genetic resources and the way of sharing their benefits. A panorama with the main points of conflict, the fails in legislation and the pre-existing initiatives to solve them was outlined, highlighting the important role of Brazil in this work.
benefit sharing; Biodiversity; Bioprospecting; genetic resources; The rules of access to genetic resources and benefit sharing; disputes inside and outside Brazil
ARTIGOS
A regulamentação de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios: disputas dentro e fora do Brasil
Nilo L. Saccaro Jr
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Diretoria de Estudos Regionais, Urbanos e Ambientais), 70076900 Brasilia - DF, Brasil
RESUMO
Este texto procura discutir a evolução das normas nacionais e internacionais que regulamentam o acesso aos recursos genéticos e a repartição de benefícios dele decorrente. É delineado um panorama com os principais pontos de conflito, as lacunas na legislação e as iniciativas já existentes para resolvê-los, ressaltando o papel de destaque do Brasil.
Palavras-chave: benefit sharing, Biodiversidade, Biodiversity, Bioprospecção, Bioprospecting, genetic resources, recursos genéticos, repartição de benefícios.
ABSTRACT
This report discusses the evolution of national and international rules which control the access to genetic resources and the way of sharing their benefits. A panorama with the main points of conflict, the fails in legislation and the pre-existing initiatives to solve them was outlined, highlighting the important role of Brazil in this work.
Keywords: The rules of access to genetic resources and benefit sharing: disputes inside and outside Brazil.
Introdução
A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2010 o Ano Internacional da Biodiversidade, destacando a necessidade de soluções inovadoras para sua manutenção (CDB, 2010). O Brasil possui uma grande responsabilidade neste esforço mundial, já que abriga cerca de 13% de todas as espécies existentes no planeta (LEWINSOHN; PRADO, 2006). Devido à combinação entre riqueza de espécies e elevado grau de endemismo, está no topo da lista dos 17 países considerados megadiversos (os outros são Colômbia, Indonésia, China, México, África do Sul, Venezuela, Equador, Peru, Estados Unidos, Papua-Nova Guiné, Índia, Austrália, Malásia, Madagascar, República do Congo e Filipinas) que, em conjunto, possuem em seus territórios cerca de 70% da biodiversidade planetária (MITTERMEIER et al., 1997).
Um dos meios mais efetivos de conservação, aliando-se a políticas de comando e controle, é a modificação da forma de exploração da biodiversidade, favorecendo usos não-consumptivos ou que respeitem a velocidade de regeneração dos ecossistemas. A situação do bioma amazônico é emblemática e ilustra perfeitamente a questão: a derrubada descontrolada da mata para extração madeireira ou para fins agropecuários gera uma renda efêmera, de curto prazo, deixando em seu rastro um ambiente degradado, com solos esgotados e praticamente inúteis. Como é impossível a qualquer órgão governamental fiscalizar adequadamente uma área de tão gigantescas proporções, encontrar formas de agregar valor à floresta em pé pode ser a maneira mais efetiva de proteção. Mais que isso, a biodiversidade pode se tornar uma grande vantagem na busca pelo desenvolvimento nacional, se explorada de maneira adequada.
Uma das maneiras de se extrair valor econômico da biodiversidade é a bioprospecção. Aqui ela é definida como a busca sistemática por organismos, genes, enzimas, compostos, processos e partes provenientes de seres vivos em geral, que possam ter um potencial econômico e, eventualmente, levar ao desenvolvimento de um produto. É relevante para uma ampla gama de setores e atividades, incluindo biotecnologia, agricultura, nutrição, indústria farmacêutica e de cosméticos, biorremediação, biomonitoramento, saúde, produção de combustível por meio de biomassa, entre outros. Os alvos da bioprospecção são coletivamente chamados de recursos genéticos.
Entre todas as finalidades da bioprospecção, o desenvolvimento de novos fármacos tem-se mostrado especialmente importante, devido tanto à sua relação com a saúde e bem-estar humanos, quanto com as cifras econômicas envolvidas. O mercado farmacêutico mundial movimentou em 2008 mais de US$ 700 bilhões e estima-se que em 2014 esse valor atinja US$ 1,1 trilhão, sendo a maior parte do crescimento na demanda proveniente de países em desenvolvimento (IMS, 2010). O papel da bioprospecção no setor é fundamental: cerca de 50% dos fármacos atuais foram desenvolvidos a partir de moléculas biológicas. No caso de drogas anticâncer e antibióticos, essa proporção pode ser ainda maior, chegando próximo aos 70% (UNU-IAS, 2005). Esses números se refletem nos mercados: mais da metade das 150 drogas mais prescritas nos Estados Unidos durante a década passada foram derivadas de recursos naturais (GRIFO et al., 1997).
Embora existam, atualmente, diversas estratégias e metodologias disponíveis para que se possa sintetizar e descobrir novos fármacos, a química de produtos biológicos é privilegiada porque, ao longo da evolução, moléculas foram construídas por meio da seleção natural para serem capazes de induzir respostas específicas. Esse é o caso do veneno de uma jararaca, por exemplo, em que se podem isolar princípios ativos relacionados ao controle da pressão arterial, a fim de se produzir um anti-hipertensivo, ou de um bactericida, isolado de uma planta, que evoluiu justamente como defesa contra microorganismos de seu ambiente. A própria penicilina, primeiro antibiótico, foi descoberta por Alexander Fleming, na Inglaterra, proveniente de fungos. Princípios ativos de fármacos famosos e largamente utilizados hoje, responsáveis por mercados milionários, como sildenafila, azidovudina, ascaridol e estatinas, foram desenvolvidos e inspirados por meio de compostos naturais. O anti-inflamatório de uso tópico Acheflan, lançado pelo Laboratório Aché em 2004, foi uma inovação brasileira obtida do Cordia verbenácea, um arbusto nativo da Mata Atlântica (BARREIRO, 2009). Levantamentos não exaustivos indicam dezenas de produtos naturais brasileiros, já conhecidos, que têm algum uso econômico em potencial (BARREIRO, 2009; FONTANA et al., 2000), e a pesquisa apenas se inicia: o desenvolvimento de novas tecnologias e métodos de seleção de princípios ativos em coleções de moléculas naturais deve ainda tornar a bioprospecção cada vez mais eficiente e competitiva, quando comparada a processos puramente sintéticos de criação de drogas (PATERSON; ANDERSON, 2005).
Por esses motivos, a realização do potencial econômico brasileiro da bioprospecção é hoje propalada pela mídia nacional e internacional, principalmente no que se refere ao bioma amazônico, e poucos formuladores de políticas se arriscariam a negar sua importância. Há, porém, uma grande diferença entre teoria e prática: embora exaltados como grande riqueza nacional, os recursos genéticos brasileiros estão longe de serem aproveitados para geração de renda, ou de maneira ambientalmente favorável e socialmente justa.
Grande parte do problema advém da dificuldade em se regulamentar a repartição dos benefícios gerados, tanto com base no acesso aos recursos genéticos quanto nos conhecimentos tradicionais sobre propriedades de animais e plantas. Essa é uma disputa que se dá entre países detentores de grande biodiversidade e países detentores da tecnologia para explorá-la, tendo-se ainda que levar em conta a questão da propriedade intelectual de comunidades tradicionais sobre seus conhecimentos, acumulados ao longo de gerações. A seguir é discutida a evolução dessa regulamentação, em âmbitos nacional e internacional, de forma a ressaltar os principais pontos de conflito e as iniciativas já existentes para resolvê-los.
A Convenção sobre a Diversidade Biológica e os direitos sobre recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados
A idéia de propriedade sobre os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados é relativamente recente, tendo começado a ser discutida apenas nas últimas décadas do século XX. Até então o acesso era livre, podendo ser realizado por todos, em qualquer lugar. Essa situação muda com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que reconhece a soberania de cada país sobre os recursos genéticos localizados em seu território (CDB, 2010). A mudança é decorrente da demanda de países em desenvolvimento - o Brasil foi um dos atores mais ativos nas negociações multilaterais -, que concentram a maior parte da biodiversidade mundial, por terem considerado injusta a situação em que o livre acesso aos recursos genéticos era permitido, mas os produtos obtidos daí eram objetos de apropriação monopolística, principalmente por meio de patentes, por empresas sediadas na maioria dos casos em países desenvolvidos.
A CDB é um acordo internacional, lançado durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, ao lado de outros documentos multilaterais, como a Convenção sobre o Clima e a Agenda 21, que juntos devem nortear a relação entre os países, o ambiente e o desenvolvimento. Almeja a conservação e a utilização sustentável e justa da biodiversidade, reconhecendo a importância desses objetivos para o desenvolvimento e a sobrevivência da humanidade, bem como a responsabilidade humana sobre a atual trajetória de diminuição da diversidade biológica mundial. Institui também as diretrizes que devem ser seguidas para conciliar conservação e desenvolvimento. Assinada e ratificada pela maioria dos países pertencentes à Organização das Nações Unidas (ONU), foi promulgada no Brasil pelo Decreto no 519/1998. Desde sua entrada em vigor, o patrimônio genético tornou-se uma riqueza nacional, cabendo a cada país legislar sobre as formas de acesso e de repartição dos benefícios gerados.
O conhecimento do ambiente acumulado ao longo do tempo por comunidades indígenas e tradicionais, denominado conhecimento tradicional, também foi levado em consideração pela CDB: ele tem uma íntima relação com o processo de bioprospecção, servindo como guia. As informações que essas comunidades fornecem sobre as propriedades de plantas e outros organismos são valiosas, muitas vezes imprescindíveis, para a seleção de alvos de pesquisa. Até então, enquanto o conhecimento das empresas farmacêuticas era protegido pela propriedade intelectual, o conhecimento tradicional era entendido como algo público, de livre acesso. Por esse motivo, a CDB reconhece também os direitos das comunidades tradicionais e indígenas sobre seu saber: este deve ser acessado apenas com o consentimento das comunidades envolvidas, e com elas deve haver uma repartição justa dos benefícios gerados.
Devido à clara divergência de interesses entre Estados ricos em tecnologia e Estados ricos em recursos genéticos, a CDB procurou incentivar mecanismos de cooperação científico-tecnológica, visando à geração de riqueza com equidade e transferência de tecnologia entre os países. O art. 15 da convenção diz que a bioprospecção só pode ser realizada mediante consentimento prévio informado e sob termos acordados mutuamente, o que significa que o acesso deve ser negociado e aprovado pelos dois lados. A transferência de tecnologia entre os países é incentivada no art. 16, como forma de permitir o uso e a conservação adequados da biodiversidade. Com o intuito de enfatizar e dar orientações sobre os princípios contidos no art. 15, a Conferência das Partes (COP) (órgão de decisão e implementação da CDB, composto por todos os governos e organizações de integração econômica regional que a tenham ratificado) aprovou, em seu 6o encontro bianual, diretrizes específicas sobre o acesso e a repartição de benefícios gerados pelos recursos genéticos (Decisão VI/24). Estas - conhecidas como Diretrizes de Bonn - pretendem ser um guia no desenvolvimento de regimes nacionais de acesso e repartição de benefícios, contendo uma série de recomendações e alternativas que podem ser adotadas para esse objetivo.
Embora a CDB e as Diretrizes de Bonn forneçam recomendações gerais, "a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional" (CDB, 2010, art. 15, § 1o). Dessa forma, surge a necessidade de regulamentação nacional e/ou de contratos de bioprospecção e de transferência de tecnologia. A questão principal é: como regular o acesso sem afastar os bioprospectores? Respondê-la mostra-se missão complicada, não só no Brasil, mas em todo o mundo, pois o cenário é relativamente inexplorado, tanto em matéria jurídica quanto biológica. Além disso, a resposta não é única, mas varia de acordo com cada país, contemplando uma série de especificidades.
Exemplos de políticas nacionais para regular o acesso aos recursos genéticos incluem a Lei de Biodiversidade da Costa Rica, a Ordem Executiva 247 das Filipinas, as Condições de Acesso e Repartição de Benefícios dos Recursos Naturais de Samoa e a Decisão 391 (Regime Comum de Acesso a Recursos Genéticos) na Colômbia. Uma variedade de arranjos para taxas, honorários, royalties e divisão de lucros é empregada e alguma porção do pagamento tipicamente deve ser alocada em esforços de conservação in situ (BISHOP et al., 2008).
A inexistência de uma legislação interna específica não impede a realização de contratos entre bioprospectores e fornecedores - embora seja necessário consentimento governamental, de acordo com a CDB. Parcerias para bioprospecção já foram implementadas pelo mundo, variando de acordo com a realidade e a cultura local, houvesse ou não regulamentação nacional específica. Na África Central e do Norte, por exemplo, foram realizados projetos entre grupos isolados, como universidades ou comunidades e empresas farmacêuticas transnacionais, com o intermédio de universidades dos Estados Unidos (BARROS-PLATIAU; VARELLA, 1999). Em 1993 foram realizados os primeiros contratos de bioprospecção no Peru, ainda no vácuo de uma legislação nacional sobre o tema (DIAS; COSTA, 2007). A Costa Rica é frequentemente citada como pioneira em contratos de bioprospecção: no início dos anos 1990, o Instituto Nacional de Biodiversidade (INBio) desse país negociou um acordo com a multinacional farmacêutica Merck que previa o pagamento pelo acesso a material coletado na Costa Rica, participação nos lucros e transferência de tecnologia. Grande parte dos recursos foi direcionada para a manutenção de áreas protegidas. Além disso, as universidades locais também foram integradas como parceiros estratégicos na execução de projetos de conservação. Desde então, o INBio fechou acordos semelhantes com mais de 20 companhias. Apesar desses acordos terem recebido muitas críticas, principalmente relativas à transparência e ao preço pago pelas companhias para acessar os recursos, a Costa Rica demonstrou a viabilidade de fundos para conservação pública provenientes da bioprospecção comercial (BISHOP et al., 2008, TAMAYO; GUEVARA; GAMEZ, 2004).
A biopirataria e a ausência de mecanismos internacionais efetivos para evitá-la
O grande potencial econômico dos recursos genéticos, associado aos custos da repartição de benefícios, acabou levando a formas ilegais de apropriação, que deram origem ao termo biopirataria. Esta pode ser conceituada como exploração, manipulação ou exportação de recursos biológicos, com fins comerciais, em contrariedade aos ideais da CDB e à legislação local, quando existente.
No Brasil, é extremamente difícil conter a biopirataria por meio de qualquer forma de policiamento: a extensão territorial, aliada à facilidade de transporte de material biológico - tubos de PVC, maletas, caixas térmicas, meias e cinturões - dificulta a ação de órgãos e agências governamentais competentes. A biopirataria ainda conta com as facilidades do mercado ilegal de fauna silvestre: apesar da ilegalidade, ainda pode-se encontrar animais, suas partes e produtos sendo comercializados por criadouros clandestinos, lojas ou até mesmo em feiras livres. No mercado internacional, exemplares de aranhas podem chegar a cinco mil dólares, de besouros, oito mil dólares e de cobras, 20 mil dólares. Um único grama de veneno de cobra coral (Micrurus frontalis) pode superar os 30 mil dólares (RENCTAS, 2001). O conhecimento tradicional também fica relativamente desprotegido: é muito fácil a qualquer interessado obter informação sobre plantas e animais convivendo por algum tempo com comunidades locais. Exemplos de espécies amazônicas e seus derivados que originaram patentes na Europa, no Japão ou nos Estados Unidos, sem qualquer preocupação com repartição de benefícios, são o cupuaçu (Theobroma grandiflorum) e seu derivado, o cupulate; a ayahuasca (Banisteriopsis caapi), cipó utilizado para chás; e o óleo de copaíba (Copaifera sp). Estes e outros casos são relatados no site da Amazonlink.org (2010), organização não governamental que tem realizado campanhas relacionadas à proteção dos recursos biológicos e dos conhecimentos tradicionais.
As medidas repressoras disponíveis no Brasil não são adequadas, mostrando-se incapazes de desestimular aqueles que buscam se apropriar ilegalmente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado. Ao contrário de outras formas de contrabando ou reprodução ilegal de conhecimentos sem autorização de seus proprietários ou detentores, a biopirataria não é tipificada como ilícito criminal, sendo punida apenas administrativamente, com sanções brandas, como multas, apreensão de material e suspensões de licenças, entre outras, mas não com sanções penais mais duras, como a detenção.
No âmbito da fiscalização administrativa, a maior punição é prevista pelo Decreto no 5.459/2005, que regulamentou o Art. 30 da MP no 2.186-16/2001, disciplinando as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. O art. 18 deste decreto prevê multa que pode chegar a R$ 100 mil para pessoa física e R$ 50 milhões para a pessoa jurídica que deixar de repartir os benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido com base no acesso à amostra do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado. Em determinados casos, pode-se aplicar a Lei no 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), sendo o transgressor enquadrado em crimes correlatos, por exemplo, tráfico de animais silvestres. Mesmo assim, poucas figuras dessa lei podem ser invocadas para repressão e combate aos praticantes de biopirataria e, ainda assim, são consideradas como de menor potencial ofensivo, resolvendo-se na maioria das vezes com a lavratura de um termo circunstanciado e liberação do autor do fato poucas horas depois (GOMES, 2008). No caso de estrangeiros, essas punições tendem a ser ainda mais inócuas, caso voltem a seu país de origem, ao mesmo tempo em que os lucros obtidos tendem a ser mais expressivos, visto que a maior capacidade tecnológica para pesquisar está em países desenvolvidos.
A situação no restante do mundo em desenvolvimento, que concentra a maior parte da biodiversidade mundial, é muito semelhante à do Brasil. Atualmente, a única pressão efetiva para uma bioprospecção legal vem da preocupação das empresas com sua imagem. Para uma empresa, ter a reputação abalada pode significar prejuízos financeiros. Com a conscientização crescente dos consumidores acerca dos desafios ambientais que o planeta enfrenta, ser ecologicamente correto é uma forma de diferenciação mercadológica. Ter a imagem associada à biopirataria, ao contrário, pode influenciar a opinião pública sobre a corporação, dificultar contratos e afugentar consumidores. Obviamente a relação entre os custos do risco e os benefícios da biopirataria varia para cada empresa ou setor e, como nos indicam os dados do parágrafo anterior, ela não tem sido suficiente para coibir a ilegalidade, fazendo-se necessários outros mecanismos.
A legislação internacional de propriedade intelectual ainda não adotou instrumentos para evitar a biopirataria. Os países desenvolvidos, detentores da tecnologia, resolveriam boa parte do problema se questionassem as indústrias sobre a origem de produtos relacionados à biodiversidade, como já realizam com produtos agrícolas, no tocante à transferência de recursos fitossanitários. Atualmente, o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (mais conhecido como TRIPS, na sigla em inglês para Trade-related Aspects of Intellectual Property Rights), um dos pilares do regime do comércio global, que define padrões de proteção para os direitos de propriedade intelectual dos 153 países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), não exige que seja declarada a origem de recursos genéticos ou de conhecimentos que dão origem a patentes, bem como o consentimento prévio do país e das comunidades detentoras do conhecimento tradicional - quando for o caso -, com vista a garantir que os preceitos da CDB sejam seguidos. Dessa forma, a partir do momento em que o material genético ou a informação é enviada ilegalmente para o exterior do país detentor, é muito pequena a possibilidade de repartição justa dos lucros gerados e de punição ao beneficiário da biopirataria. Pelo contrário, caso essa apropriação ilegal resulte em inovação comercial, os consumidores do país violado deverão pagar o mesmo que qualquer outro para utilizar um produto desenvolvido com base em seu próprio patrimônio natural.
Os descumpridores do TRIPS e de outros acordos comerciais celebrados no âmbito da OMC estão sujeitos a sanções efetivas. A CDB, por outro lado, não prevê mecanismos sancionatórios para o descumprimento de seus preceitos, o que fragiliza sua aplicação. Além disso, as divergências ainda não resolvidas entre os acordos acabam por atrapalhar também a regulamentação interna em diversos países. Por esse motivo, a compatibilização entre acordos internacionais é crucial para se promover a bioprospecção sustentável e justa. A exigência de que o acesso tenha ocorrido mediante consentimento prévio fundamentado de seus detentores e repartição dos benefícios, segundo a legislação do país acessado, deve ser considerada um requisito legal para a proteção intelectual.
A própria possibilidade de restrições ao patenteamento de seres vivos ou suas partes é tema de debates quando se tenta associar os dois conjuntos de regras. Os ideais da CDB defendem a soberania de cada país sobre seus recursos genéticos, incumbindo-os, portanto, de decidir sobre a aplicação de patentes a todos os seres vivos existentes em seu território. O TRIPS, por sua vez, permite que seus membros excluam plantas e animais da proteção patentária, mas exige que microorganismos possam ser patenteados. Além disso, torna possível que um material biológico não patenteável em seu país de origem seja patenteado em outro. Os Estados Unidos e o Japão, por exemplo, praticamente não impõem restrições ao patenteamento de seres vivos, enquanto o Brasil permite que seja patenteado apenas o mínimo exigido pelo TRIPS.
O Brasil, cuja importância diplomática se torna cada vez maior, exerce um papel de liderança na defesa da efetiva implementação dos princípios da CDB na proteção intelectual internacional. Juntamente com outros países ricos em biodiversidade, apoia a revisão do TRIPS, com incorporação de mecanismos que permitam anulação de patentes e punições aos biopiratas. Pouco êxito havia sido obtido nesta direção até 2010. Entretanto, durante a décima Conferência das Partes (COP 10), realizada em Outubro do ano passado no Japão, foi dado um passo importante: a assinatura de um protocolo que obriga as partes a tomarem medidas para garantir que o acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado ocorra da forma preconizada na CDB. O Protocolo sobre Acesso a Recursos Genéticos e a Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Advindos de sua Utilização (também conhecido como Protocolo de Nagoya, devido à cidade onde ocorreu a conferência) esclarece e detalha questões relativas à repartição de benefícios (a definição de benefícios monetários e não-monetários é clarificada, bem como as modalidades de contratos que devem ser utilizados entre as partes), além de dar as diretrizes básicas para a criação de mecanismos internacionais de cooperação, monitoramento e regulação, enfatizando a necessidade de conformidade das legislações nacionais (CDB, 2010).
O Protocolo de Nagoya representa o maior avanço na regulamentação da bioprospecção desde a CDB, sinalizando a capacidade de decisões multilaterais. Porém não possui ainda um poder de sanção comparável ao do TRIPS. Além disso, precisa ser ratificado por no mínimo 50 países para ter eficácia internacional e não é reconhecido por um ator importante: os Estados Unidos, que não participam da Convenção. Por tudo isso, significa ainda o início, e não o final das discussões.
A atuação brasileira na COP 10 foi decisiva para a assinatura do Protocolo de Nagoya. Por outro lado, como explicado a seguir, o próprio Brasil encontra dificuldades para conectar de forma efetiva o processo de patenteamento ao de acesso e repartição de benefícios. Ao mesmo tempo, as leis brasileiras ainda não são capazes de coibir a biopirataria em seu território. Torna-se urgente, portanto, aprimorar a regulamentação interna e a caracterização jurídica da biopirataria, para servir de exemplo e fornecer mais legitimidade no cenário internacional, mostrando que é possível utilizar a proteção intelectual na repartição justa dos benefícios da bioprospecção.
Regulamentação de acesso e repartição de benefícios no Brasil
O ambiente regulatório da bioprospecção no Brasil é derivado de características socioculturais internas associadas ao contexto mundial de mudanças recentes na forma de se encarar o patrimônio natural. Embora o país detenha o maior patrimônio genético do mundo, sua capacidade de gerar renda com o uso da biodiversidade é menor que a de outros países menos favorecidos, como a Costa Rica. É fácil perceber que uma arquitetura legal inadequada pode afugentar os bioprospectores, levando-os a pesquisar onde as condições sejam mais facilitadas, ou ainda a coletar ilegalmente, visto que praticamente inexistem mecanismos internacionais efetivos de fiscalização e sanção.
As primeiras iniciativas brasileiras para regulamentar a matéria ocorreram em 1995, com o PL no 306/1995, substituído em 1998 pelo PL no 4.842/1998, quando também outros dois PLs (nos 4.579/1998 e 4.751/1998) foram apresentados sobre o assunto. Estes e outros projetos relacionados ainda tramitavam na Câmara dos Deputados em 2000, quando um contrato entre a Organização Social Bioamazônia e a empresa farmacêutica Novartis foi duramente criticado pela imprensa. Devido a tais críticas, em sua maioria relacionadas à inexistência de legislação que protegesse adequadamente os recursos genéticos existentes em território nacional, o contrato acabou por não ser executado. Porém, a repercussão negativa do fato levou à edição da Medida Provisória (MP) no 2.052, de 29 de junho de 2000, em vigor atualmente sob o no 2.186-16/2001. Esta determina que o acesso ao conhecimento tradicional associado e ao patrimônio genético existente no país, bem como sua remessa para o exterior, somente sejam efetivados mediante autorização da União, e institui como autoridade competente para esse fim, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) (AZEVEDO, 2005). A MP também regulamenta a repartição dos benefícios derivados do uso do patrimônio genético, bem como acesso à tecnologia e à transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, sendo atualmente o principal marco regulatório para a bioprospecção.
O fato de a regulamentação vigente resultar de uma MP, implementada sem uma discussão exaustiva do tema, reverteu em severas críticas por parte de praticamente todos os setores envolvidos. A principal delas - proveniente principalmente da comunidade acadêmica - é que a MP impõe critérios muito rígidos e gera uma burocracia excessivamente complexa, tornando praticamente impossível trabalhar com recursos genéticos do Brasil, impedindo sua utilização para o desenvolvimento do país. Isso inviabiliza a própria repartição de benefícios, uma vez que esses não chegam a ser produzidos (CLEMENT, 2007). Essa rigidez deriva provavelmente do cenário de aversão à comercialização do patrimônio genético existente no momento da edição da MP, com a grande pressão na mídia para proteção de um bem público supostamente ameaçado (AZEVEDO, 2005; CLEMENT, 2007). Neste ponto, evidencia-se a falta de conexão entre sistema regulatório, expectativas acerca do potencial econômico da biodiversidade e processo de pesquisa e desenvolvimento (P&D).
A conexão entre o acesso, a repartição de benefícios e a propriedade intelectual é outro ponto crucial ainda não totalmente resolvido no Brasil. A MP no 2.186-16/2001 obriga, para o requerimento de patentes relacionadas a produtos oriundos da biodiversidade, que seja informada a origem do material genético e do conhecimento tradicional associado, quando for o caso, a fim de garantir que o acesso se dê na forma da lei. Essa obrigatoriedade foi regulamentada somente em 2006, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), por meio da Resolução Inpi no 134/2006, que obriga a declaração, por parte do requerente de patente, no momento de seu depósito, da data e do número da autorização concedida pelo CGEN, para acesso ocorrido após a publicação da MP. Uma vez que entre esta obrigação e a resolução passaram-se mais de cinco anos, muitos pedidos ocorridos neste período se tornaram irregulares. Além disso, a demora no trâmite e na concessão da autorização pelo CGEN passou a ser ainda mais prejudicial ao inventor, pois adiar o pedido da patente pode significar prejuízo. Na prática, muitos interessados que estavam com solicitações pendentes no CGEN entraram com pedido de patente no Inpi, mesmo sem o número, por medo de perderem a prioridade sobre a invenção. Para solucionar o problema, o instituto publicou as Resoluções nos 207 e 208/2009, desobrigando o solicitante de informar, no ato do depósito, a data e o número da autorização. Esta informação poderá ser enviada ao Inpi até o exame da patente, quando poderá ocorrer uma exigência para regularizar a situação. As novas instruções, porém, não resolvem a situação de pedidos que acessaram a biodiversidade antes da publicação da MP. Estes permanecem em situação irregular e, segundo o Inpi, o órgão trabalha em conjunto com o CGEN para discutir uma legislação que resolva definitivamente a questão (INPI, 2009).
Novion e Baptista (2006) mostram ainda que, além de existirem pedidos de patente sobre recursos genéticos sem a autorização do CGEN, muitos deles são mal descritos, sendo em sua maioria realizados por pessoas físicas, com base apenas no conhecimento tradicional, sem exibir muito dos requisitos legais necessários ao patenteamento, sugerindo baixo grau de profissionalização ou mesmo uma espécie de "bioespeculação", a espectativa de que no futuro a legislação se torne menos restritiva e o requerente ganhe algum direito sobre o material. Aqueles que apresentam uma descrição detalhada, por outro lado, se mostram mais adequados a um artigo científico do que a um requerimento patentário, provavelmente refletindo o fato de o patenteamento ser um objetivo secundário para os pesquisadores envolvidos.
Essas dificuldades, entretanto, não são de todo inesperadas, uma vez que as discussões acerca de acesso e repartição de benefícios são relativamente recentes: se os objetivos a serem perseguidos já estão cristalizados na CDB, os meios para atingi-los ainda requerem aprimoramentos. É possível perceber esforço dos órgãos regulatórios para desenvolvê-los e flexibilizar a regulamentação. Exemplos: a Orientação Técnica CGEN no 1, que visa caracterizar o conceito de acesso e esclarecer a diferença entre acesso e coleta; a Resolução CGEN no 8, que dispensa a apresentação de anuência prévia do titular de área privada para a obtenção de autorização de acesso com finalidade exclusiva de pesquisa científica, caracterizando-a como caso de relevante interesse público; e o credenciamento de outras instituições para deliberação sobre o acesso com fins à pesquisa científica, a fim de dar mais agilidade ao processo de obtenção de licenças (AZEVEDO, 2005). Algumas ações educativas e explicativas também foram realizadas, como oficinas de capacitação e elaboração de material didático informativo, voltado principalmente a povos tradicionais e indígenas (MMA, 2010a, 2010b). Tais ações são muito importantes e deveriam ser ampliadas, incluindo também os bioprospectores em potencial, como empresas e grupos de pesquisa acadêmicos. Esse tipo de capacitação pode tornar mais rápido o trâmite burocrático, promovendo esclarecimentos e treinamento na apresentação da documentação necessária, de modo que esta não precise ser complementada devido a possíveis inadequações.
Os resultados econômicos de tais esforços, porém, podem ser considerados tímidos. De 2002 a 2009 o número de processos de acesso relacionados à bioprospecção - que se diferenciam daqueles com finalidade exclusiva de pesquisa científica pela potencial geração de lucros - autorizados pelo CGEN não chegou a 25. Destes, apenas dois incluíam conhecimento tradicional associado (MMA, 2010a). Uma iniciativa brasileira de bioprospecção digna de nota vem da empresa privada Extracta Moléculas Naturais S/A. Esta realizou em 1999 um acordo com a multinacional Glaxo-Wellcome, envolvendo pagamento e transferência de tecnologia em troca de acesso a uma biblioteca de moléculas de plantas brasileiras e, em 2004, obteve uma licença especial do CGEN para formar uma coleção comercial de extratos isolados de plantas de biomas brasileiros. A empresa atualmente atende a clientes do setor farmacêutico, cosmético e agroquímico, com contratos realizados sob sigilo (EXTRACTA, 2010).
Os pouquíssimos ganhos econômicos gerados até hoje, para o Brasil, com o uso de recursos genéticos, tornam clara a conclusão de que as regras atuais não estão favorecendo os objetivos da CDB. É difícil, portanto, não concordar com o escopo das críticas desses que tentam pesquisar e se veem bloqueados. Porém, é preciso ter cautela para, na ânsia de promover a geração de riqueza, não se deixar de lado as preocupações com as comunidades locais, geralmente o lado mais frágil do negócio da bioprospecção. O objetivo da regulamentação é preservar direitos sem desestimular a geração dos benefícios.
Contornar as tensões entre os atores da bioprospecção, derivadas da intrincada complexidade social, política e cultural do território brasileiro, tem se mostrado tarefa notavelmente árdua. A necessidade de anuência prévia - do titular da área em que será retirado o material para a pesquisa ou das comunidades indígenas, quando o acesso ocorrer em terra indígena -, por exemplo, é frequentemente apontada como empecilho burocrático. O motivo alegado são as dificuldades de identificação dos indivíduos responsáveis pela área e o exato mapeamento desta, bem como a negociação com pessoas de realidade e cultura muito diferentes da dos bioprospectores. Ao mesmo tempo, comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, apoiadas por organizações não governamentais (ONG), tampouco se contentam com a situação atual. O termo "anuência prévia", utilizado na MP, é considerado vago, sendo reivindicada sua substituição por "consentimento prévio fundamentado", como empregado na CDB, a fim de fortalecer a necessidade não de uma mera consulta, mas de um acordo, em que estejam previstas de antemão todas as condições para que os envolvidos tenham condições de decidir sobre o destino de recursos presentes em seu território.
Segundo a legislação brasileira sobre as unidades de conservação, reservas extrativistas ou de desenvolvimento sustentável possuem conselhos deliberativos, dos quais participam representantes das populações tradicionais residentes na área. De acordo com a MP no 2.186-16/2001, esses órgãos devem ser consultados para que haja acesso, podendo-se afirmar que nestes casos as comunidades tradicionais envolvidas terão voz sobre os recursos genéticos de seu território. Isso não ocorre no caso de populações tradicionais que residam fora dos limites de unidades de conservação oficiais, por isso a definição de seus territórios para participação efetiva no mecanismo de consentimento prévio também é uma reivindicação.
Quando é possível identificar as comunidades detentoras dos conhecimentos tradicionais, um acordo de bioprospecção entre as duas partes torna-se factível. Entretanto, quando o domínio dos conhecimentos é difuso ou não se pode precisar quem são os seus detentores originários, a repartição de benefícios fica prejudicada. Essa parece ser a regra no Brasil, mais que a exceção, uma vez que o conhecimento tradicional de comunidades vivendo em territórios próximos tem grande sobreposição. Uma alternativa, nesses casos, pelo menos no que se refere à questão da repartição de benefícios - tanto no âmbito interno quanto no internacional -, é a criação de fundos, que financiariam tanto projetos de conservação quanto projetos de transferência de renda nos territórios ocupados por povos tradicionais. O grau de abrangência desses fundos - se pequenos, geridos apenas por representantes locais, ou grandes, recebendo recursos da bioprospecção nacional ou estadual, com mais influência estatal em sua administração - é que pode suscitar mais conflitos, dado o pequeno número de experiências já desenvolvidas. Qualquer solução dificilmente agradaria a todos, porém, certamente tornaria a situação mais compatível com a realidade brasileira.
Aproximar-se da realidade brasileira é a esperança de um PL de autoria do Executivo federal - Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Elaborado para substituir o atual marco regulatório, o PL contou com grau de participação da sociedade maior do que o ocorrido por ocasião do lançamento da MP no 2.186-16/2001, sendo submetido a consulta pública durante mais de seis meses (BRASIL, 2008). As principais mudanças que carrega são:
- A redução da burocracia para o acesso com fins de pesquisa científica - as licenças nesse caso passariam a ser praticamente automáticas para entes nacionais, prevendo apenas cadastro junto à autoridade competente, não mais centralizada totalmente no CGEN.
- A utilização de "consentimento prévio fundamentado" em vez de "anuência prévia" e de "recursos genéticos" no lugar de "patrimônio genético" - inclusive no nome do órgão regulador -, alinhando-se à terminologia da CDB, reforçando a proteção aos conhecimentos tradicionais e delineando uma acepção menos patrimonialista dos recursos regulados.
- A instituição do Fundo para Repartição de Benefícios do Recurso Genético e dos Conhecimentos Tradicionais Associados (FURB), gerando um mecanismo que promove a repartição coletiva dos benefícios, tornando possível a efetiva alocação destes para comunidades que detenham os mesmos conhecimentos, mas que não participem da negociação dos contratos de bioprospecção.
- A criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, destinada ao FURB e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), incidente sobre a exploração de direitos intelectuais ou sobre a comercialização de produtos que façam uso de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais associados.
O PL teve o mérito de promover o debate, além de incorporar, nas alterações que propõe, demandas surgidas desde a entrada em vigor da MP no 2.186-16/2001, associadas à experiência de gestão obtida pelo CGEN no período. Ao longo da consulta pública recebeu muitas críticas de diversos setores da sociedade, que devem ser consideradas em versões posteriores. Atualmente está em discussão pelos ministérios interessados. A aprovação deste PL como novo marco regulatório pode ser a iniciativa governamental mais relevante até o momento para o desenvolvimento da bioprospecção brasileira. Para isso, é necessário utilizar o aprendizado acumulado como norteador, a fim de encontrar um ponto ótimo, que sintetize ao máximo os anseios dos diversos atores envolvidos ao mesmo tempo em que incentive o aproveitamento dos recursos genéticos.
Considerações Finais
O imenso potencial econômico representado pelos recursos genéticos brasileiros é indiscutível. No entanto, as maneiras para transformá-lo em ganhos econômicos de maneira sustentável e justa têm-se mostrado muito menos claras, tanto neste país como no restante do mundo. Mesmo sendo importante para uma gama tão grande de atividades - como um mercado farmacêutico mundial enorme, com mais da metade de seus produtos derivados da natureza -, a realidade é que a bioprospecção ainda não resulta em grandes fluxos de lucros para os países subdesenvolvidos em que a maior parte da biodiversidade se encontra. Essa situação é em boa parte resultante da rápida modificação no olhar da humanidade sobre os recursos naturais nas últimas décadas, conjugada às dificuldades políticas geradas pela divergência de interesses entre estados ricos em recursos genéticos e estados ricos em tecnologia.
Muitos aspectos da CDB ainda são vistos como ideais a serem alcançados e seus conceitos ainda não estão completamente incorporados na economia mundial. A apropriação dos recursos genéticos ocorre quase que exatamente da mesma forma que antes de 1992, já que inexiste legislação internacional eficaz contra a biopirataria. Os estados mais prejudicados são justamente aqueles que precisam superar grandes dificuldades políticas e sociais internas, além de possuírem menos força nas negociações multilaterais. Felizmente, essa situação tem mudado: o Brasil, como economia emergente, tem relevância cada vez maior no cenário externo. Neste ponto fica clara a importância de uma regulamentação interna bem formulada, capaz de estimular a bioprospecção e conectá-la adequadamente à propriedade intelectual, protegendo também o conhecimento tradicional associado, a fim de legitimar as demandas brasileiras e nortear as decisões envolvendo outros países. Para tanto, o processo de criação de um novo marco regulatório, já iniciado por meio de um PL, pode ser a melhor oportunidade existente até o momento.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Nov 2012 -
Data do Fascículo
Jun 2011