Resumos
Este artigo tem como objetivo discutir a prevenção de desastres a partir das experiências de adolescentes que vivem em áreas de risco socioambiental na região Norte da capital paulista. Para tanto, iremos, primeiramente, abordar as atuais políticas, diretrizes e conceitos que orientam as ações da Defesa Civil no Brasil, em especial, àquelas orientadas para a prevenção de desastres; e, em segundo lugar, traremos como exemplo uma pesquisa realizada, entre os anos de 2011 e 2013, com grupos de adolescentes moradores dessa região. Esta pesquisa teve como referencial teórico-metodológico a psicologia discursiva e fez uso de múltiplas ferramentas de produção e análise de informações, com destaque para as oficinas de risco. Os resultados sugerem que o compartilhamento de conhecimentos e experiências são recursos fundamentais para a participação dos adolescentes moradores de áreas de risco em ações locais com ênfase na prevenção de desastres.
risco; desastres; prevenção e mitigação; adolescente
Este artículo tiene como objetivo discutir la prevención de desastres desde la experiencia de adolescentes que viven en zonas de alto riesgo en la región norte de la capital del estado paulista. Se abordan primeramente las actuales políticas, directrices y conceptos que guían las acciones de la Defensa Civil en Brasil, especialmente las que se centran en la prevención de desastres; y en segundo lugar, presentamos una encuesta llevada a cabo entre 2011 y 2013 con grupos de adolescentes que viven en dicha región. Esta investigación tuvo como marco teórico y metodológico la psicología discursiva e hizo uso de múltiples herramientas de producción y análisis de datos, destacando los talleres de riesgo. Los resultados sugeren que compartir saberes y experiencias son recursos claves para la participación de los adolescentes residentes en zonas de riesgo para el desarrollo de acciones locales para la prevención de desastres.
riesgo; desastres; prevención y mitigación; adolescente
The aim of this article is to discuss disaster prevention in the perspective of adolescents that live in areas with environmental risk in the city of São Paulo. To achieve our goals, we will first approach the current policies, guidelines and concepts that guide the actions of the Civil Defense in Brazil, especially those focusing on the prevention of disasters. We then present data from the risk workshops conducted between 2011 and 2013 with groups of adolescents living in this region. This research was based on a discursive psychology framework and used multiple tools for production and analysis of the information derived from the risk workshops. The results suggest that sharing knowedge and experiences is a valuable resource for encouraging the participation of youngs dwellers of risk areas in the development of local strategies for the prevention of disasters.
risk; disasters; prevention and mitigation; adolescent
Ações locais e prevenção: um estudo com adolescentes que vivem em áreas de risco socioambiental1
Roberth M. TavantiI; Mary Jane SpinkII
IDoutorando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: robertopsico@hotmail.com
IIProfessora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP. E-mail: mjspink@pucsp.br
RESUMO
Este artigo tem como objetivo discutir a prevenção de desastres a partir das experiências de adolescentes que vivem em áreas de risco socioambiental na região Norte da capital paulista. Para tanto, iremos, primeiramente, abordar as atuais políticas, diretrizes e conceitos que orientam as ações da Defesa Civil no Brasil, em especial, àquelas orientadas para a prevenção de desastres; e, em segundo lugar, traremos como exemplo uma pesquisa realizada, entre os anos de 2011 e 2013, com grupos de adolescentes moradores dessa região. Esta pesquisa teve como referencial teórico-metodológico a psicologia discursiva e fez uso de múltiplas ferramentas de produção e análise de informações, com destaque para as oficinas de risco. Os resultados sugerem que o compartilhamento de conhecimentos e experiências são recursos fundamentais para a participação dos adolescentes moradores de áreas de risco em ações locais com ênfase na prevenção de desastres.
Palavras-chave: risco; desastres; prevenção e mitigação; adolescente.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo discutir la prevención de desastres desde la experiencia de adolescentes que viven en zonas de alto riesgo en la región norte de la capital del estado paulista. Se abordan primeramente las actuales políticas, directrices y conceptos que guían las acciones de la Defensa Civil en Brasil, especialmente las que se centran en la prevención de desastres; y en segundo lugar, presentamos una encuesta llevada a cabo entre 2011 y 2013 con grupos de adolescentes que viven en dicha región. Esta investigación tuvo como marco teórico y metodológico la psicología discursiva e hizo uso de múltiples herramientas de producción y análisis de datos, destacando los talleres de riesgo. Los resultados sugeren que compartir saberes y experiencias son recursos claves para la participación de los adolescentes residentes en zonas de riesgo para el desarrollo de acciones locales para la prevención de desastres.
Palabras-Clave: riesgo; desastres; prevención y mitigación; adolescente.
Introdução
De acordo com as informações disponíveis no Atlas Brasileiro de Desastres Naturais - volume Brasil (CEPED; UFSC, 2012), constata-se um aumento na ocorrência de desastres quando são comparadas as décadas de 1990 e os anos 2000. Em um total de 31.909 ocorrências registradas neste período, 8.671 (27%) foram contabilizadas nos anos 1990 e 23.238 (73%) nos anos 2000. Vale assinalar que, dentre os tipos de desastres mais recorrentes, constam 16.944 ocorrências de estiagem e seca; 6.771 relacionadas com inundação brusca e alagamento; 3.673 concernentes à inundação gradual; 2.249 ocorrências para vendaval e ciclone; 1.369 para granizo e 903 desastres de outros tipos.
Considerando o número de 96.220.879 pessoas afetadas, quando os danos são divididos conforme as regiões do país, desde os anos 1990, temos: o Nordeste como região mais afetada 12.851 ocorrências e 43.031.112 pessoas afetadas; em segundo lugar, a região Sul 10.716 ocorrências com 22.586.526 pessoas afetadas; em terceiro lugar, a região Sudeste 6.418 ocorrências com 21.798.462 pessoas afetadas; em quarto e quinto coincidem as regiões Norte e Centro Oeste, esta 807 ocorrências com 5.731.157 pessoas afetadas e aquela 1.117 ocorrências com 3.318.856 afetados.
Outra comparação, diz respeito à associação entre o número de mortes e os tipos de desastres sendo que as inundações bruscas são responsáveis pelo maior potencial de danos e perdas humanas, contabilizando 43,19% das mortes associadas aos desastres. Em segundo lugar, estão os desastres por movimento de massas (escorregamentos ou deslizamentos, corridas de massa, rastejos e quedas, tombamentos e/ou rolamentos de matacões e/ou rochas) com 20,40% das mortes. E, em terceiro lugar, os desastres por inundação gradual, com 18,63% das mortes registradas (CEPED; UFSC, 2013).
Dando ênfase às ocorrências de desastres no estado de São Paulo, no período de 1991 a 2010, foram registradas 831 ocorrências, sendo as inundações e os eventos de movimentos de massa os tipos de desastres que mais afetaram a região, responsáveis, em grande parte, pela decretação das situações de emergência. Dos municípios mais afetados, destacam-se: 1º Cajati (com 11 ocorrências); 2° Araçatuba e Iguape (com 10 ocorrências); 3° Caieiras, Francisco Morato, Jacupiranga, São Paulo e Sete Barras (com 9 ocorrências); e, em 4° Mauá e Paraguaçu Paulista (com 8 ocorrências).
Em relação aos danos à população, no período dos 20 anos analisados, foi constatado um número superior a 5 milhões de habitantes atingidos pelos desastres. Desses 5.394.693 indivíduos afetados, 133.888 ficaram desalojados, 78.997 desabrigados, 70.900 foram deslocados, 61 desaparecidos, 802 ficaram levemente feridos, 57 gravemente feridos, 2.579 enfermos e 245 mortos (CEPED; UFSC, 2012).
Sobre a definição de desastres
Caracterizados geralmente pela quantidade de danos à população (indivíduos afetados, desaparecidos, enfermos, mortos, etc.) e aos bens econômicos a curto prazo, os desastres, equivocadamente denominados de ''21naturais", segundo Allan Lavell (1993), são fenômenos de caráter e definição eminentemente social. Ou seja,
[...] un desastre es tanto producto como resultado de procesos sociales, histórica e territorialmente circunscritos y conformados. Una consecuencia importante de esta determinación es que un desastre no debería considerarse en sí como un fenómeno "anormal" en lo que se refiere a su contenido o impacto; sino solamente en cuanto a la irregularidad o espaciamiento temporal de su aparición en un territorio determinado. Más bien debe ser visto como la concreción de un particular estado de normalidad, como una expresión de las condiciones normales y prevalecientes de una sociedad operando bajo circunstancias extremas (LAVELL, 1993, p. 79).
Diante de tal perspectiva, devemos nos atentar para questões como a localização e as formas de construção das habitações; as unidades de produção e infraestrutura; os níveis de organização social, política e institucional; os níveis de pobreza; as relações que se estabelecem entre os indivíduos e populações e seu entorno físico, socioespacial e cultural (LAVELL, 1993). Ou ainda, de acordo com Norma Valêncio, pesquisadora brasileira reconhecida nessa área de estudos: "os desastres devem ser entendidos como resultantes de inúmeras falhas na constituição política do conjunto de atores que produzem e compartilham os projetos em torno de prevenção e mitigação, preparação, resposta e reconstrução" (VALENCIO, 2012, p. 320).
Portanto, considerando essas definições e a importância do tema dos desastres para o país, assim como para os demais países da América Latina, conforme destacado nos itens anteriores, o presente artigo tem como objetivo discutir a prevenção de desastres a partir das experiências de adolescentes que vivem em áreas de risco de escorregamentos e solapamentos de margens de córregos na região das subprefeituras Jaçanã-Tremembé (SÃO PAULO, 2010), zona Norte, da cidade de São Paulo/SP.
O texto está dividido em três partes, as duas primeiras apresentam as atuais políticas, diretrizes e conceitos que orientam as ações da Defesa Civil no Brasil e na América Latina (BRASIL, 2012; EIRD, 2002), em especial àquelas orientadas para a prevenção de desastres (CARE; BRASIL, 2012; CEPED; UFSC, 2013). E a terceira, baseada nos resultados de uma pesquisai realizada, entre os anos de 2011 e 2013, com grupos de adolescentes moradores dessa região, nos levam a considerar a importância do compartilhamento de conhecimentos e experiências para o desenvolvimento de ações locais com ênfase na prevenção de desastres.
As atuais políticas e diretrizes que orientam as ações de Defesa Civil no Brasil
Com o intuito de caracterizarmos as legislações específicas que normatizam a política, o sistema, os serviços e as ações da Defesa Civil em diferentes níveis (federal, regional, estadual e municipal), apresentaremos, na sequência, a Lei 12.608, de 10 de abril de 2012, considerada por nós, como documento "chave" para a construção dos nossos argumentos relacionados às ações de prevenção numa perspectiva de redução dos riscos de desastres (EIRD, 2002).
Em linhas gerais, a Lei 12.608/12 trata os desastres de forma ampla e organizada, abrangendo: a identificação e a análise de riscos; as medidas estruturais e não estruturais para mitigação e/ou solução de problemas; os sistemas de contingência; a capacitação e o treinamento dos agentes de proteção e defesa civil; e, a obrigação da informação pública.
A Lei institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC) e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (CONPDEC); autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres; altera as Leis n0S 12.340 (01/12/10), 10.257 (10/07/01), 6.766 (19/12/79), 8.239 (04/10/91) e 9.394 (20/12/96); e dá outras providências.
São diretrizes da PNPDEC:
I atuação articulada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para redução de desastres e apoio às comunidades atingidas;
II abordagem sistêmica das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação;
III a prioridade às ações preventivas relacionadas à minimização de desastres;
IV adoção da bacia hidrográfica como unidade de análise das ações de prevenção de desastres relacionados a corpos d'água;
V planejamento com base em pesquisas e estudos sobre áreas de risco e incidência de desastres no território nacional;
VI participação da sociedade civil. (BRASIL, 2012, p. 2).
Dentre os destaques, a União deve instituir e manter um cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações ou processos geológicos e hidrológicos correlatos. Aos estados e municípios cabe identificar e mapear áreas de risco e realizar estudos de identificação de ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades. Esta medida deve ser acompanhada da obrigação do monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico das áreas, assim como de elaboração de cartas geotécnicas de aptidão à urbanização que deverão estabelecer diretrizes urbanísticas voltadas para a segurança de novos loteamentos. As cartas geotécnicas e os mapeamentos das áreas de risco devem estar integrados ao Plano Diretor dos municípios e em relação à habitação, os moradores removidos de áreas de risco passam a ser prioridade nos programas habitacionais da União, estados e municípios.
Outras medidas importantes: a Lei 12.608/12 assegura a profissionalização e a qualificação, em caráter permanente, dos agentes de proteção e defesa civil; obriga os municípios a executar os Planos de Contingência, assim como elaborar planos de implantação de obras e serviços para a redução de riscos; exige a inclusão do tema sobre defesa civil no conteúdo obrigatório do Ensino Fundamental e Médio; e, por fim, obriga a publicação das informações sobre a evolução das ocupações em áreas de risco e, quando necessário, exige a elaboração de procedimentos específicos para a remoção de moradores.
De fundamental importância é o seu caráter intersetorial,
A PNPDEC deve integrar-se às políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e às demais políticas setoriais, tendo em vista promoção do desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2012, p. 1).
Portanto, a Lei 12.608/12 é uma proposta inovadora em relação às legislações anteriores, pois, ao incorporar uma concepção de redução de riscos de desastres, avança em vários aspectos, como, por exemplo: atuação articulada (União, DF, estados e municipios), caráter intersetorial, prioridade para as ações preventivas e de minimização de desastres e obrigação de publicação das informações sobre a evolução das ocupações em áreas de risco.
As ações de prevenção na perspectiva de redução dos riscos de desastres
Com base numa somatória de conceitos adotados na Estratégia Internacional para Redução de Desastres (EIRD, 2002) e aqueles sustentados pelo Estado brasileiro a partir da aprovação da Lei 12.608/12 (BRASIL, 2012), podemos definir Defesa Civil como o conjunto de ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação destinadas à redução dos riscos de desastres com vistas à preservação do moral da população, a proteção civil e o restabelecimento da normalidade social (CEPED; UFSC, 2013).
Desse modo, a atuação da Defesa Civil no Brasil deve estar pautada em princípios que priorizam a redução de riscos de desastres (EIRD, 2002) e que, segundo os pesquisadores do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPED/UFSC, 2013), deve estar pautada num modelo inter-relacional de ações (prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação), e também, intersetorial no tocante às políticas públicas e aos instrumentos de análise, avaliação e gerenciamento dos riscos de desastres.
Segundo a EIRD (2002, p. 18):
Prevención: actividades tendentes a evitar el impacto adverso de amenazas, reduciendo la vulnerabilidad, fortaleciendo capacidades y medios empleados para minimizar los desastres ambientales, tecnológicos y biológicos relacionados con dichas amenazas. Dependiendo de la viabilidad social y técnica y de consideraciones de costo/beneficio, la inversión en medidas preventivas se justifica en áreas afectadas frecuentemente por desastres. En este contexto, la concientización y educación pública relacionadas con la reducción del riesgo de desastres contribuyen a cambiar la actitud y los comportamientos sociales, así como a promover una cultura de prevención (grifo nosso).
Mitigación: medidas estructurales y no-estructurales emprendidas para reducir el impacto adverso de las amenazas naturales y tecnológicas, y de la degradación ambiental. Las medidas estructurales tratan de medidas de ingeniería y de construcción tales como protección o refuerzo de estructuras e infraestructuras para reducir o evitar el posible impacto de amenazas. Las medidas no-estructurales se refieren a políticas, concientización, desarrollo del conocimiento, compromiso público y métodos o prácticas operativas, incluyendo mecanismos participativos y suministro de información, que puedan reducir el riesgo y el consecuente impacto (grifo nosso).
Preparación: actividades y medidas tomadas anticipadamente para asegurar una respuesta eficaz ante el impacto de amenazas, incluyendo la emisión oportuna y efectiva de sistemas de alerta temprana y la evacuación temporal de población y propiedades del área amenazada (grifo nosso).
De acordo com os objetivos específicos deste artigo, iremos nos restringir apenas às ações de prevenção, mitigação e preparação, mas que, de algum modo, também nos permitem visualizar a estrutura institucional e os modos de funcionamento da Defesa Civil em nosso país. Isto porque, em virtude das orientações derivadas da EIRD (2002), existe um marco conceitual "regulatório" para todos os países signatários,
El marco conceptual referente a la reducción del riesgo de desastres se compone de los siguientes campos de acción [ ]: 1) evaluación del riesgo, incluyendo análisis de vulnerabilidad, así como análisis y monitoreo de amenazas; 2) concientización para modificar el comportamiento; 3) desarrollo del conocimiento, incluyendo información, educación, capacitación e investigación; 4) compromiso político y estructuras institucionales, incluyendo organización, política, legislación y acción comunitaria; 5) aplicación de medidas de reducción del riesgo incluyendo gestión ambiental, prácticas para el desarrollo social y económico, medidas físicas y tecnológicas, ordenamiento territorial y urbano, protección de servicios vitales y formación de redes y alianzas; y, 6) sistemas de detección y alerta temprana incluyendo pronóstico, predicción, difusión de alertas, medidas de preparación y capacidad de enfrentar (grifo nosso, p. 18).
Fazem parte deste marco "regulatório" a organização e implantação de Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil (NUPDECs) em territórios vulneráveis e/ou afetados pelos desastres, em especial, quando a população os moradores das áreas de risco são considerados atores fundamentais nos diferentes processos de tomada de decisão, desenvolvimento de conhecimentos (educação, capacitação e investigação) e gerenciamento dos riscos de desastres.
Em consonância com as leis, políticas e diretrizes que fundamentam as ações de prevenção da Defesa Civil no Brasil,
Os NUPDECs funcionam como fóruns de debate sobre proteção e defesa civil e as reuniões têm por objetivo planejar as atividades relacionadas com a redução de desastres, com destaque para: 1) a avaliação dos riscos de desastres e a preparação de mapas temáticos relacionados com as ameaças, as vulnerabilidades dos cenários e com as áreas de riscos; 2) a promoção de medidas preventivas estruturais e não estruturais, que são desenvolvidas com o objetivo de reduzir os riscos de desastres; 3) a elaboração de planos de contingência para responder às hipóteses de desastres e de exercícios simulados para aperfeiçoar esses planos; 4) o treinamento de voluntários e de equipes técnicas operacionais, para atuarem em circunstâncias de desastres; 5) a organização de um plano de chamada, com o objetivo de otimizar o estado de prontidão, na iminência de desastres (CEPED/UFSC, 2013, p. 89).
Portanto, os NUPDECs devem ser entendidos como um dos mais importantes recursos voltados ao desenvolvimento de ações de prevenção, mitigação e preparação nas territórios vulneráveis e/ou afetadas pelos desastres.
Considerações teórico-metodológicas da psicologia discursiva
De acordo com Spink e Medrado (2013), o foco nas práticas discursivas cotidianas remete aos momentos de (re)significações, de rupturas, de produção de sentidos, ou seja, aos momentos ativos do uso da linguagem, nos quais convivem tanto a ordem como a diversidade.
Em outras palavras:
O foco dos estudos que adotam esse conceito deixa de ser, assim, apenas a regularidade, o invariável, o consenso, e passa a incluir também a própria variabilidade e polissemia que caracterizam os discursos. [...] Admitir que as práticas discursivas são polissêmicas, não significa, entretanto, dizer que não há tendência à hegemonia ou que os sentidos produzidos possuem igual poder de provocar mudanças. Por outro lado, a natureza polissêmica da linguagem possibilita às pessoas transitar por inúmeros contextos e vivenciar variadas situações (SPINK; MEDRADO, 2013, p. 29).
Para esses autores, a produção de sentidos não deve ser entendida como uma atividade cognitiva intraindividual, nem pura e simples reprodução de modelos pré-determinados. Ela é uma prática social, dialógica, que implica linguagem em uso. Devemos, então, tomar a produção de sentidos como um fenômeno sociolinguístico uma vez que o uso da linguagem sustenta as práticas sociais geradoras de sentido que inclui as práticas discursivas que atravessam o cotidiano (narrativas, argumentações e conversas, por exemplo), assim como os repertóriosii utilizados nessas produções discursivas.
Conforme Spink (2009, p. 16):
Nessa vertente de pesquisa, mais próxima à psicologia discursiva, os aspectos centrais são: a) a questão das unidades básicas de linguagem, enunciado e interanimação dialógica, que tem por principal apoio as teorizações de Mikhail Bakhtin (1994, 1995); b) o posicionamento, conforme teorizações de Rom Harré (DAVIES & HARRÉ, 1990); c) os repertórios linguísticos, conceito derivado de Jonathan Potter (POTTER & WETHERELL, 1987); e d) práticas discursivas que são o foco da pesquisa e integram os demais elementos.
Por meio dessa abordagem, buscamos construir um modo de pesquisar os fenômenos sociais que tenha como foco a tensão entre a universalidade e a particularidade, entre o consenso e a diversidade, com vistas a produzir uma ferramenta útil para promover transformações sociais. Em suma, procuramos contribuir com a produção de pesquisas reflexivas e comprometidas com as pessoas com as quais se trabalha por meio do estudo de fenômenos locais e da busca conjunta por soluções para os problemas (CARDONA, 2004).
Os procedimentos de pesquisa
Tendo como fio condutor os estudos sobre a linguagem dos riscos (SPINK, 2000, 2001; SPINK, et al., 2007) desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Práticas Discursivas e Produção de Sentidos (NPDPS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e ancorados num modelo de pesquisa no cotidiano (SPINK, 2002 e 2007) e (SPINK, P. 2008), no segundo semestre de 2011, entramos em contato com alguns dos profissionais da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil da cidade de São Paulo (COMDEC/SP), mais especificamente, com os técnicos responsáveis pelas Ações de Prevenção/Recuperação e Ajuda Humanitária dessa COMDEC.
A opção por trabalhar com adolescentes moradores de áreas de risco e a escolha do distrito do Jaçanã decorrem das conversas e acordos com os profissionais da COMDEC/SP que já haviam firmado parcerias de trabalho com os agentes públicos da região, em particular, com os gestores do Centro de Educação Unificado do Jaçanã (CEU Jaçanã). Estes pretendiam, ao longo daquele ano, realizar ações de caráter educativo com ênfase na prevenção de desastres, mas que, por diferentes motivos, não haviam sido efetivadas.
Sendo assim, nos últimos dois meses de 2011, fomos apresentados à equipe gestora do CEU - Jaçanã, e em seguida, à coordenação pedagógica e de professores do setor de Educação Municipal de Ensino Fundamental (EMEF), local definitivo para realização das atividades de pesquisa.
Da nossa chegada ao CEU - Jaçanã e, posteriormente à EMEF, e a realização das oficinas que ocorreram entre os meses de setembro e novembro de 2012, passaram-se oito meses, ou seja, dedicamos o 1º semestre do ano letivo de 2012 para a inserção e convivência no cotidiano dessas instituições. Dito de outro modo, após algumas negociações e acordos entre o pesquisador e a equipe pedagógica, e desta com os professores responsáveis pelas turmas das 7ª e 8ª séries (turmas pré-selecionadosiii), iniciamos as atividades voltadas ao tema dos desastres associados às chuvas em áreas urbanas.
Como ilustração, apresentamos duas imagens que visam mostrar a proximidade entre a sede do CEU Jaçanã e uma dentre as 14 áreas de risco mapeadas e localizadas no território de abrangência da subprefeitura Jaçanã-Tremembé, zona Norte, da cidade de São Paulo (SÃO PAULO, 2010).
As oficinas de risco como ferramenta de pesquisa
Segundo Spink, Menegon e Medrado (2014), as oficinas podem ser utilizadas em diferentes contextos: na atuação de movimentos sociais junto a populações variadas; em reflexões sobre temas diversos com ênfase no modelo de educação popular; em programas de prevenção e promoção, na perspectiva da saúde coletiva, desenvolvidos em serviços de saúde, assistência social e/ou centros comunitários entre outros contextos em que se buscam formas de participação e mobilização social.
No âmbito da pesquisa em Psicologia Social, alguns estudos (CURADO, 2008; SPINK, 2003a; SPINK, 2003b) que fizeram uso das oficinas como ferramenta de pesquisa mostraram resultados interessantes, por exemplo:
[...] o potencial das oficinas em promover o exercício ético e político, pois, ao mesmo tempo em que geramos material para análises, criamos um espaço de trocas simbólicas que potencializam a discussão em grupo em relação à temática proposta, gerando conflitos construtivos com vistas ao engajamento político de transformação. Ou seja, os efeitos da oficina não se limitam ao registro de informações para a pesquisa, uma vez que sensibilizam as pessoas para a temática trabalhada, possibilitando aos seus participantes a convivência com a multiplicidade (nem sempre harmônica) de versões e sentidos sobre o tema (SPINK; MENEGON; MEDRADO, 2014, p. 33).
Nesta pesquisa, em particular, as oficinas de riscoiv contavam com um número de 12 a 15 adolescentes por grupo, 1 coordenador e 1 observador. Tiveram uma duração média de 1 hora e 30 minutos, e foram divididas em 4 etapas: 1) apresentação; 2) associação de palavras e/ou frases com a palavra risco (Atividade A); 3) memórias de situações em que os participantes se sentiram em risco (Atividade B); e, 4) os sentidos de prevenção (Atividade C).
A primeira etapa foi dedicada à apresentação do coordenador, do observador e dos participantes, assim como dos procedimentos em geral (duração 5 - 10 minutos); a segunda etapa (Atividade A) teve como objetivo a associação de palavras e/ou frases com a palavra risco. Nesta etapa, foi solicitado aos grupos de adolescentes que escrevessem em uma folha de sulfite palavras e/ou frases que lhes viessem à cabeça ao pensarem na palavra risco. Após 10 minutos dedicados ao registro, solicitamos que lessem em voz alta as palavras e/ou frases, para que, assim, o coordenador pudesse anotá-las na lousa (duração 20 minutos); A terceira etapa (Atividade B) teve como foco possibilitar o relato das experiências pessoais e/ou coletivas das situações de risco na vida em geral. Foi, então, solicitado aos participantes que escrevessem essas situações em tiras de papel e, na sequência, fizemos a leitura das histórias registradas (duração 30 minutos). Foi importante, nesta atividade, a dimensão interativa entre os adolescentes, ou seja, privilegiamos as trocas, as negociações e o compartilhamento das experiências pessoais e/ou coletivas.
A quarta etapa (Atividade C) deu continuidade à atividade anterior e teve como objetivo promover uma discussão sobre prevenção de riscos a partir das experiências dos adolescentes. Nesta etapa, o coordenador incentivou os temas associados aos riscos socioambientais (duração 30 minutos). Neste momento, o gravador foi acionado. Por fim, solicitamos uma breve avaliação sobre as atividades realizadas.
A opção por utilizar as oficinas de risco como ferramenta metodológica (SPINK; MENEGON; MEDRADO, 2014) para produção e análise dos repertórios sobre risco que circulam entre os grupos de adolescentes que vivem em áreas de risco, deve-se aos seguintes aspectos: 1) objetiva a sensibilização para os riscos socioambientais; 2) permite pontuar a variedade das palavras usadas para falar sobre risco no cotidiano; 3) caracteriza-se por uma perspectiva dialógica e reflexiva de produção de sentidos; 4) possibilita a visualização de argumentos, deslocamentos, construção e contraste de versões e, portanto, constituem ocasiões privilegiadas para análise de práticas discursivas; 5) trata-se de uma ferramenta de alto potencial de mobilização por parte dos grupos; e, 6) possibilita o delineamento de alternativas de caráter político-educativo frente às questões urbanas, sociais e ambientais (TAVANTI, 2013).
Resultados e discussão
Os repertórios sobre risco: polissemia e circulação de sentidos no cotidiano
Ao analisarmos os sentidos de risco, a partir dos registros das associações com a palavra risco (atividade A) e dos relatos das situações de risco vividas pelos grupos de adolescentes (atividade B), identificamos diferentes contextos de uso e variadas formas para se falar sobre os riscos no cotidiano.
Como ilustração, elaboramos um quadro com alguns exemplos de palavras e/ou expressões utilizadas pelos grupos de adolescentes durante as atividades mencionadas.
Outras informações relacionadas às situações de risco que versavam sobre as experiências pessoais (individuais e/ou coletivas) dos adolescentes e ao tema da prevenção de desastres associados às chuvas em áreas urbanas (Atividades B e C) foram também registradas e, posteriormente, analisadas. Como exemplos dessas informações, trazemos, na sequência, três conjuntos de relatosv:
[...] ''na casa do meu avô o rio subiu e alagou as casas''. [...] Outra adolescente relatou que a própria escola em que eles estavam já havia alagado anos antes, uns três anos antes. [...] "O rio encheu no CEU, estávamos na 4ª série, teve um fusca que chegou a boiar" [...]. Uma terceira adolescente relatou um caso de deslizamento próximo à sua residência no bairro Filhos da Terra, em que uma casa deslizou morro abaixo. Na ocorrência morreu uma menina. Uma quarta relaciona complicações nas condições de moradia em decorrência das situações de deslizamento, principalmente, nos casos de fortes chuvas e/ou infiltração de água em encanamentos precários. (grifo nosso).
[...] "Eu tava na rua, na chuva, um raio desceu e caiu do meu lado" [...] "A casa da minha tia alagou, eu soube por que ela ligou para minha mãe". Outro relato: "caiu um barranco lá perto de casa. A prefeitura avisou, aí depois caiu a casa". [...] "Perto lá de casa tem uma mata e dentro dela uma casa. Aí um dia choveu e a casa caiu. No dia seguinte só tinha barro" [...] Outra fala remete à nomeação de uma área de risco: "a gente vive em área de risco" [...] O que é área de risco? Eles respondem: "área de risco é uma área que não pode avançar, quando se mora perto do rio que alaga é morar em área de risco". [...] Um dos adolescentes menciona o risco de contrair leptospirose em decorrência de um alagamento. (grifo nosso).
Tais repertórios nos permitem entender alguns dos posicionamentos individuais e/ou em grupo assumidos por esses adolescentes no cotidiano compartilhado com seus familiares, vizinhos, amigos e demais pessoas. Trata-se, desse modo, de identificarmos, a partir das experiências dos adolescentes, uma diversidade de formas de enfrentar as situações de risco e de desastres associados às chuvas em áreas urbanas.
Um segundo conjunto de relatos, diz respeito à ausência ou inoperância das ações/intervenções por parte das instituições e dos serviços públicos vinculados à Defesa Civil na região.
[...] um adolescente sugeriu a retirada dos moradores das suas casas. O coordenador lhe perguntou para onde aqueles moradores iriam? Os participantes responderam que muitos não tinham para onde ir e que as pessoas preferem manter-se em perigo. [...] Ao que foi respondido por um deles: "ninguém quer sair de suas casas pra dormir no papelão, como apareceu na televisão". "E também, porque cada pessoa quer o seu cantinho". [...] Um dos participantes falou a palavra "cidadão" ao que o coordenador perguntou: o que é ser cidadão? Dois deles responderam: "as pessoas, é você". Outro falou que a polícia não seria um cidadão de bem, pois ela agride os cidadãos [...]. (grifo nosso).
[...] algumas frases são contundentes: "Temos é que trocar os políticos! Tirá-los de onde moram e colocá-los onde mora a população"; "Cuidar das pessoas que moram na área de risco"; "Fazer um muro bem grandão pra não cair"; [...] Uma fala marcante referia-se a uma situação em que os órgãos responsáveis foram acionados pela população, entretanto, não compareceram. "Tá caindo uma ribanceira, a pessoa vai e liga, a velha perto de casa ligou, mas eles não vieram" [...]. (grifo nosso).
O terceiro conjunto é mais propositivo, vinculado às estratégias individuais e/ou coletivas de enfrentamento das situações de risco e de desastres. Trata-se de alternativas baseadas em ações de prevenção e mitigação que foram elaboradas, argumentadas e debatidas pelos grupos de adolescentes durante as oficinas de risco.
O que é prevenção? Alguns sugeriram que a prevenção encontra-se no cuidado. Ou melhor: "Tomar cuidado, se cuidar" [...]. Como sugestões específicas: respeitar a sinalização de perigo (como numa praia com tubarões); "colocar uma barra de ferro na frente de casa". [...] Nesse contexto foi sugerido por um dos participantes que eles mesmos não jogassem o lixo na rua. [...] "colocar os móveis em cima das cadeiras". [...] E com o lixo, nós podemos fazer alguma coisa? Uma das participantes respondeu: "Pode não professor, deve!". (grifo nosso).
[...] um adolescente traz para a discussão dois tipos de rebeliões identificadas pelos adolescentes e que foram associadas às situações de enfrentamento aos desastres. A primeira ocorreu no interior da escola e foi realizada por alunos da 7ª série. A segunda refere-se a uma rebelião realizada pela população (moradores dos bairros próximos ao CEU - Jaçanã) e que devido à falta de água, organizaram-se para reivindicar o reabastecimento da região. Nestes dois casos, os adolescentes apontam para o diálogo entre os grupos como recurso indispensável para resolução dos problemas em debate. No primeiro caso, o uso de uma rádio escolar foi entendido como estratégia de mobilização. No segundo exemplo, eles se referem a uma mobilização popular, constituída a partir do diálogo entre os moradores de bairros vizinhos que exigiam o reabastecimento de água por meio de uma manifestação nas ruas. (grifo nosso).
[...] um dos adolescentes ganhou certo destaque no grupo. Isso se deve à sua argumentação e posicionamento frente às questões sociais e políticas, em especial, quando vinculadas às formas de participação e mobilização popular. Posição endossada e compartilhada pelos demais participantes [...]. Entre os argumentos, o mais recorrente referia-se à necessidade de comunicação e mobilização das pessoas, grupos, associações e instituições. Ganham destaque: as Igrejas, os grupos de adolescentes/jovens, a Escola e os Centros Comunitários. Dentre suas falas: ''O povo precisa começar a aprender que precisam de união [...]''; ''o povo precisa se organizar em associação de moradores''; ''precisamos somar em prol dos direitos''; Neste ponto, o coordenador lhe pergunta: você tem experiência em associações? Eis o que ele responde: ''Eu tenho influência, porque o presidente da minha Igreja tem uma associação e nós podemos fazer uma associação de adolescentes [...]''. (grifo nosso).
No próximo item procuraremos estabelecer conexões entre os repertórios sobre risco que circulam entre os grupos de adolescentes participantes das oficinas e os conteúdos dos documentos apresentados nos primeiros itens deste artigo referentes às atuais políticas, diretrizes e conceitos que orientam as ações da Defesa Civil no Brasil (EIRD, 2002 e BRASIL, 2012).
Do modelo emergencial da defesa civil à ênfase na prevenção de desastres
Considerando os documentos internacionais e nacionais que versam sobre a gestão de riscos de desastres e que orientam as ações da Defesa Civil no Brasil (EIRD, 2002; CEPED/UFSC, 2013; BRASIL, 2012), e com base nas experiências dos adolescentes relatadas durante as oficinas, podemos levantar alguns questionamentos. Em primeiro lugar, cabe quastionar por que as ações voltadas à gestão de riscos de desastres, expressas em leis e sustentadas pelos órgãos de governo competentes, em especial, aos vinculados à Defesa Civil no Brasil, não são suficientes para garantir a proteção e segurança daqueles que vivem em territórios vulneráveis e/ou afetados pelos desastres.
Se por um lado, as ações (ou propostas) caracterizam-se por um modelo de gestão dos riscos baseada numa atuação articulada (união, DF, estados e municípios), de carárter intersetorial e com prioridade para as ações preventivas e de minimização de desastres; por outro lado, o que identificamos (a partir das experiências dos adolescentes) são os inúmeros casos e/ou situações emergenciais e de desastres associados às chuvas (inundações, alagamentos e deslizamentos),
"O rio encheu no CEU, estávamos na 4ª série [...]"; "A casa da minha tia alagou [...]"; "caiu um barranco lá perto de casa. [...]; "a gente vive em área de risco"; [...] "ninguém quer sair de suas casas pra dormir no papelão, como apareceu na televisão". [...] "colocar os móveis em cima das cadeiras". "colocar uma barra de ferro na frente de casa"; "Tá caindo uma ribanceira, a pessoa vai e liga, a velha perto de casa ligou, mas eles não vieram". [...] ''O povo precisa começar a aprender que precisam de união [...]''; ''o povo precisa se organizar em associação de moradores''; ''precisamos somar em prol dos direitos'' (grifo nosso).
Nesses diferentes relatos verificamos não só a existência de uma convivência com as situações de riscos e de desastres na região, como também identificamos que as decisões relacionadas ao o quê fazer e como fazer diante às ocorrências acabaram sendo tomadas por eles isoladamente, ou em conjunto, com os familiares, amigos e vizinhos. Ou seja, evidenciamos, desse modo, uma inoperância e/ou ausência das ações de prevenção por parte das instituições e serviços públicos locais, em particular, daqueles vinculados à Defesa Civil na região.
É nesse contexto que os conhecimentos e experiências dos adolescentes que vivem em áreas de risco socioambiental podem contribuir para o desenvolvimento de ações locais com ênfase na prevenção de desastres. Dentre algumas sugestões, destacamos: 1) o fortalecimento das estratégias de conscientização, educação e comunicação sobre os riscos de desastres; 2) a organização e implantação de Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil (NUPDECs); e 3) a ampliação dos processos de participação e mobilização popular por parte das pessoas, grupos e associações localizadas nessa região.
Nesta perspectiva, e segundo Gabriela Di Giulio (2012), torna-se essencial a produção de condições que facilitem um diálogo mais produtivo entre as diferentes áreas de conhecimento e os profissionais que analisam os riscos, e destes com a sociedade e as populações atingidas, pois devemos considerar, sobretudo, o entendimento compartilhado e a integração das dimensões técnico-científicas e sociais nos processos de análise e redução dos riscos de desastres. Ou ainda,
as organizações sociais (modelos associativos ou associações), representadas através de mobilizações sociais, desempenham papel importante no processo de governança do risco. Fundamentadas em uma rede de atores com forte capacidade organizacional e potencial para mobilização social, essas organizações/associações contribuem ativamente para a produção de conhecimento e para as decisões que são tomadas, pois passam a ser novos atores a desempenharem papéis relevantes numa área antes dominada por especialistas (DI GIULIO, 2012, p. 39).
Portanto, para enfrentar os riscos não basta apenas conhecê-los e estabelecer técnicas e medidas de controle, avaliação e prevenção. Devemos, além disso, pensar em como compartilhar os saberes e as experiências locais, ou mesmo, em como construir estratégias coletivas por meio de redes que integrem movimentos sociais, pessoas, instituições governamentais e não governamentais na defesa da vida, da saúde, dos ambientes saudáveis, onde a justiça e a sustentabilidade tenham lugar privilegiado (PORTO, 2012).
Considerações finais
Ao discutirmos sobre a prevenção de desastres com os grupos de adolescentes que vivem em áreas de risco socioambiental na região Norte da capital paulista, verificamos a necessidade de associarmos ao detabe público sobre gestão de riscos de desastres pelo menos três eixos: 1) o carárter polissêmico dos sentidos de risco no cotidiano; 2) a insuficiência e fragilidade das ações de prevenção por parte das instituições e dos serviços públicos relacionados à Defesa Civil; e, 3) o compartilhamento de conhecimentos e experiências e a aposta em diferentes formas de organização, participação e mobilização popular como recursos fundamentais para o desenvolvimento de ações locais com ênfase na prevenção de desastres.
Em suma, ao optar pelo uso de uma ferramenta metodológica de pesquisa (as oficinas de risco), fundamentada numa perspectiva dialógica e reflexiva de produção de conhecimento e sensibilização dos riscos na vida cotidiana (SPINK; MENEGON; MEDRADO, 2014), objetivamos dar visibilidade às experiências de adolescentes que vivem em áreas de risco socioambiental. Consideramos que assim, podemos contribuir para a desconstrução das naturalizações sobre a convivência com os riscos de desastres, assim como fomentar o diálogo interdisciplinar e intersetorial entre as diferentes áreas de conhecimento cientifico e os gestores públicos, os técnicos e agentes de defesa civil, e destes com a sociedade e as populações que vivem em territórios vulneráveis e/ou afetados pelos desastres associados às chuvas em áreas urbanas.
Notas
ii Repertórios linguísticos são as unidades de construção das práticas discursivas o conjunto de termos, descrições, lugares-comuns e figuras de linguagem que demarcam o rol de possibilidades de construções discursivas, tendo por parâmetros o contexto em que essas práticas são produzidas e os estilos gramaticais específicos ou speech genres (SPINK; MEDRADO, 2013, p. 28).
iii Dentre os critérios de inclusão/exclusão dos adolescentes participantes, destacam-se: 1) a escolha das turmas (7ª série B e 8ª série B) pela coordenação da EMEF; 2) a garantia da participação voluntária, contando com o uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado em duas vias (adolescentes e responsáveis legais); 3) a garantia da redução do número de adolescentes por turma, assim como da permanência dos mesmos em sala de aula durante os horários de realização das oficinas (9h30min 11h05min).
iv Para maiores esclarecimentos sobre os usos e aplicação das oficinas de risco com grupos de adolescentes em um contexto educacional - TAVANTI (2013).
Submetido em: 30/05/2014
Aceito em: 07/10/2014
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Fev 2015 -
Data do Fascículo
Dez 2014
Histórico
-
Recebido
30 Maio 2014 -
Aceito
07 Out 2014