Open-access Percepções sociopolítico-ambientais dos participantes das audiências públicas da Câmara dos Deputados sobre Meio Ambiente

Resumo

O artigo analisa as percepções dos cidadãos que participaram das audiências públicas promovidas pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados durante o ano de 2018. A metodologia consistiu no uso de questionário com perguntas abertas e fechadas aplicado a uma amostragem de 71,22% do público que esteve presente nesses eventos. Para o estudo das percepções, as questões abertas assumem especial relevância, visto que consistem em argumentos, análises e justificações apresentados pelos cidadãos. As conclusões mostram uma diversidade de percepções dos cidadãos em relação à agenda da CMADS, aos temas em debate e à participação de técnicos e representantes de entidades do campo ambiental. Por outro lado, há críticas à atuação dos parlamentares, dos representantes de órgãos governamentais e à dinâmica dos debates.

Palavras-chave:  Políticas ambientais; áreas verdes; urbanização; biota urbana

Abstract

The article analyzes the perceptions of the citizens who participated in the public hearings promoted by the Committee on Environment and Sustainable Development (CMADS) of the Chamber of Deputies during the year 2018. The methodology consisted in the use of a questionnaire with open and closed questions applied to a sample of 71.22% of the public that was present at these events. For the study of perceptions, open questions are particularly relevant, since they consist of arguments, analyzes and justifications presented by citizens, based on the experience of participating. The conclusions show that a diversity of citizens’ perceptions of the CMADS agenda, the topics under debate and the participation of technicians and representatives of entities from the environmental field. On the other hand, there are critical opinions in relation to the performance of parliamentarians, representatives of government agencies and the dynamics of debates.

Keywords:  Environmental perceptions; public hearings; Commission for the Environment and Sustainable Development; Chamber of Deputies

Resumen

El artículo analiza las percepciones de los ciudadanos que participaron de las audiencias públicas promovidas por la Comisión de Medio Ambiente y Desarrollo Sostenible (CMADS) de la Cámara de Diputados durante el año 2018. La metodología consistió en el uso de cuestionario con preguntas abiertas y cerradas a un muestreo del 71,22% del público que estuvo presente en esos eventos. Para el estudio de las percepciones, las cuestiones abiertas asumen especial relevancia, ya que consisten en argumentos, análisis y justificaciones presentados por los ciudadanos. Las conclusiones muestran que existe uma diversidade de percepciones de los ciudadanos en relación a la agenda de la CMADS, a los temas en debate ya la participación de técnicos y representantes de entidades del campo ambiental. Por otro lado, hay criticas en relación a la actuación de los parlamentarios, de los representantes de órganos gubernamentales y la dinámica de los debates.

Palabras-clave:  Percepciones ambientales; audiencias públicas; Comisión de Medio Ambiente y Desarrollo Sostenible; Camara de los Diputados

Introdução

O estudo de percepções sociais é largamente utilizado nas ciências sociais, ancorado no princípio analítico denominado de dupla hermenêutica (GIDDENS, 2009, p.335), ou seja, o analista das percepções sociais tem como objeto de investigação empírica fenômenos “já constituídos como significativos para os atores investigados”, ainda que nem sempre discursivamente formulados. É importante ressaltar, portanto, que o produto final de análises dessa natureza resulta de um “duplo processo de tradução e interpretação que está envolvido nas operações e relações de pesquisa e na elucidação da capacidade cognitiva dos atores sociais”, com o propósito de compreender suas opiniões e justificações discursivas (BARROS, 2015a, p.341).

Assim, o trabalho de pesquisa consiste em travar conhecimento com o que os atores já sabem sobre tais fenômenos, visto que a pesquisa social é mediada pela consciência prática e discursiva dos informantes. Consciência prática consiste em tudo aquilo que os agentes tacitamente sabem sobre como se conduzir nos contextos da vida social sem, contudo, serem necessariamente capazes de expressá-lo discursivamente; consiste no conhecimento das regras e das táticas por meio das quais a vida cotidiana é constituída e reconstituída no espaço e no tempo. A missão da pesquisa social envolve, pois, a explicitação discursiva de aspectos da motivação, da cognição e da conduta dos agentes que operam no nível da consciência prática, bem como a identificação das condições não conhecidas e dos efeitos não premeditados dessas condutas, fatores limitadores da cognoscitividade dos agentes (GIDDENS, 2009).

A literatura sobre o estudo de percepções sociais ressalta, em termos gerais, que se trata de um caminho metodológico para a compreensão do que os cidadãos pensam sobre determinados problemas sociais e políticos (CONOVER, 1984; COVEYOU, 1984; EVELAND, 2013. Por outro lado, tais estudos referem-se a perspectivas e não medidas, entendendo-se, portanto, que não existem formas empíricas de se medir diretamente tais percepções, o que as tornam passíveis de vieses e controvérsias, inclusive da parte dos pesquisadores (FERNANDEZ, 2008).

Tratam-se, por conseguinte, de medidas indiretas, que revelam traços dos elementos culturais que permeiam tais percepções (BONNEMAINS, 2016). Entretanto, são profícuas para a captação de avaliações subjetivas dos cidadãos, agentes e observadores das práticas sociais. Logo, são atores cujas percepções são expressivas para o estudo analítico e a compreensão hermenêutica dos problemas sociais e políticos, em termos qualitativos. Assim, ao analisar as percepções sociais sobre determinado tema, o que se estuda é como práticas se tornaram simbólicas e materialmente hegemônicas, autoevidentes, vinculantes.

Rancière (2005) associa a noção de percepção social com a partilha do sensível, referindo-se ao compartilhamento de espaços, temporalidades, atividades, perspectivas, sentimentos e emoções. Mairin, Torres e Comar (2003) apresentam duas dimensões inter-relacionadas da noção de percepção, sendo uma materialista e outra simbólica ou espiritual. A primeira refere-se à apreensão do mundo pelos sentidos, enquanto a segunda inclui o imaginário, a reflexão subjetiva, as ideologias, crenças, valores, preconceitos e demais elementos imateriais. A abordagem dos valores pós-materialistas considera principalmente as percepções individuais, cujo pressuposto é o de adoção de práticas e hábitos individuais, a exemplo do consumo consciente. São os comportamentos dos cidadãos que são postos em primeiro plano (DUNLAP; MERTIG, 1997).

Para Lahire (2002) as percepções individuais resultam da socialização, ou seja, da atuação das lógicas da sociedade nas personalidades individuais. Afinal, os atos, percepções e ações individuais também são sociais, pois, qualquer indivíduo ao pensar, fazer ou interpretar carrega em si os sentidos e valores de sua família, de seu grupo, de sua classe, de seu tempo, em suma da sociedade na qual vive.

A partir do entendimento de que as percepções ambientais constituem um tipo de percepção social, o artigo tem como objetivos analisar as percepções do público que assistiu às audiências públicas promovidas pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados (CMADS) em 2018. O problema a ser investigado consiste nas seguintes questões que se complementam: (a) qual é o perfil desse público? (b) em que consistem suas percepções sobre essas audiências públicas? (c) como esses eventos são avaliados pelo público? (d) que críticas são feitas?

A principal justificativa para esse tipo de estudo está no argumento de que as audiências públicas constituem instrumento para a participação da sociedade civil nos debates legislativos (BARROS; MONTEIRO; SANTOS, 2018). Logo, a avaliação e a percepção dos cidadãos sobre tais eventos devem ser levados em conta em uma sociedade democrática que tem o parlamento como representante oficial.

O estudo tem como base os dados de um questionário com perguntas abertas e fechadas, aplicado aos cidadãos que participaram das referidas audiências públicas ao longo de todo o ano de 20181. Foram aplicados 552 questionários, o que corresponde a uma amostragem de 71,22% do público que esteve presente nesses eventos ao longo do referido ano. Para a coleta dos dados contamos com a colaboração da equipe de logística da CMADS, que distribuía o questionário aos participantes ao final das 32 audiências públicas realizadas ao longo do ano de 2018. A opção pelo final da sessão se justifica pelo caráter avaliativo das perguntas, o que seria inadequado antes das discussões.

Para o estudo das percepções, as questões abertas assumem especial relevância, visto que consistem em argumentos, análises e justificações apresentados pelos cidadãos, a partir da experiência de participar das mencionadas audiências públicas. Para a análise das questões abertas recorremos à técnica de análise de conteúdo, mais especificamente a análise temática, entendida como agrupamento semântico das respostas, conforme o tema abordado pelos informantes (BARDIN, 2005). As respostas das questões fechadas são apresentadas ao longo do texto na forma de estatísticas descritivas.

Antes da análise dos dados, apresentamos uma breve revisão bibliográfica sobre o conceito de percepção ambiental, em suas diversas dimensões teóricas.

Percepção ambiental

Marin (2008), Carvalho e Steil (2013) registram que a origem dos estudos sobre percepção está na psicologia, disciplina que incrementaria sua contribuição com a emergência da psicologia ambiental (TERENCE, 1977; GIBSON, 1979) a partir de 1960. Os estudos sobre percepção passaram a contar ainda com as contribuições da geografia humanística (TUAN, 1972; HELPH, 1976; HOLZER, 1996), além dos aportes da fenomenologia, com as análises de Merleau Ponty (1999) sobre fenomenologia da percepção.

Na psicologia percepção é entendida como a “organização das informações transmitidas pelas sensações que permitem conhecer a realidade”. A percepção “dá-se em função das propriedades da estimulação sensorial que, por sua vez, derivam das propriedades do meio e dos seus objetos (MESQUITA; DUARTE, 1996, sem paginação). A psicologia ambiental prioriza o estudo das percepções a partir da interação dos indivíduos com o meio ambiente, enquanto a geografia humanística enfatiza o papel dos valores culturais na conformação das percepções sobre a paisagem e o espaço. A fenomenologia por sua vez, considera as relações entre corpo, percepção e conhecimento (NÓBREGA, 2008). É oportuno reforçar aqui a perspectiva da psicologia ambiental. Como assinalam Carvalho e Steil (2013, p.62):

a percepção ambiental tal como compreendida pela psicologia ambiental se desloca da percepção de objeto para horizontes de larga escala, tamanho e temporalidade, associados ao caráter molar das ambiências que circundam o espaço existencial. Do mesmo modo, uma vez que os ambientes percebidos incluem o sujeito, a percepção ambiental tende a dissolver a dicotomia sujeito objeto, superando desta forma as teorias situacionistas e interacionistas em psicologia que, de uma forma ou de outra, fixam-se em análises unidirecionais das relações pessoa x ambiente.

As percepções ambientais são entendidas ainda como a maneira pela qual cada indivíduo avalia questões e problemas relacionados ao ambiente, seja acerca do meio circundante ou sobre temas relativos à agenda ambiental de forma mais ampla, incluindo a ação dos atores sociais, políticos e governamentais (FERNÁNDEZ, 2008). Assim, o estudo de percepções ambientais pode contribuir para aperfeiçoar as políticas de gestão ambiental, aumentando sua legitimidade, ao adotar perspectivas que contemplem o interesse coletivo. Além disso, o estudo empírico das representações ambientais mostra-se útil para a compreensão dos registros de justificação dos indivíduos (MAILLEFERT; MERLIN-BROGNIART, 2016).

Na perspectiva das ciências sociais, assim como as percepções sociais, as percepções ambientais são ancoradas em substratos culturais dos indivíduos, os quais são socialmente compartilhados em contextos específicos ou em relação a determinados temas. Esses suportes culturais compreendem as visões e representações das pessoas sobre a natureza e a relação do ser humano com os recursos naturais. Essa perspectiva pressupõe que a cultura constitui uma fonte de sentidos para os problemas sociais e ambientais (MILTON, 2002). Para Mary Douglas (1978; 2013), as percepções individuais são construídas a partir de uma determinada ordem cultural, com os seus cultural bias, que conformam os sentidos sobre as questões postas aos cidadãos, cuja referência são os sistemas simbólicos, os quais são socialmente compartilhados, legitimados e redefinidos conforme as mudanças e dinâmicas socioculturais de cada contexto.

Nessa visão, as percepções são provenientes tanto da experiência direta dos indivíduos quanto da interação social e da exposição aos conteúdos midiáticos, posto que as mídias se tornaram agentes culturais de grande expressividade (BARROS, 2015b). Nessa ordem de ideias, é cabível ressaltar que a própria noção de meio ambiente é social e culturalmente construída (DURAND, 2008), bem como as demais noções associadas às questões ecológicas, incluindo o indivíduo e suas representações pessoais (ALLOUCHE; NICOLAS, 2015). Tal visão contempla também a dimensão cognitiva, ou seja, o modo como os indivíduos apreendem os problemas e questões relacionadas ao ambiente (BONNEMAINS, 2016).

Marques (2007, p.144) aponta três tipos de mecanismos que interferem nas percepções sociais: (a) ambientais. (b) cognitivos; (c) relacionais. No primeiro caso, destacam-se os fatores contextuais, a partir de características e aspectos relacionados ao meio circundante. No segundo, estão “as ações que se relacionam com as percepções e os estados mentais dos indivíduos e grupos sociais”. Os mecanismos relacionais, por sua vez, “mobilizam as relações entre indivíduos, grupos e organizações, assim como os padrões gerais formados por tais conjuntos de relações, conformando redes sociais” (MARQUES, 2007, p.144).

Apesar de reconhecer o papel dos três mecanismos citados, o autor acentua a relevância dos aspectos relacionais na formação das percepções sociais, posto que a força dos mecanismos relacionais é inerente à vida social, que se organiza a partir da constituição de redes relacionais em variados níveis, abrangência e durabilidade. Um fator ressaltado nesse processo são as conversações e interações cotidianas, que estimulam o reforço ou a rejeição de certas percepções que circulam entre os grupos (EVELAND JR; HUTCHENS, 2013). Conover (1984) reitera que, nessa perspectiva relacional, são importantes as influências de grupos nas percepções individuais, pois as identificações grupais desempenham um papel importante na definição dos pontos de vista e percepções que as pessoas formulam sobre ambiente. Os indivíduos que se identificam com diferentes grupos se concentram em coisas diferentes e avaliam questões políticas a partir de diferentes perspectivas.

As percepções ambientais são complexas, a depender do tema e do público. Há questões relativamente consensuais entre alguns segmentos sociais, como o aquecimento global e a poluição, mas também existem temas em que as percepções são muito variadas ou até mesmo equivocadas, a depender do nível de conhecimento técnico necessário para a compreensão do problema em debate (DUNLAP, 1998). As percepções são afetadas pelos valores pessoais, crenças espirituais e visões de mundo dos cidadãos (SLIMAK; DIETZ, 2006), além de suas experiências e vivências pessoais (MILTON, 2002). Outros estudos também consideram os impactos da visibilidade dos problemas ambientais e a intensidade da mobilização dos movimentos ambientalista (GOULD, 1993).

Para Yearley (2014), as percepções ambientais, em termos globais, foram amplamente influenciadas pela onda verde que se constituiu a partir da década de 1990. Essa onda, cujo marco foi a Rio 92, contribuiu para disseminar a consciência ambiental, sob uma perspectiva de que defender a agenda ecológica é uma atitude progressista e elegante, levando tal agenda a ser adotada, inclusive, por políticos, empresários e agências de publicidade.

No estudo das percepções socioambientais no campo das ciências sociais destacam-se alguns conceitos como: representação social e perspectiva ambiental. O conceito de representação social, entendido como “uma forma específica de conhecimento, ancorado no senso comum, mas que expressa uma forma de pensamento social” (JODELET, 2008, p.474). Nesta abordagem, o foco está nos processos sociais “em torno de um aspecto particular, que pode ser o meio ambiente, fenômenos naturais e outros aspectos” (AGUILAR; MERÇON; RIVERA, 2018, p.97). Já o termo percepção foca em um objeto específico que pode ser o meio ambiente natural ou algum componente dele. Além disso, em vez de se referir ao olhar de indivíduos sobre questões ambientais, trata-se da apreensão de representações coletivas, partilhadas a partir de perspectivas sociais comuns.

Para Moscovici (2003) as representações sociais servem de substrato para o conhecimento comum, aquele que faz parte da vida cotidiana, constituído pelo senso comum. É um tipo de conhecimento socialmente produzido e difundido, cuja função principal é auxiliar os indivíduos nas operações simbólicas diárias de interpretar, pensar e agir sobre a realidade. Moscovici (2003) chamou esse tipo de conhecimento de universos consensuais de pensamento, constituídos pelos próprios indivíduos em seus grupos de pertencimento. É oportuno observar como essa abordagem atribui poder de agência ao indivíduo comum, como ator da vida social, capaz de produzir e difundir conhecimentos sobre seu cotidiano, a partir da relação com os seus pares e coetâneos.

Nesse debate, convém ressaltar a relevância do conceito de perspectivas ambientais (DURAND, 2008), que compreende o processo de (re)estruturação das percepções individuais a partir das experiências sociais e suas consequentes multiplicidades de interpretações. Assim, a noção de perspectiva ambiental incorpora eventuais influências das clivagens socioculturais, como instrução, nível de renda, sexo, etnia, gênero e local de residência. Em suma, a perspectiva é condicionada pela condição socioeconômica, o capital cultural e o capital social.

O conceito de perspectiva ambiental aproxima-se da noção de perspectiva social, que é entendida como as posições sociais estruturais que produzem experiências particulares, situadas e contextualizadas. Isso porque perspectiva social diz respeito ao “ponto de vista que membros de um grupo têm sobre processos sociais por causa de sua posição neles” (YOUNG, 2000, p.137). O conceito de perspectiva social expressa um posicionamento socialmente situado, uma forma de compreender a realidade a partir de um lugar social determinado. Assim, as percepções sociais são condicionadas pela posição que a pessoa ocupa na sociedade, em função de sua classe, renda, gênero, cor ou etnia.

Análise dos dados

Em 2018 a CMDAS realizou 32 audiências públicas, com uma média de 25 participantes por evento, totalizando 775 pessoas (BRASIL, 2017). Desse total, obtivemos 552 sujeitos que se dispuseram a responder ao questionário, o que corresponde a uma amostragem de 71,22%. Cabe ressaltar que tivemos o cuidado de evitar que a mesma pessoa respondesse ao questionário mais de uma vez.

Os dados expostos na Tabela 1 revelam, na realidade, o perfil do público das audiências promovidas pela CMADS, com predomínio de homens, na faixa etária de 31 a 50 anos, com curso superior, renda familiar nas duas escalas mais elevadas, vinculados a entidades ambientais, com vínculo partidário predominante na categoria simpatizante. Destaca-se ainda o fato de 78,80% trabalhar na área ambiental, especialmente no setor público, residentes principalmente no DF.

Chama atenção a maioria masculina, um dado quase sempre ressaltado quando se trata do perfil de cidadãos que participam da vida pública e das arenas de debates políticos. Estudo de Barros, Monteiro e Santos (2018) mostra percentuais similares em relação à participação nas audiências interativas promovidas pela Câmara dos Deputados, com 67,30% de homens e 32,70% de mulheres. Trata-se de uma herança cultural e política, resultante de um processo diferenciado de socialização política das mulheres, que tende a restringir a atuação delas na esfera privada, ao mesmo tempo que produz impedimentos e obstáculos quando se trata da participação na esfera pública (BIROLI, 2016). Convém anotar um contraponto registrado na literatura de que o ambientalismo conta com expressiva militância feminina (BOY; BRUCE; DELGADO, 2002). Embora militância seja um campo distinto do que tema aqui investigado, ressalta-se a predominância de homens na participação em audiências públicas da CMADS.

Tabela 1
Perfil dos informantes

Apesar da filiação partidária ser de 24,4%, chama atenção o elevado percentual de informantes que se declaram simpatizantes (42,4%). Somadas essas duas categorias temos 66,8%. A simpatia é considerada na literatura uma forma de identificação partidária, pois expressa claramente uma preferência política, embora não haja o vínculo formal da filiação. Na realidade, as duas categorias são formadas por simpatizantes, sendo que os filiados decidem formalizar sua simpatia partidária (CABRAL, 1995).

Entre os filiados, há predominância dos partidos de orientação ecológica, sendo os primeiros o PV (46,67%) e a Rede (22,96%)2, considerados adeptos da ecologia política sistêmica, ou seja, apresentam um perfil ecológico moderado, diferentemente dos partidos ambientalistas radicais ou ecossocialistas (BARROS, 2018). Apesar das diferenças internas, PV e Rede convergem na defesa de uma visão integrada e sistêmica de sustentabilidade, reunindo várias dimensões como econômica, política, social, cultural, espacial e ambiental. Os debates promovidos pela CMADS parecem interessar bastante aos filiados dessas legendas, aliados a outros fatores, como atuação profissional e proximidade com entidades de defesa do ambiente.

Os demais são filiados a partidos como PSOL (8,89%), PSB (8,15%), PDT (3,70%), PT (3,70%), PCdoB (2,96%), PCO (2,22%) e PEN (0,74%). Convém observar ainda a que a filiação dos informantes se situa praticamente no espectro de esquerda e centro-esquerda, reunindo partidos que passaram a priorizar a sustentabilidade em seus programas no contexto recente, reunidos sob a alcunha de esquerda verde (BARROS, 2018). Trata-se de um conjunto de legendas que mesmo sem uma nítida orientação ecológica - diferentemente do PV e Rede -, aderiram à agenda ambiental de forma mais ostensiva, alinhados à crítica ao capitalismo e a retomada de ideias ecossocialistas, a exemplo do PDT, PSOL. PSB, PCdoB, PT e PCO. Embora haja diferenças nas ênfases atribuídas às questões ambientais em seus programas, tais agremiações compartilham o ideal da aproximação entre socialismo e sustentabilidade ecológica, cujo expoente foi o Partido Socialista francês (SAINTENY, 1994; DUVERGER, 2011).

Avaliação do público das audiências

A Tabela 2 condensa todas as questões que expressam a avaliação do público.3 Chama atenção o conjunto de percepções que dizem respeito à atuação dos deputados nas audiências, com predomínio de avaliação regular (63,2%). O desempenho dos convidados e expositores (coluna 3) e dos representantes das entidades ambientais são os quesitos com que apresentam percentuais mais elevados sob a ótica da avaliação do público.

As respostas abertas ajudam a aprofundar tais percepções. Quanto à avaliação das audiências, os argumentos que expressam avaliação favorável são os seguintes:

  • - Convidam técnicos de elevada qualidade para o debate.

  • - Trazem à tona assuntos relevantes.

  • - Qualidade dos debates e importância dos temas.

  • - Pouco público, mas bons expositores.

Os que criticam, apontam que:

  • - Há muitos atrasos, o que prejudica o tempo que deveria ser destinado ao debate.

  • - São pouco efetivas; nada de novo é feito.

  • - Pouca participação popular e baixa divulgação.

  • - Privilegiam o lado do governo; a voz dos ambientalistas fica em segundo plano, somente para constar.

Tabela 2
Avaliação dos participantes das audiências públicas

Alguns aspectos chamam atenção na avaliação do público, como a ênfase aos temas debatidos e a qualificação técnica dos convidados, o que nos leva a deduzir que as audiências da CMADS são reconhecidas por esse público como um fórum qualificado de debate ambiental. Como salientam Lima, Araújo e Seraphim (2017, p.261), o Poder legislativo brasileiro passou por um processo de abertura nos últimos anos, “transformando-se em espaço político que tem sido cada vez mais ocupado por múltiplos interesses”. Salta aos olhos a falta de menção à atuação dos deputados, cujo desempenho não é bem avaliado pelos cidadãos consultados.

Sob a perspectiva das críticas, contudo, alguns informantes consideram que as audiências “são pouco efetivas”, pois “nada de novo é feito”, em um enquadramento discursivo que condiciona a efetividade de um debate político a algum tipo de ação dele decorrente. Outros consideram as audiências da CMADS um espaço privilegiado para a legitimação retórica de representantes do Poder Executivo. A baixa participação social, deficiências na divulgação e os atrasos no início dos debates aparecem como aspectos criticados pelo público.

Acerca da atuação parlamentar, os cidadãos apresentaram muitas críticas, tais como:

  • - Os poucos que comparecem não são efetivos defensores das causas ecológicas.

  • - Há pouco interesse dos deputados.

  • - Deveriam ser mais presentes, já que as informações são dirigidas a eles.

  • - Demonstram pouca afinidade e conhecimento sobre os temas

  • - São muito desinformados.

Convém registrar que não houve nenhuma manifestação de elogio sobre a atuação dos deputados, os quais são percebidos pelos informantes como “desinteressados”, “desinformados” e “sem comprometimento com as causas ecológicas”. O juízo dos cidadãos deve ser considerado à luz da composição da CMADS no período em que o questionário foi aplicado. Dos 18 titulares da comissão, havia apenas um deputado da Rede Sustentabilidade e um do PV. Todos os demais eram vinculados a partidos sem histórico de alinhamento à agenda ambiental, como PP, PR, PRB, SD e PPS. Dos 18 integrantes predominavam parlamentares sem vínculos com movimentos sociais de orientação ecológica. Certamente é por essas razões que a avaliação do público se apresenta da forma como foi mencionada acima.

Quanto ao desempenho dos representantes governamentais, os informantes argumentam que:

  • - Faltam objetividade e capacidade de síntese.

  • - Os convidados dos setores governamentais são falaciosos e de pouco conhecimento técnico.

  • - Os que falam pelo Governo querem apenas convencer de que as medidas do estado são adequadas, sem abertura para um debate mais aprofundado e crítico.

Quanto aos convidados dos setores governamentais, as críticas se sobressaem, com destaque para as estratégias retóricas de justificação dos discursos e medidas oficiais. Apesar de as audiências da CMADS serem um fórum legítimo de expressão dos representantes oficiais, o uso estratégico desse espaço é questionado pelo público. Certamente tal perspectiva se deve ao predomínio de recursos retóricos por esses convidados para apresentar o discurso ambiental como algo consensual, institucionalizando um discurso uniformizado sobre as problemáticas ecológicas (BARROS, 2017; 2018).

Segundo Carvalho (1990, p.237), o discurso ambientalista oficial regulamenta, estabelece metas e produz os fatos ecológicos, com base em justificações públicas meramente retóricas. Assim, “esse discurso nomeia como bom um certo modelo de desenvolvimento e esta é a sua medida para a melhoria e o bem-estar. Clama pela preservação da natureza, comprometido de antemão com as regras do capitalismo industrial e do consumo” (CARVALHO, 1990, p.237). Para a autora, em nome de conceitos portadores de uma generalidade estratégica, o Estado afirma e reafirma sua fala consensual institucionalizada, que estabelece efeitos de verdade e “produz o fato ecológico desde seu ponto de vista” (CARVALHO, 1990, p.235). Isso explica a natureza do discurso oficial, mais precisamente seu caráter persuasivo e simplificador, que tenta impor à sociedade uma visão “domesticada” dos problemas ambientais (BARROS, 2017).

Ao se reportarem à atuação dos representantes de entidades ambientais, os cidadãos explicam que:

  • - Falam bem, conhecem a legislação e são especialistas sobre o que falam.

  • - São eles que formam opinião na área ambiental.

  • - Cumprem bem o seu papel, especialmente nos contrapontos dos debates.

  • - O espaço de fala é muito curto, o que impede uma atuação melhor.

Diferentemente, ao avaliarem a atuação dos representantes de entidades ambientais, os respondentes apresentam como única ressalva o curto tempo para a exposição desses atores. Dois aspectos devem ser aqui destacados. O primeiro é que a legitimidade das manifestações desses representantes perante a plateia parece estar respaldada no fato de que 51,3% dos respondentes do questionário são vinculados a entidades ecológicas. Logicamente que há 48,7% que são pertencem a nenhuma dessas entidades, os quais também são se manifestaram de forma crítica em relação aos expositores que representam entidades ambientais, levando-nos a supor que esse segundo segmento também avalia de forma favorável o desempenho discursivo desses atores, em termos de contribuição para o debate.

O segundo aspecto está relacionado com a reconhecida competência discursiva das entidades ambientais, um fenômeno já registrado na literatura, fruto da necessidade dessas instituições de conquistarem espaço nos meios de comunicação e nas demais arenas de debate público. Pereira Rosa (2006) afirma que o êxito das organizações não-governamentais do ambiente no campo da retórica ambiental contemporânea se justifica por uma mudança de posição e de paradigma: as entidades deixaram de ser apenas promotoras de protestos e manifestações para se tornarem referências em diagnósticos especializados, capazes de apresentar análises técnicas confiáveis sobre os temas em discussão pela agenda governamental e pela comunidade científica.

Assim, ao deixarem de ser identificadas como portadoras de um capital simbólico baseado meramente no ativismo e no engajamento ambiental, essas organizações tornaram-se entidades especializadas, fontes peritas de alta credibilidade. Além disso, o autor analisa como essas entidades modelaram suas estratégias para formatar suas mensagens de modo a atrair a atenção dos media e os públicos interessados no tema.

Segundo Barros (2015) isso resulta de um processo mais amplo que produziu mudanças no ethos ambientalista e na reformulação de seus repertórios de ação coletiva. Apesar da pluralidade, da diversidade de agenda e das vertentes discursivas dessas entidades (NUNES; PERES; SILVA, 2017), a percepção dos informantes tende a ser uniforme quanto à avaliação da atuação dos representantes dessas entidades nas audiências da CMADS, o que nos leva a deduzir que todas as formas de discurso e ação delas são reputadas como válidas pelos cidadãos consultados.

Os debates são bem avaliados pelos participantes das audiências. Somando-se as avaliações excelente e boa, temos 82,80%. Entre as justificativas para tal resultado estão:

  • - Trazem dados e informações relevantes.

  • - Apresentam vários ângulos e facetas sobre os temas em debate.

  • - Apesar da fraca atuação dos deputados, os debates são de alto nível.

  • - A argumentação dos representantes de entidades ambientalistas qualifica o debate.

Como se vê, a qualidade dos debates é atribuída aos convidados externos, especialmente os representantes das entidades ambientais. A participação dos parlamentares mais uma vez é criticada. Entre as críticas apontadas estão:

  • - São superficiais.

  • - São muito polarizados.

  • - Falta a participação da plateia.

  • - São pouco democráticos.

A percepção predominante é que o Brasil apresenta atuação regular em relação às políticas ambientais, no contexto recente. Entre os argumentos apresentados pelo público estão:

  • - O avanço da Bancada Ruralista tem cada vez mais força para boicotar as leis ambientais.

  • - A agenda ambiental deixou de ser prioridade do Governo e do Legislativo.

  • - Parece haver um pacto tácito entre Governo e Congresso para impedir o avanço das políticas ambientais.

  • - A impunidade, a anistia de crimes ambientais e o perdão de multas milionárias estimula a devastação.

  • - O lobby do agronegócio está predominando no país.

  • - Os movimentos ambientais arrefeceram suas lutas.

Em relação ao avanço da chamada Bancada Ruralista, a percepção dos informantes encontra respaldo nos dados estatísticos compilados pelo Congresso em Foco em 20164. Conforme o levantamento, 207 deputados integram a Frente Parlamentar em Defesa da Agropecuária, o que corresponde a 40,35% dos 513 deputados. Até mesmo a Frente Parlamentar Ambientalista conta com mais de 70% de seus integrantes alinhados aos interesses do agronegócio, confirmando a tendência já registrada na literatura de antiecologismo do Congresso Nacional (ACCIOLY; SÁNCHEZ, 2012).

A atuação do Congresso Nacional conta com 95% de reprovação dos informantes, somando-se as alternativas “ruim” e “péssima”. Tal desempenho é justificado discursivamente pelos seguintes argumentos:

  • - Há um monopólio da Banca Ruralista

  • - Não exerce seu poder de fiscalização ambiental a contento.

  • - O Novo Código Florestal foi um retrocesso

  • - O Congresso não tem as políticas ambientais como prioridade

Entre os temas considerados mais relevantes na percepção dos cidadãos consultados, destacam-se: mudanças climáticas (22,45%), combate ao desmatamento (18,68%), educação ambiental (12,38%), combate aos crimes ambientais (10,64%); proteção das matas e florestas (8,47%); combate às queimadas (5,72%); proteção animal (5,50%), proteção de mananciais e recursos hídricos (5,14%), combate à poluição urbana (3,91%) e combate a desastres ambientais (3,33%).

O primeiro tema se justifica pelo fato de ter se tornado o principal em termos de visibilidade nos anos recentes (BARROS, 2015), após a divulgação de dados e estudos científicos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, organização vinculada ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), como o apoio da Organização Meteorológica Mundial (OMM). O poder de perspectivação de tais iniciativas contribuiu para elevar a politização do debate ambiental em escala global, com destaque para o nível de atenção pública voltada para os efeitos e consequências das mudanças no clima, o que contribuiu para intensificar sua relevância política (RYAN, 2017).

O problema do desmatamento é considerado o calcanhar-de-aquiles do Brasil, no que se refere à ineficiência das políticas de contenção da exploração ilegal dos recursos florestais e das matas. Há um conjunto de fatores que se conjugam nesse processo e faz aumentar a cada ano o raio do chamado arco de desflorestamento, especialmente na Amazônia e no Cerrado (DOMINGUES; BERMANN, 2012). Entre esses fatores destacam-se: (a) o avanço das fronteiras agrícolas; (b) o desflorestamento para o plantio de pasto; (c) queimadas; (d) extração ilegal de madeira; (e) atividade clandestina de mineração em áreas florestais. Apesar dos vários fatores mencionados, “as fazendas de médio e grande porte são responsáveis por cerca de 70% das atividades de desmatamento” (FEARNSIDE, 2005, p.113).\

Como assinala o autor, a retirada da vegetação facilita a propagação de incêndios, com impactos como perda de biodiversidade e redução das chuvas, o que contribui para o aquecimento global. Como se trata de um público familiarizado com o debate sobre temas ambientais, certamente tais aspectos tiveram peso nas respostas dos informantes.

O destaque para a educação ambiental também está diretamente relacionado com o perfil do público das audiências, o qual compreende bem a função da educação na renovação de mentalidades e hábitos. Ressalta-se ainda o componente geracional, visto se tratar de um público com perfil predominantemente jovem, posto que 58,5% dos informantes estão no intervalo etário de 18 a 40 anos (Tabela 1).

Gadotti (2008) atribui o aumento do interesse dos jovens pela sustentabilidade como uma contribuição da Década da educação para o desenvolvimento sustentável (2005-2014), uma iniciativa da Organização das Unidas. Para o autor, a educação representa um relevante contato dos jovens com a cultura da sustentabilidade, a fim de tomarem conhecimento das ideias e conceitos que os tornem capazes de conviver como cidadãos conscientes no contexto dos desafios da globalização capitalista. Em sua visão, “a formação de uma cidadania ambiental é um componente estratégico do processo de construção da democracia” (GADOTTI, 2008, p.31). Afinal, quando falamos em vida sustentável a entendemos como um modo de vida de bem-estar e bem viver para todos, em harmonia (equilíbrio dinâmico) com o meio ambiente: um modo de vida justo, produtivo e sustentável (GADOTTI, 2008, p.52). Para o autor isso implica educar para uma cultura da paz, da justiça social e da sustentabilidade.

O combate aos crimes ambientais apresenta relação com educação ambiental em duas perspectivas. A primeira é que a punição por atos e danos à natureza pode ser vista como educativa para o indivíduo e empresas infratores, especialmente pelas multas impostas pela legislação. A segunda está relacionada com falhas e lacunas na formação da consciência ecológica. Logo, se a educação ambiental não atingiu efetividade, as medidas legais de caráter punitivo devem ser acionadas, a fim de conter atos abusivos no plano individual e coletivo. Trata-se de uma perspectiva que encara o arsenal de dispositivos punitivos como estimuladores de reparação moral dos infratores.

A demanda punitiva relacionada ao meio natural emergiu na década de 1970, decorrente da concepção de que o meio ambiente não é uma abstração, “pois representa o espaço vital, a qualidade de vida e a própria saúde dos seres humanos, inclusive das gerações ainda por vir” (HAYEK, 1976, p.121). Nesse diapasão, a Declaração de Estocolmo, em 1972, estabeleceu que o ser humano tem o direito fundamental a um ambiente de qualidade. Consagrou-se ainda a concepção de que crimes ambientais são atentados contra a própria espécie humana, posto que a destruição deliberada do habitat ou do acesso a alimento ou água potável “em escala significativa poderia representar uma infração aos direitos humanos fundamentais” (FREELAND, 2005, p.135).

Entre as leis ambientais aprovadas nas últimas décadas, os informantes destacam quatro delas: Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), com 25,30%; Lei da Política Nacional de Educação Ambiental (15,94%); Lei dos Crimes Ambientais (15,34%); Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (11,45%). As unidades de conservação foram concebidas a partir da década de 1930 no Brasil, como resposta ao avanço da industrialização e urbanização. São ancoradas em uma perspectiva biocêntrica, que representa a natureza como um bem comum a ser conservado na sua forma natural, a fim de manter as funções do ecossistema, além de assegurar a qualidade de vida humana (PEREIRA ET AL, 2017; BARROS, 2018).

O destaque à lei que instituiu o SNUC se deve certamente à percepção dos informantes quanto à importância das áreas protegidas, uma das bandeiras de grande parte das entidades e movimentos ambientalistas. Observa-se ainda a relação da ênfase à conservação ambiental com os dois temas priorizados pela percepção do público: mudanças climáticas e combate ao desmatamento. Os ambientalistas são consensuais ao afirmar que o aumento de áreas protegidas contribui para reduzir os impactos do desflorestamento, uma das causas dos efeitos no clima global (RYAN, 2017).

A ênfase à Lei da Política Nacional de Educação Ambiental e Lei dos Crimes Ambientais na perspectiva dos informantes também apresenta relação com os temas priorizados pela percepção do público, com base nos argumentos já mencionados de que a educação ambiental é considerada um importante fator de socialização para sustentabilidade (CARVALHO, 2017). A punição por danos à natureza, contudo, é vista pelos inquiridos como um mecanismo que também não deve ser descartado.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente consta entre os mais importantes do ranking certamente pelo marco histórico que ela representa. Editada ainda no período ditatorial (1981), a lei foi considerada inovadora, ao contemplar “um instrumental, em termos de políticas públicas para o meio ambiente” (ARAÚJO, 2008, p.236). Por outro lado, há estudos que mostram que a política ambiental brasileira desenvolveu-se “de forma tardia em relação às demais políticas setoriais e em função das pressões externas dos países desenvolvidos e dos organismos multilaterais, como a ONU” (BARROS, 2015, p.160). Pimentel, Novaes e Dias (2017, p.129) salientam que é surpreendente o fato de a Lei não ter sido atualizada até hoje, visto que vários temais ambientais emergiram desde então. Sua principal contribuição, entretanto, na visão dos autores citados foi inaugurar uma trilha de institucionalidade das políticas ambientais. Apesar das controvérsias existentes na literatura, o fato é que a referida lei foi mencionada pelos informantes como uma das mais importantes na área ambiental.

A respeito do predomínio da natureza das percepções dos informantes, convém um breve comentário sobre como elas foram e/ou são constituídas. Para tanto, recorremos ao repertório avaliativo dos próprios informantes, a partir das respostas abertas. Nesses termos, destacam-se quatro fatores: a experiência profissional na área ambiental; a experiência no acompanhamento do debate ecológico; as oscilações entre avanços e recuos do Governo federal e do Congresso Nacional em relação às políticas e leis ambientais; a avaliação crítica de entidades ambientais e de instituições científicas consideradas idôneas pelos respondentes.

Nos dois primeiros casos respaldam os argumentos o fato de que 78,8% dos inquiridos trabalham na área ambiental. Portanto, como resume um dos informantes: “a experiência profissional na área nos leva a acompanhar o debate político sobre as questões ambientais de forma mais atenta e continuada, o que molda o nosso olhar mais crítico”. Quanto às variações no rumo das políticas e das leis ambientais, outro relato explica que “ora nos animamos com as medidas positivas e as iniciativas do governo e do Congresso, mas de vez em quando também somos surpreendidos com propostas que nos decepcionam, como no caso da revisão do Código Florestal, um típico predomínio das forças contrárias à preservação”.

Por fim, alguns depoimentos ressaltam a relevância dos estudos realizados por entidades ambientais e instituições de pesquisa: “percebemos claramente que há convergência entre esses estudos, que apontam todos na mesma direção, que é a necessidade de políticas de desenvolvimento que levem em conta o fator ambiental em todos os setores da economia”.

Comentários finais

Considerando as questões examinadas no artigo, em primeiro lugar chama atenção o perfil do público que participa das audiências públicas promovidas pela CMADS. Predominam homens entre 31 a 50 anos, com curso superior, renda familiar mensal entre 10 e 15 salários mínimos, simpatizantes ou filiados a partidos políticos de centro e de esquerda. Ressalta-se ainda que 78,80% trabalham na área ambiental, especialmente no setor público, ou seja, as motivações profissionais são relevantes para o comparecimento às audiências públicas.

Os dados do perfil se conectam diretamente com as principais questões teóricas discutidas na primeira parte do texto, especialmente aquelas que chamam atenção para a importância da perspectiva social dos sujeitos para a formação das percepções sociais e ambientais. No caso em estudo, o referencial teórico contribui para a compreensão de tais perspectivas a partir de variáveis relacionadas ao perfil dos informantes: sexo, escolaridade, renda, atividade profissional e simpatia partidária. Esse perfil tem relevância para a compreensão das percepções acima expostas e de como elas foram e são constituídas.

As percepções dos respondentes variam a depender das questões avaliadas. Uma vertente das percepções destaca a abertura da CMADS à participação cidadã, a agenda de discussões e a atuação de expositores com elevado conhecimento técnico e vinculação com o setor ambientalista. Outra vertente ressalta o desinteresse e a falta de empenho dos parlamentares nos debates, o uso dos debates para o reforço e a legitimação política das posições de órgãos governamentais, além de aspectos relacionados à dinâmica das audiências: atraso dos parlamentares, redução do tempo de exposição dos convidados em função dos atrasos, debate superficial e falta de divulgação dos eventos.

Ainda de acordo com o referencial teórico apresentado na primeira parte do texto, a experiência e as vivências cotidianas dos indivíduos exercem especial relevância na formação das percepções sociais, políticas e ambientais. No caso em estudo, chama atenção a avaliação dos cidadãos sobre as interferências políticas de parlamentares ligados aos interesses do agronegócio nos debates ambientais promovidos pela CMADS. Nesse sentido, a chamada “Bancada Ruralista” é apontada pelos informantes como um ator que tem boicotado o avanço das leis ambientais no Brasil. As alterações no Código Florestal em 2012 são citadas como exemplos do poder da referida bancada para favorecer o setor agropastoril.

Em suma o estudo confirma os pressupostos teóricos apresentados no início do texto sobre a relevância de estudos empíricos acerca de percepções socioambientais para a compreensão de aspectos específicos como o aperfeiçoamento de políticas de gestão ambiental que contemplem o interesse coletivo. Ademais, as justificações dos indivíduos pesquisados podem servir de feedback para os atores que promovem e participam das audiências públicas em exame.

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  • 1
    - Convém salientar que o questionário é extenso e não foi possível incluir todas as questões na análise aqui exposta.
  • 2
    - Esses percentuais se referem ao universo dos 24,4% dos respondentes que afirmaram ser filiado a algum partido.
  • 3
    - Cada coluna corresponde a uma pergunta do questionário, ressaltando que nem todas as perguntas foram exploradas por falta de espaço. Além disso, algumas questões foram reordenadas na tabela com o objetivo de tornar a análise mais sistemática.
  • 4
    - Em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/conheca-as-11-bancadas-mais-poderosas-da-camara/ Acesso em 05/04/18.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2019
  • Aceito
    03 Jul 2020
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