Open-access Adoção como Solução: o Cenário Atual no Brasil

Adoption as a Solution: the Current Scenario in Brazil

Adopción como Solución: Escenario Actual en Brasil

Resumo

O artigo apresenta resultados de pesquisa em que se objetivou circunscrever e analisar a argumentação sustentada por profissionais de diferentes setores da sociedade que apoiam e divulgam a denominada “nova cultura da adoção”. Ela se constitui em um conjunto de ideias que vêm sendo instauradas no Brasil desde os anos oitenta pelo movimento nacional de adoção, visando estimulá-la em nome do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes institucionalizados. A partir de uma pesquisa documental que teve como fonte de dados sete palestras apresentadas no I Congresso Nacional Online de Adoção, em 2015, emergiram cinco categorias que foram avaliadas por meio de análise de conteúdo. Concluiu-se que o discurso atual sobre a “nova cultura da adoção” enaltece a adoção enquanto solução para garantir os direitos do público infanto-juvenil, desconsiderando, porém, condicionantes socioeconômicos que atingem suas famílias de origem, que contribuem para sua disfuncionalidade e consequente destituição de seu poder familiar sobre a prole. Nesta perspectiva, a “nova cultura da adoção” muitas vezes desqualifica e culpabiliza as famílias de origem pela institucionalização dos filhos, enquadrando-se na lógica neoliberal vigente, à medida que prioriza a substituição pelos pais adotivos e não a reabilitação da organização familiar de origem por meio de investimento em políticas sociais eficazes desenvolvidas pelo Estado.

Palavras-chave: Adoção; Famílias; Exclusão social; Neoliberalismo

Abstract

This paper presents the results of a research aimed to delimit and analyze the arguments presented by professionals from different social sectors who support and disseminate the so-called “new culture of adoption”. This term designates a set of ideas that have emerged with the Brazilian national movement for adoption ever since the 1980s, encouraging the adoption of institutionalized children and teenagers, as well as their right to familiar and communitarian interaction. Five evaluation categories were obtained from on a Content Analysis of seven lectures presented in the 2015 National Adoption Conference. The results indicate that the current discourse of the “new culture of adoption” praises adoption as a solution to guarantee the rights of institutionalized children and teenagers. However, such understanding disregards the socioeconomic conditions of families of origin, which contribute to their dysfunctions and the consequent withdrawal of their legal authority upon their child. In this perspective, the “new culture of adoption” often disqualifies and blames the families of origin for the institutionalization of their children, thus being framed within the current neoliberal logic for it prioritizes the substitution of the biological family by adoptive parents rather than its rehabilitation through investment in effective social policies.

Keywords: Adoption; Families; Social exclusion; Neoliberalism

Resumen

Este artículo presenta los resultados de la investigación cuyo objetivo fue delimitar y analizar la argumentación sostenida por profesionales de diferentes sectores de la sociedad que apoyan y divulgan la denominada “nueva cultura de la adopción”. Se trata de un conjunto de ideas que son instauradas en Brasil, desde los años ochenta, por el movimiento nacional de adopción, con el fin de estimularla en nombre del derecho a la convivencia familiar y comunitaria de niños y adolescentes institucionalizados. Con base en una investigación documental que tuvo como fuente de datos siete charlas presentadas en el I Congreso Nacional online de Adopción, en 2015, surgieron cinco categorías, que fueron evaluadas por medio de análisis de contenido. Se concluyó que el discurso actual sobre la “nueva cultura de la adopción” enaltece la adopción como una solución para garantizar los derechos de este público infanto-juvenil, desconsiderando limitaciones socioeconómicas que afectan a sus familias de origen y contribuyen a la disfuncionalidad de estas y la consiguiente destitución de su poder familiar sobre la prole. En esta perspectiva, la “nueva cultura de la adopción” muchas veces descalifica a las familias de origen y las culpa por la institucionalización de los hijos, encuadrándose en la lógica neoliberal vigente en la medida en que prioriza la sustitución de las mismas por los padres adoptivos en vez de la rehabilitación de la organización familiar por medio de inversiones del Estado en políticas sociales eficaces.

Palabras clave: Adopción; Familias; Exclusión social; Neoliberalismo

Introdução

A adoção vem ganhando grande visibilidade na sociedade brasileira, com destaque na mídia, que parece se empenhar na divulgação do assunto. Deste modo, tem sido corriqueira a veiculação de notícias de celebridades nacionais e internacionais que adotaram filhos, além de matérias jornalísticas, filmes e telenovelas que frequentemente abordam o tema da adoção, sendo alguns exemplos as novelas Sangue Bom (2013), Amor à Vida (2013-2014) e Totalmente Demais (2015-2016), produzidas pela Rede Globo de Televisão.

No contexto acadêmico-científico nacional, a temática da adoção também se faz presente, e é possível observar um crescente interesse pelo assunto. Maux e Dutra (2010) constataram que a produção científica sobre adoção se expandiu em áreas como o direito, o serviço social, a antropologia, a sociologia e, particularmente, a psicologia, com o aumento do número de monografias de graduação, dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos científicos a respeito do tema.

Gueiros (2005), Cunha (2006) e Ayres (2009) afirmam que grande parte dos estudos existentes se voltam para aspectos relativos à criança e à família que a adota, sendo mais raros aqueles relacionados à família de origem das crianças e dos adolescentes acolhidos institucionalmente. Embora menos frequentes, as pesquisas que resgatam a família de origem se fazem notar no cenário acadêmico, tomando como exemplo investigações realizadas por Cunha (2006) e Bernardi (2014) que contribuem para preencher esta lacuna e para o aprofundamento da compreensão do fenômeno da adoção na sociedade atual.

Deste modo, segundo Vieira (2004), data do final dos anos 1980 o início de um movimento pró-adoção no Brasil. Em um contexto de atuação de diversas forças sociais e políticas, sobressaiu a iniciativa de uma organização não governamental (ONG) suíça, Terre des Hommes, fundada em 1960 e que se instalou em diversos países, entre eles o Brasil, visando a defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

Vieira (2004) ressalta que com a finalidade de atuar em programas de proteção a crianças vítimas de guerras em locais como Vietnã, Argélia e Tunísia, a ONG procurava garantir a permanência nos países de origem daquelas crianças que possuíam vínculos familiares, e acolhia na Suíça aquelas que haviam perdido qualquer referência familiar. Posteriormente, as ações da ONG se ampliaram para proteger também crianças vítimas da miséria, da fome e de toda forma de violência. Com esse objetivo, em 1982, a Terre des Hommes chegou ao Brasil, onde a problemática da infância não decorre da orfandade advinda de guerras, mas de outro tipo de guerra não declarada que produz “órfãos de pais vivos”, como destaca Vieira (2004, p. 88): a miséria e as dificuldades vivenciadas por seus familiares.

Ainda de acordo com Vieira (2004), em 1997, a ONG optou pela descentralização, criando no Brasil a Associação Brasileira Terra dos Homens (ABTH), que, sediada no Rio de Janeiro, passou a ter autonomia no direcionamento de suas atividades, decidindo por permanecer voltada à causa da infância. Para tanto, a ABTH estreitou o relacionamento com o poder público, organizações da sociedade civil e empresas comprometidas socialmente com a infância. Seu alvo principal eram as crianças e adolescentes institucionalizados que permaneciam sem perspectivas concretas de convivência familiar, em flagrante descompasso com a legislação que passou a vigorar no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990 (Vieira, 2004). Tal legislação, pautada na doutrina de proteção integral, estabelece uma série de direitos ao segmento infanto-juvenil, entre eles, o direito à convivência familiar e comunitária.

Dessa forma, a atuação da ABTH consistia em viabilizar a reintegração familiar dessas crianças por meio do auxílio às famílias. Entretanto, diante dos desafios da tarefa, a ABTH passou a investir na adoção como alternativa para garantir o direito das crianças à convivência familiar (Vieira, 2004). Porém, muitas eram as dificuldades da sociedade para atender a demanda majoritária de crianças e adolescentes acolhidos, considerando que suas características de idade, estado de saúde e cor da pele eram bem diferentes da preferência de grande parte dos adotantes, que priorizavam bebês saudáveis e de pele clara.

Em face dessa realidade, Vieira (2004) esclarece que, com o objetivo de ampliar as chances de adoção do público acolhido, a ABTH passou a se dedicar à criação e à divulgação do que se convencionou chamar de “nova cultura da adoção”, um conjunto de ideias que propõe uma inversão da ordem que até então regeu a prática da adoção, que privilegiava os interesses do adotante de ter filhos, a “adoção clássica”, segundo Vieira (2004) e Weber (2011). De acordo com as autoras, a “nova cultura da adoção” passou a apresentar uma concepção de adoção oposta, buscando respaldo nos princípios da doutrina de proteção integral. Tal concepção, designada por “adoção moderna”, defende que devem ser priorizadas não as necessidades do adotante, mas as do adotando de viver em família, particularmente daqueles cujo perfil se enquadra no que se conhece atualmente por “adoções necessárias”, que abrangem as adoções tardias (de crianças em idade mais avançada e adolescentes); as adoções especiais (de crianças que apresentam alguma deficiência ou problema de saúde); as adoções interraciais (geralmente de crianças afrodescendentes) e as adoções de grupos de irmãos.

A preocupação com esse contingente de adotandos é expressa por Freire (1994) ao afirmar que “são crianças adotáveis, sem adotantes capazes de acolhê-los” (p. 8), visto que, segundo o autor, dentre outras questões, preconceitos relacionados à supervalorização da consanguinidade e à ênfase excessiva no direito ao pátrio-poder, hoje denominado poder familiar, dificultariam a concretização dessas “adoções necessárias”.

Como expõe Vieira (2004), para divulgar as ideias da “nova cultura da adoção”, a ABTH utilizou uma série de instrumentos e práticas, dentre os quais o incentivo à formação dos Grupos de Apoio à Adoção (GAA). Dessa maneira, começaram a surgir e se espalhar pelo país os referidos grupos, que se fazem presentes na atualidade em praticamente todos os estados brasileiros. Os GAA são organizações sem fins lucrativos, constituídas pela sociedade civil, principalmente por pais adotivos, pretendentes à adoção e demais pessoas interessadas no tema, muitas das quais atuando profissionalmente na área.

Com o passar dos anos, os GAA criados sob a égide da ABTH foram se estruturando e se fortalecendo, passando a realizar eventos como o Encontro Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Enapa), que teve sua primeira edição no ano de 1996, em Rio Claro (SP), e que continua ocorrendo anualmente. A partir do quarto ENAPA, realizado em Natal (RN) no ano de 1999, os GAA criaram a Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), na qual passaram a se congregar, estabelecendo como missão a promoção do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes e investindo em ações que desenvolvam e fortaleçam a cultura de adoção no país (Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, 2017).

Segundo Silva (2014), além de apoiar as famílias adotivas e os pretendentes à adoção em seus interesses, “os GAA, na articulação do Movimento Nacional de Apoio à Adoção, vêm propondo uma nova cultura da adoção, verdadeira mudança de mentalidade social, com rompimento de paradigmas e preconceitos” (p. 67) a fim de viabilizar as “adoções necessárias”. Essas ideias corroboram o que Freire (1994) afirmava nos primeiros anos desse movimento em prol da adoção, quando asseverava que: “O que nos está colocado, como desafio, é o de trabalhar para que todas as crianças sejam efetivamente filhos, para que todas as crianças tenham pais. Para isso, precisamos modificar mentalidades e conceitos” (p. 9).

Nesta perspectiva, o movimento nacional, sob o comando da Angaad na divulgação de uma “nova cultura da adoção”, vem realizando inúmeras ações, como a criação, em 1996, do Dia Nacional da Adoção, além de campanhas, cursos, passeatas e outras atividades, a fim de sensibilizar a sociedade para a prática da adoção, em especial das “adoções necessárias”.

De acordo com Silva (2014), o Movimento Nacional de Apoio à Adoção tem se fortalecido nos últimos anos, a ponto de conquistar importante espaço de influência entre os três poderes do Estado e na sociedade. Essa forte inserção política de que o movimento dispõe é caracterizada por Oliveira Filho (2013, p. 13) como fruto de um processo de “afinamento entre o discurso do Estado e dos representantes dos GAA”, que se materializa em novos aparatos legislativos e jurídicos.

Ainda segundo Oliveira Filho (2013), a Lei 12.010, de 2009, que “dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes” (Lei 12.010, 2009), pode ser considerada como exemplo da influência do movimento nacional de adoção sobre o Estado pelas modificações que estabeleceu, garantindo algumas conquistas ao segmento pró-adoção. É importante destacar, todavia, que Oliveira (2015), em vasto estudo sobre o tema, apresenta visão diversa a esse respeito. Afirma a autora que, embora o movimento nacional de adoção tenha exercido importante pressão, a referida lei acabou por manter a prioridade da reintegração de crianças e adolescentes junto à família de origem, preservando o caráter de excepcionalidade da medida de adoção.

Pesquisadores de diversas áreas do conhecimento científico, como Fonseca (1995), Abreu (2002), Fávero, Vitale e Baptista (2008), Ayres (2009) e Bernardi (2014), já há alguns anos vêm apresentando críticas e considerações sobre a “nova cultura da adoção”, chamando a atenção da sociedade para a existência de uma dimensão política envolvendo a adoção, dissociada do que consideram as reais necessidades do cenário nacional. Enfatizam que a adoção, justificada como forma de solucionar os problemas da infância e adolescência institucionalizadas, naturaliza questões histórico-sociais que direcionam inúmeras crianças às instituições de acolhimento, bem como não problematiza o fato de famílias excluídas socialmente serem as mais vulneráveis a perder o poder familiar de seus filhos e filhas, deixando questões relativas à classe social, gênero e etnia como não relevantes na discussão sobre essa vulnerabilidade.

Partindo desta visão, ampla e potencialmente polêmica, optou-se por empreender pesquisa com base em fontes documentais de discursos multiprofissionais em um evento em torno da adoção. A pesquisa teve como objetivos circunscrever e analisar argumentos que, no presente, sustentam a denominada “nova cultura da adoção” buscando, para tanto, identificar e discutir o posicionamento de profissionais de diferentes setores da sociedade que apoiam a “nova cultura da adoção”. Para essa análise, privilegiou-se a visão da psicologia social crítica que, como explica Lima (2010), “tem uma forte articulação com outras áreas de conhecimento” (seção II, para. 3), possibilitando uma articulação histórico-social entre a realidade concreta, onde as contradições, a potencial transformação social e a vivência subjetiva ocorrem.

Método

Foi realizada uma pesquisa documental que teve como fonte de dados palestras que compuseram a programação do “I Congresso Nacional Online da Adoção” (Conadote), ocorrido de 21 de janeiro a 1º de fevereiro de 2015. Estas palestras foram apresentadas virtualmente, acessíveis, à época, por meio de inscrição gratuita a qualquer pessoa com interesse no tema. Atualmente, o site encontra-se indisponível, mas a transcrição integral das palestras está em Souza (2016). Entende-se que os conteúdos são uma rica fonte de pesquisa, pois tiveram como conferencistas profissionais vinculados à área, apoiadores da “nova cultura da adoção”, exercendo, alguns deles, funções de liderança no movimento nacional da adoção. Fizeram parte do grupo de palestrantes operadores do direito, psicólogos e assistentes sociais atuantes no poder judiciário ou em instituições de acolhimento, membros de GAA e teóricos que se dedicam ao estudo da adoção, muitos dos quais também eram pais adotivos. Para a seleção das palestras do Conadote, foram estipulados na pesquisa dois critérios de inclusão. O primeiro definia que os temas discutidos nas palestras escolhidas deveriam estar diretamente relacionados ao objeto da investigação. O segundo, que os profissionais de todos os segmentos vinculados à adoção descritos acima fossem contemplados dentre os autores das palestras selecionadas. Desta forma, sete palestras foram escolhidas como fontes documentais.

A primeira, intitulada “Instituição de acolhimento e grupo de apoio à adoção: entrecruzamento possível”, foi proferida por uma psicóloga e por uma assistente social atuantes em uma instituição de acolhimento, sendo também fundadoras e coordenadoras voluntárias de um GAA. A segunda palestra, cujo título era “ECA, é possível interpretá-lo segundo o princípio da prioridade absoluta”, foi ministrada por uma advogada e psicóloga, membro da diretoria de um GAA e assessora jurídica da Angaad. A terceira palestra, denominada “Adoção a única opção, ações em prol do direito à convivência familiar”, foi apresentada por uma advogada que é também mãe adotiva e fundadora de um GAA, além de autora de publicações sobre o tema. A quarta palestra, “Encontre seu filho: busca ativa na adoção”, teve como conferencista uma psicóloga atuante em Vara da Infância e Juventude e autora de capítulos de livros sobre adoção. A quinta e sexta palestras, “O papel do juiz na adoção” e “Como encontrar as crianças invisíveis!”, foram ministradas por operadores do direito, autores de publicações sobre adoção, sendo que o autor da sexta palestra é também fundador de um GAA, além de pai adotivo. Por fim, a sétima palestra, intitulada “A atitude adotiva como fundamento da sociedade”, foi proferida por uma psicóloga integrante da diretoria da Angaad e pesquisadora da temática, além de mãe adotiva.

Após assistir os vídeos, foi efetuada a transcrição das palestras selecionadas, que foram submetidas à análise de conteúdo na perspectiva de Bardin (1977), o que possibilitou o estabelecimento de cinco categorias finais.

Resultados e discussão

As cinco categorias finais foram designadas por: a) A situação de crianças e adolescentes institucionalizados; b) Exame da legislação e de procedimentos jurídicos acerca da adoção; c) Referências em relação à rede de atendimento; d) A desqualificação da família de origem; e e) A adoção como solução; que serão discutidas a seguir:

A situação de crianças e adolescentes institucionalizados

Seis das sete palestras analisadas contemplaram essa categoria, com exceção apenas da quinta palestra, que não fez referência direta a ela. A título de ilustração da preocupação com a situação de crianças e adolescentes institucionalizados, há na terceira palestra a seguinte fala: “as crianças foram esquecidas dentro dos abrigos e ali completaram vários aniversários, sem qualquer perspectiva de convivência familiar” (Souza, 2016, p. 205). Outros trechos, destacados da sétima palestra, dizem que: “Nós, enquanto exército da adoção, trabalhamos por essas crianças . . .” (p. 223) e “O lugar da criança é na família para que ela possa crescer de uma forma saudável” (p. 224).

A partir desses fragmentos, a preocupação com a situação de institucionalização do público infanto-juvenil parece estar fundamentada na ideia, apresentada na segunda palestra, de que “a criança tem pressa”. Argumentam que como a infância é uma fase muito breve da vida, o segmento institucionalizado deve ser colocado em famílias no menor prazo possível para que não perca essa etapa vivendo em instituições de acolhimento. As conferencistas ressaltaram ainda que muitas crianças e adolescentes estão na condição de institucionalização há bastante tempo, com o direito à convivência familiar desrespeitado. Em seu discurso, a autora da sétima palestra, ao declarar que trabalha em favor das crianças, incluindo-se no que chama de “exército da adoção”, deixa implícito que seu objetivo é buscar famílias adotivas para crianças e adolescentes, a fim de lhes garantir plenas condições de desenvolvimento saudável. Observa-se, dessa forma, que a grande meta a ser atingida é a desinstitucionalização, ou seja, o desligamento institucional o mais rápido possível. A pressa em decidir o destino de cada institucionalizado passa a ser, então, senão o único, o parâmetro principal. Neste sentido, consideram que a adoção seria a forma mais viável de assegurar o direito à convivência familiar desse contingente, pelas garantias que acreditam que a família adotiva oferece. Pautam-se na ideia de que por meio da adoção a criança terá, em tempo hábil, todas as condições materiais e afetivas propiciadoras do pleno desenvolvimento psicossocial, bem como da superação das consequências negativas decorrentes tanto da realidade familiar disfuncional da qual são oriundas como do período de institucionalização. A partir dessa lógica, é perfeitamente compreensível o esforço dos apoiadores da “nova cultura da adoção” em promover campanhas que incentivem essa prática.

Entretanto, ao analisar mais a fundo a situação de crianças e adolescentes institucionalizados, diversos pesquisadores, como Cunha (2006), Fávero et al. (2008), Ayres (2009), Bernardi (2014) e Souza e Brito (2015), afirmam que a condição de exclusão social vivenciada pela maioria das famílias de origem desse contingente é o fator principal que desencadeia a perda da guarda e posteriormente do poder familiar em relação aos filhos. Dessa forma, embora a falta ou a carência de recursos materiais não constitua motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar, conforme estabelece o ECA em seu artigo 23 (Lei 8.069, 1990), são os condicionantes socioeconômicos os grandes potencializadores do desenvolvimento de complexos processos subjetivos que possibilitam o surgimento de comportamentos classificados como negligência, abandono e maus tratos em relação à prole. Por sua vez, esses comportamentos são considerados pela Justiça motivos suficientes para a perda da guarda das crianças e adolescentes, que são retirados do convívio familiar e ingressam nas instituições de acolhimento, sendo muitos deles, posteriormente, disponibilizados para adoção.

Segundo Rodrigues e Hennigen (2015), tais ocorrências, todavia, ficam encobertas na forma como a mídia costuma abordar a vida das crianças e dos adolescentes acolhidos. A partir do exame minucioso de matérias jornalísticas sobre a situação deste público infanto-juvenil, as autoras verificaram que, por meio do uso de estratégias midiáticas de forte apelo emocional, a sociedade vem sendo persuadida a realizar adoções objetivando salvar essas crianças e adolescentes, o que denominam de “incitamento à vontade de família” (p. 467).

Neste sentido, as pesquisadoras tecem críticas afirmando que o trabalho da mídia tem contribuído para desviar o olhar sobre a questão social que está na base da problemática da infância e adolescência institucionalizadas, à medida que aponta a adoção como solução em vez de pressionar o Estado a investir na promoção social das famílias de origem. Tal procedimento poderia não apenas possibilitar a reinserção familiar do contingente institucionalizado, mas, principalmente, evitar o afastamento das crianças e adolescentes de sua família de origem e o consequente ingresso nas instituições de acolhimento. Esse mesmo argumento é discutido por Souza e Brito (2015) ao refletirem sobre a importância de se desenvolverem novas modalidades de proteção à infância e juventude que valorizem a família e evitem a aplicação da medida de acolhimento institucional como primeira opção a fim de garantir proteção para esse segmento da sociedade.

Nesta perspectiva, é possível supor que a “nova cultura da adoção”, por intermédio dos recursos midiáticos de que faz uso, tem atuado nas consequências, e não nas causas que produzem esse contingente de crianças e adolescentes acolhidos. Sobre tal realidade, vale lembrar que nos anos 1980, nos primórdios do movimento nacional de adoção, quando começaram a ser cunhadas suas ideias, foi a preocupação com a situação das crianças e dos adolescentes crescendo nas instituições, sem perspectiva de convivência familiar e comunitária, que motivou engajamentos na causa, o que pode ser confirmado em Freire (1994) e Vieira (2004). Tal constatação indica que o movimento atual por uma “nova cultura da adoção”, representado aqui pelos profissionais que proferiram as palestras analisadas, permanece com a mesma meta que o engendrou há mais de trinta anos, ou seja, a luta pela garantia do direito à convivência familiar e comunitária por meio da adoção desse público institucionalizado.

Compreende-se, contudo, que essa atuação se configura como medida de caráter imediatista por buscar soluções rápidas e paliativas, posto que a demanda de crianças e adolescentes inseridos em entidades de acolhimento está sempre se renovando. Prova disso é que, passadas mais de três décadas desde o início do movimento por uma “nova cultura da adoção”, a realidade de crianças e adolescentes lotando instituições não se modificou, apesar do trabalho desenvolvido em prol da adoção ao longo de todos esses anos.

Exame da legislação e de procedimentos jurídicos sobre a adoção

Nesta segunda categoria de análise, nota-se que as sete palestras fazem referência a importantes avanços legais no campo da adoção, advindos com a Constituição de 1988, a partir do novo status de sujeito de direitos que crianças e adolescentes alcançaram, fundamentados na doutrina de proteção integral. De modo geral, consideram como bem formuladas as leis que regem a adoção, salientando, porém, a existência de falhas em sua observância. Na segunda palestra, por exemplo, afirmou-se que: “As leis que nós temos . . . não são más, são boas leis. O que nós precisamos mais é de interpretações que se deem a essas leis que permitam a aplicação efetiva dos princípios da proteção integral e prioridade absoluta” (Souza, 2016, p. 99).

Na mesma direção, a autora da sétima palestra reconhece as conquistas legais, porém conclui que as leis são insuficientes para assegurar tais direitos, pois é necessário que a sociedade como um todo, em especial os integrantes da rede de atendimento à infância, cultivem o que chama de “atitude adotiva”, que seria a disponibilidade de abraçar a causa da adoção de forma mais comprometida. O trecho a seguir ilustra essa ideia: “. . . O problema não são nossas leis, o problema é a falta de atitude . . . estamos carecendo de genuínas atitudes adotivas que possibilitem o andar dos processos” (Souza, 2016, p. 224).

Embora se observe que, para os palestrantes, as leis, apesar de serem boas, são insuficientes para resguardar os direitos que estabelecem, ressalta-se que a preocupação que manifestam não alcança uma compreensão mais ampla sobre a realidade do referido público. Não transparece em suas falas uma preocupação com os dramas humanos e sociais que permeiam a história de cada institucionalizado. Dramas que envolvem forçosamente suas famílias de origem, com toda sua subjetividade e singularidade, e ainda com as influências do contexto socioeconômico e cultural em que vivem.

Desse modo, a tônica do discurso da “nova cultura da adoção” tem por foco a necessidade urgente de definir a situação jurídica de cada criança e adolescente institucionalizado. Os palestrantes entendem que essa decisão deve ser tomada com objetividade e rapidez. Assim, se a lei determina que, inicialmente, devem ser esgotadas as possibilidades de retorno à família de origem, para que a criança seja liberada para adoção, que a intervenção seja feita no menor prazo possível. Cabe ressaltar, entretanto, a dificuldade de tal objetividade e agilidade na tomada de decisão sobre a destituição do poder familiar, indagando o que seria esgotar as possibilidades de retorno à família de origem. Quais os critérios para concluir que, de fato, se esgotaram as possibilidades de retorno? Como estipular o tempo que cada família necessitaria para se recompor e reassumir a guarda dos filhos?

Nesse contexto se insere a crítica ao modo como são processadas as políticas públicas, pois é pela eficiência e eficácia delas que se pode pensar em reinserção familiar e em prevenção da institucionalização, uma vez que o acolhimento e destituição da família de origem é muitas vezes resultado de políticas sociais que, como assinalam Cardoso e Teixeira (2015), não têm garantido direitos básicos às famílias.

Apesar do reconhecimento geral dos avanços legais em torno dos direitos da infância, na terceira palestra transparece um forte incômodo com a maneira como foi regulamentada a adoção no ECA, enquanto medida excepcional. Assevera a autora da palestra que

. . . o legislador infraconstitucional se equivocou nas palavras e esse equívoco tem gerado uma grande paralisação no processo de garantia do direito à convivência familiar e comunitária. . . . As palavras adequadas seriam as seguintes: toda criança e adolescente tem direito à convivência familiar e comunitária, naturalmente, na sua família de origem. . . . Todavia, se isso não se apresentar adequado . . . ela deve ser encaminhada para uma família adotiva, porque somente através da adoção ela vai ser guindada à condição de filho (Souza, 2016, pp.204-205).

Segundo Oliveira Filho (2013), o caráter de excepcionalidade da adoção tem causado grande polêmica entre os representantes dos GAA, que estão pressionando o Estado para que sejam feitas alterações na lei. Para os GAA, a adoção enquanto medida excepcional revela a primazia da família de origem ou consanguínea sobre a família adotiva, que se apoia exclusivamente nos laços afetivos, pensamento que é expresso também por Maux e Dutra (2010) ao destacarem que ao recomendar primeiro a observação do grau de parentesco e depois os vínculos afetivos entre adotando e adotantes, se percebe na lei “uma posição que privilegia a dimensão biológica da família, deixando a colocação em família substituta em plano secundário” (p. 363). Deste modo, tal concepção é interpretada pelo movimento nacional de adoção como preconceituosa porque coloca a adoção em um lugar secundário, e ainda como favorecedora do prolongamento da institucionalização, devido ao tempo desperdiçado nas tentativas de reinserção familiar.

Referências em relação à rede de atendimento

A terceira categoria, que também é contemplada pelas sete palestras, analisa a compreensão dos palestrantes sobre o trabalho que se realiza, ou que se deve realizar, em prol da infância pela rede de atendimento que compõe o Sistema de Garantia de Direitos à infância e adolescência.

Foi notório na exposição dos palestrantes o enaltecimento ao trabalho por parte de cada membro da rede em razão de sua militância na causa da adoção. Para eles, tal dedicação pode contribuir decisivamente para a garantia da convivência familiar à população acolhida e para a construção de um mundo melhor, em plano mais ampliado. Uma explicação ilustrativa é da psicóloga autora da primeira palestra em conjunto com uma assistente social: “Sou uma apaixonada pela causa [da adoção], sou uma apaixonada pelas crianças, e acredito que estamos numa causa nobre, porque é através dela que a gente pode mudar alguma coisa na nossa vida, na nossa realidade, no nosso contexto” (Souza, 2016, p. 197). Outra passagem que exemplifica a questão da valorização do engajamento e dedicação ao trabalho encontra-se na sétima palestra, que enfatiza o esforço para que o trabalho seja executado com a máxima celeridade, daí a importância do papel de cada profissional nos processos de adoção, em particular daqueles que fazem parte de equipes psicossociais. Assim, diz a conferencista se referindo a esses profissionais: “Uma celeridade responsável, uma celeridade com consciência. Preciso compreender a importância deste meu papel, deste que é tão fundamental na constituição destas famílias” (Souza, 2016, p. 227).

Discursos como esses destacam uma postura de compromisso dos profissionais que compõem a rede, em que se reconhece a necessidade e a pertinência perante a realidade que caracteriza o público acolhido. Todavia, a referência à adoção enquanto uma causa nobre que merece o engajamento apaixonado de todos - explicitada na primeira palestra - e que deve ser viabilizada com celeridade - conforme expresso na segunda palestra - poderia denotar certo afastamento de um debate crítico que, segundo Cunha (2006), “faz com que muitos se engajem cegamente no trabalho, no sentido de fomentar a adoção, conferindo-lhe uma aura messiânica” (p. 124). Essa postura pode dificultar a identificação das reais causas sociais que engendram determinada situação de violação de direitos e, consequentemente, levar à defesa de propostas que não as alcançam. É o que afirma Brito (2014) a partir do estudo que empreendeu sobre a atuação de grande parte dos movimentos sociais da atualidade, que, segundo ela, apresentam profunda consonância com os interesses do modelo econômico neoliberal de enfraquecimento do Estado. Ao se eximir das responsabilidades de garantir os direitos básicos aos cidadãos, o Estado as transfere para o âmbito do terceiro setor, no qual atuam os movimentos sociais.

Por esta perspectiva, pode-se supor que o movimento nacional pró-adoção transita nesse contexto, pois, embora levante a bandeira de uma causa humanitária, em defesa do direito da criança e do adolescente de viver em família, deixa de dar visibilidade aos problemas estruturais da sociedade que levam muitas famílias a perderem seus filhos por falta de condições socioeconômicas básicas. Essa forma de atuação do movimento articula-se facilmente com os ideais do modelo neoliberal, à medida que apresenta a adoção como alternativa para driblar convenientemente o ônus social que o contingente institucionalizado representa para o Estado, uma vez que o libera do encargo de garantir a este o público infanto-juvenil o direito à convivência familiar, transferindo a responsabilidade para a sociedade civil, representada pelas famílias adotivas (Ayres, 2009; Cunha, 2006; Rodrigues & Hennigen, 2015). Por sua vez, a rede de atendimento à infância e à adolescência, à medida que abraça a causa da adoção, nos moldes em que propõem os autores das palestras analisadas, também tem seu enquadramento na lógica neoliberal.

Cunha (2006) destaca a existência de dois aspectos presentes no cotidiano dos profissionais que atuam na área da infância e da juventude, que denomina “excesso de demanda” e “busca de soluções rápidas e eficazes” (p. 130), aspectos que exercem pressão em seu modo de trabalhar. A “busca de soluções rápidas e eficazes” se traduz na ideia de que seu trabalho, além de um compromisso profissional, é também uma “causa” a qual todos devem abraçar a partir da argumentação de que a infância é prioritária, exigindo providências urgentes que devem ser tomadas com eficiência. A via da adoção surge, então, como a solução mais rápida e eficaz para fazer frente à demanda do público institucionalizado, possibilitando que a produtividade no trabalho não seja tão afetada, posto que é crescente a quantidade de novos processos que chegam a estes profissionais, situação que se relaciona ao segundo aspecto, do “excesso de demanda”, como destacado por Cunha (2006).

Interessante notar que a questão da sobrecarga de trabalho chegou a ser comentada em algumas palestras analisadas, não obstante, limitando-se a criticar a estrutura do poder judiciário que causa a morosidade na definição da situação jurídica das crianças e adolescentes institucionalizados. É o caso da segunda palestra: “. . . infelizmente a maioria das Varas de Infância e Juventude ainda são cumuladas com as Varas Criminais, ou seja, são juízes que cumulam varas criminais com a infância e juventude” (Souza, 2016, p. 202). Na quarta palestra a expositora também manifesta este descontentamento, que, para ela, é compensado pelo trabalho desenvolvido pelos GAA que, em sua opinião, representam uma importante contribuição para o poder judiciário, o qual sobrecarrega as equipes técnicas com outras demandas, desviando-lhes do foco na adoção. Neste sentido, salienta a palestrante: “Então isso [o trabalho dos GAA] aliviou muito . . .. A gente trabalha com uma série de outras situações . . . que muitas vezes impedem que a gente faça o que adoraria fazer, que é ficar o tempo todo cuidando de adoção” (Souza, 2016, p. 214).

Tais formas de compreensão parecem confirmar o pensamento de Cunha (2006) de que a dedicação à adoção por parte da rede de atendimento a torna ao mesmo tempo produtora e vítima da demanda, pois lhe impõe uma imensa responsabilidade de garantir a convivência familiar a todas as crianças e adolescentes acolhidos, situação que vem se desdobrando e se agravando há muito tempo, em decorrência da omissão do Estado e da busca frenética para dar conta da crescente demanda.

A desqualificação da família de origem

Embora breves, foram identificados trechos em que se observa a culpabilização das famílias de origem pela institucionalização de seus filhos. Abaixo são destacados trechos da quinta e sexta palestras, respectivamente, que ilustram essa observação:

. . . nem sempre a que gera é a que ama. . . . Portanto, se aquela família que gesta, que gera, ela não ama essa criança, despreza, não cumpre os deveres inerentes ao exercício do poder familiar, ou seja, alimentar, ter a guarda, tratar com carinho, com respeito, não dar palmadas na criança . . . (Souza, 2016, p. 216).

. . . tudo justifica a família biológica colocar a criança num abrigo e deixá-la lá por anos e anos a fio. . . . Em função de um modo de vida que foi criado nesse país, que é um modo de vida complacente com a pobreza, e veja, não é com a pobreza em si, mas com as pessoas que, no estado de pobreza, não desenvolvem muitas vezes a capacidade de afeto. Isso não atinge a grande maioria das pessoas, a grande maioria das pessoas vencem as maiores dificuldades . . . e cria seus filhos com afeto, porque esse é o condimento essencial (Souza, 2016, p. 219).

Tais conferencistas não problematizam a questão visando compreender e intervir para modificar a realidade socioeconômica e afetiva das famílias de origem com o intuito de propiciar melhores condições para exercer a paternidade e/ou maternidade. Tem-se, então, a impressão de que a decisão pela reinserção familiar depende tão somente do desejo da família de criar bem os filhos.

Na quinta palestra, o autor faz referência a situações de descumprimento dos deveres parentais, o que pode ser designado como negligência. Acerca desta, Fávero et al. (2008) e Bernardi (2014) advertem para a necessidade de distinção entre o descuido intencional da família em relação à criança e o descuido não intencional, decorrente das dificuldades socioeconômicas dos familiares. Essas autoras ressaltam que a negligência que afeta uma criança muitas vezes abrange toda sua família que, por sua vez, também é vítima de negligência pelo Estado. Desse modo, o rótulo, bastante frequente, de família negligente muitas vezes ratifica a ideia de culpabilização da família, como se esta pudesse ser isolada de seu contexto, que invariavelmente é marcado por vulnerabilidade social.

Por sua vez, o conferencista da sexta palestra afirma que muitas famílias abandonam a prole em instituições de acolhimento, deixando implícito seu desejo de não se responsabilizar verdadeiramente pelos filhos. Atribui ainda aos pais a ausência de potencial afetivo, o que não deveria ser justificado pela condição de pobreza, pois entende que muitas famílias pobres vencem todas as dificuldades porque têm a capacidade de afeto. Dessa forma, culpabiliza aqueles que, por algum motivo, não desempenham bem suas funções parentais, sem se dispor a investigar a fundo os motivos pelos quais não conseguem.

Acerca da situação de abandono de crianças em instituições pelos genitores, Bernardi (2014) assinala que algumas famílias acabam usando as instituições de acolhimento como parceiras na criação de seus filhos por conta da maior chance de acesso a direitos fundamentais, devido à precariedade das políticas públicas, que deveriam assistir eficazmente a todos, incluindo as famílias de origem. A autora ainda ressalta que muitas dessas famílias apresentam um sentimento de descrença em si mesmas, considerando-se incompetentes para cuidar dos filhos, o que revela que sua autoestima pode estar profundamente abalada, situação indicativa de que as dificuldades extrapolam o fator socioeconômico, alcançando a subjetividade, conforme discutido por Fávero et al. (2008).

Outro aspecto salientado na sexta palestra foi a afirmação de que, mesmo no estado de pobreza, há pessoas que conseguem amar e proteger a prole. Contudo, o autor deixa de mencionar que também há situações em que muitos pais, apesar da boa condição financeira, não exercem adequadamente seus papéis, relegando os filhos ao verdadeiro estado de abandono afetivo. Outros, mesmo vivendo em condições socioeconômicas privilegiadas, ainda empregam violência física, psicológica e sexual no trato com seus pequenos (Oliveira & Mariotto, 2008; Pimentel, Oliveira, & Araújo, 2009; Ronchi & Avellar, 2011). Essas situações, portanto, não são exclusivas do estado de pobreza. Entretanto, as famílias abastadas não costumam ser acusadas de “falta de potencial afetivo” ou ameaçadas de destituição do poder familiar, e seus filhos não são institucionalizados, tampouco destinados à adoção.

Embora de forma bem menos enfática do que na quinta e sexta palestras, vale destacar a maneira sutil como a desqualificação e a culpabilização da família de origem aparecem na primeira e terceira palestras. As autoras da primeira palestra relatam que no ano de 2014, dos 37 desligamentos institucionais ocorridos, 22 foram de reinserção às famílias de origem ou extensa, afirmando que “a família para nós, ela sempre tem e sempre terá prioridade” (Souza, 2016, p. 193). Dizem ainda que “é um direito dessa família ter uma oportunidade de mostrar que é capaz de mudar para ter o seu filho de volta, porém eu não posso ser conivente com uma família que queira a vida inteira para mudar . . .” (p. 194). Mais adiante, as palestrantes salientam que não estão “. . . preocupadas em dar crianças para os casais que estão habilitados [pois seu interesse é] dar a melhor família que a criança, que está aqui, merece e pode ter” (p. 196).

Por meio desses recortes, é possível verificar que há um discurso pela reintegração familiar, porém, se pode inferir que, apesar de esse ser o primeiro procedimento a ser tentado, a família é responsabilizada pelo seu insucesso caso a equipe psicossocial avalie a impossibilidade do retorno. Ao final, as palestrantes expressam ainda que “o ser humano falha e quando ele falha, o Estado tem que intervir” (Souza, 2016, p. 197), explicação que parece selar sua visão acerca da família de origem, pois revela que o problema da infância é compreendido como algo provocado unicamente pelas famílias, e não como expressão da questão social.

A autora da terceira palestra, por sua vez, expõe que, no ano de 2006, o GAA do qual faz parte tomou a iniciativa de verificar as possibilidades de reinserção familiar dos acolhidos de seu município. Neste sentido, diz que: “. . . através das nossas equipes técnicas, partimos para todos os abrigos . . ., a partir dali fomos conhecer essas referências [familiares das crianças e adolescentes institucionalizados] . . . conseguimos promover a reintegração de 20% das crianças atendidas” (Souza, 2016, p. 206). Relata ainda que foi possível verificar que a falta de “potencial afetivo” dos pais, ou sua incapacidade de amar a prole, a falta de consciência de uma paternidade responsável e o chamado “mito do amor materno”, a crença infundada de que toda mulher possui instintivamente vocação para a maternidade, seriam os fatores causais do abandono. Esses fatores, segundo a palestrante, norteariam a definição sobre o investimento na reintegração familiar, ou do encaminhamento à adoção de cada criança ou adolescente acolhido.

Por meio dessas passagens, fica evidenciado que, ao analisar as causas do abandono, em nenhum momento a conferencista estabelece uma relação entre as situações que aponta como causais e as implicações da questão social sobre a vida das famílias de origem. Quanto aos parâmetros a serem adotados para a decisão de se compensa, ou não, investir na recuperação de determinada família, deve-se ressaltar que a lei estabelece apenas que ao ser constatada unicamente a situação de pobreza, as famílias de origem devem ser encaminhadas a programas oficiais de auxílio (Lei 8.069, 1990). A legislação não apresenta indicador prévio de quais famílias deverão ou não receber tais encaminhamentos.

O aprofundamento do conhecimento psicológico sobre a realidade das famílias de origem certamente permitiria uma intervenção mais adequada, que poderia contribuir para o aumento das reinserções familiares bem-sucedidas. Entretanto, é necessário considerar o quanto o cenário de valorização da adoção é compatível com os interesses do sistema neoliberal vigente, por transferir para as famílias adotivas a tarefa que é do Estado de assegurar a convivência familiar às crianças e aos adolescentes acolhidos.

A adoção como solução

A quinta e última categoria de análise, presente em seis das sete palestras, não sendo abordada apenas na segunda palestra, evidencia o modo de pensar a adoção como uma medida salvacionista para crianças e adolescentes institucionalizados, visto que a possibilidade de reinserção familiar é frequentemente descartada pelas equipes técnicas. Dentro deste viés, destacam-se alguns aspectos observados que dizem respeito tanto às expectativas que os palestrantes alimentam em relação aos pretendentes à adoção - para que ampliem o perfil da criança que procuram -, quanto à vontade de que a prática da adoção se expanda na sociedade.

Sobre as expectativas referentes aos pretendentes à adoção, na primeira palestra, por exemplo, fica claro que a família adotante deve oferecer “. . . um ambiente que seja capaz de ser continente, de olhar para a criança de forma mais afetiva e não violenta” (Souza, 2016, p. 194), buscando nos adotantes a capacidade de entrega total a um sentimento de amor profundo e incondicional pela criança que está disponível para ser adotada. Essa ideia também se apresenta na quinta palestra, quando o autor declara que: “Se você tem tanto amor para dar, não precisa ficar escolhendo a criança” (p. 217), o que demonstra a inexistência de qualquer tipo de constrangimento com a intenção de incentivar as “adoções necessárias” para que se atinja a meta de realizar adoções em massa, como forma de assegurar a convivência familiar ao contingente institucionalizado.

Portanto, a “nova cultura da adoção” manifesta uma preocupação especial com a seleção e preparação do adotante no processo de habilitação, estabelecendo os critérios e os requisitos que eles devem apresentar ou se propor a desenvolver. Suas motivações para o ato de adotar passam a ser minuciosamente avaliadas, havendo aquelas que são desejáveis, quando centradas nas necessidades do adotando, e aquelas consideradas inadequadas, quando visam aos interesses do adotante (Vieira, 2004; Weber, 2011).

O grande interesse em mobilizar a sociedade para a causa da adoção observado nos discursos dos palestrantes pode ser exemplificado na quarta palestra, quando a profissional afirma que a internet é uma maneira de atrair a comunidade para a adoção: “. . . aquela comunidade que, lá no artigo 227, lá no artigo 4º do ECA, foi chamada a participar da garantia de direito à convivência familiar e comunitária. Tá lá, é dever de todos: família, sociedade, Estado, comunidade” (Souza, 2016, p. 213). A conferencista que propõe a busca ativa com o propósito de identificar famílias adotivas para as crianças acolhidas explicita abertamente a intenção de divulgar a adoção, incentivando a prática pela sociedade. A autora justifica que consta na própria lei o dever da sociedade e da comunidade de garantir a convivência familiar e comunitária para esse público, ideia que evidencia claramente sua compreensão da adoção enquanto solução.

É nessa perspectiva que Brasil (2005) critica o Estado, que considera inerte frente à realidade do contingente institucionalizado, pois, segundo ele, a situação não se traduz simplesmente por um “mero ato de desamor e desajuste dos núcleos familiares diversos, mas em miséria e ignorância que empurram seres inocentes para o caminho da adoção, agora como forma de inclusão social” (p. 118). O autor conclui assinalando que o instituto da adoção assume, então, um papel fundamental na política social de proteção à criança, ocupando “o vácuo deixado pelas políticas públicas ainda ineficazes” (p. 118).

Considerações finais

O tema da adoção ocupa um espaço cada vez mais amplo nas discussões cotidianas, o que, em certa medida, denota maior sensibilidade da sociedade para a realidade das crianças e dos adolescentes que vivem historicamente esquecidos em instituições de acolhimento.

A partir da disseminação da “nova cultura da adoção”, o aumento da prática de adoção tem contribuído inegavelmente para a modificação de seu estranhamento na sociedade, passando a ser considerada como forma legítima de filiação, principalmente quando se refere a crianças e adolescentes que apresentam determinadas características físicas de idade, etnia e estado de saúde. Entretanto, embora sejam conquistas importantes, é necessário refletir sobre o modo como esse movimento tem contribuído para o despertar da sociedade em relação ao segmento infanto-juvenil institucionalizado - com o estímulo à adoção como forma de garantir o direito à convivência familiar. Pode-se pensar que todo o esforço do movimento nacional de adoção durante mais de trinta anos parece não ter surtido resultados efetivos, visto que até hoje há um grande contingente de crianças e adolescentes vivendo em instituições.

Esse aspecto cíclico, entretanto, parece não ser notado pelas lideranças do movimento nacional de adoção, que interpretam que a solução para o problema da infância e juventude institucionalizadas estaria no estabelecimento e cumprimento de prazos cada vez mais curtos pela para que os processos de destituição do poder familiar das famílias de origem sejam concluídos, liberando o contingente para adoção o mais rápido possível.

Essa realidade de inúmeras crianças e adolescentes em acolhimento institucional se mantém por ser constantemente reproduzida socialmente, à medida que ficam abafadas e intocadas as causas dessa problemática, fortemente vinculadas à precariedade das condições de sobrevivência das famílias de origem e à ausência ou à ineficácia de políticas públicas que atendam verdadeiramente suas demandas. Com isto, essas famílias passam a ser desqualificadas e culpabilizadas, além de rotuladas de “inadequadas”, “inviáveis” ou “destituídas de potencial afetivo” para amar seus filhos, abrindo caminho para a perda da guarda e, posteriormente, do poder familiar sobre os filhos, já que a interpretação geralmente é a de que criança não pode esperar arriscando perder sua infância em uma instituição.

Deste modo, o ponto crucial das atuais discussões sobre as leis que regem a adoção diz respeito à intenção de eliminar o caráter de excepcionalidade do referido instituto, posto que a adoção é vista como a grande promessa de solução. Essa visão passa a ser difundida pela sociedade, sendo corroborada, inclusive, por alguns profissionais da psicologia e do serviço social que atuam no campo da adoção e que passam a abraçar a causa aparentemente sem perceber os alcances e as possíveis consequências de sua prática, além das implicações políticas que ela representa no atual cenário brasileiro.

Neste contexto, embora o gesto de adotar seja permeado de valores nobres e humanitários, tanto da parte de profissionais que se dedicam à causa com devoção como das famílias adotivas muitíssimo bem-intencionadas, há que se observar que, por trás do véu romântico que o tema carrega, pode existir uma realidade que fere a dignidade de uma parcela considerável de brasileiros, punidos por seu estado de pobreza, realidade que não deve ser desconsiderada pela sociedade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2018
  • Aceito
    25 Abr 2019
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