Open-access O Circuito Manicomial de Atenção: Patologização, Psicofarmaceuticalização e Estigma em Retroalimentação

The Asylum Circuit of Care: Pathologization, Psychopharmaceuticalization and Stigma in Feedback

El Circuito Manicomial de Atención: Patologización, Psicofarmacologización y Estigma en Retroalimentación

Resumo

Nas reformas psiquiátricas, a ruptura com o manicômio é um problema não apenas legal, mas cultural. Basaglia alertava para o “circuito de controle” na sociedade que define os comportamentos normais e patológicos, punindo e excluindo aqueles que não podem ser domesticados ou neutralizados. Neste artigo, utilizamos dados empíricos para propor o conceito de circuito manicomial do cuidado, desenvolvendo uma configuração própria de institucionalização pela articulação dos processos de patologização, psicofarmaceuticalização e estigma. Esse conjunto de processos garante uma base cultural para os mecanismos de perpetuação do manicômio, pois produz sociabilidades e sensibilidades manicomiais. O circuito manicomial de cuidado opera a céu aberto, por intermédio de um conjunto de discursos, práticas e tecnologias que trabalham de modo interdependente com o manicômio, com a especial participação da família, instituição que tende a manipular psicofármacos ao modo de tecnologias morais. Identificamos três atos que compõem o circuito manicomial do cuidado, por meio da análise hermenêutica de base ricoeuriana de dois casos que selecionamos de uma pesquisa etnográfica sobre trajetórias de (des)institucionalização de pessoas com sofrimento psíquico: a) o processo de alimentação da identidade patológica; b) a espiral do controle: psicofármacos reforçando o estigma patologizante; e c) a domesticação extramuros da solução-manicômio. Com esta análise, busca-se suprir uma das lacunas que têm sido observadas em estudos que examinam como os contextos de Reforma Psiquiátrica têm se ocupado insuficientemente da compreensão de como dinâmicas sociais e culturais impõem desafios ao trabalho de desinstitucionalização.

Palavras-chave: Saúde Mental; Desinstitucionalização; Estigma; Medicalização; Psicofármacos

Abstract

In psychiatric reforms, breaking away from the asylum is not only a legal issue, but also a cultural one. Basaglia warned of the “control circuit” in society that defines normal and pathological behaviors, punishing and excluding those who cannot be domesticated or neutralized. In this article, we used empirical data to propose the concept of asylum care circuit, developing its own institutionalization configuration by articulating processes of pathologization, psychopharmaceuticalization, and stigma. This ensemble of processes guarantees a cultural basis to the mechanisms for the asylum’s perpetuation, since it produces asylum sociabilities and sensibilities. The asylum care circuit operates in the open, with a set of discourses, practices, and technologies, which work interdependently with the asylum, with special participation of the family, an institution that tends to manipulate psychiatric drugs in the manner of moral technologies. We identified three integral moments that integrate this circuit of care, by Ricoeur-based hermeneutic analysis of two cases we selected from an ethnographic research on trajectories of (de)institutionalization of people suffering psychological distress: a) the bolstering process of pathological identities, b) the control spiral: psychotropic drugs retro-feeding pathologizing stigma, and c) the out-of-the-asylum domestication of the asylum-solution. With this analysis, we seek to fill one of the gaps observed in studies that examine how the contexts of psychiatric reform have insufficiently dealt with understanding how social and cultural dynamics impose challenges to the work of deinstitutionalization.

Keywords: Mental Health; Deinstitutionalization; Stigma; Medicalization; Psychotropic Drugs

Resumen

En las reformas psiquiátricas, la ruptura con el manicomio no es solo un problema legal, sino cultural. Basaglia advirtió sobre el “circuito de control” en la sociedad que define comportamientos normales y patológicos, castigando y excluyendo a aquellos que no pueden ser domesticados o neutralizados. En este artículo, basado en datos empíricos, proponemos el concepto de circuito manicomial de atención, desarrollando su propia configuración de institucionalización mediante la articulación de los procesos de patologización, psicofarmacologización y estigma. Este proceso propicia una base cultural para los mecanismos de perpetuación del manicomio, ya que produce sociabilidad y sensibilidad al manicomio. El circuito manicomial de cuidado opera mediante discursos, prácticas y tecnologías interdependientes de él, y cuenta con la participación especial de la familia, institución que tiende a manipular los psicofármacos en forma de tecnologías morales. Identificamos tres actos que conforman el circuito manicomial de cuidado a partir de un análisis hermenéutico ricoeuriano de dos casos que seleccionamos de una investigación etnográfica sobre trayectorias de (des)institucionalización de personas con sufrimiento psíquico: a) El proceso de alimentación de la identidad patológica, b) el espiral de control: psicofármacos que refuerzan el estigma patologizante, y c) la domesticación extramuros de la solución-manicomio. Este análisis permite suplir una de las lagunas que se ha observado en los estudios de los contextos de la Reforma Psiquiátrica, debido a la insuficiente preocupación por comprender cómo las dinámicas sociales y culturales imponen desafíos al trabajo de desinstitucionalización.

Palabras clave: Salud Mental; Desinstitucionalización; Estigma; Medicalización; Psicofármacos

Em entrevista realizada em 2014, Paulo Amarante afirma:

A ideia de reforma psiquiátrica é limitada, porque o que eu buscava era uma reforma da cultura. É culturalmente que pessoas demandam manicômio, exclusão, limitação do outro. Busquei a transformação da relação da sociedade com a loucura. E mudar cultura é um processo longo, muito demorado. (Domingues, 2014)

Analisando dados de pesquisa sobre processos de (des)institucionalização - fórmula que indica a possibilidade de progresso e regresso nos processos opostos de institucionalização e desinstitucionalização dentro de uma trajetória particular - de pessoas com sofrimento psíquico e/ou uso abusivo de álcool e outras drogas, percebemos que a permanência da condição institucionalizada se dá pela participação de um conjunto articulado de ações manicomializadoras praticadas, inclusive fora dos manicômios, no cerne de várias instituições sociais e alimentadas por valores e práticas culturais. Esse não é um achado novo, encontra ecos em conceitualizações variadas, desde o imperativo da instituição negada afirmado por Basaglia (1985), as análises de Goffman (1988) sobre o estigma, ou as ideias de Foucault (2005) acerca da construção histórica da loucura como objeto de disciplina, controle, castigo e punição, até noções mais recentes como a de “manicômio mental” (Pelbart, 1990) ou a de “encarceramento dos loucos a céu aberto” (Alverga & Dimenstein, 2006), resultado da manicomialização da vida das pessoas no seu cotidiano.

Os processos institucionalizadores não desapareceram, pelo contrário, reemergiram com pungência assim que uma contrarreforma psiquiátrica se colocou em marcha no país (Nunes, Mendes, Portugal, & Torrenté, 2019), quando segmentos da população defenderam a volta dos hospitais psiquiátricos e clamaram pelas comunidades terapêuticas, e esse movimento evidencia o fato de que há um longo caminho para enfrentar o desafio da mudança da cultura manicomial. Como afirmou Caetano, o manicômio está sempre se reinventando (Plataforma Brasileira de Política de Drogas [PBPD], 2016), inclusive sob um viés populista, o que demonstra que existe uma adesão a essa instituição pelo imaginário social, ou pelos remanescentes “desejos de manicômio” (Alverga & Dimenstein, 2006).

A disputa pela hegemonia cultural exige, porém, uma melhor compreensão de como exatamente se materializa essa manicomialização da vida a céu aberto, por quais discursos e práticas. Isso porque, diferentemente da configuração relativamente homogênea e explícita das práticas manicomiais no interior da instituição total - magistralmente descrita por Goffman (2010) -, no lado de fora, os modos como a manicomialização se expressa e desenvolve podem ser mais sutis e insidiosos, e colocar em interação uma quantidade maior e mais diversa de atores sociais, além de se utilizar de novas tecnologias sociais e de controle.

Argumentamos, nesse texto, que esse conjunto de discursos e práticas atua a partir de uma lógica que dá sustentação à estrutura manicomial, sendo-lhe, portanto, complementar e imprescindível em um período histórico em que a internação é submetida a um novo tipo de controle social e jurídico. Destacamos, pois, o caráter de extensão e de continuidade das práticas extramuros aos atos intramanicomias, o que garante uma base cultural para os mecanismos de perpetuação do manicômio, pois produz sociabilidades e sensibilidades manicomiais. A existência desses mecanismos explica por que Basaglia (citado em Amarante, 1994) defendia a necessidade de destruir o “aparato manicomial enquanto práticas multidisciplinares e multinstitucionais, capilares, estendidas e exercitadas por múltiplos espaços sociais” (p. 62). Segundo Rotelli (1994), para essa destruição, foi necessário construir um circuito de atenção que produzisse, simultaneamente, cuidado e novas formas de sociabilidade.

Neste artigo, alvejamos alguns objetivos, tanto teóricos quanto empíricos. Olharemos para o processo oposto e que denominamos de circuito manicomial de atenção, que se aproxima do que Basaglia (2005b) define como “circuito de controle”, relacionado ao controle social que define os comportamentos normais e patológicos, punindo e excluindo aqueles que não podem ser domesticados ou neutralizados. Para aprofundar essa definição, buscaremos estabelecer convergências ou complementaridades entre mecanismos de opressão, controle e despersonalização, presentes no interior dos asilos, especialmente a partir da descrição da instituição total devida a Goffman (2010), com aqueles que se desenvolvem fora dos muros, principalmente com a emergência de tecnologias mais sutis e mais capilares associadas à patologização da vida (Amarante, Pitta, & Oliveira, 2018) e à psicofarmaceuticalização da subjetividade (Biehl, 2010). Por fim, para tratar empiricamente desses aspectos, exporemos alguns resultados de pesquisa, exemplificando dinâmicas que mostram a tensão entre a vida fora dos manicômios com seus desejos de liberdade e a interferência de elementos que concorrem para a manutenção das pessoas em estado de manicomialização.

Estratégia metodológica

Baseamo-nos em um estudo etnográfico, de inspiração interpretativa crítica e pragmática (Corin, Bibeau, Martin, & Laplante, 1990). Este estudo analisou trajetórias de (des)institucionalização de pessoas com experiência de sofrimento psíquico grave e uso abusivo de álcool e outras drogas, descrevendo as dinâmicas dos seguintes operadores de desinstitucionalização: autonomia, integralidade e equidade social. Definimos operadores de desinstitucionalização como processos, dinâmicas ou ações que produzem, realizam, executam, ou disparam pontos de inflexão ou pontos de virada nas vidas e experiências dos sujeitos com histórico de institucionalização, no sentido de favorecerem situações de inserção social e de recuperação ou gerarem condições para elas. Estudamos pessoas em três contextos socioculturais diferentes do estado da Bahia: uma metrópole, uma cidade de médio porte e uma aldeia indígena, contrastando particularidades sociossanitárias e culturais.

Os casos estudados foram escolhidos em função dos seguintes critérios: a) terem mais de 18 anos de idade; b) já terem vivido, ao menos, uma hospitalização psiquiátrica, em hospital de custódia e/ou internação em comunidade terapêutica, com um mínimo de seis meses seguidos de duração, ou um conjunto de reinternações sucessivas caracterizadas como porta-giratória; e/ou c) relatarem o que chamamos de vivências institucionalizadoras extra-asilares. Estas foram definidas a partir de relatos que nos davam a entender que havia outras experiências de vida que remetiam as pessoas com sofrimento mental a fortes sensações de aprisionamento, de destituição de si ou despersonalização, de fortes impasses relacionais, que geravam sentimentos de humilhação, de revolta, produzindo atitudes de paralisia, de imobilidade ou de forte agressividade (surtos de raiva). Essas vivências estavam associadas a manejos relacionais de tipo manicomial, vividos em espaços sociais diversos das instituições totais.

Foi empreendida uma etnografia do cotidiano dos casos escolhidos, transitando com eles nos espaços franqueados ao pesquisador ou à pesquisadora, incluindo família, vizinhança, instituições de cuidado e outros. A nossa inserção no campo foi facilitada por um envolvimento prévio, engajado há décadas, com membros de associações de usuários e profissionais das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS), o que facilitou a indicação de casos relevantes. Tendo em vista que esta é uma pesquisa de amplo alcance, ela ainda está em curso. Pré-definimos categorias que serviram como analisadores dos processos de desinstitucionalização a partir de indicações de revisão bibliográfica. Em seguida, identificamos categorias de análise que emergiram do trabalho de campo. Em múltiplos contextos, as categorias estigma, medicalização/patologização, psicofarmaceuticalização, práticas de manicomialização e elementos do circuito manicomial de atenção se sobressaíram a partir da literatura e das narrativas. Foi empreendida uma análise hermenêutica crítica e reflexiva (Bibeau & Corin, 1994; Ricoeur, 1976) das narrativas produzidas e das práticas concretas observadas e reconfiguradas a partir da presença implicada dos pesquisadores (Nunes, 2014).

Para este artigo, trabalhamos com o contexto da cidade de médio porte, explorando um território de mais fácil observação das relações estabelecidas entre o manicômio, a comunidade e as pessoas com sofrimento psíquico. Nessa cidade, encontra-se um anexo psiquiátrico em um hospital geral, com uma quantidade pequena de pacientes, mas que vivem uma rotina tipicamente manicomial. Aqui, lançaremos mão apenas de dois casos para desenvolvermos nossos argumentos com maior profundidade hermenêutica. Escolhemos uma mulher e um homem que apresentam diagnóstico de psicose, moram com a família, foram internados desde a adolescência, são acompanhados em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e têm uma vida social e existencial rica e expressiva, mas, apesar disso, continuaram a sofrer hospitalizações frequentes ao longo da vida.

A pesquisa atendeu às determinações da Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. Foi devidamente aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa, do Instituto de Saúde Coletiva, vinculado à Universidade Federal da Bahia, com o Parecer CAAE de nº 18019413.5.1001.5030.

A disciplina do dentro e o controle do fora, e vice-versa

Em Foucault (1996, 2005) e Deleuze (2008), um tipo de historiografia, caracterizada a partir de predominâncias e rupturas históricas, oferece recursos de análise que permitem identificar formas de constrangimento e coerção operadas por mecanismos de saber-poder que se desenvolvem em determinados períodos a partir de dispositivos e formações discursivas específicas. No campo da saúde mental, a referência a essas teorias tem permitido produzir categorias que mapeiam lógicas de constrangimento que operam para além dos muros dos manicômios.

É na definição de sociedades disciplinares, tomando o Panóptico como metáfora forte, que a obra de Foucault (1996) mais dialoga com a realidade asilar descrita por Goffman (2010). Nessas sociedades, desenvolvem-se formas mais efetivas de vigilância, segregação e normalização do que na sociedade soberana, que a antecede, pela criação de novas tecnologias de poder que atendem a interesses econômicos de uma nova classe social, a burguesia emergente. Na sociedade disciplinar, atua-se no corpo em si, disciplinando-o e tornando-o dócil pelo intermédio da vigilância do olhar, a fim de extrair seu máximo potencial produtivo e de trabalho. Nela dispõe-se do saber para normatizar as condutas. Pelo primado do exercício do poder de disciplina, esta funciona como uma tecnologia política. Atua por diversas formas: pelo modo de alocar os indivíduos no espaço (esquadrinhamento da vida, efeitos sobre o gestual e a disposição milimétrica dos corpos no espaço); por uma maneira específica de exercer o controle (focalização no processo de produzir o necessário para se garantir os resultados almejados); e por uma maneira de estabelecer uma vigilância constante e sutil que assegura melhor sua eficácia.

Muito importante nessa conceitualização é o aparecimento de mecanismos de poder que permitem a individualização das pessoas, em uma perspectiva progressiva de incorporação individual da lógica disciplinar. Já nessa descrição da sociedade disciplinar, em Foucault, e no que poderíamos chamar de aperfeiçoamento dos seus dispositivos, se observam os gérmens do que virá a constituir o modelo da sociedade de controle. Segundo Deleuze (2008), especialmente na última década do século XX, observa-se o advento de instrumentos de controle que prescindem das práticas de confinamento, atuando a céu aberto e substituindo antigas formas de disciplina. O paradoxo está no fato de que é possível exercer o controle sob a aparência de liberdade. Diversos deslocamentos garantem essa transformação. A vigilância, antes maciça e intermitente, exercida no arranjo panóptico, passa a ser difusa e contínua. Um outro deslocamento é o exercício crescente do poder sobre a vida, que se realiza pelo intermédio de novas tecnologias capilarizadas no espaço social, gerando um efeito mais sutil e invisível na produção e introjeção da disciplina. Esta deixa de ser localizada no espaço, tornando-se onipresente.

O tema da instituição total na saúde mental é bastante profícuo quanto a essa transição entre uma sociedade disciplinar e uma sociedade de controle e, ainda, a sobreposição dos dois modelos. Na transição, é inegável que uma potente tecnologia de capilarização do controle sobre a loucura pode ser identificada com o advento dos psicofármacos e sua incorporação progressiva e exponencial na terapêutica psiquiátrica e na vida da sociedade. Os psicofármacos deslocam espacialmente os exercícios disciplinares, ampliam-nos em termos de população alvo e, como afirmam Madrid e Parada (2018), “permitiram reconfigurar o modelo manicomial sob uma nova hegemonia: o paradigma farmacológico” (p. 560, tradução nossa). Esse paradigma coaduna com a lógica de uma sociedade capitalista financeirizada, que transmuta uma indústria da loucura, que lucrava com o confinamento maciço e duradouro das pessoas, por outra que enriquece com a crescente patologização dos comportamentos humanos e sua excessiva medicamentalização (Dummit, 2012).

No entanto, para além do raciocínio que tecnologias de controle permitem prescindir do confinamento (Deleuze, 2008), o que sugerimos aqui é que o paradigma farmacológico tem permanecido complementar à lógica asilar, garantindo sua manutenção pela criação de mecanismos de continuidade entre o dentro e o fora. Para que isso chegue a bom termo, processos de psicofarmaceuticalização são totalmente imbricados com outros tipos de tecnologia, que são a patologização/medicalização e a estigmatização das pessoas. A concretização desses processos inclui práticas médicas e não médicas, que articulam diversas instituições sociais, como a família, em uma fina colaboração mútua.

Os modos de produção de identidades e subjetividades estigmatizadas, a partir da medicalização e patologização de comportamentos das pessoas, e seus múltiplos efeitos em termos de violência interpessoal, institucional, simbólica e estrutural (Nunes & Torrenté, 2009), que incluem o controle pelos psicofármacos e a retirada da autonomia e liberdade das pessoas, caracterizam práticas manicomiais que se exercem fora dos muros, com a participação de outras instituições. Essas práticas mantêm o manicômio necessário e são alimentadas por ele, em um circuito de interdependência. É sobre esse processo de colaboração, ou circuito manicomial de atenção, que falaremos a seguir a partir de dados empíricos.

O circuito manicomial de atenção

Para analisar os casos (aqui pseudonimizados) sob a perspectiva de retroalimentação entre o manicômio intra e extramuros, demos uma ênfase especial ao trabalho complementar entre a família, a comunidade, os psicofármacos e o manicômio. Para descrever a produção do circuito manicomial de atenção, elaboramos os seguintes aspectos: a) o processo de alimentação da identidade patológica; b) a espiral do controle: psicofármacos reforçando o estigma patologizante; e c) os horrores da internação e a domesticação extramuros da solução-manicômio.

O processo de alimentação da identidade patológica

O conceito de patologização da vida se refere à crescente intolerância em relação a comportamentos que divergem daqueles estabelecidos como normais pela sociedade (Amarante et al., 2018). A patologização é legitimada pela hegemonia do saber biomédico-psiquiátrico que exerce controle sobre esses comportamentos a partir de manuais diagnósticos que inflacionam o número de comportamentos tornados patológicos. Essa epistemologia do patológico é exportada do norte para o sul do globo (Watters, 2010), e invade o cotidiano, seja de forma direta - pela ação profissional pseudocientífica (Whitaker, 2010) -, ou indireta - pela incorporação do seu significado na sociedade como um todo (Pignarre, 2001) -, gerando um produto cultural. Conflitos sociais e humanos, em vez de serem denunciados, analisados ou mediados, são sequestrados por uma lógica reducionista, medicalizando a vida, ou seja, transformando problemas não médicos em problemas médicos (Conrad, 2007). O impacto desse processo sobre a vida social e pessoal é bastante problemático, já que anula ou regula posicionamentos existenciais estéticos, críticos ou de denúncia, expressos por meio das formas de manifestação de sofrimentos psíquico e social, impedindo-os de produzir soluções emancipatórias.

Luciane, no momento da pesquisa com 42 anos, afirma ter sido internada mais de 10 vezes na sua vida, a primeira aos 14 anos, com atual diagnóstico de transtorno bipolar. Permaneceu uma média de três meses na maioria desses internamentos. Hoje vive com sua mãe, um filho e um irmão. Gostava de escrever poesias e de se vestir de forma “romântica”, com muitos tons de rosa. Gilmar tinha 32 anos à época da pesquisa e adoeceu com 19 anos. Morava com sua mãe nessa mesma cidade e diz já ter sido internado em torno de oito vezes, tendo recebido diagnóstico de esquizofrenia. Afirma-se como homossexual e também como drag queen, identidade de que gosta muito (apesar do trabalho que dá “se montar”), pela vocação que tem para cantor e imitador.

Luciane relaciona o desencadeamento do seu primeiro surto a um amor de adolescência mal correspondido (o rapaz “alimentou o seu sentimento” e depois a deixou por outra), mas acrescenta que seu sofrimento tem como alicerce uma vida muito sofrida e pobre, com um pai distante e uma mãe que batalhou para criar os filhos e trabalhou desde a infância. Gilmar afirma que o que provocou sua primeira crise foi a dificuldade com a escola e a morte da melhor amiga. Relaciona ainda seu sofrimento ao desconhecimento do seu pai, à pobreza material e às questões de identidade sexual, que geraram forte pressão familiar. Sem a cumplicidade da melhor amiga para desabafar, passou a se isolar cada vez mais, o que ele expressa sob a ideia de “um mundo lacrado”:

Eu lembro que mãe falava, assim, que eu queria tudo lacrado, leite lacrado, porque eu dizia que tinha veneno, era uma mania de perseguição, né? Até as próprias amigas, tudo, não tinha no colégio, porque, assim, a minha amiga era ela (a que morreu). Eu também ficava com dúvidas sobre sexualidade, me tranquei demais. (Gilmar)

Muito delicados no trato e bem-humorados, tanto Luciane quanto Gilmar tinham um discurso sobre o adoecimento que alternava entre um sentimento encarnado de identidade patológica, pela qual são reconhecidos nas redes sociais em que circulam, e uma hesitação sobre vivenciarem modos particulares de ser no mundo que não eram respeitados, e sim lidos a partir da “doença”, produzindo sofrimento e falta de compreensão. Buscavam produzir uma síntese entre essas experiências, vividas por eles como compatíveis, mas que esbarravam na premissa do estigma, que toma a pessoa pelo seu “defeito” (Goffman, 1988):

Eu sou uma pessoa comum, simples, normal, só que… (risos) muito sonhadora, uma pessoa romântica (risos) que acredita muito no amor, uma pessoa que tem muitos sonhos, porém tenho um pequeno probleminha que às vezes impede que esses sonhos se realizem. O problema é psicótico, que é o transtorno bipolar, porque, quando eu estou tomando a medicação certinha, tudo em dias e tal, às vezes do nada vem aquele surto, aí eu me transformo em uma outra pessoa, ou seja, um personagem, um personagem fictício, que vem eu não sei de onde, mas eu mesmo crio, entendeu? Mas que impede a minha vida normal, natural, que eu possa trabalhar, que eu possa estudar ... Essa Luciane é comum, como todas as outras pessoas, porém toma uma pequena medicação para se estabilizar. Quando toma a medicação, estabiliza, pronto (risos). Esta que vocês estão vendo. (Luciane)

Nesse excerto de narrativa, percebe-se em Luciane a consciência dessas duas personagens (bi-polar) que a habitam, sendo uma delas supostamente patológica, que lhe produz hesitação entre o estranhamento e a autopoiese. O desconforto advindo dessa percepção se manifesta pela necessidade de reafirmar a normalização operada pelo psicofármaco, mas também pelo direito que reivindica de portar uma normalidade idiossincrática, sua personalidade romântica. Nesses casos, uma gramática generificada também parece desempenhar um papel nos julgamentos alheios, o que se confirma no caso de Gilmar, envolvendo aí sua identidade transgênero. Fica clara a patologização de sentimentos ligados a sofrimentos e afetos:

Primeiro vem a tristeza, porque não tenho um companheiro, e acho que nunca vou achar um, porque tem o transtorno mental. Como aquela mulher, mãe das duas meninas, que fala que eu vou no médico de doido, e tem gente que não entende, né? Acha que é só médico de doido, qualquer transtorno o povo entende como loucura, TOC, depressão. Porque é esquizofrênico, acham que é depressivo também. (Gilmar)

Outra incidência da patologização sobre a narrativa é quando a loucura se sobrepõe à identidade de gênero, interpretada como um sintoma da esquizofrenia, uma bizarrice. Esse efeito cruzado pode criar um duplo vínculo - double bind (Bateson, Jackson, Haley, & Weakland, 1956) -, em que a pessoa, finalmente liberada para seus atos de performance de gênero inconforme, tolerados pela predominância da loucura, tem a humanidade dos atos transgênero subtraída, negando seu direito de viver e sofrer de dentro dessa outra identidade.

Eles mudaram, assim, quem criticava de bicha e essas coisas, porque era desde pequeno, sabe? O jeitinho de veado, aí eles respeitam, quem xingava parou. Eles não fazem mais isso, eu acho que as outras pessoas nem entendem muito. Elas nem ligam quando eu fico na porta que nem um doido cantando, imitando Ivete Sangalo. (Gilmar)

A espiral do controle: Psicofármacos reforçando o estigma patologizante

Intimamente ligado ao processo de patologização da vida se inscreve aquele de farmacologização da vida, em que situações vividas pelas pessoas são tomadas como “oportunidades de intervenção farmacológica” (Williams et al., 2011, como citado em Camargo, 2013, p. 845). Esse processo afirma interesses das indústrias farmacêuticas e alimenta relações assimétricas de poder, pois o medicamento funciona, inclusive, como elemento conveniente de controle e dominação de segmentos sociais subalternizados. Caponi (2018) analisa a que ponto os neurolépticos cumpriram os objetivos de levar calma aos manicômios, perpetuar o tratamento fora desses espaços e “conseguir que os pacientes se mostrem indiferentes àquilo que ocorre com eles dentro ou fora do hospital psiquiátrico” (p. 35). Assim, inauguram um regime de verdade na psiquiatria, com novas estratégias de imposição e obediência. Em linha semelhante à que propomos, Caponi assinala que a pretensa “revolução psicofarmacológica”, ao invés de romper com as terapêuticas anteriores (o eletrochoque, o choque insulínico), estabelece com elas uma continuidade absoluta. Além disso, permite uma forma de vigilância contínua exercida pelo médico com seus pacientes que, “calmos e indiferentes”, permanecem a ele vinculados “para renovação e ajuste das doses da medicação” (p. 35).

Luciane foi acompanhada, durante 25 anos, pelo mesmo psiquiatra, sobre o que ela enuncia: “Doutor Luís (pseudônimo), Mainha falava que foi meu pai, meu tio, meu avô, meu tudo. Mainha disse que ele praticamente me criou...”, dando uma medida da presença e do poder que ele guardava na sua vida. A visão de sua mãe, porém, não coincide com a de Luciane, que decidiu mudar de médico ao conhecer outro que, pela primeira vez na sua vida, interagiu com ela de modo realmente comunicativo e resolutivo:

O médico, que era Doutor Luís na época, até hoje nunca me explicou nada; o único médico que veio me explicar alguma coisa foi Doutor João (pseudônimo), que, quando eu conheci ele, eu fui logo falando: oh, Doutor, eu quero saber tudo, não me esconda nada, eu quero saber o que eu tenho de verdade, e ele foi me explicando. O meu prontuário era cheio de folha, as meninas sempre me perguntavam, quando eu ia lá: está sentindo o quê? Tal, tal, tal… escrevia… lia ali e não me falava nada, passava a medicação, sendo que minha medicação era sempre mudada, porque não me dava com o meu problema, toda medicação que dava, dava errado, aí pronto, eu sempre estava em surto ... (Luciane)

Gilmar foi acompanhado, ao longo dos 13 anos de adoecimento, por dois psiquiatras. Na sua história, como na de Luciene, aparece a fusão da imagem do psiquiatra com as medicações que prescreve e a expectativa de que “os bons remédios” estabilizem seu sofrimento e impeçam as crises. Estas, por sua vez, resultam diretamente em novas internações, em um círculo vicioso. Observam-se duas afirmativas de Gilmar que mapeiam o papel decisivo da medicação como mecanismo de disciplinarização e controle da sua vida dentro e fora do manicômio, inscrevendo esse mecanismo no fluxo das outras vivências do cotidiano:

A psiquiatria foi boa, porque (durante as internações) me ensinou a tomar os remédios - porque às vezes não queria comer o que não gosto, tomar um cafezinho frio... Daqui para o final do ano, eu vou em Doutor João, mesmo que não tenha nada, só para ver a medicação. (Gilmar)

Enquanto a primeira fala se refere ao contexto asilar, em que se nota o que Goffman (2010) chama de práticas de constrangimento e de retirada de confortos materiais e corporais mínimos que garantem a aquiescência da disciplina e da obediência, observa-se no segundo trecho a introjeção consequente da necessidade da medicação como prática preventiva e de manutenção da estabilidade. Em Luciene também o controle pela medicação aparece explicitamente, o que implica sua gestão pela própria pessoa pelo entendimento da patologia como crônica, não tendo cura, apenas estabilização (Jucá, 2007). Cria-se uma rotina organizada pelo manejo da medicação em uma administração rigorosa do tempo, reduzindo o sofrimento à sua dimensão bioquímica e o cuidado à psicofarmaceuticalização do sujeito.

Porque, assim, essa doença não tem cura, mas ela tem medicação, controla, então eu acho melhor que a pessoa se cuide. Eu mesmo tomo a medicação direitinha no horário certo, com recomendação certa que não tem problema e também a família não vai sofrer. (Luciane)

Nessa narrativa, surge a ideia de prevenção do sofrimento da família, aspecto que iremos desenvolver em seguida pela relevância que ele assume na gestão de um cuidado que inclui esse terceiro - a família ou a comunidade - no circuito manicomial de atenção assim configurado: de um lado, se encontra a estabilização da doença pelo intermédio da medicação; no outro extremo, aparece a crise, demandando internação. Na mediação dos extremos, observamos um conjunto de prescrições de normas de comportamento balizadas por um código de moralidade enrijecido pelo estigma atribuído à pessoa. Na sequência da fala de Luciane, esse circuito fica bastante claro:

É como eu falei, quando a pessoa está em surto, sofre a pessoa, a família e todo mundo e até uma criancinha que está dentro de casa sofre: meu filhinho sofria tanto, não quero mais que ele passe por isso, nem ele nem ninguém. E hoje eu tiro por experiência própria, eu acho melhor buscar internar do que estar na rua zoando ou dentro de casa fazendo coisas, perturbando, sem querer tomar remédio, essas coisas. As pessoas batem na gente, as pessoas acham que a gente é um nada, um lixo, então a família toma a opinião de internar e depois sai de lá normal. Toma a medicação em casa e a família vai cuidar e pronto. É a minha opinião. (Luciane)

Biehl (2010, 2018) aponta outras engrenagens nesses mecanismos, pelo conceito de psicofarmaceuticalização da subjetividade. A racionalização científica legitima atuações domésticas, justificadas como um suposto cuidado sobre membros da família, dentro de uma intrincada associação que envolve circuitos econômicos (economia doméstica e complexo econômico médico), políticos (especialmente movidos pela biopolítica, mas também pela política de gênero, agindo maciçamente sobre pessoas economicamente desfavorecidas e destituídas de poder na sociedade) e tecnológicos. O trabalho colaborativo entre a família, o psiquiatra e o psicofármaco terminam por desempenhar uma função macrobiopolítica, capilarizando o trabalho psiquiátrico (nesse caso, manicomial): “psicofármacos [atuam] como tecnologias morais ... Ao se engajarem nesses novos regimes de saúde e ao alocarem seus recursos sobrecarregados e escassos, famílias pobres aprendem a atuar como proxi-psiquiatras” (Biehl, 2010, p. 95, tradução livre). Em última análise, “[f]ármacos ... verdadeiramente tornam a perda de laços sociais irreversível” (Biehl, 2018, p. 280, tradução livre).

O arranjo patologização-medicalização-psicofarmaceuticalização mantém, como dissemos, uma relação interna de retroalimentação, mas a ele se acresce outro elemento, que é o processo de estigmatização, utilizado no campo da saúde mental para a sociedade e os próprios sujeitos adoecidos se implicarem na perpetuação de práticas opressivas que favorecem os modos de controle extramuros. Goffman (1988), estudando o estigma, descreve modos pelos quais os sujeitos desviantes são submetidos na sociedade. Não é um atributo em si, presente em uma pessoa que é tida como diferente, que a leva à condição de alguém que possui “um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem” (p. 12). É necessário que esse atributo se situe em uma “linguagem de relações” que demarca essa diferença como marca depreciadora. Isso faz com que os julgamentos sobre atributos, e, consequentemente, as interações sociais que eles provocam possam variar de uma situação relacional a outra e de uma sociedade a outra.

Do ponto de vista daquele que sofre pelo estigma, ele pode gerar situações pessoais de extremo constrangimento, vividos ao longo da produção de uma identidade estigmatizada, que reduz a pessoa ao seu “defeito”, que estende a situação de desvantagem às pessoas que se situam em proximidade com a pessoa estigmatizada e que suscita um processo de incorporação de uma imagem depreciada e de tendências ao isolamento.

Na próxima narrativa, nota-se a relação com as pessoas do entorno mediada pelas viseiras do estigma, gerando um efeito de curto-circuito em que gosto pessoal e modo de ser são julgados automática e arbitrariamente em referência às reminiscências da crise, e os códigos de moralidade são aguçados na exigência de comportamentos estritos para que a pessoa possa ser aceita e reconhecida.

Eu achei muito difícil a convivência (com as pessoas da comunidade), porque ninguém me entendia, uns achavam que era mania, outros achavam que era surto mesmo, devido à maneira como eu ficava. Eu não lembro como eu ficava, já fui até amarrada de corda, fui até agredida por várias pessoas. Muitas pessoas já chamaram até a polícia, os vizinhos, eu não entendia, achava que estava fazendo algo muito errado. Na época, vinha bombeiro e a polícia me levava toda machucada pra lá (hospital), internava lá na psiquiátrica, aí, quando eu saía de lá, as pessoas ficavam me olhando. Até hoje, quando eu me visto diferente, de um modo, por exemplo, se eu tiver uma roupa que eu mesma faça meu look, umas cores… aí fala: tá ó (gesto de doida), já olham com um olhar diferente. Eu sinto isso, que chega dói no meu coração, aí, quando eu vou passando, batem à porta. Se vou pedir água: fulano, me dá uma água aí. A pessoa fala: sai, doida, pra lá! Isso me machuca.... (Luciane)

Como consequência advém a calibragem de atos e comportamentos pelo filtro do olhar alheio, olhar em muito já incorporado de modo muito profundo em um autojulgamento dos próprios estigmatizados. Assim, verifica-se que tanto Luciane quanto Gilmar administram o seu dia a dia, o que podem ou não fazer, os limites que podem ou não ultrapassar a partir desse crivo. Isso define como ambos circulam pela cidade, obedecendo barreiras geográficas ou temporais que respeitam códigos medicalizados, além de dependências e dopagens corporais medicamentalizadas que, em última instância, configuram a “prisão a céu aberto” (Alverga & Dimenstein, 2006):

Em relação a sair sozinha, eu tenho hora de sair e hora de voltar. Eu tenho até a chave, mas tenho hora de voltar, porque, se eu tivesse alguém pra sair comigo, até pra sair comigo, essas coisas. É como se eu fosse presa, para eu dar satisfação, principalmente para eu levar o meu remédio, eu não posso levar o remédio, o remédio é muito forte, a não ser que eu vá dormir na casa de outra pessoa, porque, se eu tomar o remédio na vinda, eu posso desmaiar e a pessoa chamar o SAMU, achando que eu estou com algum problema e, na verdade, eu estou sob efeito da medicação. Aí minha liberdade nesse sentido, é isso, é complicado. (Luciane)

Gilmar responsabiliza sua doença pelos seus limites em função do medo que sente, um medo traduzido como psicótico, mas agravado pela falta de compreensão dos outros, falta de acesso a uma psicoterapia, pela profunda solidão:

Às vezes eu fico muito eufórico, eu fico assim sem ninguém, aí ando pelo barzinho aqui perto de casa sozinho, porque eu não saio pra longe não. Aí fui… ah, eu fico também sem querer sair de casa sozinho. Eu fui mesmo para o dentista esse mês com minha mãe, fico assim, receoso de sair sozinho. (Gilmar)

Assim como Luciane, ele alega que poderia franquear esse território se contasse com companhia, ou, quem sabe, se o esforço da composição da cena do teatro de rua (ou da sua própria vida?) fosse recompensada, talvez não por dinheiro, mas por reconhecimento e aceitação. Mas “se vestir de mulher dá trabalho!”, alega Gilmar. Não teria aí um recado acerca do próprio papel feminino, da interseccionalidade entre gênero e loucura?

Às vezes, tem vez mesmo que, tipo agora, eu fui no Odara (bar próximo a sua casa). Coloquei a peruca, passei um batom. Me vestir de mulher dá muito trabalho, porque (não é fácil) ser Drag Queen. Raspei as pernas toda, fui por aí e ganhei dinheiro, fazendo teatro de rua ... E agora quem disse? Dá trabalho demais. (Gilmar)

Os efeitos do olhar também marcam o roubo das expectativas em relação a projetos que acreditam comprometidos, menos pelo adoecimento em si, do que pelo preconceito atribuído ao transtorno mental. O preconceito social desencadeia uma internalização do estigma sofrido (Nascimento & Leão, 2019), de modo que o indivíduo, ao associar os estereótipos negativos à sua circunstância, acaba por concordar, aplicar e reproduzir crenças desfavoráveis sobre si mesmo, o que afeta sua qualidade de vida e dificulta o convívio social. Esse processo, ao ser visto como parte do adoecimento, acarreta em implicações para a construção de identidades, tais como baixa autoestima, perda de habilidades laborativas e de mobilidade, e produz sensação de incapacidade para o trabalho e a autocensura, que ratificam estigmas. Esses roubos de futuro apresentam uma analogia com o impacto sobre a vida social no manicômio (Goffman, 2010), em que se observa a concentração de diversas esferas da vida em um mesmo espaço e a negação do trabalho e da vida familiar:

Perdi! Perdi e fico muito triste, sabe, porque em primeiro lugar eu perdi a minha liberdade - minha liberdade, eu esqueci na masmorra, e, em segundo lugar, o que eu perdi, que mais me incomoda, a minha vida exterior, porque eu queria ter uma família. Por exemplo, família, família não é só pai, mãe, irmão; família também pode ser marido, mulher e filhos, então eu queria ter uma família normal, tradicional - meu marido, eu e meu filho ou alguns filhos. Eu também queria o meu trabalho, porque eu estudei para isso, estudei para ser alguém na vida, ter meu trabalho, e não consegui. (Luciane)

Os horrores da internação e a domesticação extramuros da solução-manicômio

Não faltam relatos dos horrores que a internação em hospitais psiquiátricos representa para as pessoas (Arbex, 2013). Tanto Luciane quanto Gilmar têm recordações muito duras das internações, sendo que a imagem mais impactante, quase surreal, é a do primeiro internamento:

Aí eu fui internada, quando eu assustei naquele lugar tenebroso, aquela coisa horrível, tanta gente diferente, que eu nunca tinha visto na minha vida, até hoje eu tenho aquela imagem, eu lembro que tinha uma senhora gorda, que só andava com rosa. Outra, eu só assistia filme de ficção, terror, vampiros, lobisomem, tragédias, aí, quando eu me vi naquele lugar ali, eu me via no meio de vampiros (risos), imaginei logo. (Luciane)

Aí acordei, e têm uns que maltratam, têm enfermeiras que não querem nem saber. Eu forrava minha cama, eu estava em um quarto assim… e parecia um filme de terror. Tinha um cara lá, amarrado, um cara negro, quando eu acordei, parecia que eu estava num filme de terror. Deus é mais! Aí vem outro, vem outro aí arrancou minhas pulseiras tudo do hospital, uma mulher, foi a primeira crise, né? (Gilmar)

Essa frequência de relatos corrobora a ideia de que, para que a própria pessoa em sofrimento se acostume, e até mesmo para que chegue a formular a internação como solução de cuidado, um efeito de domesticação social desta é necessário, o que exige uma atitude de subalternização. O que enfatizamos nesse artigo é que boa parte desse processo se dá do lado de fora do manicômio. Nossos interlocutores afirmam lançar mão dessa solução-internamento muito mais em busca de atender a questões sociais, como acesso à alimentação, moradia temporária, ou por se sentirem desamparados frente a situações de violência estrutural, familiar e redes sociais fragilizadas, do que como opção terapêutica. É nesse sentido que verificamos que existe uma banalização da solução-internamento, favorecida pela ideia de que, se existe um conflito intrafamiliar, ou de outra ordem, é natural que o ônus recaia predominantemente sobre a pessoa com transtorno psíquico, que é quem deve ser afastada do ambiente social. O imperativo da segregação, antes de qualquer ideia real de terapêutica, permanece sempre como horizonte de reparo do dano:

Já fui para psiquiatria no (hospital) Vilas. Ali foi internamento grave, porque briguei com meu irmão.... Eu estava descalço, pensa a segunda vez que fui ao hospital com escoriação que meu irmão me bateu, aí eu fui assim com a camiseta, um frio e eu descalço, em tempo de pisar em uma agulha. Quando o doutor chegou, eu pedi minha alta. Quando ele chega, os pacientes correm tudo para pedir a alta, porque ali parece uma prisão e tem sopa e café, e só dava essas coisas, batata doce eu comia, mas a banana não, porque era muito molenga. Teve uma vez que eu cheguei assim, peguei o lençol e fiquei que nem uma banana, aí Doutor João ficou rindo. (Gilmar)

A internação pode evidenciar também uma moralidade em relação aos gêneros, pois para pessoas com diagnóstico de transtorno mental, principalmente mulheres, a euforia extravagante é condenada e segregada, como se vê no relato a seguir, quando Luciane se dá conta das incontáveis datas festivas passadas no manicômio:

Agora eu descobri uma coisa, que Deus me mostrou na época do meu aniversário, que é em outubro, na época de junho, na época de Natal e ano novo sempre vem o surto, aí eu pergunto o porquê disso e até hoje procuro respostas. Você sabe o que eu descobri? Que todas essas datas, eu passava pela psiquiatria. As enfermeiras sempre comentavam e aí às vezes tinha festa lá, a gente comemorava essas datas. Eu digo, porque eu sempre cantava lá, tinha banda que eles convidavam, e eu estava sempre lá cantando (risos) no microfone, gravando e com maquiagem e tal. Todo mundo cantando, estilos. Eu como sempre toda trabalhada no look. Eu só ando trabalhada no look, se fosse época de face, esses negócios, estava tudo na net. (Luciane)

As questões postas por Luciane revelam uma desconfiança difícil de ser cogitada: as coincidências das internações com datas festivas parecem guardar enigmas - inconscientes, familiares, sociais - a serem desvendados, e não despachados e escondidos em um espaço de confinamento. Mas não é nesse espaço (e por que não pode ser em outro?) que sua sensibilidade artística aflora? Uma sensibilidade fora do tempo, como ela suspeita, que seria premiada em tempos de internet.

E o conforto da racionalização socialmente construída e produtora de uma subjetividade pró-manicomial emerge, fruto de uma progressiva resignação, ainda que nunca total. Mesmo as lembranças mais brandas ou até as mais distraídas do manicômio repetem, com enorme fidelidade, as descrições de Goffman, figurando a rotina cronometrada, embora subjetivamente traduzidas como espaço de segurança face àquilo que aparece como o mal maior, o grande risco que é a desordem, a sujeira e o desalento das ruas:

Se for para que uma pessoa fique na rua suja, largada, dormindo ao relento, é melhor estar internada na psiquiatria, daí você já pode imaginar, lá você vai tomar banho na hora certa, se alimentar na hora certa, você vai dormir na hora certa. Tem tudo, horário, tudo cronometrado, mesmo que a pessoa não aceite. Eu mesma, era no horário da novela das nove. Nesse horário, todo mundo dormia, aí tinha o teto, mas, se for para ficar nas ruas, eu acho melhor ficar lá internada, mesmo que a pessoa não ache o local muito bom, mas, porém, é mais seguro. (Luciane)

A naturalização da solução-internamento acompanha uma série de repetições de reações públicas - da família e da comunidade - a comportamentos da pessoa enferma, que tendem à sua contínua desqualificação, ridicularização e destituição de autonomia, com a consequente produção de uma circularidade em espiral - looping effect (Hacking, 1999) - a partir do que Basaglia (2005a) chama do duplo da doença (o que se sobrepõe à doença, como consequência do processo de institucionalização, que homogeneíza, objetiva e serializa), que mina a confiança em si e o amor próprio, fazendo a pessoa se subalternizar e sucumbir à decisão alheia (solução-internamento).

Considerações finais

Na análise que fazemos, não negamos a incomensurável vantagem de se estar fora dos muros, com maior margem de manobra e capacidade de negociação de relações de poder. O que queremos é chamar a atenção para a qualidade de vida promovida no extramuros e os riscos que ela contém de garantir o manicômio como necessidade complementar, portanto, não como instituição total na vida de alguém, mas como instituição muleta. Esse é o risco de não romper com o manicômio, de não negá-lo para tomar a ideia forte de Basaglia (1985).

Uma das lacunas que têm sido observadas nos estudos que examinam os contextos de Reforma Psiquiátrica, mas também na clínica psicossocial, é que eles se ocuparam insuficientemente de compreender como as dinâmicas sociais e culturais (signos, significados e práticas da loucura: dinâmicas familiares, das redes de vizinhança e comunitárias mais vastas etc.), envolvendo os movimentos e relações sociais dos usuários de saúde mental, deram sustentação, ou impuseram desafios ao trabalho de desinstitucionalização idealizado pela Reforma. Não raramente, os serviços substitutivos se acreditaram autônomos nas suas ações diretas com os usuários, distanciando suas redes sociais desse espaço, ou atuando pouco no território. Resta a examinar em qual medida esses resultados se reproduzem nos dois outros contextos - grande metrópole e aldeia indígena - estudados na nossa pesquisa; análises preliminares deixam a entender que sim.

O controle moralista, a desvalorização social e afetiva da pessoa (as expressões de afeto negativas), o baixo poder de contratualidade, a fraca cidadania, a falta de oportunidades, o engodo de uma reinserção desigual, as vivências de coerção, o duplo da doença e seu efeito looping, a exploração da desvantagem social, a pseudoterapêutica (cuidados de baixa qualidade, repetitivos, infantilizadores, desautorizadores), a fraude terapêutica (quando há engodo, má-fé ou cinismo) e a contenção dos desejos, todos esses são ingredientes que dificultam os processos de desinstitucionalização das pessoas que viveram experiências manicomiais. Por outro lado, a medicalização da vida, a hegemonia de um saber psiquiátrico naturalista, embora fortemente pautado em lógicas moralizantes, com o mandato social de controle das pessoas pela sua patologização, relações estigmatizantes e associadas ao paradigma farmacológico são elementos que ganham pregnância na sociedade mais larga, produzindo práticas que mantêm pessoas sob uma lógica de confinamento moral, simbólico e, eventualmente, físico. A deriva que conduz a uma situação estrita de segregação intramuros aparece como continuidade natural, pois a negação do manicômio não foi feita. Sonhos interrompidos, controle dos passos e portas giratórias se retroalimentam em um circuito manicomial de atenção.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2020
  • Aceito
    07 Jul 2021
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