Open-access A Percepção de Graduandos sobre a Psicologia Organizacional e do Trabalho

The Perception of Graduates on Work and Organizational Psychology

La Percepción de Graduandos sobre la Psicología Organizacional y Laboral

Resumo:

A Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) é permeada por uma série de julgamentos negativos e estigmas, principalmente acerca de seu papel intermediador de relações de exploração sofridas pelo trabalhador. Investigar as percepções que graduandos têm sobre a área pode trazer acesso ao que há de central entre as diversas formas de pensar o tema. Este trabalho buscou analisar as percepções de 100 graduandos de duas instituições de ensino superior (IES) do Centro-Oeste Paulista, uma pública e outra privada, acerca da importância da atuação do psicólogo em POT e o interesse desses discentes em atuarem futuramente na área, estabelecendo uma comparação entre os resultados com base nas IES e entre primeiro e quinto ano da graduação. Os graduandos responderam a dois questionários estruturados com perguntas abertas e fechadas. Os resultados apontaram uma maior valorização da área de POT na IES privada e no quinto ano. A maioria dos discentes do primeiro ano de graduação apresentou pouco conhecimento sobre a POT. Os estudantes da IES privada apresentaram maior interesse em atuar na área do que os discentes da IES pública. Quando perguntados se houve uma mudança de opinião após a realização das disciplinas, 49 alunos do quinto ano responderam positivamente e apenas um respondeu negativamente. As respostas dissertativas se dividiram entre visões positivas, neutras e negativas sobre a POT. Os resultados permitiram avaliação das percepções da POT entre os graduandos, bem como das transformações ocorridas pelo impacto das experiências acadêmicas vivenciadas.

Palavras-chave:  Formação; Instituição de Ensino Superior; Psicologia Organizacional e do Trabalho

Abstract:

Organizational and Work Psychology (OWP) is permeated by a series of negative judgments and stigmas, mainly about its role as an intermediary of relations exploiting workers. Investigating the perceptions undergraduates have about it can bring access to what is central among the different ways of thinking about the subject. This study sought to analyze the perceptions of 100 undergraduates from two higher education institutions (HEIs), one public and private in Midwestern São Paulo about the importance of psychologists’ role in OWP and their interest in working in the area in the future, comparing the results per HEI and between the first and fifth year of graduation. Graduates answered two structured questionnaires with open and closed questions. Results pointed to a greater appreciation of OWP in the private HEI and in the fifth year. Most first-year undergraduate students had little knowledge about OWP. Students from the private HEI took greater interest in working in the area than students from the public HEI. When asked if taking the courses changed their opinions, 49 students responded positively and only one negatively. Participants’ responses were divided into positive, neutra,l and negative views about OWP. Results evaluated the perceptions on OWP in undergraduates the changes due to the impact of academic experiences.

Keywords:  Formation; Higher Education Institution; Organizational and Work Psychology

Resumen:

La Psicología Organizacional y Laboral (POT) está permeada por una serie de juicios negativos y estigmas, principalmente sobre su papel como intermediaria de las relaciones de explotación laboral. Investigar las percepciones que los estudiantes tienen sobre este campo puede brindar acceso a lo que es central entre las diferentes formas de pensar sobre el tema. Este estudio buscó analizar las percepciones de 100 graduandos de dos instituciones de educación superior (IES), una pública y otra privada, del medio oeste de São Paulo, acerca de la importancia del rol del psicólogo en POT y del interés por actuar en el área, estableciendo una comparación entre los resultados por tipo de IES y período del curso (el primer y quinto año de grado). Los graduandos respondieron a dos cuestionarios estructurados con preguntas abiertas y cerradas. Los resultados apuntan a una mayor valoración de POT en las IES privadas y en el quinto año. La mayoría de los estudiantes de primer año tenían poco conocimiento sobre POT. Los estudiantes de la IES privada estaban más interesados en trabajar en el área que los estudiantes de la IES pública. Cuando se les preguntó si hubo un cambio de opinión luego de cursar las asignaturas, 49 estudiantes del quinto año respondieron positivamente y solo uno respondió negativamente. Las respuestas del ensayo se dividieron en puntos de vista positivos, neutrales y negativos sobre POT. Los resultados permitieron evaluar las percepciones de POT entre los graduandos, así como evaluar los cambios ocurridos por el impacto de las experiencias académicas.

Palabras clave:  Formación; Institución de enseñanza superior; Psicología Organizacional y Laboral

Introdução

Não se pode afirmar que o processo de criação e consolidação da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), tal como é conhecida hoje, tenha sido um processo linear, homogêneo e gradual. Diante dos acontecimentos históricos, políticos, científicos e econômicos dos séculos XX e XXI, essa trajetória seguiu diversos caminhos, tomando diversos contornos e ramificações (Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho [SBPOT], 2020 ; Gondim, Bastos, & Peixoto, 2010 ; Vesga Rodríguez, 2018 ). As próprias mudanças e mesclas dos modelos produtivos taylorista, fordista e toyotista, bem como das formas de organização do trabalho, com implementação de novas tecnologias, informatização e mais flexibilidade, intensificaram essa ramificação, e em cada novo contexto e período surgem novas formas de compreender, pesquisar e intervir sobre o trabalho (Leão, 2012 ; Oliveira, Silva, & Sticca, 2018 ). Apesar de não ser possível adotar essa linearidade na história da POT, há certo consenso de que é possível subdividi-la em três fases, cada uma marcada por respostas gradativamente mais complexas aos novos contextos sociais, econômicos, políticos e tecnológicos

Na Inglaterra, a primeira fase (Psicologia Industrial) iniciou-se com o estabelecimento da profissão e encerrou-se por volta de 1945; a segunda (Psicologia Organizacional), após a Segunda Guerra Mundial e nas décadas de 1960 e 1970, quando o foco consistiu em se ultrapassar as intervenções de nível individual para o coletivo; e a terceira fase (Psicologia Organizacional e do Trabalho – momento atual) marcada pela necessidade de responder às transformações no mundo do trabalho a partir de uma perspectiva que considere o comportamento como fruto de uma natureza social, histórica e cultural (Sampaio, 1998 ).

No contexto nacional houve um movimento semelhante, sendo a POT estruturada em três fases. A primeira, em meados da década de 1930, correspondeu à chamada Psicologia Industrial. O trabalho do psicólogo iniciou-se com a prática da psicotécnica, que se resumia, primordialmente, à seleção e à colocação profissional no ambiente de indústrias, especialmente nas empresas ferroviárias. O objetivo ali consistiu em selecionar os trabalhadores mais aptos e contribuir para minimizar os problemas humanos nas fábricas para produzir melhores resultados (Leão, 2012 ).

Até a década de 1960 prevaleceu o uso da psicotécnica. Após esse período foi possível observar a segunda fase, Psicologia Organizacional, em que houve grande influência das ciências naturais, médicas, humanas e sociais, que potencializaram uma mudança nas concepções e práticas da psicologia voltada ao trabalho. A categoria “organização” passou a ser compreendida para além da esfera industrial, dando espaço também a outros ambientes como hospitais, sindicatos e organizações do terceiro setor. Os problemas tradicionais estudados, como aplicação de testes, treinamento, recrutamento e seleção, passaram a ser vistos como interrelacionados e componentes de um sistema social complexo e dinâmico da organização, o que gerou atenção fundamental às relações humanas (Freitas, 2002 ).

A última fase correspondeu à Psicologia do Trabalho, que surgiu de uma aproximação com a psicologia social, trazendo críticas sobre o papel da Psicologia Organizacional enquanto reprodutora e mantenedora de relações de dominação, desigualdade, opressão e injustiça. A Psicologia do Trabalho mudou o enfoque sistêmico para um enfoque mais político, e se diferenciou da Psicologia Organizacional quando assumiu como aspecto central a concepção de trabalho como uma construção histórica e social, com influências significativas sobre a subjetividade e saúde do trabalhador (Pineda, 2021 ).

Pode-se afirmar que nesse novo contexto a POT se tornou mais abrangente e adotou um enfoque mais sistêmico e mais político, caracterizado pela ampliação de seu objeto de análise do nível individual para o grupal, organizacional e social (Bernardo, Oliveira, Souza, & Sousa, 2017 ; Coelho-Lima, Costa, & Yamamoto, 2011 ; Ferro Vásquez, 2018 ; Lhuilier, 2014 ; Vesga Rodríguez, 2018 ). Longe de querer estender essa discussão, este estudo adotará a definição tecida pela SBPOT ( 2009 ), que optou pela utilização da nomenclatura Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) e a não cisão das categorias “organizações” e “trabalho”. De acordo como a SBPOT, a POT é uma área com grande pluralidade de temas tratados, de ações possíveis, de abordagens teóricas, de concepções de homem e de contínuas disputas políticas e ideológicas entre os grupos que a compõem, e é impossível dissociar tais conceitos, já que são dimensões complementares de análise e que mantêm entre si complexas relações.

Acerca dos fazeres em POT, a partir da Resolução CNS nº 218, de 6 de março de 1997, que estabeleceu o psicólogo como um profissional da saúde, abriram-se novas possibilidades para o psicólogo organizacional e do trabalho inserir-se no campo da saúde e qualidade de vida, nas políticas públicas, sindicatos, movimentos sociais e esferas estratégicas e políticas de ação. Nesse sentido, a posição defendida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) ( 2007 ) é de que a POT é reconhecida como uma especialidade em Psicologia, sendo responsável por atividades como a análise e desenvolvimento organizacional, desenvolvimento de pessoal e equipes, estudo e planejamento de condições de trabalho, e relacionadas à saúde do trabalhador, como consultor organizacional interno/externo, atividades de recrutamento e seleção, desligamento de funcionários, movimentação de pessoal, remuneração, preparação para aposentadorias, orientação e treinamento, análise de ocupações e profissiográficas, e no acompanhamento de avaliação de desempenho de pessoal, atuando em equipes multiprofissionais, além da elaboração, implementação e acompanhamento das políticas de recursos humanos, entre outras atividades.

Embora haja uma grande amplitude de atuação em POT, e de certa forma a área organizacional absorve grande contingente de psicólogos, observa-se que ela foi, e ainda é, alvo de constantes críticas, principalmente voltadas para o seu papel, que muitas vezes pode ser de intermediador de relações sociais de exploração e discriminação. Esse campo ficou bastante estigmatizado, já que, em um dado momento histórico, passou a assumir um compromisso de classe exclusivo, vinculado ao capital, sem levar em conta o outro lado do embate social (Bastos, 1988 ; Bastos & Gondim, 2010 ; Pineda, 2021 ; SBPOT, 2020 ). Para a SBPOT ( 2009 ), não é possível adotar uma visão simples e dicotômica de que existe uma boa e uma má psicologia; uma libertadora e uma alienadora; uma a serviço do trabalhador e outra a serviço do patrão.

Zanelli, Bastos e Rodrigues ( 2014 ) atribuíram a essa constituição de uma imagem distorcida e de expectativas negativas em relação à POT um processo formativo mal planejado que fortaleceu entre os próprios graduandos uma imagem negativa da área, com pouco potencial de despertar interesse. Em estudo atual, Santiago e Dias ( 2020 ) analisaram a produção referente à POT feita pelos grupos de trabalho (GT) em 18 edições do Simpósio da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) (período de 1988 a 2018). Quanto à formação, as autoras destacaram que, desde os primeiros simpósios, os GT em POT apontaram e discutiram a fragilidade da formação na área, em nível de graduação e pós-graduação.

Bastos, Morais, Santos e Faria ( 2005 ) realizaram um estudo com 150 alunos do curso de Psicologia de uma instituição pública do nordeste brasileiro e que cursaram a disciplina “Psicologia Industrial”. O objetivo foi caracterizar a imagem da POT entre eles antes e depois de cursarem a disciplina. Dos resultados, foi possível constatar que inicialmente o modelo dominante de atuação do psicólogo organizacional e do trabalho se situou em torno de “seleção de pessoal”, “recrutamento”, “contextos organizacionais”, “conciliação empresa/empregado” e “produtividade/desempenho”. Após a disciplina (segunda aplicação), a concepção sobre a POT estruturou-se em torno de conceitos como “expansão/visibilidade”, “diagnóstico e avaliação” e “cultura e clima organizacional”. A natureza das categorias evocadas pelos alunos também mudou de predominantemente neutra e negativa na primeira semana de aula, para predominantemente positiva na última semana de aula da disciplina.

Embora haja estudos nacionais recentes cujos objetivos foram analisar o processo formativo em Psicologia (Cunha et al., 2021 ; Dantas, Seixas, & Yamamoto, 2019 ), quase não há investigações específicas em relação às disciplinas em POT ofertadas. Dos estudos elencados, Dantas et al. ( 2019 ) analisaram, em 2016, as características dos cursos de Psicologia oferecidos no Brasil e informações sobre os discentes a partir de dados do Ministério da Educação (MEC) e Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Os cursos de Psicologia se distribuíram de forma heterogênea nas regiões brasileiras, com predomínio de IES privadas. Sobre os discentes, maiores frequências de mulheres com menos de 30 anos, solteiras, que trabalhavam durante o dia e estudavam no período noturno.

Cunha et al. ( 2021 ), por meio de uma revisão narrativa da literatura sobre formação em Psicologia entre 2016 e 2020 (nas bases de dados SciELO e Periódicos CAPES), encontraram 150 artigos, dos quais 13 cumpriram os critérios de inclusão. Quanto aos resultados, os cursos de Psicologia no Brasil ainda priorizavam a formação na área clínica. Já a POT foi considerada uma área deficitária no que tange à grade curricular da graduação em Psicologia.

Um destaque recente pode ser dado à dissertação defendida por Silva ( 2020 ), em que a autora investigou a estrutura formativa em POT em IES paulistas. Para tanto, ela acessou sites dos cursos de Psicologia das IES paulistas cadastradas no Ministério da Educação (MEC) em 2018, e identificou o espaço disponibilizado ao ensino da POT. Os 162 cursos analisados apresentaram média de 2,81 disciplinas de POT. A autora conclui que atualmente ainda há pouco espaço na grade curricular para o ensino dessa subárea, porém, ao se analisar as ementas das disciplinas, a formação apresenta um enfoque mais sistêmico e político.

Diante do exposto, estudos que investiguem as percepções que os graduandos têm sobre a área organizacional e do trabalho podem trazer acesso ao que há de central entre as diversas formas de pensar o tema, tornando possível entender as diferenças entre as concepções e a infiltração de discursos do senso comum. Dessa forma, este trabalho tem o objetivo de analisar as percepções de graduandos do curso de Psicologia de duas universidades do Centro-Oeste Paulista acerca da importância da atuação do psicólogo organizacional e do trabalho e do interesse em atuar futuramente na área, estabelecendo uma comparação entre os resultados das universidades pública e privada e entre primeiro e quinto ano. Adicionalmente, pretendeu-se identificar o que os alunos do primeiro ano já conheciam sobre a POT.

Método

Participantes

A amostra foi composta por 100 graduandos do curso de Psicologia de duas IES de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Para participarem do estudo, os critérios de inclusão foram: discentes maiores de 18 anos, matriculados regularmente no curso de Psicologia, cursando o primeiro ou o quinto ano e que concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O grupo amostral foi dividido em 50 graduandos de uma IES pública (25 do primeiro ano e 25 do quinto) e 50 graduandos de uma IES privada (25 do primeiro e 25 do quinto ano). Em ambas as IES a maior parte do grupo amostral foi composta por mulheres que cursavam Psicologia no período noturno.

No que se refere às grades curriculares das duas IES, ambas tinham duas disciplinas de POT (Psicologia Organizacional do Trabalho I e II), disponibilizadas aos alunos no quarto ano da graduação, e estágio obrigatório na área disponibilizado no quinto ano. Havia uma pequena diferença em termos de carga horária, sendo 144 horas – somando as duas disciplinas – e 192 horas de estágio na IES particular, e 120 horas de disciplinas e 115 horas de estágio na IES pública.

Instrumentos

Foram utilizados dois questionários estruturados impressos compostos por perguntas abertas e fechadas, elaborados pelos pesquisadores e testados por meio de aplicação piloto com dez alunos, não participantes da amostra, do quinto ano de uma IES pública. As perguntas fechadas tiveram as alternativas distribuídas em uma Escala de Likert de cinco pontos. Depois de apontamentos e sugestões, os questionários foram modificados e resultaram nas versões finais.

Questionário Estruturado do Primeiro Ano

A primeira parte do questionário buscou identificar os participantes por meio das variáveis sociodemográficas (idade, gênero e que período estava cursando da graduação). A segunda parte foi composta por perguntas que buscaram identificar: 1) o grau de conhecimento sobre a área de atuação do psicólogo organizacional e do trabalho (Alternativas: “nada”, “pouco”, “nem pouco, nem muito”, “muito” e “muitíssimo”), seguida da questão dissertativa (1.1) “O que faz um psicólogo organizacional e do trabalho?”; 2) o grau de importância atribuído à profissão do psicólogo organizacional e do trabalho (Alternativas: “nada importante”, “pouco importante”, “indiferente”, “importante” e “muito importante”), seguida da questão dissertativa (2.1) “A justificativa dada a essa resposta”.

Questionário Estruturado do Quinto Ano.

A primeira parte também buscou caracterizar os participantes por meio das variáveis sociodemográficas (idade, gênero, que período estava cursando da graduação e atividades extracurriculares realizadas ao longo da graduação). A parte foi composta por perguntas que buscaram identificar: 1) o interesse em atuar na área (Alternativas: “nenhum”, “pouco”, “indiferente”, “regular” e “muito”); 2) o grau de importância atribuído à profissão do psicólogo organizacional e do trabalho (Alternativas: “nada importante”, “pouco importante”, “indiferente”, “importante” e “muito importante”), seguida da questão (2.1) dissertativa “Justificativa para essa resposta”; 3) A mudança ou não de opinião sobre a área após a realização das disciplinas, por meio de questão dissertativa.

Procedimentos de coleta de dados e aspectos éticos

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (parecer nº 2.650.184). Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de responderem aos questionários. Para atingir o objetivo proposto, o procedimento escolhido foi a utilização dos questionários estruturados impressos.

Os questionários foram aplicados ao início de uma aula cedida pelos professores no primeiro ano e ao final das supervisões de estágio no quinto ano. Em ambos os casos, tiveram duração média de 15 minutos. Cabe destacar que a coleta dos dados ocorreu em período anterior às medidas de distanciamento social decretadas como forma de enfrentamento da pandemia covid-19.

Procedimento de Análise de Dados

A análise de dados foi realizada por meio de uma abordagem qualiquantitativa. Esse método foi escolhido por acreditar que o número de participantes da pesquisa (n=100) possibilita uma visão ampliada do fenômeno e uma combinação e articulação entre aspectos qualitativos e quantitativos.

As perguntas 1 e 2 dos questionários do primeiro ano e 1, 2 e 3 do quinto foram avaliadas quantitativamente em termos de frequências e porcentagens pelo software para análise de dados das ciências sociais SPSS 17.0. Foram verificadas as porcentagens das respostas dos participantes em cada questão. Para verificar possíveis diferenças de respostas entre os grupos (entre grupos IES privada e IES pública, bem como entre graduandos do 1º e do 5º ano) foi utilizado Teste t de Student.

As questões dissertativas (1.1 e 2.1 do primeiro ano e 2.1 e 3 do quinto ano) foram analisadas em conjunto com os dados quantitativos por meio do software de análise qualitativa de dados produzido pela QSR International chamado NVIVO. O processo de análise do conteúdo envolveu a criação de categorias descritivas obtidas por meio das questões abertas. As respostas das questões foram divididas em trechos, e estes foram agrupados e categorizados com base no seu conteúdo, definindo-se categorias e suas frequências de aparecimento no grupo.

Resultados

Primeiro ano

A partir das respostas dos 50 alunos do primeiro ano foi possível aferir quais foram as mais ou menos frequentes nas duas perguntas sobre o tema, ou seja, o conhecimento sobre a área de POT e o grau de importância atribuído à profissão de POT nos grupos de IES pública e privada. A Tabela 1 apresenta o resultado.

Tabela 1
Distribuição de Respostas entre Graduandos do Primeiro Ano

No que se refere ao conhecimento sobre a prática do psicólogo nas organizações (questão 1), as opções das extremidades “nada” e “muitíssimo” não foram marcadas pelos participantes. De forma geral, a maior porcentagem de resposta foi da opção “nem pouco, nem muito”, com 48%, seguida da opção “pouquíssimo”, com 36%, e “muito”, com 16%. A maioria deles, tanto da IES pública quanto da privada, afirmou ter um conhecimento médio ou pouquíssimo sobre a área. Apesar de apresentarem diferença no resultado descritivo, quando as médias de respostas dos discentes das duas IES são comparadas, por meio do Teste t de Student, não há diferenças estatisticamente significativas.

Quanto ao grau de importância atribuído à profissão do psicólogo organizacional e do trabalho (questão 2), nenhum dos participantes acredita ser “nada importante”. A maioria dos alunos indicou ser “importante” (46,9%) ou “muito importante” (42,9%), enquanto alguns alunos foram “indiferentes” (6,1%) ou acreditavam que a profissão de POT era “pouco importante” (4,1%). No resultado comparativo, os alunos de ambas reconhecem ser importante ou muito importante, mas há uma maior percepção de importância dada pelos graduandos da IES privada, apresentando 100% de respostas nessa faixa, em comparação ao da IES pública, que apresentou 77,4%. Uma pequena parte dos graduandos da IES pública acredita ser uma profissão pouco importante (8,3%). Apesar de apresentarem diferença no resultado descritivo, quando as médias de respostas dos discentes das duas IES são comparadas não há diferenças estatisticamente significativas.

O questionário aplicado também apresentou uma pergunta dissertativa, por meio da qual se investigou a percepção dos graduandos em relação à atuação profissional de um psicólogo organizacional e do trabalho. As respostas foram analisadas por meio do software NVIVO, subdivididas em 108 trechos, que resultaram em 13 categorias, apresentadas na Tabela 2 .

Tabela 2
Categorização das Respostas à Pergunta “O que faz um psicólogo organizacional e do trabalho?”

A partir da análise do resultado dessa pergunta, foi constatado que nenhum dos 50 participantes deu alguma resposta que fugisse do que de fato são as atribuições do psicólogo organizacional e do trabalho. Houve apenas um participante que relatou não conhecer a área.

As categorias que mais apareceram foram: “mediação das relações”, com respostas como “ acho que esse profissional busca trabalhar as relações existentes numa organização, como tornar o ambiente melhor para os que estão nele e também se as relações são justas entre as posições hierárquicas de uma empresa ”, e “ trabalha com as relações no ambiente de trabalho de uma organização ”; “saúde do trabalhador”, com respostas como “ é alguém que deve se atentar para o que está causando sofrimento nos funcionários e ajuda-los a lidar com isso ” e “ acredito que o psicólogo organizacional e do trabalho tem como função a promoção de saúde mental dentro das organizações, agindo de forma a cultivar a saúde mental do trabalhador ”; e “recrutamento e seleção”, com respostas como “ pode ser responsável pela aplicação de processos seletivos ” e “ seleção de perfil de profissionais para cargos e funções ”.

Quinto ano

A partir das respostas dos 50 alunos do quinto ano foi possível aferir quais foram as porcentagens de respostas nas duas perguntas (sobre o interesse de atuar na área e o grau de importância atribuído à profissão de POT) e realizar uma análise comparativa entre a IES pública e a privada para investigar se houve diferenças significativas entre as questões ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Resultado Comparativo IES Pública e Particular do Quinto Ano.

No que diz respeito ao interesse em atuar na área (questão 1), em termos gerais os graduandos da IES privada demonstraram mais interesse, estando a maioria deles (56%) na faixa de interesse regular ou grande, enquanto a maioria da IES pública (68%) concentrou-se em nenhum ou pouco interesse em atuar na área. Ao se comparar, por meio do Teste t de Student (t[47]=-2,64; p=0,011) os alunos do quinto ano, percebeu-se diferenças significativas entre as médias de respostas, em que os discentes da IES privada indicaram maior interesse (média de 3,48) de atuarem em POT do que os graduandos de IES pública (média de 2,46).

Quanto ao grau de importância atribuído à profissão do psicólogo organizacional e do trabalho (questão 2), em ambos os grupos a maioria dos alunos indicou ser muito importante. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.

Quando perguntados se houve uma mudança de opinião após a realização das disciplinas, 49 alunos responderam que sim, e apenas 1 respondeu que não. Este aluno relatou que, apesar de ter conhecido mais sobre a área, não acredita que tenha sido o suficiente para mudar de opinião. As respostas dos outros 49 alunos foram subdivididas em 38 trechos e analisadas qualitativamente, resultando em nove categorias ( Tabela 4 ).

As respostas foram organizadas em dez categorias. De forma mais frequente, os participantes acreditavam que houve uma “expansão de horizontes” com relação à área. Um deles fez o seguinte relato: “ Ampliou minhas concepções e visão de possibilidades de atuação e de exercício da função dos profissionais da área ”. Outra categoria de bastante destaque foi a de “importância do trabalho”, em que os participantes relataram que passaram a atribuir maior importância à atuação na área.

Tabela 4
Categorização das Respostas à Pergunta “Houve uma mudança de opinião sobre a área após passar pelas disciplinas?”.

Em terceiro lugar também houve relatos que apontaram para a categoria “atuação limitada”, em que os participantes relataram que, apesar de o psicólogo organizacional e do trabalho ter boas intenções, a ação dele é limitada dentro da empresa. Um relato que exemplifica essa questão é: “ o psicólogo ainda fica muito refém das políticas da empresa ”.

Dois alunos também relataram que, apesar de terem mudado de opinião, as aulas não foram proveitosas. Um deles relatou que “ as aulas e os professores não foram na minha visão os melhores possíveis, tratando alguns assuntos de maneira superficial e fazendo comentários antiéticos em sala de aula ”.

Duas categorias que também tiveram destaque foram “inclusão de PcD” e “saúde do trabalhador”, as quais indicaram que os discentes aprenderam sobre essas duas possibilidades de atuação em POT e passaram a achá-la mais interessante. Outras quatro categorias que também apareceram foram “humanização das relações”, “planos de seguir na área” “possibilidade de ação crítica” e “visa apenas benefícios para a empresa”. Cada categoria foi apresentada por um discente, ou seja, um dos alunos acredita que há a possibilidade de se trabalhar na humanização das relações dentro de uma empresa, outro relatou ter planos de seguir na área, um terceiro descobriu a possibilidade de ter uma ação mais crítica na área e, por fim, um quarto discente relatou que a atuação do profissional em POT visava apenas atender aos objetivos da organização.

Como é possível verificar nas Tabela 1 e Tabela 3 , algumas perguntas feitas para o primeiro e quinto ano foram semelhantes, sendo possível compará-las e verificar se há diferenças de opiniões entre os alunos após entrarem em contato com o tema ao longo da graduação. A Tabela 5 sistematiza os dados das perguntas que puderam ser interseccionadas entre o primeiro e quinto ano.

Tabela 5
Resultado das Intersecções entre Primeiro e Quinto Ano.

Analisando a intersecção dessa pergunta entre primeiro e quinto ano foi possível perceber que, quanto ao grau de importância atribuído à profissão do psicólogo nas organizações (questão 2), houve diferenças significativas de médias de respostas (t[96]=-3,13; p=0,002) entre os discentes de primeiro (pontuação média de 4,27) e quinto ano (média de 4,70). Em ambos os grupos a maioria acreditou ser uma área de atuação importante ou muito importante. No entanto, os graduandos do quinto ano atribuíram maior importância (74%) que os discentes do primeiro ano (42,9%). As justificativas dos graduandos para essa questão foram analisadas qualitativamente e resultaram em nove categorias, apresentadas na Tabela 6 .

Tabela 6
Categorização das Justificativas à Pergunta “Qual a importância da atuação do psicólogo organizacional e do trabalho?”.

Grande quantidade de respostas, sobretudo do primeiro ano (21,6%), apontou para uma visão neutra sobre a área. Nessa situação, esse conteúdo foi representado pela categoria “importante como todas as outras áreas”.

Já nas categorias de visão positiva ficaram “defesa do trabalhador”, que abarcou os relatos sobre a importância da atuação do psicólogo organizacional e do trabalho, já que ele atua em prol do trabalhador; “eficiência e produtividade”, mais frequente entre alunos do primeiro ano (15,7%), que reuniu os relatos sobre a função do psicólogo organizacional e do trabalho em manter a eficiência e produtividade da organização; “mediação de relações”, mais frequente entre alunos do quinto ano (13,8%), sobre o papel mediador do psicólogo; “saúde e bem estar”, mais frequente entre alunos do quinto ano (50%), sobre o papel de promover qualidade de vida e saúde física e mental dos trabalhadores; e, por fim, “seleção adequada de funcionários”, mais frequente entre os alunos do primeiro ano, sobre o papel de escolher trabalhadores adequados para os cargos (5,9%).

Discussão

Primeiro ano

Ao se verificar o que os discentes do primeiro ano de graduação em Psicologia já conheciam sobre a área, foi possível constatar que, de forma geral, a maioria conhecia de médio a pouco sobre a POT. Tal resultado era esperado, pois nesse grupo amostral ainda não haviam sido ministradas disciplinas de POT. A análise das respostas dissertativas também confirmou esses dados, pois, apesar de algumas respostas se aproximarem bastante do que é, de fato, a função de um psicólogo organizacional e do trabalho, elas ainda foram apresentadas de forma muito incompleta.

Um exemplo disso é a categoria “Empresa”, que foi a quarta mais frequente entre as respostas. Os trechos reunidos nessa categoria indicaram que os participantes acreditavam que a ação do psicólogo organizacional e do trabalho está restrita ao trabalho dentro de empresas. Esse resultado mostra o desconhecimento das outras possibilidades de ação desse profissional, uma vez que, a partir da Resolução CNS nº 218 (CNS, 1997 ), abriram-se possibilidades para o psicólogo organizacional e do trabalho se inserir no campo da saúde e qualidade de vida, nas políticas públicas, sindicatos, movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs), hospitais, esferas estratégicas, políticas de ação, dentre outros espaços de atuação. A preocupação com a saúde parece ter sido reconhecida pelos graduandos que indicaram “Saúde do Trabalhador” como segunda categoria em destaque.

As respostas dos alunos também se concentraram na categoria “Recrutamento e Seleção”, demonstrando uma visão parcial do que é o trabalho do profissional nessa área. De acordo com Schmidt, Krawulski e Marcondes ( 2013 ), a atuação do psicólogo é limitada no momento em que restringe suas atividades ao recrutamento, seleção, treinamento e utilização excessiva de testes psicológicos. Embora o recrutamento e a seleção ainda sejam algumas das atividades com maior demanda aos psicólogos que trabalham nas organizações (Gondim, Bastos, & Peixoto, 2010 ), há pelo menos outras 18 atribuições do psicólogo organizacional e do trabalho descritas pelo CFP ( 2007 ), como atividades relacionadas à análise e desenvolvimento organizacional, estudo e planejamento de condições de trabalho, estudo e intervenção dirigidos à saúde do trabalhador, participação de programas na área da saúde e segurança de trabalho, consultoria interna e externa, entre outros.

A categoria “atendimento individual” também foi sinalizada pelos discentes como atividade do profissional em POT, o que pode ser uma demonstração de que possa estar havendo esse tipo de generalização por parte dos alunos. Há tempos Zanelli ( 2014 ) já indicava uma preocupação com o excesso de disciplinas voltadas para a psicologia clínica em detrimento da POT, e temia que em decorrência do modelo clínico tradicional, baseado na perspectiva de análise individual de problemas, pudesse haver uma generalização, por parte dos egressos, dos procedimentos clínicos dentro das organizações. Esse fato chama a atenção e representa um alerta para que os professores de POT se preocupem em ampliar a visão desses alunos de uma perspectiva individual para uma perspectiva mais sistêmica.

Quanto ao grau de importância atribuído à profissão do psicólogo organizacional e do trabalho pelos alunos do primeiro ano, não houve diferenças estatisticamente significativas em relação às médias de respostas entre a IES pública e privada. No resultado comparativo, ambas reconheceram que atuação em POT pode ser importante ou muito importante.

Quinto ano

No que diz respeito ao interesse em atuar na área, foi constatada diferença significativa de médias de respostas, maior entre os estudantes da IES privada em comparação aos discentes da IES pública. Mância, Rodrigues e Minozzo ( 2003 ) indicaram em sua pesquisa que a POT não é uma área desejada inicialmente pelos estudantes de psicologia, porém essa não foi a realidade desta pesquisa, em especial se forem consideradas as respostas dos discentes da IES privada.

Quase todos (49 alunos) indicaram mudanças de opiniões em relação à POT ao longo da graduação. Apenas um participante respondeu negativamente à pergunta e indicou em sua resposta que, embora tenha havido maior conhecimento da área ao longo do curso, esse não foi suficiente para mudar sua opinião. A partir das categorias de análise criadas, foi possível verificar que houve uma concentração consideravelmente maior de trechos com visões positivas da área. Dos 38 trechos analisados, 31 relataram uma mudança de opinião, que se tornou mais positiva. Acredita-se que após entrarem em contato com as disciplinas, estágios e projetos extracurriculares, possivelmente esses discentes ampliaram seus conhecimentos, passaram a dar mais importância e reconhecimento à área de POT.

Parece que, para esses alunos, a graduação cumpriu seu papel de formar não só competências técnicas, mas também de promover reflexões críticas sobre as práticas profissionais em POT. O aparecimento de novas categorias de conteúdo e o deslocamento de categorias similares destacam o papel das IES como potencializadoras de transformações significativas na forma como o graduando passa a ver o seu futuro campo de trabalho. São pertinentes, portanto, as indicações de Bastos ( 1992 ) e Zanelli, Bastos e Rodrigues ( 2014 ) quando apontaram a formação em Psicologia nas IES, que pode ser reprodutora ou emancipadora de um modelo de atuação limitado ou não para a área da POT.

Houve também sete trechos com visões mais negativas sobre as áreas. Em alguns desses os discentes relataram acreditar que o trabalho do psicólogo organizacional e do trabalho mantém uma ação muito limitada aos interesses do capital, e que este agiria em prol da empresa, e não dos trabalhadores. Essas visões vão ao encontro do que foi discutido por Vesga Rodríguez ( 2018 ) acerca dos principais discursos utilizados para criticar o compromisso social do psicólogo organizacional e do trabalho (atuação alienada, apatia, atuação tecnicista e acrítica, impossibilidade de atuação como transformador do status quo ), os quais desconsideravam as enormes mudanças que já aconteceram na área. Apesar de a atividade profissional exercida pelos psicólogos organizacionais e do trabalho ser perpassada por relações internas de poder, determinada por seu contrato de trabalho, as políticas institucionais não podem ser consideradas meras variáveis extrínsecas à sua ação, mas sim condicionantes das atividades desenvolvidas. Dessa forma, os psicólogos não podem aceitar uma subordinação fatalista aos ditames do capital, uma vez que há espaço nas organizações para criatividade e independência.

Alguns trechos apresentados pelos discentes do quinto ano indicaram que as disciplinas de POT durante a graduação foram pouco proveitosas e que os professores não foram competentes. Essas informações vão ao encontro do que foi enfatizado por Zanelli ( 2014 ), uma vez que este autor há tempos já sinalizava o fato de que muitos docentes que ministram a disciplina de POT se mostravam alheios às demandas da área, em muitos casos por conta de pouco preparo, experiência e motivação, acabavam reproduzindo ideias estereotipadas e extremamente tecnicistas, e, dessa forma, não promovendo o senso crítico na formação de seus discentes. Essa preocupação a formação deficitária em POT parece ser algo constante e recorrente, pois desde as primeiras reuniões dos GT de POT na ANPEPP é possível perceber que tal temática foi discutida (Santigo & Dias, 2020 ).

Intersecções entre primeiro e quinto ano

No que tange à análise quantitativa e comparativa das intersecções entre primeiro e quinto ano, foi possível perceber que houve diferença significativa de médias de respostas, indicando que discentes do quinto ano perceberam maior importância da área, apesar da maioria das duas amostras acreditarem que ela é importante ou muito importante. Esse resultado foi similar aos apresentados por Bastos et al. ( 2005 ), que apontaram que no início do curso as opiniões dos alunos se estruturaram em torno de ideias neutras, sem uma clara valoração do significado desse grupo. Já no último ano formativo as opiniões mais frequentes se estruturaram em torno de ideias mais positivas e de cunho mais prático.

A análise qualitativa das opiniões dos alunos no presente estudo também resultou em categorias muito semelhantes às encontradas na pesquisa supracitada. As respostas do quinto ano também indicaram uma visão positiva da área quando comparadas às do primeiro. As categorias de visão positiva que foram definidas como “produtividade” e “desempenho” neste estudo podem ser comparadas à “eficiência e produtividade”; a categoria “seleção de pessoal” pode ser associada à “seleção adequada”; “conciliação empresa-empregado” pode ser comparada à “mediação de relações”; e “saúde e qualidade de vida” se aproxima de “saúde e bem-estar” (Bastos et al., 2005 ). Nesse sentido, em ambos os estudos o impacto das experiências acadêmicas surtiu efeito no sentido de substituir evocações imprecisas e com tendências negativas, muitas vezes sustentadas por grande falta de informação, por outras mais concretas e com conteúdo mais positivo.

Além disso, neste estudo as respostas dos alunos do quinto ano ficaram mais concentradas nas categorias “mediação de relações” e “saúde e bem-estar”, enquanto os relatos dos alunos do primeiro ano ficaram mais concentrados nas categorias “eficiência e produtividade” e “seleção adequada de funcionários”. A visão dos alunos do primeiro ano está mais centrada na primeira fase da POT, apontada por Sampaio ( 1998 ) e Freitas ( 2002 ) como a Psicologia Industrial, em que o foco das intervenções tinha um caráter individualista. Já a visão dos alunos do quinto ano estiveram mais associadas à segunda (Psicologia Sistêmica) e terceira fases (Psicologia do Trabalho), que ampliaram o foco para um caráter mais abrangente e político. Isso demonstra que as experiências acadêmicas foram importantes para trazerem uma visão ampliada sobre a POT e suas possibilidades de atuação.

No entanto, apesar de os resultados indicarem estatisticamente que os alunos do quinto ano atribuem maior importância à POT, a análise qualitativa demonstra que ainda há uma concentração razoável desses alunos com visões negativas sobre a área. Alguns, tanto do primeiro quanto do quinto ano, acreditam que o psicólogo organizacional e do trabalho realiza um exercício alienado e promove a exploração do trabalhador, bem como tem uma atuação limitada que o impede de agir em prol deste. Houve também um aluno do quinto ano que relatou que essa área de atuação é menos importante do que outras áreas da Psicologia. Duas categorias de visão negativa também apresentaram semelhanças com as encontradas em Bastos et al. ( 2005 ), como “atuação limitada” (deste estudo), similar à categoria “limitado pela estrutura burocrática”, e a categoria “alienação” pode ser comparada à categoria “subordinado ao interesse do capital”.

Essas respostas permitem refletir acerca do papel do psicólogo enquanto um agente de mudança nas organizações. Em alguma medida, os profissionais de Psicologia tendem a legitimar a organização capitalista e suas estratégias de exploração da força de trabalho. Colocam à disposição do capital um conhecimento que dá suporte à adoção de práticas utilitárias e à exploração das dimensões subjetivas e criadoras do trabalhador (Mansano & Silva, 2017 ). À medida que se distanciam de um olhar crítico acerca das bases políticas e econômicas da organização do trabalho, acabam reproduzindo os valores de mercado, sem sequer questionarem quais as implicações que tais valores trazem para os trabalhadores e, por extensão, para a sociedade.

Por outro lado, Bastos, Yamamoto e Rodrigues ( 2013 ) defendem que essa visão está atrelada às práticas e posturas consolidadas na primeira metade do século XX, com a chamada Psicologia Industrial, mas que inúmeras mudanças já vêm sendo realizadas na área de forma a aumentar o compromisso social do psicólogo organizacional e do trabalho. Para os autores, a insistência da utilização desses discursos faz com que eles sejam incorporados à imagem compartilhada da área.

De maneira geral, os trechos presentes nas categorias retratam ainda uma permanência de tópicos tradicionais, como o recrutamento, seleção e treinamento, mas abarcam também um aumento de preocupações estruturais com o mundo do trabalho atual (presente nos trechos sobre saúde e bem-estar, mediação das relações, defesa do trabalhador etc.). Assim, fica evidente não só uma multiplicação de temas abordados nas graduações, mas também discussões com finalidades distintas: enquanto algumas se dirigem ao preparo técnico do psicólogo, outras se preocupam em construir reflexões críticas acerca do entorno social do mundo do trabalho.

As opiniões dos graduandos tanto do primeiro quanto do quinto ano sobre a POT dividiram-se entre positivas, neutras e negativas. Porém, tendo em vista o exposto até então, a pergunta que se pode fazer é: Da forma como o trabalho está organizado atualmente (competitivo e com ênfase na produtividade), é possível que o psicólogo organizacional e do trabalho consiga exercer plenamente sua dimensão transformadora da vida humana?

Considerações Finais

Esta pesquisa é pertinente pois permite apresentar a percepção da área de atuação da POT por parte de graduandos de Psicologia, e por avaliar as transformações ocorridas a partir das experiências acadêmicas vivenciadas. Contudo, certamente as diferenças de respostas entre os alunos do primeiro e do quinto ano não podem ser atribuídas, com segurança, apenas à experiência do curso. O delineamento de pesquisa utilizado não controlou um conjunto de outros fatores que podem ter afetado as percepções dos alunos sobre a área.

Além disso, por não ser um estudo longitudinal e com maior controle de variáveis, não é possível afirmar que houve mudanças significativas nos discentes do quinto ano em relação a eles mesmos quando estiveram no primeiro ano de formação. Para o controle dessa variável seria importante que os alunos fossem investigados ao longo da graduação, ou seja, respondendo a questionários quanto à percepção sobre a POT em todos os anos do processo formativo em Psicologia.

Dessa forma, seria interessante, para a complementação do presente estudo, a realização de novas pesquisas com diferentes delineamentos (por exemplo, um estudo longitudinal, como supracitado), amostras de graduandos de outras regiões do Brasil (para se verificar possíveis particularidades regionais), e até mesmo pesquisas que envolvessem egressos dos cursos de Psicologia que já trabalharam nessa área.

Um estudo macro, com base no exposto, poderia gerar uma melhor condição de relato acerca de um panorama nacional sobre a percepção de psicólogos brasileiros em relação à POT. Também seria interessante realizar novos estudos comparativos entre IES públicas e privadas para verificar a existência de resultados semelhantes ou discrepantes aos desta pesquisa.

Por fim, a coleta de dados deste estudo ocorreu em momento anterior a 2020, ano em que foi decretada a pandemia covid-19. Nesse sentido, as medidas de isolamento social, trabalho e aulas em formato remoto possivelmente foram/são variáveis que podem influenciar a percepção de graduando em relação à POT, independentemente do momento em que se encontram no curso, porém em especial nos estágios profissionalizantes. Dessa forma, recomenda-se novos estudos em que os dados sejam coletados e analisados considerando o momento pandêmico e a formação em POT.

Feitas essas ressalvas, este estudo avançou no sentido de reunir um conjunto de evidências que evidenciaram, na amostra pesquisada, a possibilidade de se produzirem reestruturações importantes na forma como o aluno de graduação percebe os diversos caminhos potenciais de atuação profissional em POT. Entretanto, como já dito, outros caminhos ainda devem ser percorridos.

Referências

  • Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho. (2009). Manifesto da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho. Psicologia organizacional e do trabalho: não atuamos pela cisão. https://www.sbpot.org.br/site2021/wp-content/uploads/2021/06/psicologia-organizacional-e-do-trabalho-nao-atuamos-pela-cisao-2009.pdf
    » https://www.sbpot.org.br/site2021/wp-content/uploads/2021/06/psicologia-organizacional-e-do-trabalho-nao-atuamos-pela-cisao-2009.pdf
  • Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho. (2020). Competências para a atuação em psicologia organizacional e do trabalho: um referencial para a formação e qualificação profissional no Brasil [e-book]. UniCEUB.
  • Bastos, A. V. B. (1988). Áreas de atuação: em questão nosso modelo de profissional. In Conselho Federal de Psicologia, Quem é o Psicólogo Brasileiro? (pp. 163-192). Edicon.
  • Bastos, A. V. B. (1992). A Psicologia no contexto das organizações: tendências inovadoras no espaço de atuação do psicólogo. In Conselho Federal de Psicologia, Psicólogo brasileiro: Construção de novos espaços (pp. 55-129). Átomo.
  • Bastos, A. V. B., & Gondim, S. M. G. (2010). O Trabalho do Psicólogo no Brasil. Artmed.
  • Bastos, A. V. B., Morais, J. H. M., Santos, M. V., & Faria, I. (2005). A Imagem da Psicologia Organizacional e do Trabalho entre Estudantes de Psicologia: o Impacto de uma Experiência Acadêmica. Psicologia: ciência e profissão, 25(3), 352-369. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pcp/v25n3/v25n3a03.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pcp/v25n3/v25n3a03.pdf
  • Bastos, A. V. B., Yamamoto, O., & Rodrigues, A. C. A. (2013). Compromisso social e ético: Desafios para a atuação em psicologia organização e do trabalho. In L. O. Borges & L. Mourão (Orgs.), O trabalho e as organizações: Atuações a partir da psicologia (pp. 25-52). Artmed.
  • Bernardo, M. H., Oliveira, F. D., Souza, H. A. D., & Sousa, C. C. D. (2017). Linhas paralelas: as distintas aproximações da Psicologia em relação ao trabalho. Estudos de Psicologia, 34(1), 15-24. https://doi.org/10.1590/1982-02752017000100003
    » https://doi.org/10.1590/1982-02752017000100003
  • Coelho-Lima, F., Costa, A. L. F., & Yamamoto, O. H. (2011). O exercício Profissional do Psicólogo do Trabalho e das Organizações: Uma Revisão da Produção Científica. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 11(2), 21-35. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v11n2/v11n2a03.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v11n2/v11n2a03.pdf
  • Cunha, E. S., Almeida, G. N., Almeida, G. V. V. F., Farias, I. C., Alves, S. V., & Vieira, C. A. L. (2021). Apontamentos sobre a formação em Psicologia no Brasil: Uma revisão narrativa da literatura. Brazilian Journal of Development, 7(8), 86089-86107. https://doi.org/10.34117/bjdv7n8-693
    » https://doi.org/10.34117/bjdv7n8-693
  • Dantas, F. H., Seixas, P. S., & Yamamoto, O. H. (2019). A formação em Psicologia no contexto da democratização do ensino superior no Brasil. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 10(3), 76-96. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2019v10n3p76
    » https://doi.org/10.5433/2236-6407.2019v10n3p76
  • Ferro Vásquez, J. (2018). La intervención en contextos organizacionales. In M. G. Rubiano (Ed.), Actualizaciones en psicología organizacional (pp. 23-40). Universidad Católica de Colombia.
  • Freitas, S. M. P. (2002). A Psicologia no contexto do trabalho: uma análise dos saberes e dos fazeres. [Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul].
  • Gondim, S. M. G., Bastos, A. V. B., & Peixoto, L. S. A. (2010). Áreas de atuação, atividades e abordagens teóricas do psicólogo brasileiro. In A. V. B. Bastos & S. M. G. Gondim (Orgs.), O trabalho do psicólogo no Brasil (pp 174-199). Artmed.
  • Leão, L. H. C. (2012). Psicologia do Trabalho: aspectos históricos, abordagens e desafios atuais. ECOS – Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 2(2), 291-305. http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1008/722 .
    » http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1008/722
  • Lhuilier, D. (2014). Introdução à psicossociologia do trabalho. Cadernos de psicologia social do trabalho, 17(spe), 5-19. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v17ispe1p5-19
    » https://doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v17ispe1p5-19
  • Mância, L. T., Rodrigues, M. B., & Minozzo, F. (2003). Psicologia do Trabalho: Concepções e Práticas Contemporâneas. XII Encontro Nacional da ABRAPSO “Estratégias de Invenção do Presente – a Psicologia Social no Contemporâneo”, Porto Alegre, RS, Brasil.
  • Mansano, S. R. V., & Silva, R. B. (2017). Considerações sobre Psicologia, trabalho e cotidiano. Revista Espaço Acadêmico, 17(198), 61-69. https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/39473
    » https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/39473
  • Oliveira, L. P., Silva, F. H. M., & Sticca, M. G. (2018). Revisão sistemática da produção acadêmica em Psicologia do Trabalho no Brasil. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 18(2), 354-363. http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2018.2.13688
    » https://doi.org/10.17652/rpot/2018.2.13688
  • Pineda, F. A. (2021). Psicología organizacional crítica frente a los efectos del neoliberalismo cultural. Una problematización de aspectos prácticos y epistemológicos. Ciencia y Sociedad, 46(1), 37-55. https://doi.org/10.22206/cys.2021.v46i1.pp37-55
    » https://doi.org/10.22206/cys.2021.v46i1.pp37-55
  • Resolução CFP nº 013/2007. (2007). Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/Resolucao_CFP_nx_013-2007.pdf
    » https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/Resolucao_CFP_nx_013-2007.pdf
  • Resolução CNS n° 218, de 06 de março de 1997. (1997). http://www.crefrs.org.br/legislacao/pdf/res_cns_218_1997.pdf
    » http://www.crefrs.org.br/legislacao/pdf/res_cns_218_1997.pdf
  • Sampaio, J. R. (1998). Psicologia do Trabalho em Três Faces. In I. B. Goulart & J. R. Sampaio (Orgs.), Psicologia do Trabalho e Gestão de Recursos Humanos: Estudos Contemporâneos (pp. 19-40). Casa do Psicólogo.
  • Santiago, E., & Dias, M. (2020). A produção em Psicologia do Trabalho e Organizacional nos simpósios da ANPEPP. Psicologia em Estudo, 25, 1-15. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.4843
    » https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.4843
  • Schmidt, B., Krawulski, E., & Marcondes, R. C. (2013). Psicologia e Gestão de Pessoas em Organizações de Trabalho: investigando a perspectiva estratégica de atuação. Revista de Ciências Humanas, 47(2), 344-361. https://doi.org/10.5007/2178-4582.2013v47n2p344
    » https://doi.org/10.5007/2178-4582.2013v47n2p344
  • Silva, L. A. T. (2020). O processo formativo em Psicologia Organizacional e do Trabalho: análise das matrizes curriculares e percepções de graduandos e egressos. [Dissertação Mestrado, Universidade Estadual Paulista].
  • Vesga Rodríguez, J. J. (2018). Identidad colectiva: un concepto lábil en el contexto de las relaciones de trabajo en la actualidad. In M. G. Rubiano (Ed.), Actualizaciones en psicología organizacional (pp. 11-22). Universidad Católica de Colombia.
  • Zanelli, J. C. (1986). Formação e atuação em Psicologia Organizacional. Psicologia: Ciência e Profissão, 6(1), 31-32. https://doi.org/10.1590/S1414-98931986000100010
    » https://doi.org/10.1590/S1414-98931986000100010
  • Zanelli, J. C., Bastos, A. V. B., & Rodrigues, A. C. A. (2014). Campo profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In J. C. Zanelli, J. E. Borges-Andrade & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil (2a ed., pp 549-582). Artmed.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Dez 2021
  • Aceito
    19 Abr 2022
location_on
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro