Resumos
A suinocultura é considerada atividade de alto poder poluidor, face ao elevado número de contaminantes nos seus efluentes, maximizado com o modelo de criação intensiva. Com o objetivo de contribuir para a reversão deste quadro, o presente trabalho teve a finalidade de avaliar o desempenho de um sistema de tratamento composto de um biodigestor e lagoas de estabilização (lagoa anaeróbia, uma facultativa e duas lagoas de maturação) ligadas em série alimentadas com lodo proveniente de uma estação de tratamento de dejetos de suínos. O sistema mostrou-se eficiente para estabilização do resíduo, principalmente da carga orgânica; no entanto, apresenta algumas limitações para redução de nutrientes, sobretudo do nitrogênio, pela contribuição de volatilização de amônia.
suinocultura; efluentes; alternativas de tratamento
Swine production is considered an activity with a high environmental impact, due to the presence of a high number of contaminants in the effluents that come out from the piggery. In this study the feasibility of a combined process biodigestor and stabilization ponds (anaerobic, facultative and maturation) connected in sequence fed with sludge from a swine manure treatment unit was evaluated. The system showed itsetf as efficient in the removal of organic matter, however it presented some limitations in removing nutrients, especially nitrogen, mainly due to the contribution of volatilization of ammonia.
pigerry; effluents; treatment alternative
GESTÃO E CONTROLE AMBIENTAL
Eficiência da interação biodigestor e lagoas de estabilização na remoção de poluentes em dejetos de suínos
Efficiency of biodigester and stabilization pond interaction in removal of swine manure pollutants
Marcelo VivanI; Airton KunzII; Joni StolbergIII; Carlos PerdomoIII & Vânia H TechioIII
IGraduando em Engenharia Ambiental pela Universidade do Contestado, Campus Concórdia, R. Vítor Sopelsa, 3000, CEP 89700-000, Concórdia, SC. Estagiário da Embrapa Suínos e Aves. E-mail: vivan_ml@hotmail.com
IIPesquisador da Embrapa Suínos e Aves, Rodovia 153, Km 110, CEP 89700-000, Concórdia, SC. Fone: (49) 3441-0400. E-mail: airton@cnpsa.embrapa.br
IIIUnC, Campus Universitário de Concórdia. Rua Victor Sopelsa 3000, CEP 89700-000, Concórdia, SC. Fone: (49) 3441-1000. E-mail: joni@uncnet.br; perdomo@uncnet.br; vht@uncnet.br
RESUMO
A suinocultura é considerada atividade de alto poder poluidor, face ao elevado número de contaminantes nos seus efluentes, maximizado com o modelo de criação intensiva. Com o objetivo de contribuir para a reversão deste quadro, o presente trabalho teve a finalidade de avaliar o desempenho de um sistema de tratamento composto de um biodigestor e lagoas de estabilização (lagoa anaeróbia, uma facultativa e duas lagoas de maturação) ligadas em série alimentadas com lodo proveniente de uma estação de tratamento de dejetos de suínos. O sistema mostrou-se eficiente para estabilização do resíduo, principalmente da carga orgânica; no entanto, apresenta algumas limitações para redução de nutrientes, sobretudo do nitrogênio, pela contribuição de volatilização de amônia.
Palavras-chave: suinocultura, efluentes, alternativas de tratamento
ABSTRACT
Swine production is considered an activity with a high environmental impact, due to the presence of a high number of contaminants in the effluents that come out from the piggery. In this study the feasibility of a combined process biodigestor and stabilization ponds (anaerobic, facultative and maturation) connected in sequence fed with sludge from a swine manure treatment unit was evaluated. The system showed itsetf as efficient in the removal of organic matter, however it presented some limitations in removing nutrients, especially nitrogen, mainly due to the contribution of volatilization of ammonia.
Key words: pigerry, effluents, treatment alternative
INTRODUÇÃO
A suinocultura é de grande importância socioeconômica, especialmente nos estados do Sul do Brasil, além de responsável pela geração de empregos diretos e indiretos em toda a cadeia suinícola. A concentração da produção e as inovações tecnológicas introduzidas no setor (genética, nutricional e manejo), juntamente com a desvinculação da interação suinocultura com áreas de lavoura para a disposição de efluentes, têm contribuído para a intensificação dos problemas ambientais (Mielle, 2006).
A suinocultura é reconhecida como atividade de grande potencial poluidor, em razão de gerar efluentes geralmente na forma líquida, com elevada carga de matéria orgânica, nutrientes e metais pesados (ex.: Cu e Zn) (Steinmetz et al., 2009). A concentração destes poluentes varia de acordo com o sistema de manejo adotado e, se destinados incorretamente, podem causar sérios problemas ambientais (Perdomo et al., 2003; Kunz, 2006).
A prática comumente adotada pela suinocultura brasileira tem sido a armazenagem desses resíduos em lagoas ou tanques e sua posterior aplicação como fertilizante vegetal e condicionador do solo. Em regiões em que a geração de efluentes supera a capacidade de suporte do solo e/ou as recomendações dos órgãos de fiscalização ambiental, alternativas de tratamento ou exportação de nutrientes precisam ser adotadas (Kunz et al., 2009).
O uso de lagoas de estabilização como alternativa para tratamento de dejetos de suínos vem sendo estudado como alternativa de baixo custo e que não exige maiores cuidados operacionais (Toms et al., 1975; Oliveira, 1993; Zanotelli et al., 2002; Estrada & Hernandez, 2002). A utilização de biodigestores também se tem intensificado nos últimos anos devido à redução dos custos de implantação e manutenção (disponibilidade de novos materiais e equipamentos) e, principalmente, pela possibilidade de inserção no mercado de carbono (Kunz et al., 2005; Kunz & Oliveira, 2006); no entanto, estudos da eficiência de remoção de poluentes envolvendo a conjugação desses sistemas não têm sido muito frequentes, sobretudo no Brasil.
Novos conceitos para tratamento de efluentes da suinocultura estão sendo desenvolvidos desde a última década, visando a uma qualidade melhor do efluente final, integrando-se processos físicos, físico-químicos e biológicos. A primeira etapa deste tipo de processo visa à separação sólido-líquida, no sentido de se evitar a sobrecarga de reatores biológicos e, assim, a necessidade de superdimensionamento (Vanotti et al., 2002). Este lodo produzido nesses processos ainda apresenta alto teor de umidade e composição bastante semelhante à do efluente bruto (Steinmetz, 2007).
Pretende-se, com o trabalho, avaliar a eficiência de um sistema de tratamento de dejetos suínos (STDS) composto por um biodigestor acoplado a um sistema de lagoas de estabilização para o tratamento de lodo físico-químico e biológico, proveniente de uma Estação de Tratamento de Dejetos de Suínos (ETDS).
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado na Unidade Experimental da Embrapa Suínos e Aves, em Concórdia, SC, cujos fluxogramas e os pontos de amostragem do sistema são apresentados na Figura 1. O sistema foi abastecido de forma intermitente, com lodo (3 m3 dia) proveniente da Estação de Tratamento de Dejetos Suínos (ETDS), unidade central para o tratamento de efluentes dos sistemas de produção de suínos da Embrapa Suínos e Aves. O sistema foi avaliado durante dez meses, de junho de 2006 a março de 2007.
A câmara de biodigestão foi construída com isolamento térmico e revestida com geomembrana em PVC (0,8 mm) e o gasômetro com geomembrana de 1 mm de espessura. A câmara de digestão se compunha de três seções separadas por chicanas verticais, dispondo de mecanismos de agitação para homogeneização da biomassa acionada por temporizador com duração de 10 min, quatro vezes ao dia. O abastecimento do biodigestor se deu através de uma bomba submersa acoplada a um temporizador, fazendo com que a alimentação fosse intermitente. O efluente do biodigestor abastecia, por gravidade, o sistema de lagoas, também impermeabilizadas com geomenbrana em PVC (0,8 mm). A Tabela 1 apresenta as características físicas do sistema e da carga de alimentação calculada em função da DQO do lodo de entrada.
O acompanhamento físico-químico do processo foi realizado no Laboratório de Estudos e Análises Ambientais (LEAA) da Embrapa Suínos e Aves. As coletas (pontos de amostragem da Figura 2) e as análises foram realizadas mensalmente durante dez meses. Os parâmetros analisados foram pH, OD, temperatura, DQO, fósforo total (Ptot), cobre total (Cutot), zinco total (Zntot), amônia (N-NH3), nitrogênio total Kjeldahl (NTK), sólidos fixos (SF), sólidos voláteis (SV), sólidos totais (ST) e H2S, de acordo com APHA (1992). Já o metano (CH4), foi determinado indiretamente pela quantificação de CO2 pelo método de Orsat adaptado (Kunz & Oliveira, 2007). Tem-se o monitoramento de temperatura por meio de termopares instalados em três pontos do biodigestor e no solo, nas profundidades de 1,5, 2,0, 2,5 e 3,0 m.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização do lodo e balanço de sólidos para o biodigestor
A caracterização do lodo de abastecimento do sistema (Tabela 2) mostrou alta variabilidade em sua composição, como é inerente a efluentes da suinocultura, devido a fatores outros, como fase de crescimento dos animais, nutrição etc.
Para biodigestores operados em condições mesofílicas com dejetos de suínos, a literatura recomenda uma alimentação de sólidos voláteis (SV) a uma carga máxima aceitável de 1 a 3 kg SV m-3 d-1 (Kashyap et al., 2003). Para o biodigestor deste estudo a carga volumétrica de alimentação foi, em média, de 0,55 kg SV m-3 dia, abaixo do limite máximo permitindo operar dentro de uma margem de segurança.
Embora a carga de alimentação em SV do biodigestor tenha sido de acordo com estudos realizados em outros efluentes da suinocultura, observou-se que a alimentação com lodo proporcionou um arraste maior de sólidos do sistema (Tabela 3), o que aponta para a necessidade de ajustes no reator via aumento do TRH, principalmente nos meses de inverno, quando ocorre um arraste maior de sólidos em virtude da operação do sistema em condições psicrofílicas (Kunz & Oliveira, 2005).
O biogás produzido apresentou boa qualidade, 68,75 (± 2,06) % (v/v) em metano e 40,7 (± 15,93) ppmV em H2S, de acordo com o esperado para biodigestores, criando a possibilidade de aproveitamento energético do biogás, tanto para sistemas de geração de calor quanto de energia elétrica (Oliveira, 2005).
Remoção da demanda química de oxigênio
Para as lagoas, a carga de alimentação (Tabela 2) se manteve próximo àquela de estudos já realizados e recomendados para lagoas de tratamento de efluentes da suinocultura com prévia separação sólido-líquido (Dartora et al., 1998; Zanotelli et al., 2005).
A redução de DQO foi bastante eficiente em todo o sistema (Figura 2), mesmo com problemas de arraste de sólidos do biodigestor na primeira etapa de tratamento. A remoção alcançada foi da ordem de 98%, por demais significativos e vai ao encontro dos resultados encontrados por Medri (1997), que estudou o tratamento de efluentes da suinocultura com lagoas anaeróbias e facultativas.
Outro detalhe que pode ser observado na Figura 2 se refere à alta eficiência de redução de DQO durante as etapas anaeróbias do processo (84,1%), fruto da alta biodegradabilidade da matriz, sendo recomendável com etapa inicial para efluentes ou lodos altamente concentrados (Bitton, 2005).
Remoção de nutrientes (P e N)
As concentrações médias de fósforo total (Ptot) obtidas no sistema, são apresentadas na Figura 3. O valor médio de Ptot diminuiu de 1089 mg L-1 do lodo P1 para 14 mg L-1 da lagoa de maturação 2 (P6), ou seja, remoção de 98,6%. Este processo ocorre principalmente pela remoção físico-química através da precipitação de fósforo, majoritariamente na forma de fosfato de cálcio, em decorrência da alta concentração de íons cálcio no lodo (Steinmetz, 2007). A presença de altas concentrações de fósforo no lodo já foi verificada, previamente por Zanotelli et al. (2005), que encontraram até 18 g Ptot kg-1 de lodo; além disso, a alta capacidade de transferência (sedimentação) se deve ao alto tempo de residência hidráulico (aproximadamente 170 dias) e à baixa turbulência do sistema.
A Figura 4 mostra as concentrações médias de NTK obtidos no sistema, que variaram de 2640 mg L-1 do lodo (P1) para 269 mg L-1 da lagoa de maturação 2 (P6), obtendo uma eficiência total de remoção de 89,8%. A mesma tendência se repete na remoção de N-NH3, com remoção de 87,6% ao longo do sistema (Figura 5).
O ligeiro incremento na concentração de N-NH3 após passagem pelo biodigestor se deve à degradação de nitrogênio ligado covalentemente a estruturas complexas (ex.: proteínas) presentes em solução ou no material particulado (Wiesmann et al., 2007).
Embora o sistema de lagoas mostre uma capacidade elevada para remoção de nitrogênio, deve-se atentar para o fato de que grande parte desta remoção se dá por volatilização de amônia (stripping), haja vista que o pH das lagoas durante o desenvolvimento do trabalho sempre esteve na região alcalina, lagoa facultativa pH 8,2, de maturação 1 pH 8,4 e lagoa de maturação 2 pH 8,6, condições em que se tem um deslocamento do equilíbrio químico de NH4+ para NH3 (Tchobanoglous, 2003).
A concentração de amônia livre para distintos pHs pode ser facilmente calculada seguindo-se a equação desenvolvida por Anthonisen et al. (1976) (Eq. 1).
Através dos resultados da Tabela 4, infere-se que grande parte da remoção de nitrogênio do processo se dá pelo processo de volatilização, haja vista que a concentração de nitrito e nitrato se manteve sempre abaixo de 1 mg N L-1.
Embora as concentrações de amônia livre calculadas apresentem valores abaixo de 100 mg L-1, a alta volatilização pode ser explicada pela grande área superficial das lagoas e pelo alto tempo de residência hidráulico (Tabela 2) fatores que contribui para a volatilização e, consequentemente, para o deslocamento do equilíbrio químico com fins à formação e volatilização de amônia (Eq. 2).
Remoção de microelementos (Cu e Zn)
A presença de cobre (promotor de crescimento) e zinco (controle de diarréia) no lodo e efluentes da suinocultura é considerável não apenas em função da sua adição na ração animal mas também por grande parte ser eliminada pelo trato gastrointestinal desses animais. A Figura 6 representa os valores obtidos na remoção de Cutot e Zntot. O cobre foi reduzido de 28 mg L-1 (P1) para 0,3 mg L-1 da lagoa de maturação 2 (P6) e o zinco de 75 mg L-1 do lodo para 0,4 mg L-1 da lagoa de maturação 2, correspondendo a uma eficiência total de 98,7 e 99,4%, respectivamente. A lagoa anaeróbia foi responsável pela maior parte da remoção correspondendo a 68% de Cutot e 82,3% de Zntot; este fato se deve, provavelmente, a uma reação entre espécies reduzidas de enxofre (Ex: H2S) produzido na digestão anaeróbia e aos compostos cobre e zinco, formando sulfeto de cobre e sulfeto de zinco, altamente insolúveis, que são precipitados e acumulados no lodo, como mostram as reações abaixo:
Este efeito não foi observado no biodigestor em função da agitação e em virtude de apresentar um arraste de sólidos para a lagoa anaeróbia fazendo com que este efeito não fosse percebido, do ponto de vista de remoção.
CONCLUSÕES
1. O sistema de tratamento estudado composto de biodigestor e lagoas de estabilização mostrou-se eficiente para estabilização de lodo de uma estação de tratamento de dejeto de suíno principalmente para o abatimento de matéria orgânica.
2. As lagoas demonstraram elevada remoção de cobre, zinco e fósforo, devido a processos físico-químicos.
3. O nitrogênio amoniacal também é removido, mas sua maior contribuição se dá, provavelmente, por volatilização (stripping).
4. A alta eficiência, no abatimento de carga orgânica aliada aos baixos custos construtivos e operacionais tornam o sistema atrativo, embora ele ainda se ressinta de uma capacidade maior de remoção de nutrientes e de aumentar a eficiência durante os meses de inverno.
LITERATURA CITADA
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Mar 2010 -
Data do Fascículo
Mar 2010
Histórico
-
Aceito
12 Jan 2007 -
Recebido
14 Set 2005