Resumos
INTRODUÇÃO: A dependência da nicotina é estabelecida mais rapidamente entre adolescentes do que entre adultos. O tabaco ocupa o quarto lugar no ranque dos fatores de risco mais importantes no Continente. Estudos mostram que diferentes formas de uso de tabaco têm crescido entre adolescentes.
MÉTODOS: Foram incluídos os escolares das 26 capitais e Distrito Federal participantes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2012, realizada com alunos da 9ª série de escolas públicas e privadas. Fatores associados à experimentação e ao uso regular de cigarro foram investigados por meio de regressão logística multinomial, tendo como referência "nunca experimentou cigarro". O uso de outros produtos de tabaco nos últimos 30 dias (charuto, cachimbo, narguilé, etc.) também foi analisado nesse estudo.
RESULTADOS: Dos 61.037 participantes nas capitais brasileiras, 22,7% (IC95% 21,7 - 23,5) experimentou cigarro, 6,1% (IC95% 5,6 - 6,6) é fumante regular e 7,1% (IC95% 6,5 - 7,7) experimentou outros produtos de tabaco, sendo a metade desses fumantes regulares. As chances de experimentação e fumo regular cresceram com o aumento da idade e a frequência de exposição semanal a outros fumantes, e foram maiores entre escolares que trabalham, entre residentes em lares monoparentais ou sem os pais, e entre os que percebem que os pais não se importariam se fumassem.
CONCLUSÃO: Os resultados mostram associação entre desvantagens sociais e experimentação e fumo regular. Além disso, o uso de outros produtos de tabaco merece atenção e pode ser porta de entrada para o tabagismo regular.
Hábito de fumar; Tabaco; Adolescentes; Saúde escolar; Fatores de risco; Nicotina
INTRODUCTION: Nicotine dependence establishes itself more rapidly among adolescents than among adults. Tobacco occupies the fourth place in the rank of main risk factors for non-communicable diseases in the continent. Studies reveal that other forms of tobacco use have increased among adolescents.
METHODS: Were included the 9th grade students from the 26 State Capitals and the Federal District. who were participants of the National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE), in 2012. Factors independently associated with experimentation and regular use of cigarettes were investigated by means of multinomial logistic regression, using as reference "never tried a cigarette". The use of other tobacco products included cigar, pipe, narghile and others.
RESULTS: Of the in the 61,037 participants in the 26 Brazilian capitals and the Federal District, 22.7% (95%CI 21.7 - 23.5) had experimented cigarettes, 6.1% (95%CI 5.6 - 6.6) are regular smokers and 7.1% (95%CI 6.5 - 7.7) had used other tobacco products, with half of them also being regular smokers. The chances of experimenting and being a regular smoker increased with age and according to the frequency of weekly exposure to other smokers. These chances were also higher among students who worked, who lived in monoparental families or without their parents, and those who felt that their parents would not mind if they smoked.
CONCLUSION: Results reinforce the association between social disadvantages and experimenting and regular smoking. In addition, the use of other tobacco products is worthy of attention and may lead to regular smoking.
Smoking; Tobacco; Adolescent; School health; Risk factors; Nicotine
INTRODUÇÃO
O tabagismo, incluindo a exposição passiva ao mesmo, ocupou o segundo lugar entre os maiores fatores de risco para a carga de doenças no mundo em 20101. Em 1990, o uso do tabaco foi responsável por 6,1% (IC95% 5,5 - 7,0) dos anos de vida vividos com incapacidade (DALY) no mundo e, em 2010, por 6,3% (IC95% 5,5 - 7,0). Nos EUA, estima-se que metade dos adultos fumantes morrem prematuramente devido a doenças relacionadas ao tabaco, como câncer e doença cardiovascular2. A despeito da tendência decrescente do tabagismo na maioria dos países da América do Sul, em especial no Brasil, o tabaco ainda ocupa o quarto lugar no ranque dos fatores de risco mais importantes no Continente. Em primeiro lugar está a obesidade, seguida do álcool e da hipertensão arterial1.
Um grande desafio para a saúde pública é prevenir ou pelo menos retardar a experimentação e uso regular do cigarro. A experimentação de cigarro geralmente ocorre na adolescência, e quanto mais cedo ela se dá, maior a chance de adição ao tabaco. Estudos mostram que a maioria dos adultos fumantes já era tabagista aos 18 anos de idade3. A duração e o número de cigarros requeridos para estabelecer dependência de nicotina são menores para adolescentes do que para adultos, por isto a adição ao tabaco é estabelecida mais rapidamente4. Além disso, o tabagismo precoce está associado ao aumento da chance de uso de outras substâncias psicoativas, como álcool e drogas ilícitas em jovens5. Entre os diversos fatores que concorrem para o uso precoce do tabaco, destaca-se a exposição domiciliar ao cigarro. Isto se deve ao fato deste consumo ser apreendido, e facilitado, por interações estabelecidas entre os jovens e seus contextos próximos de socialização, como a família, a escola e os amigos6.
Entre 1989 e 2010, o Brasil aumentou os impostos sobre o tabaco, instituiu restrições de comercialização e uso em ambientes públicos e advertências de saúde em maços de cigarro, entre outras medidas de controle7,8. Como decorrência, o tabagismo vem diminuindo de forma consistente na população adulta9-11. Entre 1999 e 2004, parece ter havido uma redução do uso de cigarro entre estudantes do ensino fundamental e médio em diversas capitais brasileiras12. Apesar de o cigarro ser a principal forma de exposição ao tabaco no mundo13, o uso de outros produtos do tabaco, como o cachimbo de água (narguilé), está crescendo entre os jovens globalmente14. Estudos indicam que o efeito deletério sobre a saúde do tabaco inalado por meio do cachimbo de água parece comparável ao do cigarro15. Por esta razão, a vigilância do tabagismo tem incorporado estas novas formas de exposição ao tabaco entre jovens e escolares.
O presente estudo tem por objetivo descrever as diversas formas de exposição ao tabaco entre escolares das capitais brasileiras e Distrito Federal, participantes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) em 2012, e identificar fatores sociodemográficos e domiciliares associados à experimentação e ao tabagismo atual.
MÉTODOS
O presente estudo utilizou dados da segunda edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar realizada em 2012. No ano de 2012, a PeNSE foi realizada em amostra de escolares que cursavam o 9º ano do ensino fundamental em turnos diurnos de escolas públicas e privadas. A amostra foi representativa do pais, das cinco macrorregiões e das 26 capitais e do Distrito Federal. A presente análise foi realizada com os escolares das 26 capitais dos estados e do Distrito Federal (n = 61.037).
Para o cálculo da amostra em cada estrato geográfico, foi considerada uma prevalência de exposição de 50%, erro máximo de 3% e intervalo de confiança de 95% (IC95%). O plano amostral definiu 27 estratos geográficos correspondentes a todas as capitais de estados e Distrito Federal e mais cinco estratos geográficos correspondentes às cinco Macrorregiões que continham os demais municípios. A amostra de cada estrato geográfico foi alocada proporcionalmente ao número de escolas segundo a dependência administrativa das escolas (privada e pública). Para cada um desses estratos, uma amostra de conglomerados em dois estágios foi selecionada, tendo as escolas como primeiro estagio e as turmas elegíveis nas escolas selecionadas como segundo estágio (9º ano do ensino fundamental). Em seguida, todos os alunos foram convidados a responder o questionário. Assim, foi obtida uma amostra de estudantes em cada uma das 27 capitais.
Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário estruturado autoaplicável, organizado em blocos temáticos que incluíram características sociodemográficas, comportamentos de risco e proteção para a saúde, entre os quais o tabagismo, rede de proteção e outros. Os estudantes responderam ao questionário em um smartphone. A participação no estudo foi voluntária, com possibilidade de não resposta. Não foi coletada nenhuma informação que pudesse identificar o aluno e os dados da escola foram mantidos confidenciais e não estão contidos na base de dados. O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP, nº 16.805. A metodologia está descrita em outro documento16.
EXPERIMENTAÇÃO E USO DE CIGARRO E OUTROS PRODUTOS DO TABACO
No presente estudo, utilizamos as seguintes variáveis para descrever o tabagismo entre escolares:
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Experimentação de cigarros na vida - foram considerados como tendo experimentado cigarro na vida todos os estudantes que responderam positivamente a pelo menos uma das seguintes perguntas: "Alguma vez na vida você já fumou cigarro, mesmo que uma ou duas tragadas?", e "Nos últimos 30 dias, em quantos dias você fumou cigarros?";
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Idade de experimentação - a pergunta utilizada foi: "Que idade você tinha quando experimentou cigarro pela primeira vez?";
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Tabagismo regular - definido como relato de ter fumado cigarro pelo menos um dia nos últimos trinta dias anteriores à realização da pesquisa, obtida pela pergunta: "Nos últimos trinta dias, em quantos dias você fumou cigarros?", categorizada em "Nenhum dia (0)" e "Um ou mais dias (1)"; e
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Fumou outro produto de tabaco nos últimos 30 dias - aferida pela pergunta: "Nos últimos 30 dias, quantos dias você usou outros produtos de tabaco, como: cigarros de palha ou enrolados a mão, charuto, cachimbo, cigarrilha, cigarro indiano ou bali, narguilé, rapé, fumo de mascar, etc.?", sendo a resposta categorizada em "Nenhum dia (0)" e "Um ou mais dias (1)".
COVARIÁVEIS DE INTERESSE
As variáveis explicativas foram agrupadas por afinidade em dois blocos: sociodemográficas e de exposição ao tabagismo.
As características sociodemográficas analisadas foram: sexo (masculino e feminino), idade em anos (≤ 13, 14, 15, 16, 17 e mais anos) raça/cor (branca, preta, parda, amarela, indígena), escolaridade materna e escolaridade paterna (nível universitário completo, universitário incompleto, ensino médio incompleto, ensino fundamental incompleto, não estudou, não sabe informar), com quem reside (pai e mãe, com a mãe, com o pai, com nenhum dos dois), dependência administrativa da escola (pública ou privada) e inserção da criança no trabalho, obtida por meio da pergunta "Você tem algum trabalho, emprego ou negócio que exerce atualmente?", categorizada em "Não" e "Sim", além de região de residência (Sudeste, Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul).
A exposição ao cigarro foi estudada por meio das seguintes perguntas:
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"Nos últimos sete dias, em quantos dias tiveram pessoas que fumaram na sua presença?" ("Nenhum dia", "1 - 2 dias", "3 - 4 dias", "5 ou mais dias"); e
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"Qual seria a reação da sua família se eles soubessem que você fuma cigarros?" ("Importaria muito", "Importaria um pouco", "Não iriam se importar", "Não sei se eles se importariam").
ANÁLISE
Inicialmente, foi feita a descrição das variáveis que caracterizam o comportamento em relação ao tabagismo por sexo e idade: experimentação de cigarro na vida, idade de experimentação, tabagismo regular e fumar outros produtos do tabaco. Para estudar a influência das características sociodemográficas e da exposição ao cigarro sobre o comportamento da criança em relação ao cigarro, criamos a variável "uso de cigarro", com as seguintes categorias de resposta: nunca experimentou cigarro; experimentou cigarro, mas não usou nos últimos 30 dias (= 1); usou cigarro nos últimos 30 dias (= 2).
A associação entre as variáveis explicativas independentes e o uso de cigarro foi estimada pelo teste do Teste do χ2 de Pearson, com nível de significância de 0,05. As magnitudes das associações foram medidas pelo Odds Ratio e seu IC95%, obtidos por meio de regressão logística multinomial, tendo a categoria "nunca experimentou cigarro" como referência. Variáveis explicativas que foram associadas ao uso de cigarro com valor p ≤ 0,20 (nível de significância estatística) foram incluídas na análise multivariável. Após o ajuste, permaneceram somente as variáveis associadas ao uso de cigarro com nível de significância estatística de 0,05. Devido ao grande numero de perdas de informação sobre escolaridade materna e paterna (em torno de um quarto dos alunos não sabiam informar), essa variável não foi adicionada na análise multivariável.
Para corrigir as diferentes probabilidades de seleção de cada escolar, foram utilizadas definições de estratos, unidades primárias (escolas) e pesos individuais na estimativa das proporções. A análise foi feita no software Stata (versão 11.1), utilizando o procedimento "svy" (com fatores de ponderação), adequado para análises de dados obtidos por plano amostral complexo.
RESULTADOS
Dentre os 61.037 escolares participantes da PeNSE nas capitais brasileiras em 2012, 22,6% (IC95% 21,7 - 23,5) já haviam experimentado cigarro alguma vez na vida, sendo que cerca de 28,5% o fizeram antes dos 11 anos de idade (Tabela 1). Do total de escolares que experimentou cigarro alguma vez na vida, cerca de um terço (27,2%; IC95% 25,6 - 28,7) fez uso regular de cigarro e, entre esses últimos, metade (50,5%; IC95% 46,4 - 52,7) também fez uso de outros produtos de tabaco nos últimos 30 dias. Entre aqueles que não experimentaram cigarro na vida, 2,7% (IC95% 2,4 - 3,2) usaram outros produtos de tabaco nos últimos 30 dias (Figura 1). Ao todo, considerando o cigarro e outros produtos do tabaco, 10,1% (IC95% 9,5 - 10,8) dos escolares usaram algum produto do tabaco nos últimos 30 dias.
Distribuição dos escolares participantes da PeNSE 2012 em 26 capitais de estados e Distrito Federal, de acordo com a história de exposição ao tabagismo. Nota: As % (IC95%) na figura se referem aos indivíduos que preenchem os critérios imediatamente anteriores e não ao total geral de participantes.
Entre os que haviam experimentado cigarro, a proporção de meninos que usou uma a duas vezes e três ou mais vezes nos últimos 30 dias correspondeu a 6,7%. Já entre aqueles que faziam uso regular de cigarros, a proporção de meninos que usou outros produtos de tabaco uma a duas vezes foi de 15,7% e que fizeram uso três vezes e mais chegou a 35,6%; essas proporções entre as meninas foram, respectivamente, 21,3 e 26,6% (Figura 2).
Distribuição dos estudantes de acordo com o uso de cigarro e de outros produtos do tabaco segundo o sexo em 26 capitais e Distrito Federal. PeNSE, 2012.
Entre todos os participantes da PeNSE, a prevalência de uso regular de cigarros foi igual a 6,1% (IC95% 5,6 - 6,6) e não houve diferença estatisticamente significante segundo o sexo. Já a prevalência de uso de outros produtos de tabaco nos últimos 30 dias foi igual a 7,1% (IC95% 6,5 - 7,7), sendo mais alta entre os meninos do que entre as meninas, 7,6 e 6,6% (p = 0,017), respectivamente (Tabela 1).
Tendo como referência para comparação quem nunca experimentou cigarro, não houve diferença na proporção de meninos e meninas que relataram experimentação de cigarro na vida e ser fumante regular. Tanto a chance de experimentação de cigarro como de uso regular de cigarro aumentaram com o incremento da idade e diminuíram com o aumento da escolaridade paterna e da escolaridade materna, com a presença de gradiente nas associações. Os escolares que relataram trabalhar, morar apenas com a mãe, apenas com o pai ou com nenhum dos dois e que moravam nas regiões Sul e Centro-Oeste do país apresentaram maiores chances de experimentação e de uso regular de cigarro. Já os que estudavam em escolas privadas e que residiam na região Nordeste apresentaram menor chance de ter experimentado cigarro na vida e de ser fumante regular. Quanto maior o número de dias em que o escolar presenciou outra pessoa fumando, maior a chance dele experimentar e fumar regularmente, com maior magnitude para aqueles que presenciaram outra pessoa fumando todos os dias da semana (OR = 4,27; IC95% 3,82 - 4,77 para experimentar cigarro e OR = 15,17; IC95% 11,73 - 19,62 para ser fumante regular). A percepção do adolescente de que a família se importaria pouco ou não se importaria se ele fumasse esteve positivamente associado com o mesmo ter experimentado cigarro e ser fumante regular. Em geral, a magnitude das associações entre as variáveis explicativas e fumo regular foram mais fortes do que a magnitude dos OR para experimentação apenas (Tabela 2).
Na análise multivariável, a chance de experimentação de cigarro ou de fumo regular, em comparação a quem nunca experimentou cigarro, aumentou com o incremento da idade e com a frequência em que o escolar presenciou alguém fumando; foi maior entre os que trabalhavam, os que residiam só com a mãe, só com o pai ou com nenhum dos dois e entre aqueles cujos pais se importariam um pouco se o filho fumasse. Observou-se ainda que a chance de experimentar cigarro foi menor entre os escolares que estudavam em escolas privadas, mas não houve diferença estatística na chance de ser fumante regular entre alunos de escolas públicas e privadas. Os escolares das capitais da região Nordeste apresentaram menores chances de experimentar e fumar cigarros regularmente, e os residentes nas capitais das regiões Sul e Centro-Oeste apresentaram maiores chances de experimentar e fazer uso regular de cigarros (Tabela 3).
DISCUSSÃO
O presente estudo mostrou que um em cada cinco alunos da 9ª série do ensino fundamental nas capitais brasileiras já experimentou cigarro, e que mais de um quarto dos que experimentaram cigarro é fumante regular. Os resultados mostram ainda que metade dos fumantes atuais de cigarro também fez uso, no último mês, de outros produtos do tabaco, sendo o uso combinado de derivados do tabaco mais frequente entre meninos do que entre meninas. Em relação ao cigarro, meninos e meninas não diferem na chance de experimentar cigarro e nem de serem fumantes regulares.
Os resultados obtidos neste estudo sugerem ainda que adolescentes em desvantagens sociais, marcados pelo trabalho infantil e que moram em lares monoparentais ou com nenhum dos pais, têm maior chance de experimentar, e principalmente, de ser fumante regular. Finalmente, confirmamos que a exposição a outros fumantes e a percepção de aceitação familiar do tabagismo estão associados tanto à experimentação quanto ao uso regular de cigarro, com gradiente dose-resposta nas associações encontradas.
A prevalência de experimentação de cigarro caiu entre as capitais investigadas na PeNSE em 200917e 2012, mas a prevalência de fumantes regulares entre escolares não se alterou no mesmo período. Estes resultados sugerem que as inúmeras medidas adotadas pela política de controle do tabagismo no país8 mantêm-se muito importantes. Entretanto, o platô observado na prevalência de fumantes neste subgrupo social deve ser observado com cautela. A preocupação com este subgrupo social ocorre em função do impacto do tabagismo precoce sobre o aumento da dependência ao tabaco, maior dificuldade de cessação do hábito de fumar e piores desfechos em saude na vida adulta18-21. Destaca-se que, nas Américas, o Brasil é o país que detém as menores prevalências de tabagismo regular entre adolescentes22.
Estudo recente sobre a suscetibilidade ao tabaco entre escolares que nunca fumaram, com idade entre 13 e 15 anos, participantes da Global Youth Tobacco Survey (SYT) em 168 países, identificou que 12,5% desses escolares era suscetível a fumar23. Neste sentido, merece destaque o uso de outras formas de exposição ao tabaco, um problema insidioso e crescente entre os jovens mundialmente24,25. Nossos resultados mostram que, em 2012, a prevalência geral de uso de outros produtos do tabaco foi maior do que a de uso de cigarro isoladamente nos últimos 30 dias, especialmente entre meninos, embora predomine o uso concomitante com o cigarro, como em outros países26.
No total, 2,7% dos escolares que nunca experimentaram cigarro relataram ter feito uso de outro produto derivado do tabaco. Esse percentual, aparentemente pequeno e inofensivo, representa um grande número de adolescentes em todo país que estaria suscetível a se tornar tabagista. O número de jovens entre 14 e 17 anos que usa outros produtos de tabaco, mas não fuma cigarro, cresceu 5,9% ao ano nos EUA entre 2004 e 200927. Vale ressaltar que não há nível seguro de exposição ao tabaco. É possível também que estas novas maneiras de fumar, como o uso de narguilé e do cigarro eletrônico, que estão se difundindo entre os adolescentes, sejam uma porta de entrada ao tabagismo regular28. Acredita-se, portanto, que a educação escolar e as políticas públicas anti-tabaco em geral necessitam abordar estas formas novas, de entrada do tabaco na vida dos adolescentes no país.
Os resultados deste estudo mostram que não só a chance de experimentar, mas principalmente de fazer uso atual de cigarro aumenta com a frequência semanal de exposição do adolescente a outros fumantes e com a percepção de aceitação familiar. Um estudo transversal de base populacional com adolescentes escolares com idade de 11 a 14 anos (ensino fundamental e médio) de escolas públicas e particulares de Salvador, Bahia, verificou-se que o início precoce do tabagismo associou-se ao tabagismo paterno e entre os amigos, entre outros fatores29. Estudo com uma amostra representativa dos jovens brasileiros de 15-19 anos também achou um forte gradiente dose-resposta entre número de fumantes no domicílio e a chance de tabagismo entre jovens de 15 e 19 anos em 200830.
Várias teorias e estudos sustentam a tese do contágio para explicar a influência de familiares e amigos sobre a disseminação do cigarro entre jovens31. Uma das teorias mais conhecidas é a do aprendizado social31, segundo a qual os adolescentes aprenderiam um comportamento desviante por meio da simples observação ou por imitação de comportamentos de pessoas próximas, somado ao reforço social subsequente destes comportamentos. Considerando essa teoria, a exposição frequente a pessoas que fumam e a percepção de não rejeição da iniciação ao tabagismo pelos pais poderiam ser consideradas indicadores da existência de modelos desviantes e de reforço social.
Infelizmente, não é possível saber pela PeNSE quem os adolescentes vêem fumar, mas o gradiente dose-resposta observado nas associações encontradas reforça a hipótese de contaminação social e a necessidade de estimular os pais a adotarem regras explicitas contra o fumo no domicílio. Neste sentido, seria importante promover debates e campanhas em prol de domicílios livres do tabaco em todo o país. Tal recomendação deveria também ser abordada nas consultas de adultos na atenção primária, nas visitas domiciliares de agentes comunitários de saúde, entre outros.
A maior chance de experimentar e fumar observada entre adolescentes que realizam trabalho com alguma remuneração pode sinalizar desigualdade social em saúde, já que o trabalho infantil tende a afetar negativamente o desenvolvimento psicossocial e o estudo do adolescente32. Além disso, alunos que têm alguma remuneração também possuem mais recurso próprio para a compra do cigarro. É possível ainda que o trabalho infantil exponha mais o adolescente a outros fumantes, especialmente em trabalhos informais e precários, onde há pouca restrição ao fumo.
A influência da composição familiar sobre o comportamento e a saúde mental da criança tem sido debatida amplamente devido ao crescimento dos divórcios e de novos arranjos familiares, incluindo os casamentos entre indivíduos do mesmo sexo. Parece não haver dúvida que o divórcio reduz a renda familiar per capita, o que por si pode afetar a qualidade de vida33. Estudos mostram que o tabagismo, assim como outros comportamentos adversos para a saúde, são mais frequentes entre adolescentes que vivem em lares monoparentais quando comparadas com aqueles que vivem em lares biparentais34. É possível que rupturas familiares dolorosas contribuam para a depressão e a maior frequência de adolescentes fumantes entre aqueles cujos pais separaram-se em comparação aos demais da mesma faixa etária35. Mas é possível também que adolescentes que vivem em lares monoparentais ou com nenhum dos pais tenham menor supervisão parental, um fator que é sabidamente associado a comportamentos de risco em adolescentes5.
Apesar da maioria dos adolescentes brasileiros estarem na escola (cerca de 97%), sabe-se que os adolescentes que largam a escola precocemente ou que são pouco frequentes à escola apresentam piores condições de saúde e/ou mais comportamentos de risco, o que tenderia a subestimar as prevalências encontradas30. Vale salientar que a PeNSE não representa os adolescentes das faixas etárias contempladas na mesma, visto que a base amostral é a série escolar em turnos diurnos. Portanto, as prevalências encontradas não podem ser utilizadas como representativas das idades incluídas na amostra. Os resultados se referem apenas às capitais e ao Distrito Federal, e podem diferir dos alunos no interior dos estados. Optamos por analisar apenas as capitais para manter a comparabilidade com a PeNSE 2009. Além disso, este é um estudo transversal, que não permite estabelecer relação temporal entre a variável resposta e as condições contextuais e familiares estudadas.
CONCLUSÃO
O tabagismo na adolescência tem importantes implicações para o bem-estar e a saúde do adolescente ao longo da vida, devido ao maior risco de doenças crônicas não transmissíveis e depressão na vida adulta. Os resultados deste estudo mostram a importância de aumentar a vigilância sobre o tabagismo entre adolescentes, tanto do cigarro quanto de outras formas de tabaco. Além disso, aponta para a necessidade de educar e expandir os lares livres de tabaco no país, uma forma simples e eficaz de reduzir a exposição secundária ao tabaco e também de desestimular a iniciação e o uso do mesmo.
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Fonte de financiamento: nenhuma.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2014
Histórico
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Recebido
13 Jan 2014 -
Revisado
20 Fev 2014 -
Aceito
21 Fev 2014