Open-access Revisitando a teoria do ciclo do produto

Revisiting the product cycle theory

Resumos

Este artigo busca refletir sobre uma questão-chave que perpassa grande parte da literatura crítica à teoria do ciclo do produto: o que foi superado e o que permanece vivo nessa teoria. Após sistematizar o mecanismo básico do ciclo do produto, discutem-se algumas principais insuficiências apontadas e/ou sugeridas pela literatura. Argumenta-se que, se não mais se sustenta a hipótese de que a dinâmica das inovações e dos investimentos diretos externos responde à cronologia do ciclo de vida do produto, por outro lado, a hipótese de que as vantagens comparativas possuem um caráter dinâmico, cuja natureza e importância relativa se modificam ao longo do tempo, em resposta a mudanças nos condicionantes da produção, e conforme o estágio de desenvolvimento e complexidade do produto, permanece viva e mais atual do que nunca.

investimento direto estrangeiro; inovação de produto; ciclo do produto


This article aims to think about a key-question that involves the majority of the critic literature in respect to the product-cycle theory. What is over and what remains alive in this theory? After systematizing the basic mechanism of the product-cycle theory, it discusses some of its main insufficiencies, how it is appointed or suggested by the literature. Summarily, we argue that, if it is over the hypothesis which argues that the dynamics of innovations, and the foreign direct investments depends on the product life cycle chronology, on the other side, it remains alive and does up-to-date the hypothesis which argues that the comparative advantages have a dynamic character, which nature and relative account is modified along time in response to changes in the production conditions, in accordance to the product evolution and its complexity.

foreign direct investment; product innovation; product cycle


Revisitando a teoria do ciclo do produto

Revisiting the product cycle theory

Eneuton PessoaI; Marcilene MartinsII

IProfessor adjunto da UERGS, e-mail: eneuton@uol.com.br

IIProfessora adjunta do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia da UFRGS, e-mail: marcilene.martins@ufrgs.br

RESUMO

Este artigo busca refletir sobre uma questão-chave que perpassa grande parte da literatura crítica à teoria do ciclo do produto: o que foi superado e o que permanece vivo nessa teoria. Após sistematizar o mecanismo básico do ciclo do produto, discutem-se algumas principais insuficiências apontadas e/ou sugeridas pela literatura. Argumenta-se que, se não mais se sustenta a hipótese de que a dinâmica das inovações e dos investimentos diretos externos responde à cronologia do ciclo de vida do produto, por outro lado, a hipótese de que as vantagens comparativas possuem um caráter dinâmico, cuja natureza e importância relativa se modificam ao longo do tempo, em resposta a mudanças nos condicionantes da produção, e conforme o estágio de desenvolvimento e complexidade do produto, permanece viva e mais atual do que nunca.

Palavras-chave: investimento direto estrangeiro; inovação de produto; ciclo do produto

Código jel: F20, F23, L19

ABSTRACT

This article aims to think about a key-question that involves the majority of the critic literature in respect to the product-cycle theory. What is over and what remains alive in this theory? After systematizing the basic mechanism of the product-cycle theory, it discusses some of its main insufficiencies, how it is appointed or suggested by the literature. Summarily, we argue that, if it is over the hypothesis which argues that the dynamics of innovations, and the foreign direct investments depends on the product life cycle chronology, on the other side, it remains alive and does up-to-date the hypothesis which argues that the comparative advantages have a dynamic character, which nature and relative account is modified along time in response to changes in the production conditions, in accordance to the product evolution and its complexity.

Key words: foreign direct investment; product innovation; product cycle

INTRODUÇÃO

Por que um novo produto surge, especificamente em um determinado país/região, e que fatores contribuem para que, alcançando o mesmo certo grau de desenvolvimento, a empresa que o produz tenda paulatinamente a deslocar sua produção para outros países/regiões?

Essa é a preocupação central da teoria do ciclo do produto, conforme originalmente apresentada por Raymond Vernon em um ensaio seminal intitulado "International investment and international trade in the product cycle", publicado no Quartely Journal of Economics, em maio de 1966. Em que pese o seu propósito declarado de analisar especificamente os determinantes dos padrões de comércio e de investimentos produtivos norte-americanos no exterior, no período compreendido entre o final da Segunda Guerra Mundial e meados dos anos 1960, a teoria do ciclo do produto acabaria por tornar-se uma referência na discussão sobre comércio e progresso técnico.1

Ao elaborar a tese do ciclo do produto, Vernon parte da percepção de que os referenciais teórico e instrumental analítico derivados da "corrente principal da teoria do comércio" — leia-se: teoria neoclássica do comércio — mostravam-se inadequados ao objetivo de explicar os padrões de comércio e investimento internacionais, observando, a esse respeito, que

qualquer pessoa que tenha procurado entender as variações no comércio e investimento internacionais nos últimos 20 anos, de tempos em tempos, tem se sentido irritada por uma sensação aguda de inadequação dos instrumentos analíticos disponíveis (Vernon, 1966: 89).

Vernon atribui tal inadequação da teoria neoclássica do comércio à sua ênfase exclusiva nos custos relativos dos fatores produtivos e no conceito de vantagens comparativas (estáticas) como determinantes dos fluxos internacionais de comércio, deixando assim de considerar elementos outros, cuja importância já se mostrava bastante evidente, a saber: a cronologia das inovações, as economias de escala e a ignorância e incerteza decorrentes da informação limitada (Vernon, 1966: 90). Ao enfatizar a importância desses elementos sobre a definição dos padrões de comércio e de investimento internacionais, a teoria do ciclo do produto consegue demonstrar que as decisões sobre quando e onde investir em inovações de produtos são influenciadas pela evolução das vantagens comparativas de custos.

É interessante observar que tal perspectiva de dinamização da noção de vantagem comparativa de custos, embrionariamente desenvolvida pela teoria do ciclo do produto, foi não apenas retomada e aprofundada pela heterodoxia econômica, como mantém sua atualidade analítica enquanto conceito-chave sob a perspectiva de se estabelecer uma vinculação teórica entre comércio e progresso técnico que se mostre compatível com as hipóteses da concorrência imperfeita e da presença de economias de escala, vale dizer, que admita funções de produção não estáticas e não homogêneas entre setores e países, presença de economias externas, rendimentos crescentes na produção e dinâmica evolucionária do comércio.2

Por outro lado, é inegável que a teoria do ciclo do produto, como explicação para a composição e dinâmica das exportações e dos investimentos produtivos externos americanos e dos demais países desenvolvidos, teve o seu poder de análise progressivamente reduzido à medida que se aprofundavam as transformações tecnológicas e produtivas emergentes nas décadas de 1970 e 1980.

O presente artigo procura refletir sobre uma questão-chave que perpassa grande parte da literatura crítica à teoria do ciclo do produto: o que está superado, o que permanece vivo e o que pode ser atualizado nessa teoria? Argumentaremos, em síntese, que se, por um lado, a hipótese de que a dinâmica das inovações e dos investimentos diretos externos responde à cronologia do ciclo de vida do produto, por outro, não mais se sustenta a hipótese de que as vantagens comparativas possuem um caráter dinâmico, cuja natureza e importância relativa se modificam ao longo do tempo, em resposta a mudanças nos condicionantes da produção, conforme o estágio de desenvolvimento e complexidade do produto, permanecendo viva e mais atual do que nunca.

O artigo foi estruturado como segue. Após esta introdução, faz-se uma apresentação esquematizada do modelo do ciclo do produto, procurando, neste momento, guardar a maior proximidade possível com a formulação original de Raymond Vernon. Na seqüência, retomamos a teoria do ciclo do produto, agora com o propósito de sistematizar e discutir suas principais lacunas e insuficiências, passando também em revista os pontos de crítica levantados pela literatura. A última seção apresenta as considerações finais do artigo.

1. APRESENTANDO O MODELO DO CICLO DO PRODUTO

Surgem novos produtos, estes se desenvolvem, atingem a maturidade, entram em declínio e, eventualmente, desaparecem. Essa é a essência da noção de ciclo de vida do produto. Vernon parte desse conceito e o articula a uma teoria do comércio que aponta para uma noção de vantagens comparativas de caráter dinâmico e a uma teoria do investimento (produtivo) que pressupõe racionalidade limitada e estrutura de mercado em concorrência imperfeita. O resultado dessa articulação é um modelo no qual o fluxo de comércio e a estratégia de localização da produção no exterior são explicados em função do ciclo de vida do produto.

Com o propósito de apreender o modelo do ciclo do produto, iniciamos pela consideração do conjunto de hipóteses que, uma vez articuladas a um enfoque teórico do comércio e do investimento internacional de caráter bem pouco convencional, formam a base desse modelo. Tais hipóteses, que se acham explicitadas já nas primeiras páginas do ensaio de 1966, podem ser sumarizadas como segue (Vernon, 1966: 90-93):

(1) As condições de acesso ao conhecimento científico requerido à criação de um novo produto e a capacidade de compreensão dos princípios científicos subjacentes a tal conhecimento não diferem significativamente entre empresas que se localizam em qualquer um dos países avançados; ou seja, supõe-se que as empresas que operam em um dado país possuam condições de acesso e capacidade de exploração (cognitiva) do insumo conhecimento tecnológico, proximamente iguais às existentes em qualquer outro país, respeitada a condição de que ambos os países façam parte do mundo desenvolvido.

(2) Qualquer que seja a condição de acesso ao conhecimento científico, a probabilidade de que este seja convertido na geração de novos produtos vai depender, antes, da capacidade do empresário de perceber oportunidades econômicas com a aplicação prática desse conhecimento na produção, o que, por sua vez, vai depender da facilidade de comunicação e da proximidade geográfica entre produtores e consumidores; supõe-se, assim, que os produtores mais aptos a desenvolver novos produtos, em qualquer dado mercado, serão aqueles que possuem um conhecimento prévio desse mercado.

(3) Dada a evidência de uma nova necessidade de consumo, o empresário se sentirá motivado a atendê-la, investindo na geração de um novo produto, se avaliar que a renda monopólica a este associada compensará o investimento inicial envolvido na atividade de inovação.

(4) O modelo do ciclo do produto não trata da "inovação industrial em geral", mas tão-somente da inovação em classes de produtos industriais voltados para consumidores de alta renda e cuja função de produção seja do tipo poupadora de mão-de-obra.

Sem perder de vista que o propósito, neste ponto da análise, é o de sistematizar as hipóteses básicas do modelo do ciclo do produto, para, a partir daí, explicar seu mecanismo de funcionamento, seguem algumas observações adicionais acerca do significado e implicações derivadas daquelas hipóteses.

A proposição de que qualquer dada empresa que opera em um determinado país acessará e explorará o conhecimento requerido à inovação de produtos nas mesmas condições que teria se operasse em qualquer outro país (do mundo desenvolvido) (hipótese 1) traz implícita uma concepção de conhecimento tecnológico como sendo algo plenamente transferível ou reprodutível entre diferentes empresas e países. Tal concepção sugere ainda que esse conhecimento se traduz na forma de artefatos tecnológicos, desconsiderando, assim, que o mesmo possui ainda um componente tácito, vale dizer, aquela parcela do conhecimento que, por se fazer incorporada nas pessoas e/ou instituições, não é passível de ser imediatamente decodificada e transferida, devendo ser, de alguma forma, aprendida.

Já as hipóteses 2 e 3 claramente apontam para uma concepção dos determinantes da inovação que se concentra na análise dos fatores que atuam pelo lado da demanda, o que se evidencia na importância central que o modelo atribui ao conhecimento das características do mercado consumidor doméstico e da oferta local de fatores de produção como condicionantes da decisão de inovar.3

A hipótese 4 torna explícito que a teoria do ciclo do produto se ocupa tão-somente das inovações de produtos cujas funções de produção permitam a substituição de mão-de-obra por capital e que se destinem aos consumidores de alta renda.4 O ponto a ser observado é que a teoria do ciclo do produto não se pretende aplicável às inovações em geral, restringindo-se às classes de produtos que atendam às condições especificadas anteriormente.

Retomando a formulação original de Vernon, passemos agora à caracterização do mecanismo do ciclo do produto. Vernon, seguindo Hirsch (1965) e Freeman (1963),5 distingue três estágios de desenvolvimento do produto: produto novo, produto em maturação e produto padronizado. Para uma representação esquemática desse modelo, veja-se a figura 1 a seguir.


Nos estágios iniciais da introdução de um novo produto, as decisões de investimento e produção se caracterizam por um relativo maior grau de complexidade, uma vez que até mesmo os condicionantes mais imediatos do processo produtivo encerram elevado grau de indeterminação, levando a que os produtores se vejam defrontados com várias indefinições críticas, ainda que transitórias. Esse é um argumento-chave do modelo do ciclo do produto.

Pelo fato de as características do novo produto serem, nesse estágio inicial do produto, não padronizáveis, os insumos e as especificações finais do produto e do mercado se mostrarão sujeitos a grandes alterações. Decorre disso que os produtores se vêem a defrontar com condições bastante incertas no que tange: à escolha dos insumos mais adequados e à melhor forma de combiná-los na produção; à definição das especificações do produto final e quais produtos terão êxito na seleção pelo mercado; às dimensões finais do mercado consumidor; e às respostas competitivas das firmas rivais.

Sob tais circunstâncias, a possibilidade de um maior grau de liberdade e um leque mais amplo de alternativas para a escolha de potenciais fornecedores e insumos assume importância crítica como elemento de estratégia competitiva, aumentando sobremaneira a importância de se poder contar com certa flexibilidade para mudar os insumos ou a forma de combiná-los na produção, assim como a necessidade de comunicação rápida e eficaz entre os produtores e entre estes e seus fornecedores e clientes.

Nessa fase inicial do novo produto, a concorrência assume duas características principais: pequeno número de produtores e alto grau de diferenciação do produto. A primeira característica deve ser entendida à luz da idéia de que os produtores em potencial do novo produto podem e tendem a não possuir exatamente as mesmas condições, no que tange à sua capacidade de inovar;6 ressalte-se que esta é uma hipótese apenas implícita no modelo de Vernon. A segunda característica decorre da hipótese assumida pelo modelo de que os novos produtos se destinam a mercados consumidores de alta renda. Soma-se a isso a possibilidade de algum controle monopólico sobre os preços, tendo como resultado a prevalência da concorrência por diferenciação de produto, levando a que as firmas individuais se deparem com uma combinação de baixos coeficientes de elasticidade-preço da demanda por seus produtos e elevados coeficientes de elasticidade-renda da demanda.

Como resultado desse conjunto de forças, a estratégia de concorrência das firmas inovadoras tende a se caracterizar por uma combinação de experimentação de novos tipos de produtos e uma posterior especialização em algumas poucas variedades, tecnológica e comercialmente mais promissoras. Decorre disso que, nessa fase do produto, os custos relacionados à inovação ganham destaque na estratégia de concorrência das empresas, ao passo que os custos de produção deverão receber uma atenção relativamente menor.

Em um estágio intermediário do ciclo do produto, que corresponde à sua fase de maturação, terão lugar mudanças importantes no âmbito da concorrência: o número de produtores aumenta, a oferta cresce e se torna mais diversificada, o que pressupõe esforços crescentes de diferenciação de produtos, enquanto a demanda, que também estará aumentando, se torna mais sensível ao preço. A ameaça de intensificação da concorrência por via dos preços será algo muito presente nesse estágio do produto, dado que a demanda encontra-se bastante preço-elástica; daí o ímpeto para a diversificação da produção como estratégia de preservação de mercado.

À medida que a demanda se expande, as características do produto e do processo produtivo evoluem para um maior grau de estandardização, e isso afetará de forma determinante as condições de produção. A definição de um conjunto fixo de normas para o produto abre possibilidades técnicas para a realização de economias de escala mediante a produção em massa. Com a redução do grau de variabilidade do processo produtivo e das características técnicas do produto, diminui também a necessidade de se operar com elevado grau de flexibilidade na produção. Por outro lado, com a maior estabilidade da produção aumenta a utilidade das projeções de custos e a importância de controlá-los de maneira eficiente.

Contudo, se no plano imediato da produção a empresa inovadora já pode contar com condições relativamente favoráveis, no tocante às decisões de investimento, as coisas tendem a se complicar bastante a partir daí. Com a demanda pelo novo produto crescendo em países potencialmente competitivos na sua produção, em algum momento a empresa detentora do monopólio da inovação terá de assumir o risco de estabelecer uma instalação produtiva fora do seu país de origem.

Que fatores serão considerados nessa decisão? Segundo Vernon, poder-se-ia inicialmente cogitar que, enquanto o custo do produto marginal, mais o custo com transportes dos bens exportados, for inferior ao custo unitário da produção potencial no mercado importador, não haverá razões para investimento direto no exterior. Todavia, observa o autor, tais cálculos dependem da capacidade que têm os produtores de projetar custos em uma realidade econômica distinta. Ocorre que essa capacidade de projeção nunca será plena, já que as decisões empresariais envolvem sempre algum grau de incerteza ou desconhecimento do futuro.

Além do mais, mesmo na hipótese de que o produtor tivesse razoável capacidade de projeção, a eficácia desse tipo de cálculo reduziria na proporção direta do aumento da importância de fatores internos às economias particulares atuando como "forças de localização", tais como, por exemplo, a ameaça de novos concorrentes no país importador, o nível de proteção tarifária esperada no futuro e a situação política no país de inversão potencial (Vernon, 1966: 98-99).

Por fim, muitas vezes a ameaça à posição estabelecida da empresa é por si só uma poderosa força galvanizadora para os investimentos internacionais. Assim, mais do que a perspectiva de uma oportunidade de expansão de mercado, o que se impõe é a necessidade de agir preventivamente, a fim de evitar uma perda do fluxo de rendas, buscando, para isso, estabelecer-se no novo mercado antes que alguma empresa concorrente o faça, ou, antes, por causa disso (Vernon, 1966: 98-100).

Com o produto atingindo a fase madura ou de padronização, tem-se a consolidação das suas características básicas e do mercado consumidor, ou seja, um aprofundamento de características da fase anterior de maturação do produto. A padronização do produto atinge o grau máximo, o consumo se massifica e a escala de produção pode ser otimizada. Não obstante essa relativa estabilidade do produto e do mercado consumidor, a especificação dos insumos requeridos à produção passará por grande mudança também nessa fase do produto. Cresce a importância relativa dos fatores capital e mão-de-obra, enquanto declina a do fator tecnologia. Diminui a necessidade de trabalho ligado ao conhecimento, enquanto aumenta a do trabalho diretamente ligado à produção, bem como a importância do aprimoramento da tecnologia incorporada nos equipamentos.

Decorre disso que os custos tradicionais (custos de mão-de-obra, capital e matérias-primas) aumentam sua importância relativamente aos custos ligados à atividade de inovação (custos de pesquisar, testar, adaptar... o novo produto), o que deve repercutir na decisão de localização dos novos investimentos produtivos, no caso daquelas categorias de produtos: (i) que permitam maior grau de padronização e cujo valor agregado individual seja alto o suficiente para compensar os elevados custos de transportes; (ii) cuja função de produção demande insumos significativos de mão-de-obra, porém sem a exigência de elevado grau de especialização; (iii) e que não requeiram um ambiente industrial mais elaborado, já que em tal situação a vantagem do baixo custo de mão-de-obra poderia ser neutralizada em virtude de deseconomias externas (Vernon, 1966: 102-106).

É nesse momento que os países menos desenvolvidos podem oferecer vantagens competitivas para a localização da produção, no caso de certas categorias de produtos. Será o caso "se pudermos supor que os produtos altamente padronizados tendem a ter um mercado internacional bem articulado e facilmente acessível, vendendo em grande parte em função do preço ", seguindo-se disso

que tais produtos não colocarão o problema da informação tão agudamente para os países menos desenvolvidos. Isto estabelece uma condição necessária, senão suficiente, para o investimento em tais indústrias. ( ) Neste caso, o baixo custo de mão-de-obra pode ser a atração inicial para o investidor em áreas menos desenvolvidas (Vernon, 1966: 102-103).

E desde que se admita, como faz o modelo, que, no caso daquelas indústrias produtoras de bens altamente padronizados, importa mais o baixo custo de mão-de-obra e menos o fato de os países menos desenvolvidos, em geral, não propiciarem senão uma possibilidade limitada à exploração de economias de escala, e um baixo potencial para a realização de economias externas, pode-se concluir que o baixo custo de mão-de-obra tende a ser o fator determinante à condição desses países como receptores de investimentos em atividades caracterizadas por elevado grau de padronização de produtos, donde também se conclui pela introdução nesses países de um viés para a produção desse tipo de produtos.

Esse argumento pode ser sintetizado nos seguintes termos:

os processos manufatureiros que recebem insumos significativos da economia local, como mão-de-obra especializada, pessoal de manutenção, energia confiável, peças sobressalentes, materiais industriais processados de acordo com especificações rigorosas, e assim por diante, são menos apropriados para as áreas menos desenvolvidas do que os processos que não apresentam essas exigências (Vernon, 1966: 103).

Em suma, a possibilidade de os países menos desenvolvidos virem a ser escolhidos para a localização de novos produtos vai depender em boa medida do grau de estandardização atingido pelo novo produto. Quanto mais estandardizado o produto for, mais atrativos se tornam aqueles países nos quais se possa dispor de mão-de-obra a custos relativamente mais baixos. Já a produção de bens sob encomenda, e que requeiram maior investimento em pesquisa ou um ambiente econômico mais refinado, tende a se localizar próxima dos países/mercados de origem dos principais complexos industriais, vale dizer, de forma restrita ao espaço geográfico dos países desenvolvidos.

2. REVISITANDO AS CRÍTICAS À TEORIA DO CICLO DO PRODUTO

Em uma passagem do artigo de 1966, Vernon observa que "em uma área tão complexa e ‘imperfeita’ como o comércio e investimento internacionais, não se deveria prever que qualquer hipótese tenha mais do que um poder explicativo limitado". Bem mais adiante, já nos comentários finais do artigo, e referindo-se então especificamente à teoria do ciclo do produto, o autor reconhece o caráter exploratório do enfoque proposto com essa teoria, e conclui com a avaliação de que "...o que se necessita é continuar sondando para determinar se as ‘imperfeições’ tão fortemente realçadas nestas páginas merecem ser elevadas de notas de rodapé a texto principal da teoria econômica" (Vernon, 1966: 97, 107).

Ninguém duvida, hoje, de que as "imperfeições" referidas por Vernon — apenas lembrando: o papel das economias de escala, da inovação, ignorância e incerteza sobre os padrões de comércio e investimento internacionais — alcançaram o texto principal da teoria econômica, melhor dizendo, da heterodoxia econômica. É também inegável que, desde o surgimento da teoria do ciclo do produto, e sob inspiração desta, as teorias sobre comércio e investimento internacional avançaram, e muito, no tocante à explicação dos condicionantes do investimento direto estrangeiro, em sua vinculação com a dinâmica tecnológica e o comércio internacional. E é também notório que as críticas à teoria do ciclo do produto foram se avolumando ao longo das décadas de 1970 e 1980, o que não deixa de ser indicativo da vitalidade dessa teoria.

Foi o próprio Vernon quem, em um texto posterior ao ensaio de 1966, escrito para o dicionário Palgrave de economia,7 melhor sintetizou as principais insuficiências da teoria do ciclo do produto, antecipando, no essencial, o teor das críticas dirigidas a essa teoria nas duas décadas seguintes à publicação daquele ensaio.8

Nessa sua revisão crítica da teoria do ciclo do produto, Vernon partira da observação de que a performance exportadora e de investimentos diretos estrangeiros das firmas norte-americanas teria se modificado ao longo dos nos anos 1970, perguntando-se sobre o que teria mudado no tocante aos determinantes da dinâmica desse processo, haja vista que tal realidade econômica mostrava-se de fato muito distinta daquela do período compreendido entre o pós-guerra e meados da década de 1960, na qual se baseava o ensaio de 1966.

Segundo esse autor, ao longo dos anos 1970, dois fatores teriam concorrido para diminuir o alcance da teoria do ciclo do produto como elemento explicativo da composição e dinâmica das exportações e dos investimentos americanos no exterior: (i) a tendência à diminuição da distância entre os níveis de renda per capita e o padrão de custos relativos dos fatores dos eua e os demais países desenvolvidos (Europa e Japão); (ii) a tendência à internacionalização da produção, com as firmas desses países passando a desempenhar suas atividades por meio do estabelecimento de redes mundiais de produção e distribuição, introduzindo novos produtos simultaneamente em vários mercados (Vernon, apud Eatwell et al., 1987: 986-988).

A tendência à convergência do nível de renda per capita e custos relativos dos fatores entre os países desenvolvidos acabou por minar a condição norte-americana de locus preferencial para o investimento em inovações de produtos poupadores de mão-de-obra e dirigidos ao consumo de alta renda. Teve ainda o efeito de contribuir para o acirramento da concorrência no exterior, à medida que firmas japonesas e européias passaram a competir nos seus mercados domésticos com inovações de produtos similares aos das firmas multinacionais estadunidenses.

Já a emergência e progressiva multinacionalização das firmas teve o significado de reduzir a importância da nacionalidade da firma matriz em determinar a direção da inovação e o padrão de comércio exterior. A concorrência entre firmas, que, agora, já na fase de introdução do novo produto, operariam simultaneamente em diferentes países, acabaria por jogar por terra a hipótese original de que a firma inovadora gozaria da condição de monopolista na fase inicial de introdução do novo produto. O aprofundamento desse processo de multinacionalização da produção teria, assim, o efeito de tornar cada vez mais irrelevante a distinção entre mercados externos e internos como critério para a decisão sobre onde estabelecer a produção do novo produto.

Tais qualificações à teoria do ciclo do produto remetem direta ou indiretamente à avaliação crítica feita pelo próprio Vernon em seu escrito para o dicionário Palgrave. Não obstante, a conclusão de Vernon é de que o conceito de ciclo do produto continua a ter alguma utilidade considerável (Vernon, apud Eatwell et al., 1987: 987). Vernon desenvolve dois argumentos em defesa dessa sua posição. Muitas firmas continuam a produzir no interior de economias que conservam algumas características nacionais distintivas, relacionadas, por exemplo, às características do mercado consumidor, do mercado de fatores, ou à base de recursos naturais, que tendem a levá-las a produzir novos e distintos produtos, em alguma medida sintonizados com aquelas características. E com as firmas multinacionais passando a desenvolver simultaneamente, e em escala mundial, as diversas etapas do produto, aumenta a importância dos condicionantes locais da produção como critério para a decisão de onde investir, sem esquecer, porém, que a seleção dos países a receberem tais investimentos produtivos passa agora a depender em maior medida do que eles ofereçam em termos do tipo de vantagem competitiva almejada pela empresa em cada particular situação. Vernon conclui então que

diferentes condições [nacionais] tendem a puxar as inovações em diferentes direções, criando um campo fértil para se teorizar sobre os padrões de investimento e comércio que tais diferenças eventualmente produzam (Vernon, apud Eatwell et al., 1987: 987).

Importa observar que o rol de críticas à teoria do ciclo do produto não se esgota nessa auto-avaliação de Vernon. Em uma revisão — assumidamente não exaustiva — da literatura, identificamos os seguintes principais argumentos de crítica a essa teoria:

(i) Ao identificar no mercado de origem da firma (home-market) inovadora o estímulo primordial para a inovação, a teoria do ciclo do produto acaba por subestimar a importância dos fatores que atuam pelo lado da oferta, introduzindo, assim, um viés na análise dos determinantes da inovação e internacionalização da produção.

(ii) O modelo do ciclo do produto não seria aplicável às inovações industriais em geral, mas tão-somente às inovações em produtos associados a elevados níveis de renda, ou que permitem maior grau de substituição de capital por trabalho; este ponto, conforme anteriormente observado, foi não apenas reconhecido como enfatizado pelo próprio Vernon.

(iii) Ao assumir que a tecnologia necessária à inovação consiste essencialmente de princípios científicos cujo conhecimento é amplamente acessível a todas as firmas dos países desenvolvidos, a teoria do ciclo do produto desconsidera que uma parcela desse conhecimento é não transferível e não reprodutível, porque de natureza tácita, ou seja, faz-se incorporada nas pessoas e instituições.

(iv) A direção da atividade inovativa é descrita pelo modelo como sendo inteiramente determinada pelos sinais — reais ou antecipados — de mercado. Por conseguinte, os condicionantes de natureza propriamente tecnológica — modernamente expressos nos conceitos de paradigmas e trajetórias tecnológicas — são desconsiderados por aquela análise.

(v) A hipótese, implicitamente assumida pelo modelo, de que as taxas de inovação e de mudança técnica sejam constantes durante o ciclo do produto exclui a possibilidade de que as inovações possam ocorrer de forma repetida ou mesmo sobreposta, enquanto se desenvolve o ciclo de vida do produto.

Em resumo, observa-se que as críticas à teoria do ciclo do produto se concentram em dois eixos temáticos: questiona-se o tratamento unilateral dado aos condicionantes da decisão de investir e da dinâmica das inovações, porquanto centrado no papel da demanda, e identifica-se uma concepção reducionista do que se entende por conhecimento científico e tecnológico e de sua relação com a atividade de inovar.

Ao colocar a atenção quase exclusivamente nos fatores que atuam pelo lado da demanda como determinantes da decisão de inovar — e pouco importa se tal demanda restrinja-se ou não ao mercado do país de origem —, a teoria do ciclo do produto passa ao largo da evidência de que os determinantes da vantagem tecnológica das firmas e/ou países são não apenas "demand-pull", mas também "science-push" e "tecnhology-push" (Dosi et al., 1990: 76-80). Isso significa dizer que as

inovações geralmente repousam sobre processos de aprendizado que são firm-specific e que interagem com o crescimento da demanda e a criação de novo conhecimento científico e tecnológico (Cantwell, 1995: 171).

Tal visão unilateral tem ainda o efeito de reduzir os condicionantes da dinâmica da inovação a uma questão de percepção de oportunidades de mercado, ou seja, tratar como suficiente o que pode ser uma condição apenas necessária. A transcrição a seguir ilustra bem esse ponto:

Diferentes tecnologias apresentam diferentes taxas de desenvolvimento em diferentes momentos do tempo. Em alguns casos, aperfeiçoamentos tecnológicos podem abrir oportunidades para a inovação sem qualquer mudança nos sinais de mercado. Em outros casos, tecnologias intrincadas [difficult] ou estagnadas podem significar que oportunidades de mercado evidentes poderão não ser exploradas (Dosi et al., 1990: 81).

Daí também o porquê de ser irrealista a hipótese de que a taxa de inovação seja constante ao longo do ciclo do produto, quando o mais provável é que as inovações ocorram a taxas diferenciadas entre firmas/países, e tal ocorrência pode assumir a forma de ciclos que se repetem e/ou se sobrepõem durante a trajetória de desenvolvimento do produto. A ocorrência de ciclos repetidos de inovações seria compatível com uma situação em que a emergência de uma inovação primária seja sucedida por inovações secundárias ou incrementais ao longo de uma dada trajetória tecnológica. O caso de ciclos superpostos pode ser pensado com referência a uma situação em que a um dado paradigma tecnológico se associem diversas trajetórias tecnológicas, cada qual significando um leque potencial de inovações. Ambas as possibilidades foram objeto de análises posteriores.9

Há ainda as questões do timing das inovações, de onde elas surgem e como se difundem, as quais têm originado enfoques alternativos à teoria do ciclo do produto, com destaque para as análises de Boynton, Victor e Pine II (1993) e Christensen (2000).

Boynton, Victor e Pine II (1993) desenvolvem o argumento de que as estratégias da produção fordista, baseadas na inovação pontual de produtos, produção em massa e processos produtivos tecnologicamente estáveis ao longo do ciclo de vida do produto, vêm cedendo lugar a estratégias de customização em massa de novos produtos e melhoramento contínuo das capacidades técnicas e organizacionais. Distinguem-se, assim, quatro modelos de organização da produção: produção em massa, invenção, customização em massa e melhoramento contínuo de processos. Os dois primeiros modelos representam as estratégias competitivas da organização fordista da produção, ao passo que os dois últimos, as estratégias competitivas emergentes sob o paradigma das tecnologias de informação.

No modelo de produção em massa, as especificações da demanda e dos produtos são relativamente estáveis e previsíveis. Porém, a introdução e o desenvolvimento inicial de novos produtos tendem a trazer consigo a necessidade de redefinição ou invenção de novas técnicas e processos produtivos, abrindo espaço para a invenção, o modelo organizacional desenhado para permitir a criação de novos produtos e processos produtivos (Boynton, Victor e Pine II, 1993: 46).

O modelo de customização em massa caracteriza-se por ofertar uma variedade de serviços ou produtos inovadores a uma ampla gama de consumidores, em um contexto de mudanças contínuas na demanda e nas habilidades técnicas. Para compatibilizar a exploração eficiente dessas habilidades com o aproveitamento das vantagens de custos associadas à produção em grande escala, a estratégia adotada é o melhoramento contínuo dos processos empregados. O que torna isso possível é a utilização de sistemas de tecnologia de informação e estruturas organizacionais flexíveis que permitem redefinir ou criar novas capacidades técnicas em condição de relativa estabilidade da base de conhecimentos (Boynton, Victor e Pine II, 1993: 53-54).

Os modelos de produção em massa e invenção abrangem a introdução de um novo produto, seu desenvolvimento, padronização e difusão em massa, mostrando, assim, correspondência evidente com a teoria do ciclo do produto de Vernon. Já os modelos de customização em massa e melhoramento contínuo de processos vão de encontro a essa teoria, uma vez que admitem o desenvolvimento simultâneo de novos produtos e mudanças contínuas no plano tecnológico. Admitindo-se que estes últimos modelos vêm, desde fins do século xx, avançando sobre as estratégias de produção fordista, a conclusão é que a teoria de Vernon estaria empiricamente defasada.

Outra visão alternativa à teoria do ciclo do produto de Vernon encontra-se em Christensen (2000), cuja preocupação central é explicar o porquê de firmas líderes, que praticam os "princípios da boa administração" e investem no desenvolvimento de produtos dirigidos a consumidores de maior renda, acabarem perdendo a posição de liderança na indústria. A visão do autor é de que, justamente por procederem dessa maneira, tais firmas podem, em algum momento, fracassar.

A explicação do autor é que, com o objetivo de satisfazer os melhores clientes dos principais mercados, firmas líderes tendem a focar exclusivamente tais mercados, investindo primordialmente em tecnologias sustentáveis e negligenciando o investimento em tecnologias disruptivas.10 Ocorre que estas últimas, se de imediato geram produtos de pior performance e que não estão à altura de concorrer com os produtos consagrados, com o tempo têm a performance de seus produtos melhorada, o que pode torná-los competitivos também nos principais mercados. A essa altura, é tarde para as firmas líderes investirem em tecnologias disruptivas, acabando elas por perderem a posição de liderança na indústria.

É interessante observar que o momento em que uma tecnologia disruptiva emerge e invade os principais mercados assinala também a transição a uma nova fase no ciclo de vida do produto. De início, quando nenhum produto satisfaz o requerimento de funcionalidade, a escolha dos consumidores assenta-se nesse critério. Uma vez que um ou mais produtos satisfaçam a demanda do mercado por funcionalidade, o critério de escolha passa a ser o da confiabilidade. Quando esses produtos se apresentam confiáveis, os clientes passam a priorizar o critério de conveniência. Por fim, uma vez que eles atendam ao requisito de conveniência, os clientes devem eleger o fator preço para suas escolhas (Christensen, 2000: 217-219).

Na teoria de Vernon, a seqüência de fases no ciclo de vida do produto corresponde, invariavelmente, ao movimento de transferência de inovações de produtos dos mercados principais para os secundários — assim considerados em sua dimensão espacial. Em Christensen (2000), a passagem de uma fase a outra no ciclo de vida do produto pode resultar em que uma inovação disruptiva alce produtos dos mercados secundários para os principais. Por fim, a possibilidade de aperfeiçoamentos contínuos em produtos e processos, ao longo do ciclo de vida do produto, significa um distanciamento da teoria de Vernon.

3. CONCLUSÕES

A teoria do ciclo do produto pode ser lida como uma tentativa pioneira de incorporar, de forma teoricamente mais consistente e articulada que as teorias precedentes, o papel da inovação, da escala de produção, das economias externas e da incerteza à teoria do comércio e da produção internacional. Nesse sentido, uma principal contribuição dessa teoria ao pensamento econômico está na perspectiva de dinamização do conceito de vantagens comparativas de custos, à medida que estabelece hipóteses sobre as decisões de localização do investimento e da produção internacional que transcendem a tradicional explicação da teoria neoclássica do comércio e da produção, que se baseia em uma noção de vantagens comparativas de caráter estático.

Na base dessa tentativa pioneira de "dinamização" do conceito de vantagem comparativa, a teoria do ciclo do produto amplia o marco teórico da análise do comércio e investimento internacionais, na medida em que: (i) estabelece um elo entre padrão de demanda e padrão de inovação; (ii) imprime um sentido dinâmico à noção clássica de vantagem comparativa de custos, evidenciando, assim, o equívoco de se considerar a condição de vantagem/desvantagem comparativa de custos como sendo função exclusiva da dotação relativa de fatores; como se estes fossem conceitos intercambiáveis entre si.

Por outro lado, conforme demonstrado na seção anterior, é evidente que algumas hipóteses básicas da teoria do ciclo do produto, conforme originalmente elaboradas por Vernon, ou desde a origem pecaram pelo excesso de simplificação, ou foram se tornando em alguma medida obsoletas, quando confrontadas com uma realidade econômica substancialmente distinta da vigente no período compreendido entre o pós-guerra e meados dos anos 1960, e que fora objeto de análise do modelo do ciclo do produto.

Nessa perspectiva, cumpre reconhecer que a hipótese de que o produto deva atingir um estágio avançado do seu desenvolvimento, como condição necessária para a internacionalização da produção e da tecnologia, não mais se sustenta. Sob o paradigma da produção globalizada, o produto já nasce em maior ou menor medida internacionalizado. As diversas partes componentes de um produto e/ou as etapas produtivas correspondentes são levadas a cabo simultaneamente em diferentes países, em uma estratégia de internacionalização da produção guiada pelas vantagens de custos e oportunidades de lucros oferecidas pelas diferentes economias nacionais.

A implicação básica dessa nova ordem de condicionantes econômicos é que a internacionalização da produção por via do investimento direto estrangeiro não mais se explica em função da cronologia do ciclo de vida do produto, o que significa dizer que a principal hipótese de sustentação da teoria do ciclo do produto perdera a sua validade.

Assim, bem mais promissora é a hipótese da teoria evolucionista, ou neo-schumpeteriana, de que diferenças internacionais na taxa e direção da mudança tecnológica se explicam em função da interação entre os padrões de demanda e de inovação. Mas o desenvolvimento dessa hipótese pressupõe uma abordagem microeconômica que consiga articular de maneira satisfatória os condicionantes da decisão de inovar relacionados à demanda, à ciência e à tecnologia; cabe lembrar que a teoria do ciclo do produto em nenhum momento pretendeu ser outra coisa que não uma abordagem macroeconômica para a explicação dos fluxos de exportação e investimentos diretos externos.

Ademais, se é verdade que a teoria do ciclo do produto não explica o fluxo de investimentos diretos estrangeiros no atual contexto de integração mundial dos mercados, é também verdade que ela continua bastante aderente à realidade, quando, por exemplo, ajuda a entender por que as empresas multinacionais, em geral sediadas nos países desenvolvidos, em sua estratégia de internacionalização produtiva tendem a se dirigir para países intensivos em recursos naturais e/ou mão-de-obra barata — são estas as vantagens de localização tipicamente oferecidas por esses países —, ao mesmo tempo em que tendem a concentrar naqueles primeiros países a maior parte dos seus investimentos inovativos, assim como as atividades de produção tecnologicamente mais complexas.

NOTAS

Artigo enviado em 8 de junho de 2006 e aprovado em 13 de março de 2007.

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  • 1
    . Dosi
    et al. (1990: 76-77) citam a teoria do ciclo do produto como uma dentre três contribuições pioneiras à análise do processo inovativo com foco na explicação das diferenças internacionais no ritmo e direção da mudança tecnológica. As outras duas contribuições citadas são os estudos de historiadores econômicos, como Habakkuk (1962) e David (1975; 1986), discutindo a relação entre preços relativos dos fatores e taxa de inovação tecnológica nos EUA e Inglaterra do século XIX, e de autores como Lindbeck (1981), analisando o papel do empresário-empreendedor na explicação dos padrões internacionais de inovação.
  • 2
    . As hipóteses de funções de produção não estáticas e não homogêneas entre setores e países e da presença de economias externas e rendimentos crescentes na produção estão na base das denominadas "novas teorias do comércio". Já a incorporação dessas hipóteses a um referencial analítico centrado no conceito de dinâmica evolucionária constitui o cerne teórico das abordagens kaldorianas-neo-schumpeterianas do comércio. As "novas teorias do comércio" têm em Paul Krugman um de seus principais expoentes. Para uma avaliação da contribuição desse autor, ver Krugman (1979; 1980) e Krugman e Obstfeld (2001, cap. 6). Para uma boa amostra do enfoque kaldoriano-neo-schumpeteriano do comércio, ver Soete (1987), Dosi (1987), Dosi
    et al. (1989), Dosi
    et al. (1990) e Amendola, Guerrieri e Padoan (1992).
  • 3
    . No que tange a este último ponto, cabe observar que Vernon basicamente incorpora a tese de Burenstem-Linder acerca da importância do conhecimento do mercado doméstico como condicionante da decisão de inovar, pela qual se afirma que, no caso em que se trate de produtos manufaturados, a produção para o mercado interno tende a anteceder a produção para exportação. Supõe-se, em síntese, que, no caso de produtos manufaturados, estes tendem a se adequar primeiramente às necessidades do mercado interno, para só então, e gradualmente, serem experimentados nos mercados de exportação, isso porque, segundo Burenstem-Linder, trata-se de bens diferenciados, cuja função de produção envolve, de forma determinante, a utilização do fator "conhecimento" (tecnológico), e cuja produtividade depende em grande medida da obtenção de vantagens de aprendizado na produção. Ver Burenstem-Linder (1961).
  • 4
    . Atualizando o argumento, tais categorias de inovações de produtos corresponderiam mais exatamente ao denominados bens de consumo duráveis, o que não exclui a possibilidade de contemplarem também certas categorias de bens de consumo não duráveis (aqueles que se destinam a consumidores de alta renda), além dos bens de produção em geral.
  • 5
    . Conforme esclarece o autor, em nota de rodapé. Cf. Vernon (1966: 95).
  • 6
    . O que nos remete a um corolário da teoria da inovação de inspiração neo-schumpeteriana, qual seja, o caráter assimétrico da dinâmica inovativa, portanto, à natureza seletiva e cumulativa desse processo.
  • 7
    . Confira Vernon, apud Eatwell
    et al. (1987: 986-988).
  • 8
    . Mais do que uma apresentação didática da teoria do ciclo do produto, trata-se de um aprofundamento da revisão crítica dessa teoria, iniciada em Vernon (1979). Veja também os comentários de Patel (1995: 141-142) e Cantwell (1995) a respeito da autocrítica de Vernon.
  • 9
    . Ver, por exemplo, Albernathy e Utterback (1975, 1978) e Utterback (1996).
  • 10
    . Enquanto as tecnologias sustentáveis melhoram a
    performance de produtos consagrados nos mercados principais, as tecnologias disruptivas podem gerar novos produtos para consumidores com menor renda. A decisão das firmas líderes de não investir em tecnologias disruptivas deve-se a que: (i) os produtos originados de tecnologias disruptivas são mais simples e baratos, proporcionando menores margens de lucro; (ii) tecnologias disruptivas são comercializadas inicialmente em mercados insignificantes e emergentes; (iii) os melhores clientes, que são os consumidores de maior renda, rejeitam os produtos baseados em tecnologias disruptivas. Christensen (2000, p. XVIII-XX).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      08 Jun 2006
    • Aceito
      13 Mar 2007
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