RESUMO
O presente artigo discute o conceito de risco sistêmico e analisa sua relação teórica com as crises financeiras e a fragilidade financeira a partir da contribuição do professor Fernando Cardim de Carvalho. Em específico, busca-se analisar a interpretação de Cardim sobre o tema a partir do diálogo que estabelece com a literatura convencional e de sua leitura dos trabalhos de Minsky. A metodologia empregada consiste em uma revisão bibliográfica compreensiva sobre o conceito de risco sistêmico, com enfoque na obra do professor Cardim. A leitura pós-keynesiana, para a qual Cardim contribuiu sobremaneira, aponta para uma íntima conexão entre risco sistêmico, fragilidade financeira e crise sistêmica. Destacam-se o caráter endógeno desse risco e uma visão vertical sobre as crises, segundo a qual a crise afeta o sistema econômico como um todo.
PALAVRAS-CHAVE: risco sistêmico; crise financeira; contágio; fragilidade financeira; margens de segurança
ABSTRACT
This paper discusses the concept of systemic risk and analyses its theoretical relationship with the concepts of financial crisis and financial fragility based on the contribution of Professor Fernando Cardim de Carvalho. More specifically, it analyses Cardim’s interpretation of those concepts based on the dialogue he establishes with the conventional literature and his own interpretation of Minsky’s works. We carry out a comprehensive literature review on systemic risk, focusing on the works of Professor Cardim. The post-Keynesian approach points to an intimate connection among systemic risk, financial fragility, and systemic crisis. We highlight the endogenous nature of systemic risk in this view and the prevalence of a vertical perspective on crises, according to which they affect the economic system as a whole and not only the financial system.
KEYWORDS: systemic risk; financial crisis; contagion; financial fragility; cushions of safety
INTRODUÇÃO*
A obra do professor Fernando José Cardim de Carvalho pode ser caracterizada pelo esforço frequente de trânsito entre discussões teóricas e questões práticas, seja no desenho e na condução das políticas econômicas, seja na análise empírica do mundo real. Ele se dedicou a inúmeras temáticas: moeda e política monetária, austeridade e política fiscal, controle de capitais e política cambial, crises financeiras, sistema financeiro e regulação financeira, dentre outras.1 O presente artigo se ocupa da última dessas temáticas, mediada por um conceito-chave que aparece frequentemente nas discussões levadas a cabo pelo professor: o conceito de risco sistêmico.
As crises são fenômenos centrais na discussão de Keynes e nas análises pós-keynesianas e compreendê-las requer compreender também como funcionam as economias modernas - ou melhor, as economias monetárias de produção (CARVALHO, 1992) - e, principalmente, como funcionam os sistemas financeiros modernos, engrenagens centrais no paradigma keynesiano de Wall Street ou da City de Londres (MINSKY, 2008, p. 4).
O conceito de fragilidade financeira e a hipótese de instabilidade financeira trabalhados por Minsky (1992, 2008) se inserem nesse contexto, ainda que Minsky não tenha tratado especificamente do que se convencionou chamar de “risco sistêmico”. Na literatura econômica não há uma definição de risco sistêmico universalmente aceita (SMAGA, 2014). Algumas correntes convergem para uma definição conforme o tipo de problema que se propõem a analisar - como no caso da literatura sobre sistemas de pagamentos (BIS, 1989). Porém, quando o tema é estabilidade financeira e política regulatória, as divergências são significativas.
Isso é justificado, ao menos em parte, na medida em que o conceito de risco sistêmico surgiu sem ter, necessariamente, ligação com qualquer arcabouço teórico pré-determinado. Esse termo ficou ligado a uma concepção mais mainstream da economia e dos sistemas financeiros, porém não deixou de permear os trabalhos de Minsky e sua discussão sobre crises (DE BANDT e HARTMAAN, 2002). Coube então a outros autores reinterpretar a obra de Minsky e a literatura que tratava do risco sistêmico de modo a iluminar a aderência e os limites desse conceito no âmbito do “paradigma de Wall Street” (CARVALHO, 2005; KREGEL, 2008; CARVALHO, 2015, p. 96-112).
Cardim foi um dos autores pós-keynesianos que mais frequentemente se dedicou a essa tarefa, que integrava um interesse mais geral na compreensão de como se
estruturavam e funcionavam os sistemas financeiros e como era definida a regulação financeira. Qualquer tentativa de dialogar com a teoria convencional nesses campos acabava trazendo a discussão para o termo “risco sistêmico”, e conferir uma interpretação pós-keynesiana / minskyiana da expressão foi uma importante contribuição do professor Cardim. A partir dessa leitura, foi possível fixar as bases analíticas - e críticas - para o desenvolvimento de uma proposição de regulação financeira que fosse capaz de lidar efetivamente com as crises sistêmicas - ainda que incapaz de as eliminar.
Diversos foram os laboratórios para o desenvolvimento dessas ideias. O Grupo de Estudos sobre Moeda e Sistema Financeiro, vinculado ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ) e coordenado por Cardim de meados da década de 1990 à sua aposentadoria em 2012, levou a cabo diversos projetos de pesquisa que trataram do tema regulação financeira, alguns registrados em livros (SOBREIRA, 2005; PAULA e OREIRO, 2007; CARVALHO et al., 2007), outros apenas em relatórios de pesquisa (BNDES, 2007; FINEP, 2008). O curso “IEE852 - Regulação Financeira”, oferecido por Cardim no Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRJ, criou um espaço perene de discussão desses temas, que se desdobrou, posteriormente, em algumas orientações (SARNO, 2006; CASTRO, 2009; SILVA, 2010; VASCONCELOS, 2014).
As discussões das reformas regulatórias após a crise financeira internacional de 2008-2009 foram também relevantes para o desenvolvimento das ideias de Cardim sobre regulação financeira, risco sistêmico e crises (ANBIMA, 2010, 2011a, 2011b). Entretanto, é um capítulo de livro publicado em 2010, posteriormente reproduzido em outra obra (CARVALHO, 2015, p. 96-112), que registra definitivamente a interpretação do autor e estabelece as conexões que a teoria pós-keynesiana havia até então negligenciado.
Este artigo se propõe a discutir o conceito de risco sistêmico e analisar sua relação teórica com as crises financeiras e a fragilidade financeira a partir da contribuição do professor Fernando Cardim de Carvalho. Mais especificamente, busca-se fazer uma análise da interpretação de Cardim sobre o tema a partir de sua leitura da obra de Hyman Minsky e do diálogo que estabelece com a literatura convencional e com as publicações mais recentes, do período pós-crise de 2008.
O exercício aqui proposto emprega como metodologia a realização de uma revisão bibliográfica compreensiva sobre o conceito de risco sistêmico, tomando como principal referência os trabalhos que buscam sistematizar e consolidar as diferentes contribuições sobre o conceito. Soma-se a isso uma ampla revisão dos escritos do professor Cardim, de modo a refletir a evolução do tratamento do conceito de risco sistêmico em sua obra e de quais espaços foram ou não preenchidos com sua contribuição.
1. A IDEIA DE “RISCO SISTÊMICO” NA LITERATURA ECONÔMICA
Para além da multiplicidade de acepções do conceito de “risco sistêmico” (SMAGA, 2014), há alguma controvérsia em relação à origem do termo na literatura econômica. Segundo Zigrand (2014), a expressão teria sido utilizada pela primeira vez por Cline (1984), na discussão sobre as crises da dívida latino-americanas nos anos 1980, sem, contudo, contar com uma definição apropriada. Outros autores, porém, importam-se menos com o termo em si e mais com as discussões subjacentes sobre crises financeiras - em particular, crises bancárias.
O próprio professor Cardim associa a noção de risco sistêmico ao clássico de Bagehot (1873), “Lombard Street: a description of the money market”, e sua discussão sistematizada sobre pânico bancário (CARVALHO, 2015, p. 98). Numa análise mais ampla da literatura, Dow (2000) identificou quatro discussões às quais o conceito é associado: (i) garantia de depósitos; (ii) sistema de pagamentos; (iii) valor dos ativos; e (iv) macroeconomia.
A caraterização que nos parece mais promissora, porém, parte da identificação de duas vertentes ou linhas de análise originárias, que incorporam sistematicamente a expressão e as noções a ela subjacentes: a primeira discute os sistemas de pagamentos, tratando do ponto (ii) de Dow (2000); a segunda, em linha com Carvalho (2015), enfoca a questão das crises bancárias.
Essa primeira linha diz respeito ao conjunto de trabalhos sobre sistemas de pagamentos e de liquidação desenvolvidos por especialistas dos bancos centrais do Grupo dos 10, coordenados no âmbito do Banco de Compensações Internacionais (BIS), no final da década de 1980 e início da década de 1990. Esses trabalhos utilizam o seguinte conceito de risco sistêmico: “the risk that the inability of one participant in a payment system, or in the financial markets, to meet obligations when due will cause other participants to fail to meet their obligations when due” (BIS, 1989, p. 10).
A importância do conceito deriva da função crítica desempenhada pelos sistemas de pagamento e compensação para o funcionamento dos sistemas financeiros e das economias. Uma vez que integra o mandato dos bancos centrais a manutenção do ordeiro funcionamento dos sistemas financeiros, justifica-se a preocupação em desenvolver políticas e regulamentações que auxiliem a mitigar o chamado risco sistêmico (BERNANKE, 1990; HERMANN, 1998).
O conceito utilizado pelo BIS é amplo em seu alcance, mas, ao mesmo tempo, trata de um fenômeno circunscrito: o risco que uma unidade não honre suas obrigações no tempo devido, causando, assim, que outros participantes igualmente não o façam. Nesse nível de análise, o motivo que leva a unidade referida a não honrar seus compromissos é secundário.2 O que é central no conceito utilizado pelo BIS é o fenômeno da propagação em cadeia ou do contágio nos sistemas de pagamentos, o que se deve às redes de relações estabelecidas pelas unidades que o integram - fato posteriormente reforçado por Rochet e Tirole (1996a, 1996b).3
Já a segunda linha de investigação, cujos trabalhos começam a ser sistematicamente publicados a partir da primeira metade da década de 1980, enfoca as corridas e crises bancárias. A expressão “risco sistêmico” não é necessariamente usada em todos os trabalhos, mas a evolução dos modelos e discussões sobre o tema fazem emergir a noção de contágio e desembocam na utilização do termo em publicações posteriores.
Diamond e Dybvig (1983), Gorton (1985) e Calomiris e Gorton (1991) discutem as possibilidades de emergência de corridas bancárias a partir da perspectiva de falência de uma instituição num sistema de reserva fracionária e analisam o papel das informações nesse processo. A literatura também remete às situações de pânico bancário e contágio e discute o papel das assimetrias de informação nesse fenômeno (JACKLIN e BHATTACHARYA, 1988).
O trabalho de Kaufman (1994) e publicações posteriores do autor (BENSTON e KAUFMAN, 1995; BARTHOLOMEW e WHALEN, 1995; KAUFMAN, 2000) destaca-se nessa corrente. Para Kaufman, a noção de contágio se refere ao desdobramento dos efeitos de choques de uma firma ou mais de uma sobre outras, sendo esses choques originados internamente à indústria bancária. Nesse contexto, o risco sistêmico é definido como: “the risk of widespread failure contagion” (KAUFMAN, 1994, p. 123).
No caso dos bancos, esse risco é de particular importância se a possibilidade de falência de uma ou várias instituições é transmitida não só ao sistema bancário, mas para a economia como um todo. Sistêmico, portanto, seria um choque de proporções significativas que produz efeitos adversos para a maior parte ou toda a economia (KAUFMAN, 2000, p. 93). Davis (1995), Rochet e Tirole (1996b), Calomiris e Mason (1997) e Allen e Gale (2000) são outros autores que reforçam e desenvolvem essa perspectiva, seja a partir de críticas,4 seja com refinamentos analíticos.5
Embora o conceito não possa ser associado inicialmente a nenhum arcabouço teórico específico, nessa vertente da literatura o papel das chamadas assimetrias informacionais, que representam falhas de mercado, acabam por alinhar o conceito à escola novo-keynesiana de pensamento. É inegável, portanto, que o conceito tem alguma ligação com o mainstream econômico. Porém, ainda que a evolução do pensamento sobre risco sistêmico tenha mantido certo viés novo-keynesiano, o escopo do conceito e de suas acepções se alargou significativamente ao longo do tempo.
Com as crises no final da década de 1990, em particular, com a crise do fundo de hedge Long-Term Capital Management (LTCM),6 o interesse pelo conceito de risco sistêmico se renova. Ganharam corpo análises mais generalistas, que buscaram caracterizar o fenômeno sem essa vinculação teórica específica, e análises que se situam para além do sistema bancário e do sistema de pagamentos, envolvendo outros segmentos, mercados e instrumentos financeiros. De Bandt e Hartmaan (2002, p. 250) ressaltam que, embora o caráter “especial” dos bancos nos sistemas financeiros seja importante para a discussão sobre risco sistêmico, o conceito abarca situações que vão muito além das corridas bancárias.7
Para estes dois autores, risco sistêmico diz respeito ao risco de que eventos sistêmicos fortes ocorram (DE BANDT e HARTMAAN, 2002, p. 254). Forte nesta definição está associado à falência de uma ou várias instituições e/ou mercados. Dois importantes elementos definem os eventos ditos sistêmicos: os choques8 e os mecanismos de propagação desses choques. A disseminação ampla de um choque culminaria, em última instância, no que os autores designam como crise sistêmica, um evento sistêmico que afeta um considerável número de instituições e/ou mercados em sentido forte, assim, causando uma disrupção no funcionamento normal do sistema financeiro.
A extensão do alcance de um evento sistêmico forte pode ser caracterizada conforme as visões horizontal e vertical do risco sistêmico. A visão horizontal enfoca os eventos e seus desdobramentos de forma circunscrita ao sistema financeiro, isto é, as falências das instituições financeiras e os colapsos dos mercados financeiros. Já a visão vertical transpassa as fronteiras do sistema financeiro e se preocupa com o comportamento da economia como um todo, envolvendo os efeitos de tais eventos sobre a atividade econômica, o investimento, dentre outros aspectos macroeconômicos.9
A ampliação do foco do setor bancário para outros segmentos do sistema financeiro, como o mercado de capitais, foi uma tendência da literatura sobre risco sistêmico no início dos anos 2000. Episódios como o do LTCM e as crises dos emergentes lançaram luz sobre a necessidade de tratar as crises financeiras como fenômenos eminentemente bancários.
Os autores Allen e Gale (2004) registram a primeira tentativa de maior fôlego na dissociação entre crise sistêmica e corrida bancária. As corridas bancárias são caracterizadas como eventos idiossincráticos e, na visão dos autores, ocorreriam simultaneamente com vários bancos somente por coincidência. Eles desenvolvem, então, um modelo no qual um pequeno choque agregado na demanda por liquidez pode levar a efeitos significativos, desproporcionais, em termos de inadimplência ou volatilidade dos preços dos ativos. Nesse caso, há múltiplos equilíbrios possíveis, alguns caracterizados por crises financeiras e outros não.
Ponto similar é discutido em Hendricks et al. (2007). Nesse caso, os autores colocam que uma característica-chave do risco sistêmico é a transição de um ponto de equilíbrio estável positivo para outro ponto de equilíbrio estável, porém negativo, para a economia e o sistema financeiro - leia-se um “equilíbrio com crise”. Associa-se a essa transição uma ampliação significativa do escopo das atividades realizadas pelas instituições financeiras e dos ativos nos quais elas investem. A liquidez de mercado10 passa a ser um aspecto essencial do novo modus operandi dos sistemas financeiros e os choques sistêmicos passam a ser definidos como aqueles que afetam um ou mais pilares de funcionamento da liquidez de mercado: a negociação, a arbitragem e a atividade de market making (HENDRICKS et al., 2007, p. 90). Diferentemente dos esquemas de corrida bancária, os choques sobre a liquidez de mercado podem se propagar mesmo quando não há interconexões entre as instituições - o preço dos ativos é que passa a ser central (KAMBHU, WEIDMAN e KRISHNAN, 2007, p. 23).
Além dessa evolução, a literatura econômica buscou incorporar também lições das discussões sobre risco sistêmico de outras disciplinas, como a biologia e a engenharia. Há similitudes entre os sistemas ecológicos, de engenharia e financeiro se os entendemos como sistemas complexos adaptativos (MARKOSE, 2005). Nesses sistemas, comportamentos coletivos emergem a partir de ações individuais, com os indivíduos componentes do sistema interagindo entre si e influenciando a evolução do sistema nas mais diversas direções. Com isso, os sistemas complexos podem ser caracterizados pela presença de não-linearidades em sua evolução, pela existência de múltiplos equilíbrios (stable states), pela noção de histerese - o que se traduz no conceito de dependência de trajetória (path-dependence) - e pelos conceitos de contágio e sincronia (KAMBHU, WEIDMAN e KRISHNAN, 2007, p. 30).11 Fazendo uma analogia com o uso do conceito de risco sistêmico em ecologia, os autores em questão destacam que o processo de mudança decorrente de um evento sistêmico é marcado por: “the tendency toward a rapid and large transition from one stable state to another, possibly less favorable, state-what one might call a regime shift” (KAMBHU, WEIDMAN e KRISHNAN, 2007, p. 7).
A incorporação desses elementos levou ao desenvolvimento de novos tipos de modelos para o tratamento do risco sistêmico e também pela coleta e utilização de dados pelas autoridades sobre transações financeiras (preços, volumes e tempo), balanços das instituições e exposições dos agentes, dentre outras variáveis.12 Nesse contexto, não só as crises financeiras e eventos sistemicamente importantes são relevantes, mas a dinâmica de episódios não-sistêmicos seria também relevante para compreender e modelar o comportamento dos mercados financeiros (HENDRICKS et al., 2007, p. 83-84).
Esses esforços analíticos ganham impulso com a crise de 2008, que alça a discussão sobre risco sistêmico a um novo patamar, onde o conceito é catapultado para o cotidiano das notícias midiáticas, passa a nomear novos organismos, ganha corpo entre as preocupações dos bancos centrais e passa a ser alvo da investigação de um sem número de acadêmicos. Os desenvolvimentos do conceito, porém, não foram revolucionários perante a literatura pregressa. Prevaleceu certo pragmatismo na análise do conceito, buscando aproximá-lo do mundo real, e houve também uma maior difusão da visão vertical sobre o risco sistêmico que mencionamos anteriormente (SMAGA, 2014, p. 4).
A visão vertical está presente em diversos trabalhos de organismos internacionais que se responsabilizaram por atuar e coordenar as ações de política regulatória, como o Financial Stability Board (FSB), o International Monetary Fund (IMF) e o Bank for International Settlements (BIS). Para essas entidades, o risco sistêmico representa: “a risk of disruption to financial services that is (i) caused by an impairment of all or parts of the financial system and (ii) has the potential to have serious negative consequences for the real economy” (IMF, BIS e FSB, 2009, p. 2). Nessa definição, a noção de externalidade negativa é fundamental, podendo ter origem em instituições, mercados ou nos próprios instrumentos financeiros utilizados pelos agentes.13
A expressão “risco sistêmico” - ou similar - também passou a constar nos arcabouços legais que regem a operação dos sistemas financeiros em jurisdições centrais no sistema financeiro global. Oosterloo e Haan (2003) verificaram que até então somente o Banco Central do Canadá fornecia uma definição de risco sistêmico ou de estabilidade financeira em suas leis ou normativos editados. Após a crise, isso mudou significativamente: na esteira da criação de novas autarquias e autoridades responsáveis pela supervisão dos sistemas financeiros, como o Financial Stability Oversight Council (FSOC), nos Estados Unidos, e o European Systemic Risk Board (ESRB), na Europa, a legislação passou a incorporar definições relacionadas ao conceito.14 Um detalhamento dessas mudanças é fornecido por Smaga (2013).
No âmbito acadêmico, alguns desenvolvimentos merecem registro. Acharya (2009), Billio et al. (2010), Giesecke e Kim (2011), Battiston et al. (2012) e Haustch et al. (2015, p. 686) associam o conceito de risco sistêmico à falência simultânea de uma série de instituições financeiras e, assim, à falência do “sistema como um todo”. De Nicolò, Favara e Ratnovski, (2012), Patro, Qi e Sun (2013), Smaga (2014), Adrian e Brunnemeier (2016) e Acharya et al. (2017) associaram o risco sistêmico à incapacidade de o sistema financeiro realizar suas funções apropriadamente e, assim, afetar negativamente a economia real, em linha com as definições que privilegiam a visão vertical acerca desse risco.
Gai (2013) também segue essa linha, mas destaca que o risco sistêmico diz respeito às externalidades dentre de uma rede - no caso o sistema financeiro - que não são internalizadas pelos participantes do sistema. Em especial, o autor classifica o risco sistêmico como: “the unhedged (possibly unhedgeable) risk within the financial system” (GAI, 2013, p. 119).15 Já Clerc et al. (2016, p. 27) ressaltam não as externalidades, mas as falhas de mercado em geral, associando o risco sistêmico ao conceito de “contágio indireto”, que opera para disseminar os problemas no sistema financeiro global.16
Zigrand (2014) é talvez o autor que mais se distancie da literatura pregressa ao buscar estabelecer uma base epistemológica dita mais sólida para o conceito de risco sistêmico. Para tal, Zigrand resgata a discussão sobre o conceito de “sistema” e sua aplicabilidade às ciências sociais, a partir do “sistema econômico” e do “sistema social”. Um sistema social se distingue de suas partes devido à função que desempenha, ou seja: “it must be a working thing, a machine functioning towards accomplishing an aim” (ZIGRAND, 2014, p. 6).
Essa concepção é relevante, pois, em primeiro lugar, somente um mecanismo em funcionamento (working mechanism) pode parar de funcionar. Em segundo lugar, essa concepção nos leva a investigar e enfocar os processos que originam eventos sistêmicos destrutivos, para além dos choques iniciais. Com efeito, Zigrand (2014, p. 3) destaca que o risco sistêmico abarca tanto o risco ao funcionamento apropriado do sistema financeiro quanto o risco criado pelo próprio sistema17 e, nesse contexto, remete ao conceito de fragilidade sistêmica. Podemos caracterizar um evento sistêmico como um evento no qual forças destrutivas são desencadeadas e a especificação apropriada de um evento sistêmico, portanto, deve contemplar a estruturação dos desequilíbrios previamente ao desencadeamento da falha sistêmica (ZIGRAND, 2014, p. 34). Em outras palavras, a endogeneidade do risco sistêmico é um aspecto central a ser avaliado.
A literatura se estendeu tanto nos últimos anos que é impossível tratar de todas as contribuições com o detalhe merecido neste espaço. O trabalho de Smaga (2014) e o compêndio de Benoit et al. (2017), em que os autores sistematizam 220 trabalhos sobre o tema, são importantes fontes de consulta de informações para os leitores mais interessados e incorporam a devida diversidade da temática na literatura. Entretanto, ainda contêm um viés de escopo, pois enfocam majoritariamente a literatura do mainstream. No presente artigo, contudo, é a literatura heterodoxa que ganha os holofotes, por meio da obra do professor Cardim e de outros autores pós-keynesianos. É esta a abordagem a que direcionamos nosso foco daqui em diante.
2. O RISCO SISTÊMICO SOB UMA PERSPECTIVA PÓS-KEYNESIANA E A CONTRIBUIÇÃO DE FERNANDO CARDIM DE CARVALHO
O desenvolvimento da literatura sobre risco sistêmico pode ser associado de alguma forma à corrente de pensamento econômico novo-keynesiana, uma vez que este tipo de risco é atrelado a falhas de mercado, em particular, externalidades negativas e assimetrias de informação. O conceito de risco sistêmico, contudo, não é utilizado somente pela economia convencional e foi incorporado ao pensamento de outras correntes heterodoxas. Na corrente pós-keynesiana o uso do termo não é frequente, porém ele encontra eco nas discussões de Minsky (1977a, 1977b, 1992, 2008) sobre crises financeiras, tal como reconhecido nos principais compêndios sobre o tema (DE BANDT e HARTMAAN, 2002; BENOIT et al., 2017).
O paradigma de Wall Street ou da City de Londres desenvolvido por autores pós-keynesianos e, especialmente, por Minsky descreve as economias capitalistas contemporâneas - ou as economias monetárias de produção (CARVALHO, 1992) - a partir das mesas de negociação e por meio dos olhos dos investidores lato sensu que decidem, a cada dia, onde alocar sua riqueza e quais obrigações assumir. Como argumenta Minsky (1967, p. 33), “capitalism is essentially a financial system and the peculiar behavioral attributes of a capitalist economy center around the impact of finance upon system behavior”.
As decisões de investimento nos mais diversos tipos de ativos, da moeda aos bens de capital fixo, dos títulos públicos aos derivativos financeiros, envolvem não só uma decisão de alocação de portfólio, mas também uma decisão de financiamento, sobre o tamanho e qual a estrutura das obrigações que os agentes estão dispostos a (tentar) honrar (MINSKY, 2008, p. 192). Todas essas decisões interconectam as unidades econômicas, entendidas como unidades eminentemente financeiras, que buscam, em última instância, sobreviver no sistema econômico - e para tal empregar diferentes estratégias de acumulação.
Sobreviver aqui significa “não falir” e isso depende essencialmente da compatibilização dos fluxos entre recebíveis e despesas financeiros ao longo do tempo - o que Minsky chamou em sua tese de doutorado de “restrição de sobrevivência” (MINSKY, 2005, p. 96). O professor Cardim detalha essa ideia na seguinte passagem:
In a modern entrepreneurial economy, systemic health depends on the ability to businesses to generate cash flows that validate businessmen’s profit expectations and allow them to honor their liabilities. Making the ‘wrong’ decision may mean not only suffering losses but, under certain conditions, may lead to bankruptcy. Moreover, inability to honor debts may spread the original distress to creditors, including, in the case of firms, hired factors of production, to holders of similar classes of assets and liabilities, thereby creating cumulative pressures that could eventually compromise the economy’s ability to return to the neighborhood of its original position. (CARVALHO, 2016a, p. 458).
As diferentes estratégias consistem nas diferentes posturas financeiras que vão refletir o grau de fragilidade financeira a que cada unidade econômica se sujeita.18 Nesse sentido, a fragilidade financeira é um atributo fundamental das unidades econômicas e dos sistemas financeiros. A fragilidade pode ser coerente com um período de prosperidade econômica, que pode durar mais ou menos tempo, mas essa prosperidade, devido ao funcionamento normal de um sistema financeiro contemporâneo, pode ser interrompida abruptamente, devido a eventos não tão incomuns.
Na visão de Minsky, o desenvolvimento de uma estrutura financeira frágil, aqui em termos agregados, resulta do funcionamento corriqueiro das economias contemporâneas - e não de acidentes ou erros de política econômica. Esse processo é eminentemente endógeno. É neste contexto que Minsky (1977a, p. 4) caracteriza a fragilidade financeira como “sistêmica”, originadora de crises periódicas. A expressão sistêmica aqui embute tanto uma dimensão temporal, que sinaliza a perenidade da fragilidade nos sistemas econômicos, quanto espacial, que sinaliza a disseminação ampla entre as unidades econômicas da tendência à fragilização explicada pelo autor em sua hipótese de instabilidade financeira.
Minsky aponta que uma teoria da “fragilidade sistêmica” deve buscar explicar os motivos pelos quais as economias desenvolvem endogenamente estruturas financeiras frágeis e sujeitas a crises. Três elementos podem ser associados à robustez ou à fragilidade de um sistema financeiro e/ou econômico: (i) a combinação das estruturas de financiamento adotadas pelos agentes, isto é, a distribuição entre posturas financeiras hedge, especulativa e Ponzi;19 (ii) o peso dos ativos líquidos (moeda ou quase-moedas) nos portfólios; e (iii) a proporção em que o investimento corrente é financiado através de dívidas (MINSKY, 1977a, p. 8).
A fragilidade de um sistema financeiro depende dos mecanismos que possam amplificar distúrbios iniciais e, assim, quanto maior o peso das posturas especulativa e Ponzi no total da estrutura financeira, maior sua fragilidade (MINSKY, 1977a, p. 12). Uma economia, então, pode operar num regime mais robusto ou num regime mais frágil, a depender dos três elementos destacados no parágrafo anterior. Entretanto, é característico das economias modernas, com sistemas financeiros desenvolvidos, a tendência inata a migrar para posições mais frágeis após períodos de prosperidade (MINSKY, 1992, p. 8).
Durante um período de prosperidade, as dívidas privadas e as práticas especulativas são validadas pelos mercados financeiros. Contudo, tais práticas são vulneráveis em três frentes: (i) as unidades especulativas precisam ir a mercado para refinanciar suas dívidas e, portanto, são sensíveis a eventos como mudanças (aumentos) nas taxas de juros; (ii) devido a sua estrutura de balanço, na qual seus ativos têm maturidade mais longa que seus passivos, a alteração das condições de mercado faz com que o valor de mercado de seus ativos possa se tornar menor do que o valor de suas obrigações (tornando a unidade insolvente); e (iii) as visões sobre as estruturas financeiras consideradas viáveis - seguras - podem mudar abruptamente (MINSKY, 1977b, p. 14).
Tais condições podem fazer com que unidades especulativas se tornem Ponzi num curto espaço de tempo. O autor, porém, ressalta que: “Ponzi financing units cannot carry on too long. Feedbacks from revealed financial weakness of some units affect the willingness of bankers and businessmen to debt finance a wide variety of organizations. [...] Quite suddenly a panic can develop” (MINSKY, 1977b, p. 15). Uma vez que essa modalidade de financiamento passe a representar uma parcela significativa da estrutura financeira, então ou há aumentos significativos dos fluxos caixa gerados por inflação, ou inicia-se um processo de deflação de dívidas que caracterizaria uma crise sistêmica (MINSKY, 1977a, p. 23-24).
Outra forma de enxergar o processo de crescente fragilização é através das chamadas margens de segurança. Podemos considerar três tipos de margem de segurança. Primeiro, aquela correspondente ao excesso das receitas monetárias esperadas em relação às obrigações contratadas para todos os períodos de tempo (MINSKY, 1977a, p. 16). Essa margem é positiva somente para as unidades de perfil financeiro hedge. Segundo, temos a margem de segurança correspondente ao excesso do valor presente dos ativos em relação aos passivos de um agente. Essa segunda margem pode ser positiva também para agentes com posições especulativas. Terceiro, temos a margem constituída por ativos de altíssima liquidez no portfólio dos agentes, como moeda, o que Minsky (1977a, p. 16) designa como cash kickers.20
Cabe notar que todas as medidas de margem de segurança elencadas acima correspondem a medidas de estoque e não uma relação entre fluxos, como analisado anteriormente. A primeira e a terceira margens correspondem às condições de liquidez de um agente, ao passo que a segunda corresponde à condição de solvência (ter patrimônio líquido positivo). O processo de fragilização dos sistemas financeiros pode ser analisado a partir da erosão ou do declínio das margens de segurança dos agentes em períodos de prosperidade (KREGEL, 2008, p. 8).
Ao analisar a crise imobiliária americana, Kregel (2008, p. 10) reconhece que tal evento envolve a assunção de posições financeiras Ponzi e o declínio das margens de segurança, porém sugere que os processos que operaram para a fragilização da economia americana seguiram um roteiro distinto do que apresentamos acima. O autor associa a crise imobiliária a mudanças no modelo de operação dos bancos, que favoreceram um modelo de “originar para distribuir” empréstimos, com a predominância da securitização, de veículos fora dos balanços dos bancos e de avaliações de crédito por agências de notação de risco (agências de rating).
Kregel (2008, p. 14) argumenta que os empréstimos subprime representavam, desde a origem, esquemas de financiamento Ponzi,21 e os títulos gerados a partir desses empréstimos se apoiavam sobre margens frágeis de segurança. O sistema financeiro americano deixou de validar essa estrutura a partir do momento em que as taxas de juros dos empréstimos hipotecários, tal como estruturados, começou a crescer de forma desproporcional, inaugurando um aumento da inadimplência e, num segundo momento, uma queda nos preços dos imóveis (KREGEL, 2008, p. 19). Escrevendo em janeiro de 2008, contudo, o autor não destaca como tal processo se materializa em uma crise sistêmica, limitando-se a destacar potenciais consequências negativas para a economia real, como a contração do crédito.
A discussão de Kregel (2008) revela que a fragilização dos sistemas financeiros pode ocorrer não somente devido a processos endógenos de erosão das margens de segurança, mas em função da estrutura financeira determinada na partida, a partir de aspectos institucionais e do modus operandi das instituições financeiras. Porém, isso não deve ser interpretado como se a fragilização tivesse origem exógena; ela tem caráter essencialmente endógeno, embora opere por outros mecanismos - como as inovações financeiras.
A interrelação das análises de Minsky e Kregel com o conceito de risco sistêmico não é explicitada pelos autores, que enfocam o conceito de fragilidade financeira e discutem os mecanismos de fragilização no âmbito do sistema financeiro, seja ao longo do tempo, seja via a introdução de inovações financeiras. É somente nos escritos do professor Fernando Cardim que essa interrelação vai ser desenvolvida explicitamente, respondendo também à própria evolução, ao longo do tempo, do conceito de “risco sistêmico” na literatura convencional (CARVALHO, 2005, 2010, 2015, 2016a, 2016b; CARVALHO et al., 2007; IBASE, 2010).
É interessante notar que a questão do risco sistêmico em Minsky passa ao largo da discussão sobre sistemas de pagamentos, tão presente em outras caracterizações do risco sistêmico. O mesmo ocorre com a questão do contágio, que não tem papel central no trabalho desse autor.22 A contribuição de Cardim se dá também por meio da incorporação dessas duas questões à abordagem pós-keynesiana, que desenvolve em constante intercâmbio com as abordagens convencionais.
O conceito de risco sistêmico adotado por Cardim em seus trabalhos é generalista e está largamente alinhado ao conceito proposto por De Bandt e Hartmaan (2002). Para ele, o risco sistêmico: “refere-se à possibilidade de que um choque localizado em algum ponto do sistema financeiro possa se transmitir ao sistema como um todo e, eventualmente, levar a um colapso da própria economia” (CARVALHO, 2005, p.121). Essa perspectiva é reafirmada em IBASE (2010, p. 23-24) e também em Carvalho (2015, p. 96), em que o autor define risco sistêmico como “the risk of amplification of individual or local difficulties into a full-fledged crisis”.
Uma primeira observação a se colocar é que essas definições de risco sistêmico incorporam explicitamente a visão vertical, de que a crise sistêmica envolve não só o sistema financeiro, mas o sistema econômico como um todo. O fenômeno do contágio é caracterizado não só pela transmissão dos problemas individuais de uma instituição financeira às demais, mas também pela transmissão desses problemas à totalidade do sistema econômico. A afirmação de Minsky de que os atributos comportamentais de uma economia capitalista estão centrados no impacto das finanças sobre o comportamento do sistema econômico está contemplada nessa perspectiva.
Carvalho (2005, p. 122) ressalta que o contágio no sistema financeiro responde ao “papel singular que a confiança do público joga nos mercados financeiros”, uma vez que os problemas idiossincráticos de determinada instituição podem sinalizar problemas mais genéricos que envolvam outras instituições do mercado. Aliás, a possibilidade de contágio se coloca mesmo que as demais instituições sejam consideradas pelo público como perfeitamente sãs. A segunda dimensão do risco sistêmico, que envolve a transmissão de problemas do sistema financeiro para o sistema econômico como um todo, responde também às peculiaridades dos mercados financeiros. Carvalho (2005, p. 125) destaca que:
Há pelo menos dois canais de contágio que são, de qualquer forma, obviamente relevantes. Por um lado, o mais evidente, ainda que não necessariamente o mais importante, é o papel do sistema bancário na criação de um insumo de uso generalizado, o crédito. Por outro, e ao que tudo indica mais importante ainda que muito menos conhecido, o sistema bancário é responsável pela operação do sistema de pagamentos mais essencial de uma economia moderna, baseado na transferência de depósitos à vista entre bancos comerciais.
Essa perspectiva é, contudo, centrada essencialmente nos bancos e tem como pano de fundo a discussão sobre corridas bancárias. Em parte, isso reflete o objeto de análise do trabalho em questão (CARVALHO, 2005), porém permeia também outros trabalhos do autor que se dispõem a discutir o sistema financeiro e a regulação como um todo (CARVALHO et al., 2007, p. 272; IBASE, 2010, p. 24). De certa forma, esse enfoque acaba por refletir o foco originário da literatura convencional sobre risco sistêmico nos bancos e corridas bancárias.
Num momento posterior, Cardim avança na discussão e passa a contemplar também questões relativas aos mercados de ativos financeiros. Essa evolução está refletida em Carvalho (2010, p. 13), quando o autor sugere que: “riscos sistêmicos podem ser aumentados pela importância crescente de mercados secundários para garantir a liquidez dos ativos e o valor das posições tomadas pelos diversos investidores”. Também em Carvalho (2015, p. 108), o autor afirma que:
It is important to notice that systemic risk in Minsky’s approach is not exclusive or even mainly attributable to characteristics of modern banking systems. In fact […] systemic risk can equally be generated by securities markets, or through the connections between banking and securities markets.
Entretanto, os mecanismos que operariam nos mercados de capitais não são detalhados por Cardim, que remete a outros trabalhos - em especial, Kregel (2008) - e privilegia um tratamento mais genérico da questão.
Para Carvalho (2010, p. 14), “crises sistêmicas emergem do acúmulo de fragilidades no sistema financeiro [...] que expõe as instituições e os mercados a riscos agudos associados ao eventual desapontamento de expectativas de rendimento”. O risco sistêmico é, portanto, dinâmico e está refletido na criação de desequilíbrios contínuos a partir das fases de prosperidade, em linha com a hipótese de instabilidade financeira minskyiana. Como aponta em Carvalho (2015, p. 105), o sistema financeiro “continually builds disequilibria and becomes progressively more fragile until the point where even a small shock can generate a major crisis”.
Seguindo essa concepção, a alavancagem ganha status de elemento central que conecta as fases de prosperidade e crise, ou os regimes estáveis e instáveis sobre os quais fala Minsky (1992).23 Cardim aponta que: “[l]everage (...) grows during prosperity phases, intensifying and accelerating growth and prosperity itself. However, increasing leverage means also increasing fragility” (CARVALHO, 2015, p. 107). Com margens de segurança cada vez mais baixas, os devedores ficam cada vez mais expostos a choques que, sob circunstâncias normais, não teriam maiores consequências. Porém, num ambiente de disseminação de posturas fragilizadas, isso ganha outros contornos:
When speculative and Ponzi borrowers are dominant in the universe of asset-holders, the economy is exposed to systemic risk, because even a small disappointment (...) or a disappointment in profit expectations can lead to a massive de-leveraging process. (CARVALHO, 2015, p. 107-108)
Análises do mundo real, como Pedrosa (2019), acabam por demandar alguma qualificação desse argumento, uma vez que os dados empíricos não oferecem amplo suporte a uma relação positiva, direta e linear entre alavancagem e fragilidade financeira.24 A alavancagem pode ser considerada uma condição necessária, mas não suficiente para caracterizar uma maior fragilidade financeira. Nesse sentido, cabe também buscar outras informações sobre os instrumentos financeiros utilizados e as características das obrigações de cada unidade econômica e do sistema como um todo.
A diferenciação entre finance e funding evocada por Cardim em diversos trabalhos pode aqui também ser útil (CARVALHO, 1992, capítulo 9, 2010, 2016b). A ideia de funding está associada à compatibilização entre ativos e passivos, tendo como pano de fundo a aceitação de obrigações que podem ser idealmente liquidadas com as receitas esperadas dos ativos que se adquiriu (CARVALHO, 2016b, p. 295). Em outras palavras, remete à observância da chamada restrição de sobrevivência pelas unidades econômicas. Essa compatibilização é mediada pela rede de unidades econômicas e por suas decisões manifestas nas margens de segurança adotadas.
Como vimos acima, as margens de segurança dizem respeito não só a alavancagem, mas também à observância da restrição de sobrevivência no curto período e às condições de liquidez (cash-kickers) que os agentes mantêm. A incerteza e as expectativas dos agentes são fundamentais nessa dinâmica, pois, como bem observa Carvalho (2016b, p. 296): “the less attractive or the more obscure the future may appear to be, the stronger the concern with margins of safety will be, that is, with maintaining some room for maneuvering in case adverse developments take place”. Essa característica intrínseca dos mercados financeiros impõe certas dificuldades para a obtenção de um funding compatível com um grau ameno de fragilidade financeira - ou, no caso dos investimentos em bens de capital, compatível com o pleno emprego da força de trabalho.
Com esses elementos em mente, Cardim avança algumas características que uma política de regulação financeira com algum grau de eficácia no controle do risco sistêmico deveria dispor. A primeira e mais relevante seria a seguinte: “the first pillar of a Post Keynesian strategy of systemic stability regulation is to control leverage and maturity mismatches between assets and liabilities, and preserve margins of safety” (CARVALHO, 2015, p. 109). Ele chama atenção também para a necessidade de regular não só os bancos, mas os mercados de capitais e o sistema financeiro em geral, e para a necessidade de uma regulação tutelar do Estado que subordine a disciplina de mercado e que seja dinâmica ao longo do tempo, de modo a contemplar as inovações financeiras e as tentativas de arbitragem regulatória que a elas possam estar associadas.
Como ressaltamos na introdução deste artigo, as contribuições do professor Cardim se revelam profícuas não só do ponto de vista teórico, o que, em nosso contexto, está representado pela tentativa de complementar a análise minskyiana e criar pontes com a teoria convencional, mas também a partir de um prisma empírico-institucional, do mundo real, com a preocupação na adoção de políticas públicas efetivas - no caso, uma política de regulação financeira que viabilize a mitigação do risco sistêmico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão sobre risco sistêmico sob a perspectiva pós-keynesiana é tributária aos esforços do professor Fernando Cardim de Carvalho. Argumentamos que ele buscou desenvolver a discussão original de Minsky a partir do estabelecimento de um diálogo com as correntes de pensamento econômico mais convencionais e da incorporação e detalhamento de elementos que não haviam sido tratados por Minsky - em particular, o detalhamento dos mecanismos de contágio e sua relevância para a materialização de uma crise sistêmica.
A principal incompatibilidade entre a literatura econômica convencional sobre risco sistêmico e a abordagem pós-keynesiana consiste no tratamento das crises como eventos por vezes exógenos e na associação do risco sistêmico com falhas de mercado. A hipótese de instabilidade financeira, no caso pós-keynesiano, é essencialmente endógena e não está associada a nenhuma “falha” de mercado: é um subproduto da operação cotidiana das economias sob o paradigma pós-keynesiano de Wall Street.
Nessas economias, os agentes operam como se fossem instituições financeiras, tomando decisões sobre a alocação de seu portfólio e sobre a estrutura de suas obrigações, o que reflete suas posições de fragilidade financeira. Nesse caso, existe uma conexão íntima entre risco sistêmico, fragilidade financeira e crise sistêmica. A fragilidade é sistêmica, pois é perene e perpassa todas as unidades econômicas, e a crise envolve não só o sistema financeiro, mas o sistema econômico como um todo - prevalecendo uma visão vertical do risco sistêmico.
A principal crítica que pode ser feita a essa abordagem é o fato de que, na medida em que incorporou o conceito de risco sistêmico à terminologia pós-keynesiana, ela não procurou oferecer uma conceituação própria de risco sistêmico alinhada a seu arcabouço. O trabalho do professor Cardim certamente serve como ponto de partida para avançar nessa direção, porém não cabe aqui neste espaço empreender uma tentativa de preencher essa lacuna. Mais relevante é saudar o avanço proporcionado pelo pensamento desse autor nessa área e tê-lo como referência para a discussão das políticas regulatórias a serem adotadas pelas autoridades.
Não é possível eliminar o risco sistêmico das economias monetárias de produção. Mas é mais fácil compreende-lo e mais simples desenhar uma regulação financeira eficaz se considerarmos as ideias do professor Fernando Cardim de Carvalho. Infelizmente, ele não está mais fisicamente presente para nos guiar nessa jornada, mas seus escritos perduram e inspiram aqueles que desejarem seguir o caminho aberto por ele.
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- WALTER, P.; KRAUSE, P. Hedge funds - trouble-makers? Sveriges Riksbank Quarterly Review, 1999(I), p. 18-42, 1999.
- ZIGRAND, J-P. Systems and systemic risk in finance and economics. Systemic Risk Centre Special Paper, n. 1. LSE: Systemic Risk Centre, 2014.
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O livro organizado por Oreiro, Paula e Sobreira (2019) registra algumas dessas discussões. Ver também Carvalho (2015, Capítulos 4 e 8).
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Seja devido a problemas de liquidez ou questões operacionais (BIS, 1992, p. 14), o que é relevante é a incapacidade de honrar os compromissos e seus desdobramentos sobre outras unidades. Nesse caso, é possível, inclusive, interpretar o risco sistêmico como um desdobramento ou uma categoria especial do chamado risco de compensação, isto é, o risco de que a compensação de determinada transação não ocorra como planejado (FOLKERTS-LANDAU, 1990, p. 16).
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Diferentemente dos trabalhos do BIS, contudo, os autores associam especificamente esse risco a problemas de liquidez e solvência dos bancos que afetam a estabilidade do sistema bancário ou, genericamente, dos mercados (ROCHET e TIROLE, 1996b, p. 835).
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Em especial, destaca-se a crítica formulada por Calomiris e Mason (1997) à noção de contágio comumente propagada por essa literatura. A crítica deriva da rejeição empírica da ocorrência de contágio entre bancos problemáticos e saudáveis no pânico de Chicago em 1932.
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Rochet e Tirole (1996b, p. 835-836) associam ao risco sistêmico: (i) problemas de liquidez derivados de problemas de efetivação das ordens de pagamento; (ii) propagação de problemas através do mercado de empréstimos interbancários; (iii) riscos macroeconômicos que afetam diversos bancos; (iv) contágio relacionado à informação.
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Sobre o episódio do LTCM ver Edwards (1999) e Walter e Krause (1999).
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O trabalho desses dois autores (DE BANDT e HARTMAAN, 2002) era utilizado como a principal referência de Cardim na discussão do tema na disciplina de regulação financeira e nos seus trabalhos sobre o tema (e.g. CARVALHO, 2015).
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Os choques que originam o risco sistêmico podem ser tanto idiossincráticos (de uma instituição ou mercado específico) quanto sistemáticos (afetar várias instituições ou vários mercados ao mesmo tempo).
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Diversos autores se inserem nessa caracterização. Para autores como Acharya (2009), Kaufman e Scott (2003), Cifuentes (2003), Boss et al. (2004) e Chan et al. (2007) prevalece a visão horizontal. Já a visão vertical encontra eco em trabalhos como o relatório do Group of Ten (2001) sobre a consolidação no setor financeiro global: “Systemic financial risk is the risk that an event will trigger a loss of economic value or confidence in, and attendant increases in uncertainly about, a substantial portion of the financial system that is serious enough to quite probably have significant adverse effects on the real economy. [...] The adverse real economic effects from systemic problems are generally seen as arising from disruptions to the payment system, to credit flows, and from the destruction of asset values” (GROUP OF TEN, 2001, p. 126).
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Bernardo e Welch (2004) buscam caracterizar possíveis “corridas” nos mercados de capitais a partir do comportamento dos agentes em relação à liquidez.
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Seguindo essa linha de argumentação, pontua-se que os sistemas financeiros não seriam robustos por definição - a instabilidade, portanto, é uma característica -, mas poderiam alcançar tal configuração como resultado da interação entre os indivíduos (instituições) que o compõe: “unlike systems designed for robustness, complex adaptive systems are systems in which whatever robustness exists has to emerge from the collective properties of the individual units that make up the system; there is no planner or manager whose decisions completely control the system. Therefore, there are no guarantees that things will work well” (KAMBHU, WEIDMAN e KRISHNAN, 2007, p. 33).
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Um desdobramento interessante consiste na crescente utilização de modelos de redes complexas e topologia de redes para analisar os sistemas financeiros e o risco sistêmico. Ver Boss et al. (2004), Elsinger, Lehar e Summer (2006), Markose et al. (2010) e Fouque e Langsam (2013).
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A identificação das instituições ditas sistemicamente importantes passou a ser uma preocupação constante das autoridades no pós-crise, atrelada a padrões regulatórios mais rigorosos, em especial, requerimentos de capital mais elevados em níveis nacional e global (BCBS, 2011; FSB e IOSCO, 2015; IAIS, 2016).
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No caso do ESRB, o Parlamento Europeu definiu o termo risco sistêmico como “um risco de perturbação do sistema financeiro susceptível de ter consequências negativas graves no mercado interno e na economia real” (UNIÃO EUROPEIA, 2010, Artigo 2º). No caso do FSOC, a referência é indireta, uma vez que na lei Dodd-Frank (Section 803) são definidos os termos “relevância sistêmica” e “sistemicamente relevante”.
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O autor destaca também que “an analytical understanding of systemic risk requires coming to terms with network effects, fire sale effects, and funding liquidity risk” (GAI, 2013, p. 3).
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O contágio indireto diz respeito ao contágio entre agentes que não possuem ligações contratuais diretas. Segundo os autores, o contágio indireto pode se materializar através de diferentes canais, em particular, os preços de mercado e o transbordamento de informações (information spillovers) (CLERC et al., 2016, p. 1).
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Além disso, Zigrand (2014, p. 3) coloca: “[o]f course, these two risks can overlap, and a shock within the system and then amplified by the system can lead to the auto destruction of large components of the system up to the entire the system itself, or indeed up to the real economy that embeds the system from which the shock emanates”.
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Um agente se engaja numa estrutura protegida (hedge) se, em dado período, as receitas correntes esperadas de suas operações são suficientes para liquidar suas obrigações. Um agente é dito especulativo caso suas obrigações excedam as receitas correntes esperadas, obrigando-o a rolar parte de sua dívida para o pagamento da amortização. Por fim, um agente Ponzi é similar ao especulativo, porém mais grave: toda sua dívida (principal e juros) necessitará de ser rolada ou o agente precisará se desfazer de ativos para liquidar suas obrigações. Quanto maior a frequência de agentes na primeira categoria, menos frágil é a estrutura financeira característica de determinado sistema financeiro. Ver Minsky (1977b, p. 13-15).
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Ver nota de rodapé nº 18.
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Seria o equivalente a um “trunfo” em moeda, para fazer face a qualquer necessidade de curtíssimo prazo.
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De forma mais precisa: “[w]hat appears to be a hedge or speculative financing scheme (in Minsky’s terms) in the initial years of the mortgage resets to the equivalent of a Ponzi financing scheme because of the likelihood that the cash commitments can only be met by increased borrowing or refinancing at some future date to meet the shortfall between the higher interest costs and the borrower’s income” (KREGEL, 2008, p. 14).
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Cardim, porém, ressalta que a noção de contágio é importante para entender a materialização do processo de deflação de dívidas associado à crise sistêmica (CARVALHO, 2015, p. 108).
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Há aqui certa similaridade em relação ao tratamento dado por Kambhu, Weidman e Krishnan (2007), a partir da noção de mudança de regime, e por Zigrand (2014) ao ponto.
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O autor analisa os dados para empresas americanas entre os anos 1970 e 2014 e chega aos seguintes resultados: “(i) the evolution of the aggregate leverage ratio does not account for the systemic financial fragility, measured by the frequency of speculative and Ponzi firms, and (ii) within the biggest firms, the leverage has increased along with the incidence of hedge financing, and for the smallest firms group the opposite has happened” (PEDROSA, 2019, p. 1499). A partir disso, conclui que uma relação positiva entre alavancagem e fragilidade financeira não pode ser considerada um resultado geral.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
07 Ago 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
03 Dez 2018 -
Aceito
24 Nov 2019