RESUMO
O objetivo desta pesquisa é estimar o multiplicador de emprego das importações seguindo os estudos de Moretti, Wang e Chanda, e identificar a resiliência das microrregiões brasileiras a esse choque de comércio negativo. Os resultados regionais desse choque permitem identificar quais regiões foram menos, ou mais, afetadas pelas importações, o que é interpretado como regiões que apresentam mais, ou menos, resiliência. Esta pesquisa inova no uso dos modelos de econometria espacial para observar os efeitos que as importações exercem sobre o emprego formal das regiões brasileiras. Os empregos foram divididos por intensidade tecnológica, seguindo a divisão proposta por Macedo e Monastério. Os resultados indicam que as importações tiveram impacto negativo sobre o emprego, mas apenas nos de média e baixa tecnologia. Quando ocorre a importação de bens de alta tecnologia, foi observado aumento no número de empregos.
PALAVRAS-CHAVES: Multiplicador de emprego; econometria espacial; resiliência regional; economia regional; intensidade tecnológica
ABSTRACT
The objective of this research is to estimate the employment multiplier of imports following the studies by Moretti, Wang and Chanda, and to identify the resilience of Brazilian micro-regions to this negative trade shock. The regional results of this shock allow identifying which regions were less, or more, affected by imports, which is interpreted as regions that present more, or less, resilience. This research innovates in the use of spatial econometric models to observe the effects that imports have on formal employment in Brazilian regions. Employment was divided by technological intensity, following the division proposed by Macedo and Monastério. The results indicate that imports had a negative impact on employment, but only in medium and low technology ones. When high technology goods are imported, an increase in the number of jobs was observed.
KEYWORDS: Employment multiplier; spatial econometrics; regional resilience; regional economy; technological intensity
INTRODUÇÃO
O tema da resiliência já foi debatido por Holling (2013), cujo objetivo era analisar a estabilidade de sistemas ecológicos. Economistas e geógrafos aplicam essa noção de estabilidade nos estudos de economias regionais. Os estudos de Östh, Reggiani e Nijkamp (2018) e Eriksson (2017) procuram entender o comportamento das regiões em face de crises econômicas de âmbito nacional, dado que o impacto das crises sobre as regiões não é homogêneo.
As pesquisas sobre resiliência econômica regional utilizam choques econômicos de origem externa, como a crise de 2008 (POSTAL; OLIVEIRA, 2016), ou de origem interna, como a crise brasileira de 2014-2016 (COLOMBO; LAZZARI, 2018). A contribuição desta pesquisa para a literatura existente sobre resiliência econômica regional é acerca do tipo de choque regional utilizado. Aqui, utilizam as importações como choque negativo, dado que importações podem ser associadas à queda no emprego e na renda nas regiões que realizam compras de bens fora de seu território (PAZ, 2018). Consideram regiões resilientes aquelas que conseguem manter, ou aumentar, o número de empregos diante de um choque de aumento das importações. Conforme Taniguchi (2019), isso é possível porque as importações podem trazer benefícios à difusão de tecnologia.
Aliando resiliência econômica regional a choques de importação, esta pesquisa também utiliza a estratégia empírica do multiplicador de emprego para mensurar a magnitude do efeito das importações sobre o emprego. Logo, o objetivo é verificar qual o efeito que as importações tiveram no emprego formal das microrregiões brasileiras e identificar se estas foram ou não resilientes frente ao volume de importações feito por cada uma delas no período de 2010-2018. Para cumprir tal objetivo, foram usados modelos de econometria espacial.
Esta pesquisa visa contribuir com a literatura sobre resiliência econômica regional identificando os efeitos que o comércio internacional tem sobre o emprego. Os efeitos que o comércio internacional pode ter nas regiões podem ser recessivos ou não, e é esse choque de comércio que será tratado aqui. Foram utilizadas como base as pesquisas de Moretti (2010) e Wang e Chanda (2018), por meio das quais se estimou o multiplicador de emprego das importações nas microrregiões brasileiras. Esse multiplicador foi estimado para bens de baixa, média e alta tecnologia, seguindo a classificação de Macedo e Monastério (2016). Outra contribuição diferencial da pesquisa é a utilização de modelos espaciais para identificar o efeito de importações sobre o emprego.
Esta pesquisa tem a seguinte estrutura: a primeira seção compreende a introdução; a segunda parte faz uma revisão da literatura, contendo pesquisas que utilizaram a estratégia empírica do multiplicador de emprego e o efeito das importações sobre o emprego; depois, a seção metodológica explica os dados e os modelos econométricos espaciais utilizados. O artigo se encerra com os resultados, as discussões e a conclusão.
1. REVISÃO DE LITERATURA
As pesquisas que estimam o multiplicador de emprego procuram usar técnicas estatísticas para aferir o impacto na criação de empregos em algum setor de atividade específico. O multiplicador é utilizado em ações que visam identificar qual o setor de atividade econômica que, se incentivado, maximizará a criação de emprego. Inicialmente, as técnicas de insumo produto eram utilizadas para tal tarefa (FACHINELLI et al., 2014). Recentemente, os estudos utilizam mínimos quadrados ordinários. Entretanto, o uso dessa técnica pode gerar resultados enviesados, dado que inúmeros fatores podem influenciar o multiplicador (DE BLASIO; MENON, 2016).
A pesquisa de Moretti (2010) foi a primeira a propor o uso do método shift-share como variável instrumental para estimar resultados mais confiáveis por diferenciar o crescimento do emprego de cada região do crescimento observado nacionalmente. Os resultados do autor indicam que o multiplicador de emprego local da indústria nos Estados Unidos, no período 1980-2000, foi de 1,6; ou seja, cada emprego gerado na indústria criou 1,6 empregos nos demais setores. O impacto da criação de empregos nos setores industriais tende a ser maior pois o nível de habilidades requeridas é maior, o que eleva os salários, criando um efeito difusão para os demais setores da economia. O autor também estimou em 2,5 o multiplicador para os empregos que requerem maiores habilidades, como os que exigem ensino superior.
Diversos estudos seguiram a sugestão de Moretti (2010). A pesquisa de Jones e Yang (2018) usou dados apenas do estado de Ohio, destacando suas especificidades. Os resultados são parecidos com aqueles estimados por Moretti (2010), que utilizou o multiplicador variando entre 1 e 2. Observou-se o mesmo resultado em Osei e Sengupta (2019), que estimaram o multiplicador para vários períodos e várias regiões dos Estados Unidos. O estudo de Goos, Konings e Vandeweyer (2018) estimou o multiplicador de emprego para setores de alta tecnologia. Os resultados indicam que cada emprego criado em setores de alta tecnologia gera aproximadamente 4 empregos em setores de baixa tecnologia. A hipótese é a mesma dos empregos na indústria; isto é, que os empregos em setores de alta tecnologia criam um efeito de transbordamento aos demais setores através dos salários maiores oferecidos aos empregos de alta tecnologia. Os resultados dos autores também indicam que os locais com mais empregos de alta tecnologia recebem mais moradores vindos de outras regiões, o que reforça a importância da mobilidade do fator trabalho. Em Van Dijk (2017), estimou-se um modelo apenas com o efeito do emprego na indústria sobre o emprego nos demais setores. Nele, o multiplicador foi de 0,95, mas, quando se inseriu variáveis de controles no modelo, o valor subiu para 1,69.
Para a China, estimou-se o multiplicador de emprego para o período de 2000-2010, também utilizando o método shift-share como variável instrumental. Os resultados oscilam de acordo com as variáveis controle adicionadas em cada modelo. No modelo base, o multiplicador de emprego indicou que cada emprego adicional na indústria gerou 0,49 empregos nos demais setores e cidades com população maior tiveram multiplicador menor. Também foi estimado o multiplicador de emprego para setores de alta tecnologia em 0,5 (WANG; CHANDA, 2018).
Para o Brasil, utilizou-se o método shift-share como variável instrumental. Por meio dele, descobriu-se que, no período de 2000-2010, os empregos em setores comercializáveis das mesorregiões geraram 4 empregos nos setores não comercializáveis, enquanto o multiplicador de emprego para os setores de alta tecnologia gerou 6,9 empregos nos demais setores (MACEDO; MONASTERIO, 2016).
Os modelos utilizados em todos esses estudos consideram as unidades locais (cidades ou regiões) como independentes uma das outras. Para contornar esse problema, a pesquisa de Gerolimetto e Magrini (2016) utilizou a mesma ideia de Moretti (2010), mas com o modelo permitindo transbordamentos espaciais. O estudo mostrou que os efeitos multiplicadores são menores quando se considera os efeitos espaciais. Isso sugere que os multiplicadores de emprego são limitados e que outros fatores apresentam um papel preponderante na criação de empregos.
A importância de se adicionar os efeitos espaciais no modelo de multiplicador de emprego é que parte dos empregados podem vir de cidades vizinhas. Esse efeito será tanto maior quanto maior for a mobilidade do fator trabalho (a elasticidade da oferta de emprego). O multiplicador do modelo não espacial indica que o aumento de 10% no emprego do setor de comercializáveis aumenta em 6,2% o emprego no setor de não comercializáveis. O modelo espacial (SLX) estimou o multiplicador em 0,49. Assim, os resultados do modelo espacial sugerem que um aumento no emprego no setor de comercializáveis aumenta o emprego no setor de não comercializáveis das regiões vizinhas.
Um conjunto de estudos analisa os efeitos das importações no emprego. A penetração de produtos importados tem um efeito complementar e um substituto (Quadro 1). O efeito complementar é observado principalmente se as importações são de produtos intermediários, em que novas indústrias são criadas para transformar esses produtos em bens finais com maior valor agregado. (BALSVIK; JENSEN; SALVANES, 2015; DAUTH; FINDEISEN; SUEDEKUM, 2014). Outro efeito positivo das importações ocorre quando há difusão de tecnologia incorporada nos produtos importados.
O efeito substituto ocorre quando um bem final produzido no local é deixado de produzir para ser adquirido de outro lugar. O efeito complementar pode aumentar o número de empregos do local, já o efeito substituto pode diminuir o número de empregos do local. Portanto, o efeito do comércio nas regiões pode ser um choque recessivo ou não.
O efeito substituto também ocorre quando as importações de bens finais concorrem com produtos similares produzidos localmente. Autor, Dorn e Hanson (2013) mostram que as importações chinesas tiveram impacto negativo tanto no emprego da indústria americana quanto nos salários, além do aumento nas transferências do governo para regiões que tiveram crescimento das importações. Em Bertrand (2004), o aumento das importações deixou os salários mais sensíveis a alterações na taxa de desemprego, especialmente entre homens sindicalizados.
A pesquisa de Tanigushi (2019) verificou o impacto das importações chinesas no emprego industrial no Japão. Os resultados indicam que as regiões que aumentaram a importação de bens intermediários tiveram aumento no emprego do setor industrial. Isso não foi observado em locais que aumentaram a importação de bens finais.
Para o Brasil, o trabalho de Paz (2018) procurou evidências acerca do impacto das importações sobre o mercado de trabalho na década de 2000. Em geral, o aumento de um ponto percentual nas importações acarreta uma queda no emprego de 2,2%, mas, se considerar apenas as importações oriundas da China, o aumento de um ponto percentual nas importações leva a um aumento no emprego de 2,9%. Os dados sugerem que as importações também realocaram empregos entre indústrias.
O aumento nas importações pode ter efeitos negativos sobre o desempenho econômico regional. Portanto, a definição de resiliência regional é utilizada para identificar as regiões que melhor se adaptam face às adversidades externas. A pesquisa de Liang (2017) usou as importações como um choque de comércio negativo e definiu como regiões resilientes as que utilizaram o aumento nas importações como uma oportunidade para mudar seu perfil produtivo criando indústrias antes inexistentes na região. Os estudos que abordam a temática da resiliência regional com uma perspectiva evolucionária tratam exatamente de regiões que mudaram sua estrutura produtiva após o choque, adquirindo uma nova trajetória de crescimento (MARTIN; SUNLEY, 2013; SIMMIE; MARTIN, 2010).
Embora já existam estudos mostrando os benefícios de uma economia diversificada e de uma população com aptidão para o empreendedorismo (NEFFKE et al., 2018), há evidências de que essas características também contribuem para o desempenho econômico regional em épocas de crises ou de situações de choques externos negativos, como o aumento nas importações. O aspecto positivo da diversificação se concentra no fato de que uma região com perfil de produção mais diversificado diminui riscos, independentemente do choque ser interno ou externo. Já o efeito positivo do empreendedorismo é que ele introduz novos produtos no mercado, incorporando mais tecnologia, novos meios de comercialização e logística mais aprimorada. Portanto, economias diversificadas e que estimulam o empreendedorismo podem se adaptar melhor à concorrência das importações (DELLER; WATSON, 2016; LIANG; GOETZ, 2016).
2. METODOLOGIA
O modelo original proposto por Moretti utiliza a seguinte equação para estimar o multiplicador de emprego:
Em (1), ∆Nct n t é o log da variação do número de empregos N do setor de não transacionáveis nt do município ct; α é o termo do intercepto; β é o coeficiente estimado que indica o valor do multiplicador do setor de transacionáveis; γ d t é um indicador que representa o período t e ϵct o termo de erro.
O modelo utilizado nesta pesquisa segue o modelo original de Moretti, mas utiliza a alteração feita por Wang e Chanda (2018), na qual a variável dependente utilizada é a variação do emprego. A não utilização do modelo original se deve ao fato de que várias microrregiões exibiram variação negativa entre os dois períodos, impossibilitando o cálculo do log. Desse modo, o modelo aqui proposto para estimar o multiplicador de emprego das importações é:
Em (2), E c,t é o emprego total na microrregião c no ano t; E c,t-γ é o emprego total da microrregião c no período anterior; o coeficiente β representa o multiplicador do emprego da variável importações; o termo ρX t-γ representa o conjunto de variáveis independentes e εc,t o termo do erro.
Para a variável dependente se utilizou a variação do emprego entre os anos de 2010 e 2018. O mesmo procedimento para os subperíodos de 2010-2014 e 2014-2018 foi apresentado no Apêndice APÊNDICE Tabela A Efeitos da importação sobre o emprego no período de 2010-2014 Variáveis Variação porcentual do emprego (2010-2014) (1) (2) (3) Importação -0.01*** -0.01*** -0.01*** (0.002) (0.002) (0.003) VI 0 0 (0) (0) PIB per capita 0 (0) Constante 0.2*** 0.2*** 0.2*** (0.01) (0.01) (0.01) N 558 558 558 Adj. R2 0.02 0.02 0.02 F Statistic 10.3*** 5.6*** 4.3*** Notas: Erro padrão entre parênteses; *** significativo a 1%; ** significativo a 5%; e * significativo a 10%. Fonte: Elaboração própria. Tabela B Efeitos da importação sobre o emprego no período de 2014-2018 Variáveis Variação porcentual do emprego - 2014/2018 (1) (2) (3) Importação -0.01*** -0.01*** -0.01*** (0.001) (0.001) (0.001) VI 0** 0* (0) (0) PIB per capita 0 (0) Constante 0.1*** 0.1*** 0.1*** (0.01) (0.01) (0.01) N 558 558 558 Adj. R2 0.1 0.1 0.1 F Statistic 63.7*** 34.0*** 23.4*** Nota: Erro padrão entre parênteses; *** significativo a 1%; ** significativo a 5%; e * significativo a 10%. Fonte: Elaboração própria. . Utilizou-se o emprego total e separado por intensidade tecnológica. O emprego por intensidade tecnológica foi classificado seguindo o trabalho de Macedo e Monastério (2016) a partir do seguinte critério: alta tecnologia: elétrico e comunicações, material de transporte, indústria química e indústria mecânica; média tecnologia: serviços de utilidade pública, construção civil, comércio varejista, comércio atacadista, instituição financeira, administração técnica profissional, transporte e comunicações, alojamento, médico, odontológico e veterinário e ensino; baixa tecnologia: indústria metalúrgica, madeira e mobiliário, papel e gráfica, borracha, fumos e couros, indústria têxtil, indústria de calçados e alimentos e bebidas.
As variáveis utilizadas apresentam o recorte regional brasileiro de microrregiões. Os dados das variáveis independentes são para o ano de 2010, contendo as 558 microrregiões brasileiras e as fontes são MTE-RAIS, IPEADATA, IBGE e Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Quadro 2).
Dado o número de microrregiões sem nenhuma importação, não foi feita a separação das importações por intensidade tecnológica. Além disso, poucas regiões importam diretamente os produtos. Na maioria dos casos, os produtos são importados por uma região polo e distribuídos para regiões menores. Isso se constitui numa limitação no uso dessa variável.
Sobre as variáveis independentes, para a estimação do multiplicador de emprego das importações foi utilizado o logaritmo do valor total das importações em R$ do ano de 2010. A variável instrumental (VI) utilizada foi o método shift-share (Equação 3), proposto por Moretti (2010), para pesquisas em que o objetivo seja estimar o multiplicador de emprego e já reproduzidos por Moretti e Thulin (2013) e Kazekami (2017). O componente estrutural do método shift-share é usado como variável instrumental para estimar o crescimento do emprego local, isolando o crescimento do emprego nacional. A fonte dos dados é a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho, e a classificação utilizada foram os 26 subsetores do IBGE. O componente estrutural é calculado a partir dos componentes teórico e diferencial, com a seguinte equação:
Em (3), a variação real do emprego do setor i na região j está representada à esquerda da igualdade; é o emprego inicial do setor i na região j e é o emprego no período final. O termo e representa a taxa de crescimento do emprego total nacional e e i é a taxa de crescimento nacional do emprego do setor i. O componente diferencial é representado por e o componente estrutural é , que é o componente utilizado como variável instrumental nesta pesquisa. Realizou-se também uma estimação com variáveis instrumentais pelo método shift-share (Equação 3) para isolar os efeitos do componente nacional sobre a variável dependente.
A variação do emprego teve média positiva, mostrando que as microrregiões tiveram aumento em seu número de empregos formais durante os dois períodos. A variável relativa às importações mostra que houve municípios que não importaram nenhum bem de outros países, ou seja, não tendo nenhuma espécie de choque negativo advindo das importações. O PIB per capita mostra que o maior valor está na microrregião de Parauapebas (PA), que tem atividade mineral na Serra dos Carajás e o menor valor na microrregião dos Lençóis Maranhenses (MA). Quanto às variações do emprego por intensidade tecnológica, a média está nos empregos de alta tecnologia, mas também é a variável com maior desvio padrão.
Esta pesquisa considerou a existência de transbordamentos entre as unidades espaciais. Por conta disso, o efeito no mercado de trabalho se dará na cidade onde houve a criação do emprego e também nas cidades vizinhas. Por exemplo, considere as cidades A e B. Se uma indústria se instala na cidade A e ocorre migração de moradores de B para A em busca desses empregos, ou mesmo pessoas que se deslocam para a cidade A apenas no horário de trabalho, ocorre um impacto negativo no mercado de trabalho de B. Esse efeito será tanto mais forte quanto menor for a distância entre as cidades e maior a elasticidade da oferta do trabalho (GEROLIMETTO; MAGRINI, 2016).
Para captar a relação entre importação e emprego e os efeitos de transbordamento, os modelos a seguir foram estimados:
Nas equações (4) a (8), ρ representa o parâmetro de defasagem espacial da variável endógena (efeito de transbordamento espacial); W é a matriz de pesos espaciais; Y é a variável dependente; αN é o termo de intercepto; X é o conjunto de variáveis independentes exibidas na Tabela 1; β representa o vetor de coeficientes; ε é o termo de erro com distribuição normal, média zero e variância constante; λ expressa a correlação espacial dos termos de erro; e θ representa a dependência espacial das variáveis explicativas. O modelo original de mínimos quadrados ordinários (MQO) considera os efeitos espaciais inexistentes (ρ = 0 , λ = 0 e θ = 0). O teste de I de Moran realizado sugere que é apropriada a estimação de modelos que incorporem o efeito de transbordamento espacial. A equação do I de Moran é dada por:
O modelo MQO considera cada observação como sendo independente, ou seja, os valores observados pelos vizinhos não influenciam o valor da observação i. O modelo spatial autoregressive model (SAR) é usado quando se tem evidência de que existe dependência espacial na variável dependente. O modelo spatial error model (SEM) é usado quando não se verifica as hipóteses relativas ao termo de erro (distribuição normal, com média zero e variância constante). Os modelos de Durbin e o spatial lag (SLX) têm uma combinação de dependência espacial na variável dependente e nas independentes (Durbin) e apenas nas variáveis independentes (SLX).
O modelo de Moretti considerou as unidades espaciais independentes no território para a estimação do multiplicador. Para contornar esse problema, a pesquisa de Wang e Chanda (2018) usou dummies regionais e Gerolimetto e Magrini (2016) o modelo SLX. Essas modificações foram feitas para tratar a endogeneidade espacial advinda dos transbordamentos espaciais. A matriz de pesos espaciais escolhida para esta pesquisa é a rainha [queen], dado que este tipo de matriz gerou um maior I de Moran. Em todas as regressões, o método de estimação foi o de máximo verossimilhança. As regressões adicionais foram realizadas com as variações do emprego de alta, média e baixa tecnologia como variáveis dependentes e com o objetivo de mensurar o efeito das importações sobre o emprego nessas intensidades tecnológicas (Apêndice APÊNDICE Tabela A Efeitos da importação sobre o emprego no período de 2010-2014 Variáveis Variação porcentual do emprego (2010-2014) (1) (2) (3) Importação -0.01*** -0.01*** -0.01*** (0.002) (0.002) (0.003) VI 0 0 (0) (0) PIB per capita 0 (0) Constante 0.2*** 0.2*** 0.2*** (0.01) (0.01) (0.01) N 558 558 558 Adj. R2 0.02 0.02 0.02 F Statistic 10.3*** 5.6*** 4.3*** Notas: Erro padrão entre parênteses; *** significativo a 1%; ** significativo a 5%; e * significativo a 10%. Fonte: Elaboração própria. Tabela B Efeitos da importação sobre o emprego no período de 2014-2018 Variáveis Variação porcentual do emprego - 2014/2018 (1) (2) (3) Importação -0.01*** -0.01*** -0.01*** (0.001) (0.001) (0.001) VI 0** 0* (0) (0) PIB per capita 0 (0) Constante 0.1*** 0.1*** 0.1*** (0.01) (0.01) (0.01) N 558 558 558 Adj. R2 0.1 0.1 0.1 F Statistic 63.7*** 34.0*** 23.4*** Nota: Erro padrão entre parênteses; *** significativo a 1%; ** significativo a 5%; e * significativo a 10%. Fonte: Elaboração própria. ).
3. RESULTADOS
O objetivo principal da pesquisa é verificar o efeito das importações sobre o emprego formal das microrregiões brasileiras utilizando um modelo de econometria espacial. As primeiras evidências mostram que a variável relativa às importações explicam a variação do emprego nas três regressões feitas (Tabela 2). No primeiro modelo, realizou-se uma regressão com apenas a variável importações como exógena. O resultado indicou que o aumento das importações provocou uma variação negativa no emprego das microrregiões no período 2010-2018. O aumento de 1% nas importações levou à queda de 20% no emprego, em média.
Na regressão seguinte, incorporou-se a variável instrumental do shift-share para verificar a variação do emprego local, isolando o crescimento do emprego nacional. Os resultados não se modificam de modo substancial, nem mesmo o coeficiente e o sinal da variável importações. No modelo 3, adicionou-se a variável PIB per capita para controlar a variação do emprego pelo aumento da produção e da renda. O sinal dessa variável foi negativo, indicando que, para esse conjunto de dados, o aumento no PIB per capita não contribuiu para o aumento de empregos, embora sua magnitude seja muito próxima de zero.
Embora não tenha sido observada multicolinearidade entre as variáveis independentes, os resíduos nas regressões, pelo teste de Jarque Bera, não apresentam distribuição normal. O teste de Breusch-Pagan também indicou que os resíduos não são homoscedásticos. O teste de I de Moran foi realizado para testar a hipótese de dependência espacial. Seu valor de 0,16 foi estatisticamente significativo a 1%, abrindo a possibilidade para o uso de regressões espaciais para a obtenção de estimações mais robustas.
Para contornar os problemas existentes nos modelos da Tabela 2, foram realizadas regressões que relaxam a hipótese de que as unidades espaciais são independentes no espaço, assim como o realizado por Wang e Chanda (2018) e sugerido por LeSage (1998) quando se tem problemas que violam as propriedades usuais nos resíduos dos modelos. Para isso, foram realizadas estimativas com os modelos erro espacial (SEM), lag espacial (SAR), SLX e modelo espacial de Durbin. O diagnóstico do multiplicador de Lagrange, considerando o valor da estatística e o p-valor da Tabela 3, indicou que os modelos SAR e SEM são apropriados. O modelo SLX foi incluído também na análise por obter o maior I de Moran entre os modelos e, embora ineficientes, estimam parâmetros não viesados (HALLECK VEGA; ELHORST, 2015).
A Tabela 4 mostra as regressões realizadas incorporando a dependência espacial. O coeficiente do modelo SAR e Durbin (Rho) é estatisticamente significativo, o que possibilita dizer que existe dependência espacial na variável dependente. Todos os modelos sugerem que o aumento na importação da microrregião acarreta diminuição no emprego das microrregiões vizinhas, mesmo quando controlado pela renda per capita.
O modelo SLX, o qual será analisado, é o que tem maior I de Moran e com significância estatística a 1%. Os efeitos diretos e indiretos sugerem que aumentos na importação de uma microrregião estão associados a menos empregos na própria microrregião e também nas microrregiões vizinhas, corroborando o efeito substituição das importações (Figura 1 e Tabela 5). Isso indica que o aumento das importações ocorre principalmente em bens finais. Esses resultados também mostram a importância de se incorporar os efeitos espaciais na análise, que podem auxiliar na formulação de políticas públicas mais eficientes para gerar emprego.
Tendo em vista o período utilizado nas regressões e a mudança macroeconômica observada no Brasil, especialmente durante a crise de 2014-2015, realizou-se regressões quebrando o período de 2010-2018 em dois. Nas regressões, mostra-se que os resultados para os períodos de 2010-2014 e de 2014-2018 se mantêm, não sendo observado nenhuma mudança significativa nos resultados das regressões apresentadas no texto, indicando que, nos períodos de 2010-2014 e 2014-2018, as importações tiveram efeito negativo sobre o emprego (Apêndice APÊNDICE Tabela A Efeitos da importação sobre o emprego no período de 2010-2014 Variáveis Variação porcentual do emprego (2010-2014) (1) (2) (3) Importação -0.01*** -0.01*** -0.01*** (0.002) (0.002) (0.003) VI 0 0 (0) (0) PIB per capita 0 (0) Constante 0.2*** 0.2*** 0.2*** (0.01) (0.01) (0.01) N 558 558 558 Adj. R2 0.02 0.02 0.02 F Statistic 10.3*** 5.6*** 4.3*** Notas: Erro padrão entre parênteses; *** significativo a 1%; ** significativo a 5%; e * significativo a 10%. Fonte: Elaboração própria. Tabela B Efeitos da importação sobre o emprego no período de 2014-2018 Variáveis Variação porcentual do emprego - 2014/2018 (1) (2) (3) Importação -0.01*** -0.01*** -0.01*** (0.001) (0.001) (0.001) VI 0** 0* (0) (0) PIB per capita 0 (0) Constante 0.1*** 0.1*** 0.1*** (0.01) (0.01) (0.01) N 558 558 558 Adj. R2 0.1 0.1 0.1 F Statistic 63.7*** 34.0*** 23.4*** Nota: Erro padrão entre parênteses; *** significativo a 1%; ** significativo a 5%; e * significativo a 10%. Fonte: Elaboração própria. ).
No tocante à intensidade tecnológica, as regressões mostram que os empregos considerados de média e baixa tecnologia tiveram variação negativa quando se observou aumento nas importações e aumento no emprego considerado de alta tecnologia (Tabela 6).
Diante da resiliência das microrregiões frente ao choque de comércio negativo das importações, os resultados da pesquisa sugerem que ter estrutura produtiva com uma proporção maior de seus empregos formais em setores de alta tecnologia (elétrico e comunicações, material de transporte, indústria química, e indústria mecânica) apresentam um grau maior de resiliência, dado que, na média, um choque de importação aumentou o número de empregos. A hipótese é de que essas regiões importam produtos intermediários com a finalidade de agregar valor, utilizando indústrias localizadas na região e que contratam funcionários com nível de capital humano maior para realizar tal tarefa. Isso já foi mostrado na pesquisa de Taniguchi (2019). Outra hipótese é de que as regiões, ao começarem a sentir o impacto negativo das importações, mudem o perfil de sua estrutura produtiva e começam a ofertar produtos e serviços inexistentes na região (LIANG, 2017).
CONCLUSÃO
As pesquisas sobre resiliência econômica regional surgiram para analisar como as regiões reagem a choques negativos, geralmente crises econômicas. A inovação desta pesquisa foi colocar as importações como um choque de comércio negativo e analisar de que modo o emprego formal das microrregiões brasileiras reagiu às importações no período de 2010-2018.
As estimativas realizadas para a realização de tal tarefa indicam que, de modo geral, as importações tiveram efeito negativo sobre o emprego, sugerindo que as microrregiões brasileiras são pouco resilientes frente a um choque de comércio negativo. Entretanto, quando essas estimativas consideraram o nível de tecnologia dos empregos, os resultados sugerem que as regiões que dispõem de um perfil de produção que incorpora mais tecnologia e que requer trabalhadores que têm mais capital humano, o efeito das importações é positivo, ou seja, as importações contribuíram para o aumento no número de empregos de alta tecnologia.
Esses resultados se juntam aos demais dessa literatura que indicam que ter uma estrutura produtiva com mais tecnologia e que inclua trabalhadores com nível maior de educação contribui para a resiliência. Portanto, as regiões que têm perfil de produção que incorpora tecnologia e que adquire produtos para agregar valor, mesmo que sejam advindos de importação, melhoraram sua capacidade de enfrentar choques negativos.
No tocante às políticas públicas, esses resultados auxiliam na compreensão dos efeitos que as importações exercem sobre o emprego e no modo como as importações podem ser usadas para aumentar a resiliência econômica das regiões; ou seja, vendo as importações como algo positivo. Mesmo assim, apesar de todos os estudos indicando a existência do efeito multiplicador e de todo o apelo à criação de políticas públicas com o intuito de maximizar a criação de empregos, Moretti (2010) diz que o fato de um setor de atividade ter grande efeito de encadeamento não significa que isso seja uma falha de mercado e que necessite de intervenção pública.
Uma das limitações deste trabalho reside na variável relativa às importações. O modo de mensuração delas pode conter imperfeições, dado que o local de registro das importações pode não ser o mesmo local de seu consumo. Pesquisas futuras podem utilizar o arcabouço teórico da resiliência regional e comércio internacional para identificar as ocupações que não existiam em determinado local e passaram a existir a partir do aumento das importações.
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APÊNDICE
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Out 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
20 Jul 2021 -
Aceito
15 Jun 2023