Acessibilidade / Reportar erro

Do herpes e suas implicações audiológicas: uma revisao de literatura

Herpes and its hearing implications: a literature review

Resumos

TEMA: herpes e audiologia. OBJETIVO: realizar revisão teórica principalmente sobre os vírus herpes simples tipo 1, herpes simples tipo 2 e varicela-zoster, bem como sobre seus efeitos na audição humana. Esses se constituem nos tipos de vírus herpéticos humanos de maior relevância para a área da Audiologia dentro da ciência da Fonoaudiologia e, no entanto, são pouco conhecidos e estudados, especialmente no Brasil. MÉTODOS: realizou-se pesquisa em bases de dados eletrônicas nacionais e internacionais, incluindo SciELO, MEDLINE e LILACS, a partir da seguinte combinação de descritores: herpes simplex/zoster X hearing loss ou deafness. Foram selecionados estudos publicados desde a década de 90 até os dias atuais, relevando-se aqueles que contivessem maior valor informativo, contribuindo para os objetivos do presente trabalho. CONCLUSÃO: os vírus herpéticos estudados apresentam estreita relação com distúrbios auditivos, independentemente da idade em que o sujeito é acometido.

Herpes Zoster; Herpes Simples; Perda Auditiva; Surdez


BACKGROUND: herpes and audiology. PURPOSE: to promote a theoretical approach mainly on herpes simplex virus type 1, herpes simplex virus type 2 and varicella zoster virus, and their effects on human hearing. Although representing the most relevant human herpetic viruses for the area of Audiology within the Speech and Language Pathology Science, these viruses are little studied and known, especially in Brazil. METHODS: a research was carried out in national and international electronic databases, including SciELO, MEDLINE and LILACS, and using the following keyword combinations: herpes simplex/zoster X hearing loss or deafness. Studies published from the 90's until today were selected, revealing those that would contain the highest informative value, which would thus contribute for the objectives of this work. CONCLUSION: the studied herpetic viruses show strict relation with hearing disorders, regardless of the age in which the patient is affected.

Herpes Zoster; Herpes Simplex; Hearing Loss; Deafness


ARTIGOS DE REVISÃO REVISION ARTICLES

Do herpes e suas implicações audiológicas: uma revisao de literatura

Herpes and its hearing implications: a literature review

Larissa Cristina SchusterI; Ceres BussII

IAluna do curso de Graduação em Fonoaudiologia da Universidade de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS

IIFonoaudióloga; Professora Adjunta do Curso de Fonoaudiologia da Universidade de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS; Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Larissa Cristina Schuster Rua Duque de Caxias, 1505/308 Santa Maria - RS CEP: 97015-190 E-mail: larissa.schuster@gmail.com

RESUMO

TEMA: herpes e audiologia.

OBJETIVO: realizar revisão teórica principalmente sobre os vírus herpes simples tipo 1, herpes simples tipo 2 e varicela-zoster, bem como sobre seus efeitos na audição humana. Esses se constituem nos tipos de vírus herpéticos humanos de maior relevância para a área da Audiologia dentro da ciência da Fonoaudiologia e, no entanto, são pouco conhecidos e estudados, especialmente no Brasil.

MÉTODOS: realizou-se pesquisa em bases de dados eletrônicas nacionais e internacionais, incluindo SciELO, MEDLINE e LILACS, a partir da seguinte combinação de descritores: herpes simplex/zoster X hearing loss ou deafness. Foram selecionados estudos publicados desde a década de 90 até os dias atuais, relevando-se aqueles que contivessem maior valor informativo, contribuindo para os objetivos do presente trabalho.

CONCLUSÃO: os vírus herpéticos estudados apresentam estreita relação com distúrbios auditivos, independentemente da idade em que o sujeito é acometido.

Descritores: Herpes Zoster; Herpes Simples; Perda Auditiva; Surdez

ABSTRACT

BACKGROUND: herpes and audiology.

PURPOSE: to promote a theoretical approach mainly on herpes simplex virus type 1, herpes simplex virus type 2 and varicella zoster virus, and their effects on human hearing. Although representing the most relevant human herpetic viruses for the area of Audiology within the Speech and Language Pathology Science, these viruses are little studied and known, especially in Brazil.

METHODS: a research was carried out in national and international electronic databases, including SciELO, MEDLINE and LILACS, and using the following keyword combinations: herpes simplex/zoster X hearing loss or deafness. Studies published from the 90's until today were selected, revealing those that would contain the highest informative value, which would thus contribute for the objectives of this work.

CONCLUSION: the studied herpetic viruses show strict relation with hearing disorders, regardless of the age in which the patient is affected.

Keywords: Herpes Zoster; Herpes Simplex; Hearing Loss; Deafness

INTRODUÇÃO

O Herpes é um vírus pertencente à família Herpesviridae, a qual engloba todos os oito vírus herpéticos humanos existentes, sendo eles: vírus herpes simples tipo 1, herpes simples tipo 2, varicela-zoster, Epstein-Barr, citomegalovirus e vírus herpes humanos tipos 6, 7 e 8. Cientificamente, todos possuem a designação comum de herpesvirus humano, sendo que o determinante da diferença entre eles é a numeração que sucede a denominação e varia de 1 a 8 1.

Estes vírus podem infectar diferentes e variados tipos de células e possuem características biológicas particulares, apresentando-se como a principal delas o rápido crescimento em cultivo celular. São também particularidades do herpes: a ampla gama de possíveis hospedeiros e a capacidade de se manter latente nas células de seus hospedeiros por tempo indeterminado. Dessa forma, pode vir a ser reativado, originando lesões que se localizam no próprio sítio da infecção primária inicial ou próximas a ele 1.

O herpes é uma das infecções humanas mais comuns, podendo provocar manifestações mais graves, principalmente em neonatos e indivíduos imunocomprometidos, como HIV positivos e transplantados com frequente acometimento do sistema nervoso central, podendo deixar sequelas em 80% de suas vítimas 2.

O objetivo deste trabalho é realizar revisão bibliográfica e discorrer principalmente sobre o herpes simples tipo 1 e tipo 2 e herpes zoster. São estes os tipos de vírus herpéticos humanos de maior relevância para a área da Audiologia dentro da ciência da Fonoaudiologia e que, no entanto, são pouco conhecidos e estudados, especialmente no Brasil.

MÉTODOS

Foi realizada uma pesquisa em bases de dados eletrônicas nacionais e internacionais, incluindo SciELO, MEDLINE e LILACS, a partir da seguinte combinação de descritores: herpes simplex/zoster X hearing loss ou deafness. Na medida em que a pesquisa prosseguia, referências bibliográficas importantes, citadas nos documentos já pesquisados, também foram consultadas. Foram selecionados estudos publicados desde a década de 90 até os dias atuais, relevando-se aqueles que contivessem maior valor informativo, contribuindo para os objetivos do presente trabalho.

REVISÃO DA LITERATURA

O herpes simples tem sido considerado como um dos mais comuns agentes de contaminação viral em humanos 3, sendo também a doença sexualmente transmissível de maior ocorrência 4. Conforme descrito anteriormente, o mesmo é subdividido em dois grupos: tipo 1 e tipo 2.

O herpes simples tem como célula-alvo ou principais "portas de entrada" as células epiteliais. Mais raramente, atinge de forma primária os neurônios dos gânglios sensoriais dorsais, cérebro ou meninges. É conforme a "porta de entrada" do vírus no corpo humano que se dá o local da infecção primária, bem como a manifestação do quadro clínico 1.

As infecções agudas causadas pelo herpes simples tipo 1 ou 2 são caracterizadas pelo desenvolvimento de uma ou mais vesículas pequenas e cheias de líquido, as quais formam elevações na pele ou qualquer outra membrana mucosa do corpo, como forma de manifestação primária ou reativação do vírus. Tais vesículas comumente se rompem e causam dor 3. As infecções causadas pelo herpes simples tipo 1 geralmente afetam regiões como lábios, boca, região intra-oral, nariz, olhos, enquanto que as infecções causadas pelo herpes simples tipo 2 são principalmente encontradas nas áreas genitais e circundantes, podendo haver superposição entre os dois tipos. Os fatores desencadeantes incluem febre, exposição à temperatura fria ou a raios ultravioleta, queimadura solar, escoriações cutâneas ou mucosas, estresse emocional e traumatismo nervoso. No caso da ocorrência em recém-nascidos, a infecção pode se estabelecer nos período pré-natal (infecção congênita), peri-natal (infecção pelo canal de parto) ou pós-natal (infecção pelo contato com indivíduos infectados).

Logo após a fase aguda ocorrem, alternadamente, períodos de latência e de reativação. A latência refere-se ao alojamento do vírus nos gânglios sensitivos podendo, a qualquer momento, originar reativações com diferentes manifestações clínicas, ou ainda, permanecer em estágio assintomático, contribuindo, contudo, para a sua propagação 3. A reativação do vírus permite a infecção de novos hospedeiros e o indivíduo infectado mantém-se com uma reserva de infecção para toda a vida. Os fatores que possibilitam a reativação do vírus são semelhantes àqueles que desencadeiam a infecção primária.

Na Europa, atualmente o herpes simples tipo 2 é diagnosticado em 8-15% da população em geral e em 25-40% dos indivíduos portadores de doenças sexualmente transmissíveis. Nos Estados Unidos, a prevalência do herpes simples tipo 2 na população em geral, atualmente é de 21% e vem crescendo mais que 30% desde que a AIDS foi descoberta 5. Na África os dados a respeito da prevalência do herpes simples tipo 2 são ainda mais surpreendentes, evidenciando níveis de 40-50% em adultos jovens 6. Um estudo epidemiológico no Caribe evidenciou a alta soroprevalência do herpes simples tipo 2, especialmente na população portadora de algum tipo de doença sexualmente transmissível. Com relação especifica aos portadores do vírus da AIDS, tal porcentagem é ainda mais elevada, sendo de aproximadamente 80% na América do Norte, Europa e Ásia. O estudo chama a atenção quanto ao fato de a prevalência da infecção por herpes simples tipo 2 vir aumentando significativamente nos últimos 20 anos em quase todos os países.

O herpes zoster é uma doença infecciosa aguda, resultante da reativação do vírus latente da varicela-zoster em indivíduos parcialmente imunizados após infecção prévia. Neste caso, a reativação provoca manifestação clínica diferente da infecção primária que, no entanto, é causada pelo mesmo vírus 1.

A infecção resultante da reativação envolve os pontos de alojamento do vírus latente (gânglios sensitivos) e suas áreas de inervação. A manifestação consiste em erupção vesiculosa, em área bem definida, acompanhando o trajeto do nervo infectado. Afeta, preferencialmente, indivíduos idosos ou imunocomprometidos, podendo gerar complicações graves como lesões hemorrágicas, pneumonias, encefalites 2.

Acima de 90% da população adulta dos Estados Unidos apresentam evidências sorológicas de infecção pelo vírus varicela-zoster e se encontram em risco para a manifestação do herpes zoster. A incidência anual do herpes zoster é de aproximadamente 1,5 a 3,0 casos para cada 1000 pessoas. Ressalta-se que o aumento da idade é um fator-chave para o desenvolvimento do herpes zoster. Além da população idosa, outras populações bem definidas apresentam fatores de risco para o desenvolvimento do herpes zoster como: indivíduos portadores de doenças neoplásicas com necessidade de tratamento quimioterápico e indivíduos transplantados 5.

Um estudo longitudinal demonstrou a incidência de 29,4 casos de herpes zoster para cada 1000 casos de HIV positivos, em comparação com dois casos para cada 1000 indivíduos HIV negativos como grupo controle 6. Bem como este, outros estudos 6,7 também demonstram que o herpes zoster ocorre com maior frequência em indivíduos infectados pelo vírus da AIDS do que naqueles não infectados. Uma vez que o herpes zoster ocorre em indivíduos infectados pelo vírus da AIDS e que se apresentam, por outro lado, assintomáticos, os testes sorológicos se fazem necessários também naqueles pacientes que não apresentam aparentes riscos para a infecção (saudáveis, e com idade inferior a 50 anos) 7.

Infecções congênitas como rubéola, sífilis, citomegalovírus, herpes, toxoplasmose e AIDS, mesmo quando assintomáticas, podem causar deficiência auditiva no neonato 8-10, bem como estar associadas ao aparecimento tardio da perda auditiva e/ou à progressão da perda auditiva já existente ao nascimento 9. O mesmo ocorre quanto à exposição ao herpes simples em períodos peri ou pós-natais.

Os vírus da caxumba, da rubéola e do grupo herpes são bem conhecidos como causadores de surdez congênita, neurossensorial de acometimento abrupto 11,12. Em outros estudos, os vírus herpéticos humanos como citomegalovirus e herpes 13 também são citados como agentes infecciosos mais frequentemente associados com a perda auditiva.

Ressalta-se que a idade gestacional em que ocorre a infecção herpética também é um fator importante, pois ocorrendo infecção durante a organogênese, graves prejuízos frequentemente acometem o embrião como: abortos espontâneos, natimortos e defeitos congênitos. Constituem-se em principais defeitos congênitos graves de etiologia herpética: microcefalia, calcificações intracranianas, coriorretinite e microftalmia 14. Dentre estes, segundo o Joint Committee on Infant Hearing, malformações específicas de cabeça e/ou pescoço, também são consideradas fatores de risco para desenvolvimento de perda auditiva.

Quanto à prematuridade, outro importante fator de risco para desenvolvimento de perda auditiva, não está clara a existência de relação direta de causa-efeito entre a infecção herpética 14 e o trabalho de parto pré-termo, apesar das elevadas taxas de prematuridade (40-50%) em gestantes portadoras de herpes simples tipo 2. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, são considerados recém-nascidos pré-termo aqueles com idade gestacional inferior a 37 semanas.

A infecção herpética causada pelo herpes zoster pode gerar complicações em 0,2 a 0,5 % dos indivíduos afetados e resulta em alterações do sistema nervoso central, dando origem a encefalites e meningoencefalites 15,16. A neurite periférica múltipla, resultante do processo infeccioso, pode ou não gerar complicações otológicas, de caráter secundário, incluindo a surdez súbita, vertigem rotatória associada a manifestações neurovegetativas, tumefação do pavilhão auditivo, otalgia, zumbido, plenitude auricular e queimação. As manifestações da infecção podem expandir-se, vindo a afetar também o meato acústico interno e nervos trigêmeo (V), vago (X) e glossofaríngeo (IX), em função da proximidade anatômica de tais estruturas 16. Herpes Zoster Óticus é a infecção viral inflamatória temporária que se caracteriza por erupções herpéticas na pele do conduto auditivo externo e/ou porções da orelha, podendo ser acompanhada de perda auditiva 17. Não raramente tais sintomas encontram-se associados à paralisia facial 17 caracterizando, dessa forma, a Síndrome de Ramsay-Hunt.

A respeito da avaliação audiológica, achados da literatura mostraram que à inspeção visual do meato acústico externo foram observadas membranas timpânicas íntegras e normais, evidenciando apenas a presença de vesículas de líquido no pavilhão e conduto auditivos 18. À audiometria tonal liminar observaram-se graus de perda auditiva que variaram de severo a profundo, embora também tenham sido relatados casos em que os graus da perda auditiva apresentaram-se de leve a moderado. O grau mais leve da perda auditiva foi sugestivo de comprometimento parcial do córtex auditivo ou da função auditiva da via extrageniculada 15.

Alguns estudos relataram recuperação da perda auditiva, de forma espontânea e satisfatória nos casos em que houve lesão coclear e grau de perda moderado, desde que associadas a tratamento antiviral em longo prazo 16. Mais raramente, observou-se elevação progressiva dos limiares para tom puro nos indivíduos acometidos 16. Outros estudos sugeriram que o vírus herpes zoster afeta em maior grau as células sensoriais do Órgão de Corti do que o gânglio espiral da cóclea ou nervo vestibulococlear no meato acústico interno.

Estudos verificaram que 93% dos recém-nascidos portadores de infecção congênita são assintomáticos ao nascimento e uma porcentagem de 10 a 15% deles desenvolve perda auditiva. Da mesma forma, outros estudos encontraram alta prevalência de deficiência auditiva em crianças infectadas pelo herpes simples 19. Muitas delas apresentaram perda auditiva neurossensorial de grau profundo, necessitando de medidas especiais de reabilitação e educação. Com base nesses dados, aponta-se que o diagnóstico precoce da infecção por herpes simples se faz extremamente necessário para possibilitar a identificação, também de forma precoce, da população de risco para deficiência auditiva. Com relação a esse fato, alguns autores ainda sugeriram a realização de programas educacionais de saúde, abordando o tema para todas as mulheres em idade reprodutiva, com o objetivo de minimizar a incidência de infecções causadas por herpes simples 4.

Em relato de 20 casos envolvendo crianças que obtiveram confirmação laboratorial de infecção neonatal por herpes simples e avaliados por meio da audiometria em campo livre, obteve-se confirmação de perda auditiva em duas delas 19. Estas foram de grau moderado a grave, sendo que em um dos casos o acometimento ocorreu de forma unilateral e no outro, bilateralmente 19. É importante ressaltar que neste estudo não foram especificados o momento da realização das avaliações ou mesmo a ocorrência de avaliações subsequentes ao longo do desenvolvimento dessas crianças, para que se tornasse possível a determinação de perda auditiva progressiva. Em contrapartida, um estudo canadense relatou 58 casos de infecção neonatal por herpes simples com identificação após os três anos de idade. Neste, das 49 crianças sobreviventes e participantes da amostra, nenhuma apresentou perda auditiva nos primeiros dois meses de vida 19.

Ressalta-se que aproximadamente 95% delas receberam tratamento com medicação antiviral.

Em experimento com porcos, no qual o vírus herpes simples do tipo 1 foi injetado no espaço perilinfático na orelha interna destes animais, foram evidenciadas alterações como atrofia do Órgão de Corti e da estria vascular, anomalias da membrana tectória e perda de neurônios, além de perda auditiva neurossensorial súbita 20. Resultados semelhantes foram obtidos em estudos histopatológicos realizados em cadáveres com perda auditiva neurossensorial súbita clinicamente diagnosticada 21, concluindo que tal perda auditiva pode ter etiologia viral.

Recentemente, diversos estudos relataram a detecção de herpesvirus humanos junto ao fluido da orelha média em pacientes que apresentam otite média aguda 22. A partir da análise de cadáveres de indivíduos HIV positivos, que apresentavam sintomas de otite média aguda, foram encontrados e isolados da cavidade da orelha média, fluidos da orelha interna e outras partes do corpo, vírus herpéticos humanos como o citomegalovirus e herpes simples.

Em estudos sobre a causa da otite média secretora 23, foram observados vários casos de progressão da otite média aguda para otite média secretora, quando envolviam a presença do herpes no organismo. Tais achados podem ser explicados pelo fato de que os danos causados pelo herpes ocorrem diretamente nas células epiteliais da tuba auditiva, causando tumefação e impedindo que a mesma exerça sua principal função, equilibrar as pressões atmosféricas entre orelha média e o meio externo.

A presença do herpes causa um estado de imunocomprometimento do organismo e que, por sua vez, leva a dificuldades de eliminação da bactéria causadora da otite média aguda pelo mesmo, após a infecção. Sendo assim, o estabelecimento da infecção nesses casos, depende da relação entre a resposta do sistema imunológico do organismo acometido e a capacidade de proliferação do microorganismo 22.

Da mesma forma que no estudo anterior, outros autores colocaram em questão a etiologia da otite média secretora, uma vez que é comum encontrar nesses casos, uma série de agentes virais combinados ou não com bactérias. Tais agentes são, provavelmente, herpesvirus humanos latentes. Seus resultados mostraram potencial relação entre a infecção por quaisquer herpesvirus humanos e a evolução da otite média aguda para uma otite média secretora. Dessa forma, acredita-se que o herpes vírus afeta diretamente o prognóstico dos indivíduos acometidos por otite média aguda 22.

Diferentes autores relacionaram o herpes com a ocorrência de Doença de Ménière, relatando que em seus resultados, evidenciaram a presença de herpes simples nos líquidos da orelha interna de pacientes com a doença. Assim, sustentaram a hipótese de uma possível participação do herpes vírus na etiologia da disfunção 24,25.

Como consequência secundária à infecção por herpes simples, a agnosia auditiva, também conhecida como surdez cortical, ocorre mais frequentemente em casos pediátricos 15,16. Conforme os Descritores em Ciências da Saúde, de uma forma geral, a agnosia é definida como a "perda da habilidade de compreender o significado ou reconhecer a importância de várias formas de estimulação que não podem ser atribuídas à deficiência de uma modalidade sensorial primária". A agnosia se explica pelas lesões causadas por necroses focais do córtex que ocorrem principalmente nas regiões temporal e órbitofrontal do cérebro. Tais lesões acometem o córtex auditivo bilateralmente 26.

Comprovadamente a idade em que o individuo é acometido pelo vírus interfere diretamente no seu desenvolvimento subsequente, envolvendo questões de sociabilidade, desenvolvimento de linguagem e principalmente desempenho escolar e aprendizagem. Dessa forma, quanto mais precocemente um indivíduo é acometido, mais severas são as sequelas com relação à linguagem, podendo tornar dificultoso o seu processo educacional. No entanto, o comprometimento da linguagem depende, também, do envolvimento ou não de outras áreas corticais relacionadas a ela 16. Neste estudo, verificou-se desenvolvimento normal sob todos os aspectos até o momento do acometimento por herpes em todas as crianças envolvidas no estudo. A queixa comum entre os pacientes apresentou-se como "indiferença ao som" e, a partir das avaliações realizadas, observou-se resultados normais à audiometria de tronco encefálico, compatíveis com limiares de 15 a 20 dB, nos quatro casos relatados. Da mesma forma, na pesquisa dos reflexos acústicos foi verificada a presença de todos os reflexos. O estudo utilizou a pesquisa dos reflexos acústicos como referência para o esboço de um possível audiograma, visto que o teste com o tom puro seria de difícil ou impossível realização 15. Contrariando os resultados aparentemente normais verificados pela audiometria de tronco encefálico e pesquisa dos reflexos acústicos, os audiogramas apresentaram limiares auditivos rebaixados, configurando e confirmando graus de perda auditiva que variaram de leve a moderado 16.

Em suma, indivíduos que sofrem de agnosia auditiva, fisiologicamente podem ouvir, uma vez que audiogramas, mesmo representando limiares aproximados, mostraram alguma audição residual. No entanto, sabe-se que a sensibilidade auditiva inexiste, tendo em vista o comprometimento do córtex auditivo primário por lesão bilateral do mesmo 15. Ressalta-se que para esses pacientes, no que diz respeito à educação, é recomendada a escolha de escolas especializadas na educação de surdos, por serem melhores capacitadas e direcionadas a suprir a necessidade de atenção especial educacional em casos desta natureza.

O herpes, principalmente o herpes simples do tipo 2, é citado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo 27, como um dos prováveis fatores etiológicos no caso de meningites virais, resultando em seqüelas graves, como retardo mental, surdez, convulsões e perdas motoras ou sensoriais.

CONCLUSÃO

O vírus do herpes, de forma geral, apresenta estreita relação com a ocorrência de distúrbios auditivos, de variadas naturezas, independentemente da idade em que o indivíduo é acometido, embora não seja comprovadamente a causa principal da ocorrência de comprometimento auditivo em indivíduos expostos ao vírus. Consequentemente, ocorrem alterações no sistema auditivo, que afetam diretamente o funcionamento desta principal via de percepção da linguagem oral, ocasionando uma quebra do processo comunicativo.

É essencialmente por este motivo, que o herpes se torna de especial interesse para a Fonoaudiologia e suas diversas áreas. No entanto, o vírus ainda é pouco conhecido e estudado no que diz respeito à suas implicações relacionadas especificamente a esta ciência. Sugere-se a continuação dos estudos sobre o vírus do herpes, bem como de maiores buscas por esclarecimentos no que tange aos seus efeitos sobre a audição humana.

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Fga. Dra. Ceres Helena Buss, pelo carinho, respeito, credibilidade, dedicação e orientação neste trabalho.

Aos mestres, por todo o conhecimento, em especial ao professor Cláudio Cechella, pelas inúmeras contribuições.

Recebido em: 23/12/2008

Aceito em: 16/08/2009

Conflito de interesses: inexistente

  • 1. Martinho A. Herpesvirus humanos. [monografia]. Évora (Portugal): Universidade de Évora; 2003.
  • 2. Varella RB, Pires IL, Saraiva CA, Guimarães ACC, Guimarães MAAM. Diagnóstico laboratorial da infecção pelo vírus herpes simples (HSV) em pacientes transplantados e não-transplantados. J Bras Patol Med Lab. 2005; 41(4):257-62.
  • 3. Gopal R, Gibbs T, Slomka MJ, Withworth J, Carpenter LM, Vyse A, et al. A monoclonal blocking EIA for herpes simplex virus type 2 antibody: validation for seroepidemiological studies in Africa. J Virol Methods. 2000; 87(1-2):71-80.
  • 4. Sauerbrei A, Wutzler P. Herpes simplex and varicella-zoster virus infections during pregnancy: current concepts of prevention, diagnosis and therapy. Part 1: herpes simplex virus infections. Med Microbiol Immunol. 2007; 196(2):89-94.
  • 5. Insinga RP, Itzler RF, Pellissier JM, Saddier P, Nikas AA. The incidence of herpes zoster in a United States administrative database. J Gen Intern Med. 2005; 20(8):748-53.
  • 6. Gebo KA, Kalyani R, Moore RD, Polydefkis MJ. The incidence of, risk factors for, and sequelae of herpes zoster among HIV patients in the highly active antiretroviral therapy era. J Acquir Immune Defic Syndr. 2005; 40(2):169-74.
  • 7. Glesby MJ, Hoover DR, Tan T, Shi Q, Gao W, French AL, et al. Herpes zoster in women with and at risk for HIV: data from the women's interagency HIV study. J Acquir Immune Defic Syndr. 2004; 37(5):1604-9.
  • 8. Westerberg BD, Atashband S, Kozak FK. A systematic review of the incidence of sensorineural hearing loss in neonates exposed to Herpes simplex virus (HSV). Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2008; 72(7):931-7.
  • 9. Vieira EP, Tochetto TM, Pedroso FS. Indicadores de risco para a deficiência auditiva infantil: infecções congênitas. Fono Atual. 2005; 8(32):61-7.
  • 10. Gatto CI, Tochetto TM. Deficiência auditiva infantil: implicações e soluções. Rev CEFAC. 2007; 9(1):110-5. dx.doi.org/10.1590/S1516-18462007000100014
  • 11. Gabriel SA, Tristão CK, Santos NBS, D'Ávila VL, Cliquet MG. Perda súbita da audição e infiltração neoplásica de sistema nervoso central como complicações da leucemia mieloide crônica. Rev Fac Ciênc Med. 2007; 9(2):15-8.
  • 12. Maia RA, Cahali S. Surdez súbita. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004; 70(2):238-48.
  • 13. Tiensoli LO, Goulart LMHF, Resende LM, Colosimo EA. Triagem auditiva em hospital público de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil: deficiência auditiva e seus fatores de risco em neonatos e lactentes. Cad. Saúde Pública. 2007; 23(6):1431-41.
  • 14. Arvin AM, Whitley RJ, Gutierrez KM. Herpes simplex virus infections. In: Remington JS, Klein JO, Wilson CB, Baker CJ, organizadores. Infectious diseases of the fetus and newborn infant. 6. ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2006. p. 845-65.
  • 15. Kaga K, Kaga M. Tamai F, Shindo M. Auditory agnosia in children after herpes encephalitis. Acta Otolaryngol. 2003; 123(2):232-5.
  • 16. Kaga M, Shindo M, Kaga K. Long-term follow-up of auditory agnosia as a sequel of herpes encephalitis in a child. J Child Neurol. 2000; 15(9):626-9.
  • 17. Rivas GG, Monedero G, Teba JM, Esteban L, Sanz R. Infección por herpes zoster con afectación cocleovestibular aislada (sin parálisis facial). Acta Otorrinolaringol Esp. 2006; 57(4):189-92.
  • 18. Jerger S, Jerger J. Alterações auditivas: um manual para avaliação clínica. São Paulo: Atheneu; 1989.
  • 19. Burton S, Embree JE, et al. Neonatal herpes simplex virus infections in Canada: results of a 3-year national prospective study. Pediatrics. 2006; 117(6):1955-62.
  • 20. Tucci DL. Sudden sensorineural hearing loss: a viral etiology? Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2000; 126(9):1164-5.
  • 21. Stokroos RJ, Albers FWJ, Schirm J. The etiology of idiopathic sudden sensorineural hearing loss: experimental herpes simplex virus infection of the inner ear. Am J Otol. 1998; 19(4):447-52.
  • 22. Shinogami M, Ishibashi T. Presence of human herpesviruses in young children with acute otitis media. Int J Pediatr Otorhinolaringol. 2004; 68(2):205-10.
  • 23. Bulut Y, Karlidag T, Seyrek A, Keles E, Toraman ZA. Presence of herpesviruses in middle ear fluid of children with otitis media with effusion. Pediatr Int. 2007; 49(1):36-9.
  • 24. Arnold W, Niedermeyer HP. Herpes simplex virus antibodies in the perilymph of patients with Menière disease. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1997; 123(1):53-6.
  • 25. Selmani Z, Marttila T, Pyykkö I. Incidence of virus infection as a cause of Meniere's disease or endolymphatic hydrops assessed by electrocochleography. Eur Arch Oto-Rhino-Laryngol. 2005; 262(4):331-4.
  • 26. Kaga K, Shindo M, Tanaka Y, Haebara H. Neuropathology of auditory agnosia following bilateral temporal lobe lesions: a case study. Acta Otolaryngol. 2000; 120(2):259-62.
  • 27. Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. Meningites virais. Rev Saúde Pública. 2006; 40(4):748-50.
  • Endereço para correspondência:

    Larissa Cristina Schuster
    Rua Duque de Caxias, 1505/308
    Santa Maria - RS
    CEP: 97015-190
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      23 Dez 2008
    • Aceito
      16 Ago 2009
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br