RESUMO
Objetivos:
analisar se existem alterações miofuncionais orofaciais clínicas e autorreferidas em trombonistas, assim como comparar a atividade elétrica do músculo orbicular da boca antes e após o uso do trombone.
Métodos:
estudo transversal e observacional, cuja amostra foi composta por 20 universitários trombonistas. Foi utilizado um questionário que investiga algumas particularidades sobre o instrumentista, da Avaliação Miofuncional Orofacial Com Escores Ampliados - AMIOFE-A e análise eletromiográfica do músculo orbicular da boca antes e após execução de uma tarefa com o trombone. Foram calculadas: média, desvio padrão, frequência e porcentagem e utilizou-se o teste t-Student pareado na comparação das médias dos registros eletromiográficos pré e pós-execução do trombone, significância=5%.
Resultados:
setenta por centro dos trombonistas relataram algum sintoma de alteração miofuncional orofacial, sendo compensações musculares, tensão e dor. Na avaliação miofuncional encontrou-se alteração leve no volume de bochechas (90%) e comissuras labiais com assimetria (60%). Houve redução significante da atividade elétrica do músculo orbicular inferior após a execução de tarefa com trombone (p=0,04), enquanto a do superior permaneceu inalterada.
Conclusão:
trombonistas apresentam alterações oromiofuncionais clínicas e autorreferidas e diminuição da atividade elétrica do músculo orbicular inferior da boca após uso do trombone.
Descritores:
Sistema Estomatognático; Músicos; Eletromiografia; Músculos Faciais
ABSTRACT
Objective:
to analyze whether trombonists present orofacial myofunctional changes and compare the electrical activity of the orbicularis oris muscle before and after playing their instrument.
Methods:
an observational, descriptive, and cross-sectional study. The sample consisted of 20 university trombonists. Data collection involved three steps: application of a questionnaire investigating some peculiarities of trombonists (Orofacial Myofunctional Evaluation with Expanded Scores - OMES-E), and electromyographic analysis of the orbicularis oris muscle before and after performing a piece with the trombone. The mean, standard deviation, frequency, and percentage were calculated, and the paired Student’s t test was used to compare the means of the electromyographic records before and after playing the trombone, at a 5% significance.
Results:
seventy per cent of trombonists reported some symptom of orofacial myofunctional alteration, namely, muscle compensations, tension, and pain. The myofunctional evaluation showed a mild change in cheek volume (90%) and labial commissure asymmetry (60%). The electrical activity of the lower orbicularis oris muscle decreased significantly after the trombone practice (p = 0.04), while that of the superior orbicularis oris muscle remained unchanged. Conclusion:trombonists show clinical and self-reported oromyofunctional changes as well as decreased electrical activity of the lower orbicularis oris muscle, after playing the trombone.
Keywords:
Stomatognathic System; Musicians; Electromyography; Facial Muscles
Introdução
Os músculos orbiculares da boca são complexos e possuem fibras intrínsecas e extrínsecas que formam os lábios, estruturas mais móveis da face11. Douglas CR. Fisiologia aplicada à fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2006.,22. Pernambuco LA, Cunha RA, Lins O, Leão JC, Silva HJ. A eletromiografia de superfície nos periódicos nacionais em Fonoaudiologia. Rev. CEFAC. 2010;12(4):685-92.
Qualquer alteração nas estruturas e funções estomatognáticas (SE) pode causar desorganização de todo o sistema11. Douglas CR. Fisiologia aplicada à fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2006.,33. Silva HJ, Cunha DA. O sistema estomatognático: anatomofisiologia e desenvolvimento. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2011., inclusive da atividade elétrica muscular desencadeada pela excitação das fibras musculares pelas fibras nervosas e que pode ser captada por meio da eletromiografia de superfície (EMGS)22. Pernambuco LA, Cunha RA, Lins O, Leão JC, Silva HJ. A eletromiografia de superfície nos periódicos nacionais em Fonoaudiologia. Rev. CEFAC. 2010;12(4):685-92.
Um dos fatores que pode levar ao desequilíbrio do SE é o uso excessivo ou inadequado das estruturas e funções desse sistema. O uso constante de instrumentos musicais pode ser considerado como uma das causas de complicações orofaciais, com destaque para os instrumentos de sopro. Sendo assim, os músicos de sopro estão expostos a fatores de riscos próprios do seu trabalho44. Frias-Bulhosa J. Impactos oro-faciais associados à utilização de instrumentos musicais. Rev. Portuguesa de Estomatol Med Dent Cir Maxilofacial. 2012;53(2):108-16..
Executar um instrumento musical é visto como algo prazeroso e harmonioso, e quase não se nota o verdadeiro esforço que tem por trás de uma belíssima performance. Cada vez mais se busca a melodia perfeita e, para isso, é preciso coordenação, flexibilidade, condição e motricidade fina. Para obter sucesso na vida profissional, muitos instrumentistas utilizam mais do que sua capacidade de concentração, velocidade, precisão e resistência, fatores estes que podem desencadear afecções no complexo orofacial55. Zimmers P, Gobetti J. Head and neck lesions commonly found in musicians. Journal Am Dent Assoc. 1994;125(11):1487-96.
6. Yeo D, Pham T, Baker J, Porter S. Specific orofacial problems experienced by musicians. Aust Dent J. 2002;47:(1):2-11.
7. Gansenzer E, Parncutt R. How do musicians deal with their medical problems? 9th Internacional Coference on Music Perception and Cognition. Alma Mater Studiorum Bologna University. 2006.-88. Steimetz A, Ridder P, Methfessel G, Muche B. Professional musicians with craniomandibular dysfunctions treated with oral splints. Cranio. 2009;27(4):221-30..
Nos últimos anos, os profissionais da saúde têm buscado mais informações a respeito de como os instrumentos musicais agem no corpo humano99. Frank A, Muhlen CV. Queixas musculoesqueléticas em músicos: prevalência e fatores de risco. Rev. Bras. Reumatol. 2007;47(3):188-96.. Alguns autores destacam a importância da avaliação miofuncional orofacial e definem estratégias para a sua realização1010. Bianchini EMG. Avaliação fonoaudiológica da motricidade oral: distúrbios miofuncionais orofaciais ou situações adaptativas. Rev. Dent. Press Ortodon. Ortop. Facial. 2000;6(3):73-82.
11. Marchesan IQ. Frênulo lingual: proposta de avaliação quantitativa. Rev. CEFAC. 2004;6(3):288-93.
12. Junqueira P. Avaliação miofuncional. In: Marchesan IQ (org). Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.p.19-27.-1313. Genaro KF, Berretin F, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação Miofuncional Orofacial - Protocolo MBGR. Rev. CEFAC. 2009;11(2):237-55.. Apesar de sua reconhecida importância, a avaliação clínica apresenta limitações relacionadas à subjetividade1414. Trindade IEK, Genaro KF, Yamashita RP, Miguel HC, Fukushiro AP. Proposta de classificação da função velofaríngea na avaliação perceptivo-auditiva da fala. Pró-Fono R Atual. Científ. 2005;17(2):259-62.,1515. Folha GA. Ampliação das escalas numéricas do Protocolo Avaliação Miofuncional Orofacial (AMIOFE-A), validação e confiabilidade [dissertação]. Ribeirao Preto (SP): Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2010.. Nesta perspectiva, a EMGS é um exame complementar quantitativo que determina a ação da musculatura, podendo investigar clinicamente as condições da atividade elétrica muscular, verificando assim a fisiologia no que diz respeito às suas ações1616. Silva HJ. Protocolos de Eletromiografia de Superfície em Fonoaudiologia. Pró-Fono: Barueri, 2013.
17. Rahal A, Pierotti S. Eletromiografia e cefalometria na Fonoaudiologia. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO (orgs). Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 2004. p. 237-53.-1818. Tomé MC, Marchiori SC. Análise eletromiográfica dos músculos orbiculares superior e inferior da boca em crianças respiradoras nasais e bucais durante a emissão de sílabas. Pró-Fono R Atual. Científ. 1999;11(1):1-7..
No caso dos músicos trombonistas é notório o uso constante do músculo orbicular da boca, composto por fibras intrínsecas e extrínsecas que formam os lábios superior e inferior, estruturas mais móveis da face11. Douglas CR. Fisiologia aplicada à fonoaudiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2006.,22. Pernambuco LA, Cunha RA, Lins O, Leão JC, Silva HJ. A eletromiografia de superfície nos periódicos nacionais em Fonoaudiologia. Rev. CEFAC. 2010;12(4):685-92.
Levando em consideração o número reduzido de estudos na área de motricidade orofacial com essa população, o objetivo do estudo foi analisar se existem alterações miofuncionais orofaciais clínicas e autorreferidas em trombonistas, assim como comparar a atividade elétrica do músculo orbicular da boca antes e após o uso do trombone
O estudo foi norteado pelas seguintes perguntas: Quais as características das estruturas e como são desempenhadas as funções estomatognáticas em trombonistas? O uso do trombone provoca mudanças significantes nos registros eletromiográficos do músculo orbicular da boca? Há uma percepção dos músicos em relação a essas características e funções, sobretudo na presença de alterações?
Diante disso, e levando em consideração o número reduzido de evidências na área de Motricidade Orofacial com essa população, esse estudo teve como objetivos analisar se existem alterações miofuncionais orofaciais clínicas e autorreferidas em trombonistas, assim como comparar a atividade elétrica do músculo orbicular da boca antes e após o uso do trombone. Considerou-se as hipóteses: alterações miofuncionais orofaciais estão presentes em trombonistas; esses músicos percebem a presença de alterações; e que o uso do trombone interfere nos registros eletromiográficos do músculo orbicular da boca.
Métodos
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, PB, Brasil, sob número de protocolo: 1.826.161 e segue as recomendações de critérios e exigências estabelecidas pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Trata-se de estudo de caráter observacional, descritivo e transversal1919. Lakatos EM, Marconi MA. Fundamento de metodologia científica. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2003.. A amostra não probabilística foi composta por 20 adultos jovens, do sexo masculino, entre 18 e 30 anos de idade. A seleção dos participantes ocorreu por intermédio de um critério de conveniência relacionado à população universitária de trombonistas. Todos os sujeitos envolvidos tiveram sua participação voluntária no estudo, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após receberem informações a respeito de todos os procedimentos do estudo.
Foram incluídos no estudo, jovens universitários do curso de música, de uma universidade pública, devidamente matriculados nas classes de trombone 1 a 8. Foram excluídos da amostra sujeitos do sexo feminino, pelos aspectos fisiológicos da musculatura.
Os sujeitos que concordaram em participar voluntariamente da pesquisa foram solicitados a responder um questionário (ANEXO A Anexo A ) elaborado pelos próprios pesquisadores que abordou a trajetória musicista do trombonista e o autorrelato de sinais e sintomas de alterações miofuncionais orofaciais relacionados ao uso do instrumento. Logo em seguida, os sujeitos foram submetidos à Avaliação Miofuncional Orofacial com a aplicação do protocolo AMIOFE-A, por ser este um instrumento específico e abrangente da área de Motricidade Orofacial com escores ampliados, que permite detectar a graduação dos distúrbios miofuncionais orofaciais específicos1515. Folha GA. Ampliação das escalas numéricas do Protocolo Avaliação Miofuncional Orofacial (AMIOFE-A), validação e confiabilidade [dissertação]. Ribeirao Preto (SP): Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2010..
A primeira parte do protocolo é compreendida por dados pessoais do paciente avaliado. A avaliação começa pela Aparência e Condição Postural/Posição: face; relação mandíbula/maxila; lábios; músculo mentual; língua; palato duro e mobilidade dessas estruturas. Depois avalia as funções de respiração, deglutição e mastigação. Por fim, investiga outros comportamentos e sinais de alterações. Para aplicação do AMIOFE-A foram utilizados luvas de procedimento, pão francês e câmera digital da marca SONY, do modelo Cyber-shot DSC-W310, para o registro de imagem.
Após a Avaliação Miofuncional Orofacial com o Protocolo AMIOFE-A os voluntários foram submetidos à avaliação eletromiográfica do músculo orbicular da boca nas regiões superior e inferior dos lábios. Foi utilizado um eletromiógrafo de 4 canais da marca MIOTEC ® , modelo Miootol 200/400 USB, conectado por cabos a um computador portátil e funcionando em conjunto com o software Miograph, sendo utilizados apenas dois canais, referentes às regiões de interesse do músculo orbicular da boca e os demais canais desabilitados1616. Silva HJ. Protocolos de Eletromiografia de Superfície em Fonoaudiologia. Pró-Fono: Barueri, 2013.. Para este exame utilizou-se ainda luvas de procedimento, eletrodos de captação de superfície bipolares tipo disco descartáveis, gaze e álcool 70% para higienização da pele.
O exame consistiu na colocação de um eletrodo bipolar na superfície da pele em cada uma das regiões musculares investigadas. O eletrodo terra foi posicionado na região do cotovelo1616. Silva HJ. Protocolos de Eletromiografia de Superfície em Fonoaudiologia. Pró-Fono: Barueri, 2013..
O procedimento foi feito em uma sala fechada, sem interferências elétricas ou eletromagnéticas. Foi retirado o excesso de oleosidade da superfície muscular com gaze e álcool, e então foram fixados os eletrodos de superfície. Os registros eletromiográficos foram captados em situação de repouso em dois momentos: antes e após o uso do trombone. Após a primeira coleta eletromiográfica, o trombonista executou a música intitulada “Cantiga Brasileira” de Gilberto Gagliard. O trombone utilizado foi do tipo tenor, campana e volta de afinação Conn, válvula kanstul e vara Edward “dual bore” e com ponta de níquel, bocal Peter Picket 5.5. Finalizada a execução da música, o voluntário foi resubmetido à avaliação eletromiográfica.
Durante os dois registros eletromiográficos em situação de repouso, cada voluntário permaneceu com os lábios em sua postura habitual e os músculos da face relaxados. Ao final da coleta, avaliaram-se os traçados eletromiográficos em RMS (Root Mean Square), selecionando-se as janelas para análise, eliminando-se os segundos iniciais e finais para evitar interferências. O tempo gasto durante a realização de todo o procedimento com cada um dos sujeitos, foi de aproximadamente 45 minutos.
Os dados foram categorizados e alocados em planilha digital. Posteriormente, as variáveis foram analisadas de forma descritiva e inferencial, por meio do software estatístico R, versão 2.11.0. Na análise descritiva foram calculadas medidas de frequência e tendência central. Para análise inferencial, a partir da observação da normalidade da distribuição dos dados, utilizou-se o teste t-Student pareado na comparação dos valores eletromiográficos médios pré e pós-execução do trombone. Considerou-se a significância de 5%.
Resultados
A amostra foi composta por 20 trombonistas do sexo masculino com média de 24,5 (±2,9) anos de idade.
Em relação à Tabela 1, é possível verificar que 18 (90%) sujeitos executam o instrumento de sopro trombone há mais de 5 anos. Dos participantes, 16 (80%) deles praticam o instrumento entre 5 e 6 dias da semana. Em relação às horas diárias de prática 40% afirmaram 3 horas de prática. Todos os sujeitos participantes não trabalham com outra ocupação, além da música.
Quanto à percepção dos sujeitos sobre sinais e sintomas de alterações oromiofuncionais, apresentado na Tabela 2, pode-se observar que 11 sujeitos (55%) afirmaram fazer compensações musculares. Dos 14 sujeitos que relataram sintomas, 7 (35%) citaram o sintoma fadiga, 3 (15%) sentem tensão, 2 afirmaram sentir mais de um sintoma, apenas 1 (5%) relatou o sintoma dor e outro (5%) fraqueza na região cervical. A maioria dos pesquisados afirmou executar o instrumento na postura adequada e que atualmente sua musculatura é mais resistente. Apenas um instrumentista procurou profissional da saúde para tratar problema relacionado à alteração miofuncional orofacial.
Percepção de trombonistas sobre sinais e sintomas de alterações miofuncionais relacionados à execução do instrumento
Quanto à condição postural das estruturas do SE foi observada elevada proporção de alteração leve no volume de bochechas (90%) e de alteração em relação à linha média (85%), além de assimetria facial leve em metade dos sujeitos (Tabela 3).
Dados da condição postural das estruturas do sistema estomatognático (face, bochechas e mandíbula) de trombonistas
Sobre a aparência e condição postural das estruturas do sistema estomatognático (lábios, mento, língua, palato duro) dos trombonistas, foi possível notar que a maioria dos avaliados demonstraram padrões dentro da normalidade, sendo que a variável ‘comissuras labiais’ com rebaixamento ou assimetria esteve presente em 60% (12) dos sujeitos (Tabela 4).
Dados da condição postural das estruturas do sistema estomatognático (lábios, mentual, língua, palato duro) de trombonistas
Pode-se afirmar que a maioria dos trombonistas conseguiu desempenhar a mobilidade de lábios sem apresentar insuficiência, sendo que nos movimentos de lateralidade 25% apresentaram insuficiência. Nos movimentos de língua constata-se que nas habilidades de protrusão, lateralidade, elevar e abaixar, alguns dos sujeitos foram insuficientes na execução. Sobre a mobilidade da mandíbula nota-se que a habilidade mais afetada foi a de abaixar.
Dezenove sujeitos (95%) conseguiram inflar e lateralizar o ar, todos realizaram a habilidade de movimentação das bochechas normalmente, por serem movimentos treinados diariamente, ao tocar o trombone.
No que se refere à função de respiração, 55% dos avaliados tiveram a respiração do tipo oronasal, divididos nos três graus. Em relação à mastigação apenas um sujeito não desempenhou a função normalmente, por não conseguir formar o bolo sólido. Na deglutição, 15% (n=3) contraíram a musculatura orbicular da boca.
Houve redução dos valores eletromiográficos após a execução do instrumento para o lábio superior e inferior, tendo diferença estatisticamente significante apenas para o músculo orbicular inferior.
Discussão
O presente estudo identificou alterações oromiofuncionais clínicas e autorreferidas por trombonistas assim como a redução da atividade elétrica da região inferior do músculo orbicular da boca.
O fato dos sujeitos serem universitários e trabalharem exclusivamente com música facilitou a análise das variáveis dispostas. A escolha do sexo masculino ocorreu com a finalidade de se evitarem vieses que poderiam interferir nos resultados, devido às características intrínsecas de cada sexo.
Não há uma importante conscientização do quanto que alguns comportamentos como, por exemplo, a prática de um instrumento de sopro, podem trazer danos à saúde77. Gansenzer E, Parncutt R. How do musicians deal with their medical problems? 9th Internacional Coference on Music Perception and Cognition. Alma Mater Studiorum Bologna University. 2006.,2020. Freitas DCV, Marques K. Prevalência da disfunção temporomandibular em violinistas e violistas da Orquestra Petrobras Sinfônica. Rev Eletrônica Novo Enfoque. 2010;10:58-67.. Considerando os achados relacionados à trajetória instrumentista do grupo estudado, foi possível notar que os trombonistas têm uma frequência de prática de no mínimo seis dias na semana por mais de duas horas ao dia. Em relação a este fato, estudos mostram que o tempo de estudo dedicado ao instrumento pode fazer com que as estruturas e funções do SE sejam utilizadas exageradamente e, muitas vezes, inadequadamente55. Zimmers P, Gobetti J. Head and neck lesions commonly found in musicians. Journal Am Dent Assoc. 1994;125(11):1487-96.
6. Yeo D, Pham T, Baker J, Porter S. Specific orofacial problems experienced by musicians. Aust Dent J. 2002;47:(1):2-11.
7. Gansenzer E, Parncutt R. How do musicians deal with their medical problems? 9th Internacional Coference on Music Perception and Cognition. Alma Mater Studiorum Bologna University. 2006.-88. Steimetz A, Ridder P, Methfessel G, Muche B. Professional musicians with craniomandibular dysfunctions treated with oral splints. Cranio. 2009;27(4):221-30..
No estudo os sujeitos alegaram não utilizarem mais do que sua capacidade física na prática do instrumento, porém há relatos na literatura sobre uma busca obstinada pelo desempenho ideal, muitas vezes levando o trombonista a um esforço físico exagerado99. Frank A, Muhlen CV. Queixas musculoesqueléticas em músicos: prevalência e fatores de risco. Rev. Bras. Reumatol. 2007;47(3):188-96.. Constatou-se nesta pesquisa que os sujeitos precisam fazer compensações na musculatura facial e cervical, revelando que alguns indivíduos podem apresentar características anatômicas que não facilitam a prática do instrumento e tendem a realizar tais compensações, podendo trazer danos à saúde do complexo orofacial44. Frias-Bulhosa J. Impactos oro-faciais associados à utilização de instrumentos musicais. Rev. Portuguesa de Estomatol Med Dent Cir Maxilofacial. 2012;53(2):108-16.. Por isso a necessidade de os profissionais da saúde oral fornecerem informações acerca dos possíveis comprometimentos que podem ser causados pela execução de instrumentos de sopro, a fim de minimizar os sintomas secundários que podem acometer o SE2121. Iranzo M, Pérez-Soriano P, Camacho C, Belloch S, Cortell-Tormo J. Playing-related musculoskeletal disorders in woodwind, brass and percussion players: a review. J. Hum. Sport Exerc. 2010;5(1):94-100..
O instrumentista tende a adaptar o instrumento à sua condição física, à custa do movimento fisiológico. No geral, a postura relacionada ao instrumento é assimétrica e não ergonômica99. Frank A, Muhlen CV. Queixas musculoesqueléticas em músicos: prevalência e fatores de risco. Rev. Bras. Reumatol. 2007;47(3):188-96.. Porém, difere da sensação dos sujeitos entrevistados, que afirmaram tocar o trombone em postura adequada. Uma possível explicação para esse achado seria a falta de conhecimento por parte dos instrumentistas do que seria uma postura em equilíbrio, favorecendo o aparecimento de outras condições e complicações estruturais.
Os instrumentistas referiram sintomas de alteração do complexo orofacial associados à execução do trombone. A fadiga é o sintoma de maior queixa, seguidos de tensão na região orofacial. A dor é o sintoma mais relatado por instrumentistas no geral, incluindo músicos que tocam instrumentos de sopro99. Frank A, Muhlen CV. Queixas musculoesqueléticas em músicos: prevalência e fatores de risco. Rev. Bras. Reumatol. 2007;47(3):188-96.,2222. Lacerda F, Barbosa C, Pereira S, Manso MC. Estudo de prevalência das disfunções temporomandibulares em estudantes de instrumento de Sopro. Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac. 2015;56(1):25-33., mas a fadiga como sintoma também é relatada2323. Chesky K, Devroop K, Ford J. Medical problems of brass instrumentalists: prevalence rates for trumpet, trombone, French horn, and low brass. Med Probl Perform Artist. 2002;17(2):93-8.,2424. Steimetz A, Stang A, Kornhuber M, Röllinghroff M, Delank KS, Altenmüller E. From embouchure problems to dystonia? A survey of self-reported embouchure disordersin 585 professional orchestra brass players. Int Arch Occup Environ Health. 2014;87(7):783-92..
Quanto à aparência de lábios, mento, língua e palato duro dos trombonistas, foi possível observar que existe um padrão de normalidade, se comparado à outras populações. As estruturas anatômicas mais afetadas pela prática de instrumentos de sopro são as estruturas orofaciais e a coluna vertebral2525. Lederman RJ. Neuromuscular and musculoskeletal problems in instrumental musicians. Muscle & Nerve. 2003;27(5):549-61.. Essas observações caracterizam a aparência e condição postural das estruturas do sistema estomatognático dos voluntários desta pesquisa. Porém, elas podem não estar diretamente relacionadas com a execução do instrumento de sopro2626. Siqueira VCV, Sousa MA, Bérzin F, Casarini CAS. Análise eletromiográfica do músculo orbicular da boca em jovens com Classe II, 1ª divisão, e jovens com oclusão normal. Dental Press J Orthod. 2011;16(5):54-61..
Além disso, não existem trabalhos, até o momento, que investiguem a condição muscular com a população-alvo. Observou-se uma redução na atividade elétrica do músculo orbicular da boca, com diferença estatisticamente significante para o músculo orbicular da boca inferior. Desta forma, percebe-se que os segmentos superior e inferior do músculo orbicular da boca trabalham de forma independente, como já demonstrado em outro estudo2727. Zilli AS. Estudo eletromiográfico dos músculos orbiculares da boca, segmentos superior e inferior (região medial), em jovens com maloclusão Classe I de Angle [dissertação]. Piracicaba (SP): Universidade Estadual de Campinas; 1994..
A fadiga muscular se caracteriza como a incapa cidade da musculatura em manter elevados níveis de força no tempo2828. Santos MG, Dezan VH, Sarraf TA. Bases metabólicas da fadiga muscular aguda. Rev Bras C Mov. 2003;11(1):7-12.. Em um estudo em que se pesquisou a atividade elétrica dos músculos extrínsecos da laringe em sujeitos com e sem disfonia, concluiu-se que os grupos de músculos estudados apresentaram menor atividade elétrica, podendo ser indicativo de uma da redução da resistência muscular, ou a possibilidade de fadiga na musculatura estudada, talvez pelo uso excessivo desses músculos2929. Balata PMM, Silva HJ, Pernambuco LA, Amorim GO, Braga RS, Silva EGFS et al. Electrical activity of extrinsic laryngeal muscles in subjects with and without dysphonia. J Voice. 2015;29(1):129.e9-129.e17.. Sua ocorrência depende da duração, tipo e intensidade do exercício. Portanto, o fato da redução das médias elétricas dos músculos, encontradas no presente estudo, provavelmente, encontra-se relacionado com a execução do instrumento de sopro trombone. Faz-se um maior esforço da musculatura orbicular da boca em um intervalo curto de tempo, que dificulta o desempenho das funções básicas destes músculos, causando a necessidade de adaptações.
Sugere-se que o músculo orbicular da boca é mais propenso à fadiga em determinadas profissões, enquanto que em outras permanecem inalterados3030. Busanello-Stella AR, Silva AMT, Corrêa E. Research on fatigue in facial and jaw muscles: review of the literature. Rev. CEFAC. 2014;16(5):1627-38.. Logo, a utilização de instrumentos musicais de sopro deve ser motivo de particular atenção, pelo fato de estes poderem constituir uma fonte potencial de alterações patológicas nas estruturas e funções do sistema estomatognático. Existe, portanto, um importante desafio de prevenção e tratamento das complicações orofaciais junto destes indivíduos, uma vez que daí pode advir sequelas crônicas e incapacitantes para a prática musical, com inerentes repercussões, em alguns casos, profissionais44. Frias-Bulhosa J. Impactos oro-faciais associados à utilização de instrumentos musicais. Rev. Portuguesa de Estomatol Med Dent Cir Maxilofacial. 2012;53(2):108-16..
Conclusão
Os trombonistas apresentam alterações oromiofuncionais clínicas e autorreferidas. A atividade elétrica da região inferior do músculo orbicular da boca diminui e a da região superior não se altera após uso do trombone. Os resultados sugerem desequilíbrio do desempenho do SE nessa população.
REFERENCES
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2Pernambuco LA, Cunha RA, Lins O, Leão JC, Silva HJ. A eletromiografia de superfície nos periódicos nacionais em Fonoaudiologia. Rev. CEFAC. 2010;12(4):685-92
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3Silva HJ, Cunha DA. O sistema estomatognático: anatomofisiologia e desenvolvimento. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2011.
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4Frias-Bulhosa J. Impactos oro-faciais associados à utilização de instrumentos musicais. Rev. Portuguesa de Estomatol Med Dent Cir Maxilofacial. 2012;53(2):108-16.
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7Gansenzer E, Parncutt R. How do musicians deal with their medical problems? 9th Internacional Coference on Music Perception and Cognition. Alma Mater Studiorum Bologna University. 2006.
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10Bianchini EMG. Avaliação fonoaudiológica da motricidade oral: distúrbios miofuncionais orofaciais ou situações adaptativas. Rev. Dent. Press Ortodon. Ortop. Facial. 2000;6(3):73-82.
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12Junqueira P. Avaliação miofuncional. In: Marchesan IQ (org). Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.p.19-27.
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13Genaro KF, Berretin F, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação Miofuncional Orofacial - Protocolo MBGR. Rev. CEFAC. 2009;11(2):237-55.
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14Trindade IEK, Genaro KF, Yamashita RP, Miguel HC, Fukushiro AP. Proposta de classificação da função velofaríngea na avaliação perceptivo-auditiva da fala. Pró-Fono R Atual. Científ. 2005;17(2):259-62.
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15Folha GA. Ampliação das escalas numéricas do Protocolo Avaliação Miofuncional Orofacial (AMIOFE-A), validação e confiabilidade [dissertação]. Ribeirao Preto (SP): Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2010.
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16Silva HJ. Protocolos de Eletromiografia de Superfície em Fonoaudiologia. Pró-Fono: Barueri, 2013.
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Anexo A
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Jan 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
30 Abr 2020 -
Aceito
05 Out 2020